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Educação

versão impressa ISSN 0101-465Xversão On-line ISSN 1981-2582

Educação. Porto Alegre vol.45 no.1 Porto Alegre  2022  Epub 17-Jul-2023

https://doi.org/10.15448/1981-2582.2022.1.43990 

50 Anos PPGEDU PUCRS

Faciendo discimus: a convergência do fazer e do aprender em programas de estudo no exterior

Faciendo discimus: the convergence of doing and learning in study abroad programs

Faciendo discimus: la convergencia de hacer y aprender en los programas de estudios en el extranjero

Fernando Naiditch1 

Doutor em Educacao Multilingue e Multicultural pela New York University, Estados Unidos. Professor da Montclair State University (MSU), em Montclair, Estados Unidos. naiditchf@montclair.edu


http://orcid.org/0000-0001-6988-6370

1Montclair State University (MSU), Montclair, Estados Unidos.


Resumo:

Estudar no exterior, ou “study abroad”, se tornou uma prática comum em universidades americanas para oferecer uma educação mais ampla e equilibrada aos estudantes. A necessidade de aprender sobre um pronto de vista diferente, de conhecer novas ideias e de experimentar a vida em um outro país, ainda que por um curto espaço de tempo, tornou-se praticamente parte da grade curricular de muitos cursos. Além de preparar estudantes para suas futuras carreiras profissionais, a universidade tem o papel de auxiliá-los na vida adulta e isso inclui propiciar oportunidades para que eles tenham experiências educativas além da sala de aula e do campus. Os programas de estudo no exterior permitem ao dicente conhecer novas realidades e, assim, desenvolver o que nos referimos como os 4 C's: crítica (pensamento crítico), comunicação, colaboração e criatividade. Programas de estudos no exterior como parte da jornada universitária de estudantes enriquecem a experiência acadêmica e ajudam a desenvolver uma série de habilidades e competências que podem transformar a vida dos estudantes tanto pessoal como profissionalmente.

Palavras-chave: estudar no exterior; universidades; aprendizagem experiencial; competências e habilidades acadêmicas; internacionalizacão

Abstract:

Study abroad programs have become common practice in American universities to offer students a broader and more well-rounded education. The need to learn about a different viewpoint, to get to know new ideas and to experiment life in another country, even if for a short period of time, is now part of the requirements in many higher education programs. Besides preparing students for their future professional careers, the university also needs to prepare them for life, and this means that it is part of its role to provide experiences that will take students and learning beyond the classrooms and the campus. Study abroad programs allow students to get to know new realities and, thus, develop what we refer to as the 4 C's: critical thinking, communication, collaboration, and creativity. Study abroad programs as part of the students’ academic journey help them develop a number of skills and competencies that may transform their lives both personally and professionally.

Keywords: study abroad; universities; experiential learning; academic competencies and skills; internationalization

Resumen:

Estudiar en el extranjero, o ‘study abroad’, se ha convertido en una práctica común en las universidades estadounidenses para ofrecer una educación más amplia y equilibrada a los estudiantes. La necesidad de aprender sobre un punto de vista diferente, conocer nuevas ideas y experimentar la vida en otro país, aunque sea por poco tiempo, prácticamente se ha convertido en parte del plan de estudios de muchos cursos. Además de preparar a los estudiantes para sus futuras carreras profesionales, el papel de la universidad es prepararlos para la edad adulta y esto incluye brindar oportunidades para que tengan experiencias educativas más allá del aula y en el campus. Los programas de estudios en el extranjero permiten al estudiante descubrir nuevas realidades y así desarrollar lo que llamamos las 4 C: crítica (pensamiento crítico), comunicación, colaboración y creatividad. Los programas de estudios en el extranjero como parte del viaje universitario de un estudiante enriquecen la experiencia académica y ayudan a desarrollar una variedad de habilidades y competencias que pueden transformar sus vidas tanto personal como profesionalmente.

Palabras clave: estudiar en el extranjero; universidades; aprendizaje experiencial; competencias y habilidades académicas; internacionalización

Em 2005, fui convidado a desenvolver um programa de estudos no exterior para estudantes universitários norte-americanos. A ideia era que eu organizasse um programa para levar um grupo de estudantes de mestrado da New York University (NYU) para o Brasil para aprender sobre escolaridade, conhecer as práticas pedagógicas que estavam sendo utilizadas com grupos de alunos diversos e, principalmente, para criar uma oportunidade para que alunos americanos pudessem conhecer uma outra realidade, interagir com pessoas de uma cultura e língua diferentes e, com isso, ampliar seus horizontes e suas visões de mundo.

