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Educação

versão impressa ISSN 0101-465Xversão On-line ISSN 1981-2582

Educação. Porto Alegre vol.45 no.1 Porto Alegre  2022  Epub 17-Jul-2023

https://doi.org/10.15448/1981-2582.2022.1.43989 

50 Anos PPGEDU PUCRS

O perfume da formação

The perfume of training

El perfume de la formación

Vera Lucia Felicetti1 

Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do sul (PUCRS), em Porto Alegre, RS, Brasil; pós-doutorado na Universidade de Maryland – College Park, Estados Unidos; mestre em Educação em Ciências e Matemática pela PUCRS. Professora da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), em Recife, PE, Brasil. Pesquisadora CNPq 1D. verafelicetti@gmail.com


http://orcid.org/0000-0001-6156-7121

1Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Recife, PE, Brasil.


Resumo:

Este texto contempla aspectos relativos à formação doutoral e os resultados dela decorrentes. Configuro essa formação associada aos saberes conquistados enquanto doutoranda, forjados nos saberes disciplinares e curriculares inerentes a esta formação; forjados com os saberes profissionais e os saberes experienciais (re)construídos enquanto professora na educação básica e estudante no doutorado. A formação conquistada como pesquisadora teve um olhar para o estudante em suas diferentes dimensões, com destaque para o percurso formativo, envolvendo os processos de ensino e aprendizagem e os resultados dessa formação enquanto egresso.

Palavras-chave: educação superior; formação doutoral; saberes docentes; egresso

Abstract:

This text covers aspects related to doctoral training and its results. I configure this training associated with the knowledge gained as a doctoral student, forged in the disciplinary and curricular knowledge inherent to this training; forged with professional knowledge and experiential knowledge (re)constructed as a teacher in Basic Education and a doctoral student. The training achieved as a researcher had to look at the student in its different dimensions, with emphasis on his training path, involving the teaching and learning processes and the results of this training as a graduate.

Keywords: higher education; doctoral training; teaching knowledge; graduates

Resumen:

Este texto aborda aspectos con la formación doctoral y los resultados de ella emergidos. Configuro esta formación asociada a los conocimientos adquiridos como estudiante de doctorado, forjados en los saberes disciplinares y curriculares inherentes a esta formación; forjados con saberes profesionales y saberes experienciales (re)construidos como docente en Educación Básica y estudiante de doctorado. La formación lograda como investigador miró al estudiante en sus diferentes dimensiones, con énfasis en su trayectoria formativa, involucrando los procesos de enseñanza y aprendizaje y los resultados de esta formación como egresado.

Palabras clave: educación universitaria; formación doctoral; saberes docentes; egresados

Introdução

Quando recebi o e-mail da coordenação do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGEdu) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), programa no qual me doutorei, para relatar “(…) a sua experiência como estudante do nosso programa e como influenciou na sua formação profissional”, confesso que me perguntei em um primeiro momento: seria uma descrição do Currículo Lattes ou algo assim? Bem, hoje, desenhando esta escrita em minha cabeça durante o café matinal, tenho claro que é muito mais que isso… Relatar, simplesmente, seria um Lattes ampliado, o link dele é público e mostra a trajetória de todos. Não precisaria eu ou qualquer outro egresso, então, reescrevê-lo. A essência desta escrita vai além…

Formação para a vida

Escrever acerca da minha experiência no doutorado é viajar no tempo. É recordar momentos ímpares em minha vida. É relembrar a partida de minha mãe, dois dias antes na ida para meu doutorado sanduiche… É relembrar o carinho do técnico da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), postergando minha ida para eu poder acompanhar a ida dela. É perceber hoje o quanto minha orientadora, a professora Dra. Marília Costa Morosini, confiou em mim ao me enviar para o Texas. Na Universidade do Texas, em Austin, pude realizar várias disciplinas, entre elas destaco duas de metodologia e uma de elaboração de questionários no departamento de Administração Educacional. O intercâmbio no exterior, associado à qualidade da Universidade contribuíram para a minha formação profissional e pessoal. É entender que a vida profissional vai muito além de um título e que essa não pode ser separa do pessoal ou das pessoas e do contexto no qual transitei e ainda transito. Na essência das experiências, os saberes, os meus saberes enquanto docente, se constroem e se constituem em saberes experienciais que, segundo Tardif (2014), são os saberes docentes adquiridos, atualizados e necessários no exercício da profissão.