Estudar no exterior, ou “study abroad” como dizemos aqui, se tornou uma prática comum em universidades norte-americanas. A necessidade de aprender sobre um ponto de vista diferente, de conhecer novas ideias e de experimentar a vida em um outro país, ainda que por um curto espaço de tempo, tornou-se praticamente parte da grade curricular de muitos cursos. Se um dos papéis da universidade é desenvolver o pensamento crítico e original em seus estudantes, além de prepará-los para suas futuras carreiras profissionais, nada melhor que tirá-los das bolhas que todos nós criamos em nossas vidas e dos escudos que nos tornam acomodados e conformados com nossa realidade. O objetivo maior de estudar no exterior talvez seja o aspecto de vulnerabilidade, que coloca o estudante em uma situação diferente da que ele está acostumado e o desafia a pensar rápido, considerando várias perspectivas, e agir de forma apropriada em um novo contexto. Estar em um ambiente novo, em uma situação desconhecida com pessoas de origens e expressões diversas com ideias e formas de olhar o mundo que divergem de nossas normas é talvez a melhor forma de proporcionar aos estudantes condições para que pensem de forma crítica, que aprendam a entender e a avaliar contextos diferentes e que consigam criar soluções alternativas, pensando e agindo de formas distintas. A vulnerabilidade de estar em uma situação nunca vivida anteriormente propicia novas formas de entender o mundo e novas atitudes e formas de agir. Para muitos estudantes, ir para uma universidade já representa uma ruptura com as formas usuais de comportamento e com o modo comum de pensar. Se a universidade consegue apresentar desafios para o estudante através de uma experiência educativa no exterior, esses estudantes têm a chance de sair da vida encapsulada e previsível a que estão acostumados e aprender a confrontar e a questionar seu universo socioeconômico, linguístico e cultural.

Oportunidades para estudar no exterior continuam crescendo nos Estados Unidos. De acordo com a Departamento de Estado americano, 332.727 estudantes de universidades americanas participaram de algum programa de estudos no exterior durante o ano acadêmico de 2016–2017.

Dados revelados no Open Doors Report on International Education Exchange em 2018 apontam um crescimento de 2.3% no número de estudantes americanos estudando no exterior quando comparado ao ano anterior. Outro fator que impressiona é o aspecto demográfico desses estudantes. Estudar no exterior é, sem dúvida, mais caro do que cursar uma universidade local e, por isso, existe uma preocupação em criar recursos para que estudantes de diversas camadas socioeconômicas e representantes de grupos considerados minorias étnicas, linguísticas e culturais também possam ter acesso a programas internacionais. No ano acadêmico de 2016–2017, o número de alunos que participaram de estudos no exterior e que se identificaram como minorias étnicas foi de 29.2 %. Dez anos antes, em 2005–2006, somente 17% dos alunos que participaram de estudos no exterior eram membros de grupos considerados minorias étnicas.

Como se vê, além de aumentar a oferta no número de programas internacionais em universidades americanas e no número de estudantes que estudam no exterior, há uma preocupação em focar no tipo de estudante que tem a oportunidade de estudar no exterior, bem como onde esses estudantes se encontram e que universidades frequentam. Historicamente, estudar no exterior era uma atividade destinada a estudantes de níveis culturais e socioeconômicos específicos. Nos últimos anos, a preocupação em oferecer oportunidades internacionais para todos os tipos de estudantes está fazendo com que novos programas sejam criados para abranger estudantes de diferentes tipos de universidades (públicas e privadas; urbanas, suburbanas e rurais, representantes de grupos com baixo poder aquisitivo) e de diferentes grupos étnicos. Através de um desses programas (o USA Stuty Abroad), no ano acadêmico de 2017–2018, estudantes de 607 universidades representando os 50 estados americanos estudaram no exterior em 113 paises. 45% desses estudantes eram estudantes da chamada “first-generation college students” – estudantes que são os primeiros em suas famílias a entrarem em uma universidade. 65% desses estudantes eram representantes de grupos minoritários étnicos e raciais, e 55% deles escolheram estudar em países onde menos americanos expressam interesse em visitar e/ou estudar.