Entretanto, os saberes docentes não são formados apenas pelas experiencias, mas também por aqueles saberes atinentes à formação profissional, àqueles advindos nas e das instituições de formação de professores, bem como por aqueles relacionados aos diversos campos de conhecimento e que se apresentam como disciplinas no âmago dessas instituições, sendo eles os saberes disciplinares, os quais encontram-se imersos em programas escolares, que têm objetivos, conteúdos e métodos que os docentes têm que aprender para poder ensinar, logo formando os saberes curriculares (Tardif, 2014).

A minha caminhada no doutorado oportunizou não somente a (re)construção de saberes experienciais na minha jornada docente, mas a de saberes profissionais, disciplinares e curriculares, como bem postula Tardif (2014), à medida que eu me transformava e transformava minha prática no contexto educativo.

O ser pessoa e o ser profissional, na minha perspectiva, na minha essência, na trajetória da minha vida, estão imbricados, um alimenta o outro, um contribui para com a formação do outro, agregando à Educação e à vida um perfume especial. Cresço como profissional, mas acima de tudo cresço como pessoa. E é neste sentido que vou pautar este texto: ter uma profissão, ser profissional, ter a pesquisa e a docência, muito além de um título… é ter uma vida… vida repleta de perfumes… Usarei o perfume como sentido figurado, representando as emoções que vivenciamos ao longo de nossa existência, sendo e tendo cada uma delas intensidades ímpares em sintonia com o momento. Assim eu vejo as emoções, como perfumes que invadem o contexto, deixando lembranças.

Minha escolha pela profissão professor foi pensada e desejada. Valle (2005), escreve que escolher a docência é dar-lhe um sentido, é relacioná-la à vida e às aspirações profissionais. A decisão de realizar um doutorado e de ingressar no PPGEdu foi pensada e preparada, foi querer me preparar para entrar em um espaço de docência contributivo à formação de novos docentes. Para tanto, houve dois anos de preparação, um que correspondeu ao último ano do mestrado em Educação em Ciências e Matemática da mesma universidade e o outro como aluna especial em disciplinas ministradas pela professora Marília, pois ela era a orientadora escolhida. Eu teria muito com ela a aprender e, ainda aprendo…

Meu intuito com a realização do doutorado era dar aulas em cursos de licenciatura, pois eu tinha convicção e hoje certeza, de que minha experiência como docente em todos os anos da educação básica poderia contribuir para com a formação dos futuros profissionais da Educação. Esta certeza hoje está em sintonia com o Indicador “2.7 Experiência no exercício da docência na educação básica” (Brasil, 2017, p. 28) do instrumento de avaliação de cursos de graduação presencial e a distância. Eu não posso ensinar algo sem antes ter vivido, sem sentir o dia a dia com as crianças, sem sentir os diferentes perfumes que o território escolar nos proporciona. Ser professor na educação básica e ter os saberes da prática desse território, a meu ver, são fundamentais para o exercício da docência em cursos de graduação. O título de doutora era necessário para o ingresso para a docência na educação superior. Nunca me vi atuando em uma pós-graduação… Mas a vida nos apresenta diferentes perfumes…

O percurso no doutorado, após a seleção para a turma de 2009, teve seu início longe dos colegas ingressantes. Fui para Austin, no Texas, e lá experienciei momentos únicos. Saberes experienciais, disciplinares e curriculares foram (re)construídos. Foram tempos de muitas aprendizagens e de autoconhecimento. Conheci outra realidade, outros perfumes… Perfume do alecrim e das rosas inundando os jardins e ruas pelas quais eu caminhava e planejava meu dia a dia em meu projeto. As plantas, a natureza me inspiram… E meu projeto me encantava mais e mais… O simples me motiva e me fortalece, e meu projeto crescia… Vivi a família americana nos domingos na igreja, fui acolhida como filha do lugar… me sinto filha de lá… e até hoje recebo cartas carinhosas das senhorinhas… algumas já se foram… de outras eu acompanho o crescimento de seus filhos… Convivi com a professora Bettina e com o Thomas por lá e, foram grandes aventuras juntos.

Estar em outro país é viver a sua cultura; é ultrapassar as paredes da universidade daquele país; é ir muito além de aprender os saberes disciplinares e curriculares; é ter uma experiência única. O estar como estudante estrangeiro não é simples; é um desafio por dia a ser vencido, entender os costumes e aprender a teoria que iria embasar minha tese foi uma construção que levou 45 dias incansáveis na biblioteca até encontrar o fio da meada; até encontrar os autores norte-americanos que estudavam sobre o comprometimento do estudante. Tema esse de minha tese. Minha coorientadora americana, ao me receber, apenas disse: “Pode começar sua pesquisa!” Após uma conversa sobre o projeto. No entanto, nem um autor me foi indicado, o que me fez passar mais de 10 horas por dia na biblioteca. Após encontrar Astin (1961, 1975, 1977, 1984, 1985, 1993), fiz uma linha do tempo de todos os outros pesquisadores sobre o tema e me organizei para a construção teórica da tese. Tive a possibilidade de ter mais de 40 livros em meu apartamento e me dedicar muito ao meu projeto.

A condição de estudante estrangeiro e com bolsa de estudos de meu país me colocou em uma posição privilegiada; as pessoas olham para você com respeito, embora muitas vezes um inglês não tão fluente como o meu à época me limitava um pouco ao expor minhas ideias e pontos de vista, mas o esforço para que isso acontecesse foi constante. Estudei muito inglês por lá e, por certo, aprendi muito. A bolsa de estudos a mim concedida no âmbito do projeto “Indicadores de qualidade da Educação Superior” integrado à Rede Sul Brasileira de Investigadores da Educação Superior (RIES), da qual participo até hoje, teve financiamento do Programa de Pesquisa Conjunto com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e a Universidade do Texas em Austin (Utexas). A Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul foi a única contemplada na área de Educação nesse Edital de cooperação Capes/UTexas. O projeto objetivou contribuir para com o mapeamento de indicadores de desempenho do sistema de educação superior brasileiro e internacionais relativos à qualidade desse nível de ensino. Foi neste ínterim que minha tese se desenvolveu, apresentando indicadores de acesso, percurso e sucesso enquanto egressos da educação superior na condição de bolsistas do Programa Universidade para Todos (ProUni).

A responsabilidade de integrar um projeto guarda-chuva me motivava a seguir superando os desafios da língua e do estar longe da família; me motivava a experienciar o novo e aprender… O experienciar o diferente nos faz diferente, nos faz melhor entender o outro e no seu lugar se colocar. Nos faz construir saberes novos, saberes da interculturalidade. Os saberes interculturais, segundo Fleuri (2003, p. 12), se desenvolvem na relação com as pessoas, cujas culturas são criadas e sustentadas por elas, o que desmonta a ideia de entre “‘culturas’ entendidas de modo abstrato”, como postula o autor.

Construí esses saberes, os quais me permitem transitar em diferentes territórios educativos e interagir neles com meus pares, permitindo crescimento pessoal e profissional, e sentir novos mundos, novos perfumes… O saber intercultural é essencial aos saberes docentes. É a essência da internacionalização, tão em voga na formação doutoral.

Após um ano, eu regresso ao Brasil, com meu projeto praticamente pronto para qualificar. As disciplinas foram realizadas quando do regresso. Saberes disciplinares e curriculares desenvolvidos, aprimorados e reconstruídos. Aqui faço uso do escrito por Tardif (2014, p. 35) acerca de todo saber que, para o autor, “implica um processo de aprendizagem e de formação”, o qual exige uma formalização e sistematização adequadas, dando, assim, sentido ao desenvolvimento profissional. Novos desafios superados, novos perfumes inalados.

O saber profissional foi aos poucos sendo renovado diante do experienciado no exterior em sintonia coma as novas experiências experienciadas no espaço da minha docência: a escola. Voltar à escola, foi voltar à minha origem, à minha essência de professora. Foi rememorar a certeza da minha escolha pela docência. “Pensar que a escolha pelo magistério pode estar associada à identidade docente e à singularidade de sua função (…)” (Felicetti, 2018, p. 220) me faz acreditar na educação, na escola, nas pessoas. Trago a fala de uma aluna da Educação de Jovens e Adultos, turma que assumi ao regressar, a qual me mostra o sentido da formação, da valorização do professor da escola pública: “Professora Vera, a senhora não pode estar aqui na escola pública dando aula, a senhora é muito para nós e merece mais”. Em um primeiro momento foi um choque, respirei e questionei a turma: “Vocês não merecem uma professora que se importa e acredita em vocês, que acompanha cada linha que vocês escrevem?” Silêncio geral na sala. Segui dizendo que eles mereciam muito mais, pois são pessoas e as pessoas merecem o melhor e que a escola, a educação, merecem o melhor. Segui por mais sete anos naquela escola estadual em área de vulnerabilidade social.