O país de destino para a experiência do estudo no exterior também é uma questão que preocupa universidades e agências governamentais. Por isso, há também a necessidade de buscar oportunidades para estudos internacionais em diversos países que ofereçam oportunidades e experiências distintas. Um dos programas que tem essa preocupação é o Critical Language Scholarshoip Program (CLS). O programa foi desenvolvido para que estudantes pudessem aprender idiomas que são necessários e importantes para a segurança nacional e a prosperidade econômica americanas. De acordo com o Open Doors Report, no ano de 2016–2017, o CLS atraiu estudantes de 730 universidades de todos os estados americanos. 40% dos estudantes no programa identificaram-se como minorias raciais e 27% deles faziam parte desse grupo de primeira geração familiar a estudar em uma universidade.

Estima-se que 1 em cada 10 estudantes de graduação nos Estados Unidos experiencie o study abroad durante sua formação universitária. Claro que estes números refletem o período pré-pandemia. Com a COVID-19, as ofertas de estudo no exterior e as viagens internacionais foram diretamente afetadas e muitos desses programas de estudo no exterior tiveram que ser adiados ou cancelados.

Apesar das dificuldades que a pandemia criou para os programas de estudo no exterior, eles agora estão retornando com força ainda maior. Uma das consequências da pandemia foi a realização de que realmente vivemos em uma aldeia global e a única forma de resolvermos os problemas que afetam populações no mundo inteiro é aprender a colaborar e a trocar ideias, experiências, tecnologia e conhecimento. Os programas de estudo no exterior são uma ótima forma de introduzir estudantes nesse universo de cooperação. As soluções para os problemas que ainda estamos enfrentando e os que ainda nem conhecemos estão em desenvolvermos um esforço conjunto, parcerias e trabalho em equipe. Page (2008) refere-se à ideia de sabedoria coletiva ao descrever os benefícios da diversidade de ideias e da necessidade de aprendermos a fazer uso de diferentes formar de enfrentar os problemas da humanidade. Progresso e inovação, segundo Page (2008), dependem menos de indivíduos brilhantes com um enorme QI trabalhando isoladamente do que de várias pessoas com diversidade de ideias a ações agindo coletivamente. A melhor forma de capitalizar em nossa capacidade, conhecimento e habilidades como indivíduos é justamente saber interagir com pessoas distintas e trabalhar em equipe.

A habilidade de saber conduzir-se e atuar em grupos diversos e interagir com pessoas diferentes é uma competência necessária no século 21 (Partnership for 21st Century Learning, 2019). Uma das formas de aprendermos a capitalizar nossa individualidade é justamente ao associá-la a grupos heterogêneos que proporcionem desafios a nossa forma de pensar e agir. Estudar no exterior é uma prática pedagógica que nos transporta a realidades distintas e que contribui para o desenvolvimento da capacidade de trabalhar e agir em conjunto. Ao desafiarmos nossas formas de enfrentar situações novas, acabamos nos deparando com possibilidades que nem tínhamos pensado ser possíveis e que, muitas vezes, nos são apresentadas em um contexto de estudo no exterior por indivíduos com características e qualidades que, ao diferirem das nossas, nos complementam e agregam valor a nossa forma de pensar e agir. Essa transformação causada por uma viagem de estudos proporcionada pela universidade pode funcionar como uma reconstrução de quem somos, como pensamos, como compreendemos o universo e, consequentemente, como nos relacionamos, como agimos e interagimos, e como buscamos e desenvolvemos soluções para melhorar nossas vidas e nosso planeta.

Estudos no exterior e internacionalização da Educação

Foi com essa compreensão dos benefícios de um programa de estudos no exterior que comecei a pensar em um programa para alunos universitários em conjunto com a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Encontrei na professora Bettina Steren dos Santos, do Programa de Pós-graduação em Educação, uma parceira ideal para que juntos desenvolvêssemos esse programa. Sabíamos que o programa ideal teria uma combinação de teoria e prática, e mais ainda, que a teoria nos levaria à prática para que os alunos pudessem entender o valor e a aplicação daquilo que leem e estudam em sala de aula. Em um programa de estudos no exterior, a sala de aula ganha uma nova dimensão e a aprendizagem ocorre em todos os momentos, dentro e fora da universidade. A maioria dos alunos no programa estava em um curso de preparação para professores, mas tínhamos também alunos de cursos como psicologia, assistência social, e educação internacional. Seus interesses eram diversos, mas todos queriam conhecer a realidade política, social, e econômica do Brasil e aprender com ela para trazer consigo na bagagem novas habilidades, instrumentos e formas de trabalhar com alunos nos Estados Unidos.