Associada ao meu exercício na escola pública seguia o doutorado e com ele as disciplinas, o projeto, os artigos. Cada fim de semana um artigo novo. Por óbvio estou exagerando, nem foram tantos assim, mas minha orientadora sempre tinha um, dois, três ou mais para irmos escrevendo. Como dizia ela: “O cavalo encilhado está passando, vai subir ou não?” Esta frase reverbera em minha mente até hoje e, sempre reflito antes de decidir por subir ou não no “cavalo” passante. As múltiplas oportunidades que o doutorado proporciona permitem a articulação entre teoria, prática, exercício da docência, pesquisa, escrita, o que nos coloca o desafio de integrar e mobilizar os diferentes saberes em um contexto educacional que respinga no social, prospectando nele mudanças.

Muito aprendi no percurso enquanto estudante o qual foi concomitante com a docência na educação básica. Experienciei exemplos a serem seguidos, outros que jamais deveriam transitar em espaços educativos e formativos. Nem tudo é alecrim ou tem perfume agradável… Entre o aprendido, está a certeza de que nunca estamos prontos, que nunca sabemos ou saberemos tudo, podemos ampliar nosso conhecimento, mas saber tudo, ser dono da verdade, jamais. Reforcei a convicção de que a profissão professor, (até então estava em minha mente ser professor, a pesquisadora se resumia no projeto doutoral…) exige o contínuo nos estudos de modo a poder contribuir para com a prática em sala de aula e, em extensão, melhorias aos processos de ensino e de aprendizagem.

No âmago do PPGEdu, conheci colegas e professores maravilhosos, outros nem tanto, mas a vida é assim. Ela precisa ser assim, afinal o que seria do Grêmio se todos fossem colorados? Que fique claro que não tenho time de futebol e nem partido político. Meu assunto são estudantes, meu assunto é Educação…

Muitas mudanças pessoais na trajetória doutoral, divórcio, casamento, novos aromas… e, após 33 meses no doutorado, veio a defesa em 10 de dezembro de 2011. Uma nova fase se iniciaria em minha vida naquele dia. Eu seguiria na educação básica, mas a docência na licenciatura também era meu objetivo e, de presente, o exercício na pós-graduação iniciando em 2012. Neste ano, alguns frutos decorrentes da minha tese doutoral intitulada “Comprometimento do estudante: um elo entre aprendizagem e inclusão social na qualidade da educação superior” foram sendo colhidos, entre eles, o prêmio Menção Honrosa pela Tese de Doutorado na Área da Educação para as melhores teses defendidas no país em 2011, concedido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Portaria nº 160, Edição 2012, além de diversos artigos publicados em revistas de melhor classificação brasileira. Artigos estes que abordavam temáticas relacionadas à educação superior e em destaque o egresso desse nível de ensino.

O prêmio de Menção Honrosa mostrou o rigor de uma pesquisa cuja metodologia teve destaque e que envolveu egressos como sujeitos participantes. Além disso, a temática foi altamente inovadora e, de certo modo, ainda é, pois são poucos os pesquisadores brasileiros que se embrenham em estudos com egressos ou então têm o comprometimento e ações afirmativas como eixos investigativos no contexto da educação superior em diálogo. A tese, para além de ter sujeitos/objetos de pesquisa precisa estar ancorada em uma metodologia bem estruturada de modo a dar consistência à construção do corpus a ser analisado, bem como aporte à análise. A tese, em toda a estrutura foi brindada com um forte aporte teórico construído no período do doutorado sanduiche nos Estados Unidos.

Já próximo à defesa em 2011, um edital: a Universidade Severino Sombra precisava de docente para a pós-graduação em Educação Matemática. Me inscrevi e fui chamada para entrevista em 16 de dezembro, em Vassouras, a cidade da universidade. A viagem foi tranquila e as voltas no Morro da Vaca (se não me engano este é o caminho da cidade de Rio de Janeiro até Vassouras) me deixaram tonta. Paisagem belíssima, mas são muitas voltas… Fui aprovada e de lá saí com a lista de documentos a serem entregues no departamento de Recursos Humanos, com o horário da minha disciplina e dia de início às atividades na universidade. Todo o colegiado participou da entrevista. Ela foi tranquila, transparente e profissionalmente conduzida. Dentre as diversas perguntas realizadas pelo colegiado, tem uma que me marcou: por que a senhora fez a aplicação ao Edital? A resposta foi automática, parecia que aquela resposta estava aí, que sempre esteve aí e eu não havia me dado conta até então: “pelo fato de poder seguir fazendo pesquisa!” Foi a minha resposta. Me dei conta que a trajetória no doutorado, para além de me habilitar para a docência na educação superior me preparou para a pesquisa e que esta já fazia parte de mim, fazia parte da minha essência. Isso mesmo, ela já estava em mim, nas diversas formas pelas quais eu exercia minha docência, sempre ouvindo, tentando entender todos os intervenientes e intempéries que transitavam o contexto da escola pública por onde eu vivia e vivi por 35 anos.

Chegando em Porto Alegre, para outra entrevista eu fui chamada, ainda em 2011, em Canoas, cidade da grande Porto Alegre. Escolha difícil: Vassouras ou Canoas; Programa de Educação Matemática ou Educação respectivamente. Difícil por representar dois universos, que embora tinham a pesquisa no âmago, tinham histórias e movimentos distintos. O primeiro com mais maturidade, mais alinhado à pesquisa; o outro, mais jovem, tentando aprender, tentando crescer. Meu coração me manteve aqui em Porto Alegre e à opção por Canoas, próximo de casa, de minha família e, além disso, eu também era jovem na pesquisa, como o Mestrado em Educação da Universidade La Salle.

O novo contexto no qual eu exerceria minha docência a partir de 2012, associada à pesquisa, me deu espaço para seguir com o aprendido no meu doutorado em Educação na Pontifícia Católica do Rio Grande do Sul, com o aprendido na Universidade do Texas em Austin e com a vida vivida e ainda seguida na escola pública. Fortaleci os contatos com pesquisadores nacionais e internacionais, segui e sigo no grupo de pesquisa de minha eterna orientadora, a Professora Marília, e criei o meu, o Grupo de Estudos Relacionados ao Estudante (Geres) o qual tem integrantes de diferentes estados brasileiros e países.

No Programa de Pós-graduação da Universidade La Salle pude contribuir para com o seu crescimento, também ali cresci… Lembro das primeiras bancas de qualificação que lá participei, cujos projetos não tinham resumo e eram bem incipientes e, comparo com as últimas em 2021, com projetos robustos e bem estruturados, refletindo o crescimento do programa. Fiz parte deste crescimento, ali exerci a profissão docente na graduação e pós-graduação, realizei pesquisa e fui coordenadora do programa de janeiro de 2017 a junho de 2021 e conquistei com o colegiado o conceito 5 para o Programa na avaliação da CAPES para o quadriênio 2017-2020. Uma conquista para poucos.

Dos 10 anos e meio trabalhados na pós-graduação da Universidade La Salle ministrei disciplinas que tratavam dos processos de ensino e aprendizagem, seminários de pesquisa, seminários de análises e a primeira disciplina interinstitucional e internacional foi ministrada por mim, disciplina que abordava a formação e a valorização docente. Nelas estudávamos sobre diferentes perspectivas e diversos foram os autores estudados. Sempre mantive o aluno como a razão da docência. Nossos alunos, a maioria eram e são professores, assim, a disciplina “Saberes, Trajetórias e Práticas Educativas na Formação de Professores”, ministrada por mim, representava a interlocução entre os diferentes níveis de formação, pois ali estavam alunos professores de diversas formações e atuações. Nossas discussões em aula sempre pautaram a necessidade de o professor ser respeitado, ter autonomia e não deixar que desvalorizem a sua profissão e a sua pessoa.

Professor é aquele que luta pela educação; é aquele que luta por seu aluno; é aquele que não usurpa o lugar de outro; é aquele que tem a pessoa acima de tudo; é aquele que sabe que o maior objetivo da educação é o bem social que ela exerce, ou pelo menos deveria exercer. Tendo em mente o professor pesquisador, ele precisa ter claro que fazer pesquisa em educação é ir além de livros; é ter nos livros a possibilidade de ir à prática e da prática aos livros; é fazer da pesquisa a essência da educação; é trabalhar com a prática e a teoria acima do querer pessoal de alguns; é pensar a educação como bem capaz de mudar a sociedade, começando pelos espaços educativos, começando pelo espaço da própria pós-graduação.

A essência da pós-graduação, do doutorado que realizei, está na pesquisa. Minha tese doutoral abriu portas para o contínuo na pesquisa envolvendo o estudante e o egresso. O primeiro projeto desenvolvido após o doutorad, foi com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) tendo egressos da educação superior como sujeitos de pesquisa. Pude com este projeto comparar características dos egressos quando do acesso à universidade, quando no percurso acadêmico e os resultados de se estar graduado. As análises realizadas permitiram validar estatisticamente o questionário de pesquisa atinente ao projeto, direcionando a nova pesquisa, a qual proporcionou a aprovação da bolsa produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) nível 2. Após a realização deste projeto, outro foi aprovado no âmbito de pesquisador 1D, envolvendo agora todas as regiões brasileiras.

Paralelo às pesquisas envolvendo egressos, sempre tive orientandos e projetos abordando temas voltados aos processos de ensino e de aprendizagem e, em especial, tratando de projetos de intervenção associados às práticas desenvolvidas pelos professores e os resultados dessas práticas na aprendizagem dos alunos. O seguir paralelamente com duas abordagens de pesquisa, sempre me inquietava, pois é um esforço e um trabalho imenso seguir com dois focos investigativos. Ambos os focos crescem e, hoje eu entendo, que a formação por mim conquistada no PPGEdu da PUCRS me permite seguir com eles, o que me deu mais maturidade em um leque de possibilidades investigativas. Sigo assim, com pesquisas centradas em egressos, no estudante e nos processos de ensino e de aprendizagem, o que me permite transitar em diferentes nichos de discussão e possibilidades de trabalho, um exemplo é eu estar como docente permanente no Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem na Pontifícia Católica de Pernambuco (UNICAP), região Nordeste do Brasil.

Minha trajetória profissional até aqui me mostra a vida de professor pesquisador permeada por desafios e, poder transitar e atuar em espaços educacionais diversos, tais como a Comissão Técnica de Acompanhamento da Avaliação (CTAA) do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior; ser consultora no Ministério da Educação; ser membro de agências de fomento: Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul; ser membro conselheiro da seção de Educação e Políticas Educativas da América Latina da Latin American Studies Association; ser membro da diretoria doInternational Society for Teacher Education entre outros; me permite confirmar que o valor do professor pesquisador não reside apenas em dar boas aulas ou fazer pesquisas. Reside, principalmente, na responsabilidade social que ele tem; reside nos valores e princípios que devem estar agregados ao bem comum, ao fato de poder contribuir na construção e/ou (re)construção de uma sociedade melhor; reside no fato de respeitar o outro e respeitar o seu trabalho, suas conquistas, as quais, tratando de Educação, vão muito além de serem para si somente, são para a sociedade; reside no fato de estar trabalhando com pessoas, com vidas e não com objetos que são descartáveis quando não parecer mais útil; reside na responsabilidade de construir vidas e não as destruir; reside no fato de abrir espaços para outros; de olhar para a vida holisticamente; de prospectar o futuro alinhado ao presente; reside no fato de se trabalhar em equipe, de crescer em comunidade, de transformar outras vidas e de se transformar; reside no sentir o perfume que perpassa o ar e buscar aromas que te fazem feliz; reside na possibilidade de olhar a trajetória – como aqui faço – e não se arrepender, mas apenas sentir que está indo bem, que a sua formação contribuiu para ir bem, para prospectar e ir além, para deitar e ter o sonho embalado pelo perfume da paz, do amor e da realização.

É assim que me sinto, realizada com a formação recebida, realizada com a vida e feliz de poder nela experienciar tudo e poder contribuir para com a Educação, poder espalhar perfumes ao meu entorno, perfumes de alecrim… de crescimento, de vida.

Parabéns pelos seus 50 anos PPGEdu e obrigada por me fazer filha da PUCRS!!!

Os textos deste artigo foram revisados pela Poá Comunicação e submetidos para validação da autora antes da publicação.

Referências

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Recebido: 30 de Setembro de 2022; Aceito: 30 de Outubro de 2022; Publicado: 01 de Dezembro de 2022

Endereço para correspondência Vera Lucia Felicetti, Av. Mãe Apolinária Matias Batista, 360, sobrado 56 Jardim YPU, 91450-510 Porto Alegre, RS, Brasil.

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