É importante ressaltar que programas de estudo no exterior devem ser intencionais. Compreender o que podemos esperar dessa experiência, nossos objetivos, e assim preparar atividades, trabalhos de campo, visitas, observação e oportunidades que realmente consigam proporcionar ao estudante uma experiência real nas mais variadas circunstâncias e contextos que permitam desenvolver um conhecimento variado e abrangente. Além disso, também é importante selecionar professores e especialistas que possam contribuir para manter o foco educacional do programa e que saibam interagir em situação de comunicação intercultural.

O programa começa antes mesmo da viagem e essa preparação ajuda os estudantes em termos de expectativas. Houve uma preparação intensa antes de chegarmos ao Brasil. Houve uma seleção de leituras requeridas antes da viagem, um planejamento de atividades, e a oportunidade de discutirmos questões antes mesmo de sairmos da NYU. Conhecer mais sobre o lugar em que se vai realizar essa viagem de estudos é essencial na preparação do estudante para que ele conheça um pouco da história, cultura, língua, costumes, tradições e diferentes aspectos da vida no país que escolheu para estudar.

A parceria entre a NYU e a PUCRS foi essencial para fazer dessa viagem de estudos uma experiência significativa e extremamente válida para a formação de nossos alunos. O study abroad também representou um passo fundamental no que hoje nos referimos como internacionalização da educação. As parcerias entre universidades funcionam como trocas, já que os estudantes e professores dos dois países ganham experiência e conhecimento valiosos para suas vidas pessoais e profissionais. Além disso, a parceria pode levar a colaborações científicas, novas pesquisas e possibilidades de ensino e viagens para ambas as instituições de ensino superior. Foi o que aconteceu comigo ao trabalhar em parceria com a professora Bettina Steren dos Santos. Nossa colaboração se estendeu muito além do período em que organizávamos o programa, e ainda hoje, colaboramos em pesquisa, publicações e eventos, tanto no Brasil como nos Estados Unidos.

Aprendizados em programas de estudo no exterior

Há várias razões que levam um estudante à decisão de estudar no exterior. Baseado na experiência que desenvolvi com a PUCRS nos cinco anos que meus alunos americanos estiveram em Porto Alegre, RS. Brasil, elaborei uma lista com os principais benefícios que identificamos nesses anos em que desenvolvemos o programa. A lista não é extensiva nem exclusiva. Ela reflete minhas experiências como professor e orientador de alunos dos diferentes cursos de pós-graduação da NYU Steinhardt School of Culture, Education, and Human Development, bem como as experiências de meus alunos que foram elaboradas através de entrevistas e da avaliação formal do programa, observações no campo durante o programa e, até mesmo, conversas informais que aconteceram durante e após as viagens. Com certeza, há outros benefícios que não estão descritos aqui e que talvez tenham sido parte da experiência de outros estudantes em seus programas de estudo no exterior. As razões listadas aqui são as que nos pareceu produzir maior impacto na vida dos estudantes durante e após a experiência. Essas 10 razões práticas podem servir para ajudar estudantes na decisão de investir em um programa de estudos no exterior através de suas universidades e para os professores que pensam em desenvolver programas similares em parceria com universidades estrangeiras. Veja a seguir:

  1. Conhecer o mundo. Pode parecer uma razão simples, mas um programa de estudos no exterior é uma das melhores formas de visitar países diferentes. Uma viagem de estudos, porém, não é só para conhecer pontos turísticos ou para bater fotos em paisagens, e sim para ter uma experiência de viagem mais imersiva, intensa e proveitosa. Claro que viajar inclui conhecer lugares históricos, maravilhas naturais, museus, entre outros. Todos esses lugares são visitados com um propósito educacional claro e explícito. Não é só a visita, mas a leitura, a discussão e a possibilidade de debater questões trazidas à tona pelas visitas e passeios. Conhecer países através de um programa de estudos universitário permite ao estudante uma imersão na vida cotidiana de uma comunidade, de uma outra universidade, e das pessoas que contribuem para o crescimento e desenvolvimento dos países que estamos visitando.

  2. Conhecer uma cultura nova e diferente. Conhecer uma cultura através de uma experiência planejada, com recursos e sistemas de apoio propicia ao estudante uma participação diferente na forma como ele absorve a cultura local. A diferença está na forma como o estudante percebe e vivencia a cultura. Um turista geralmente age como um estrangeiro, olhando para a cultura com um olhar de fora, sem necessariamente interagir ou buscar entender aspectos culturais de forma mais profunda. Estudar no exterior permite ao estudante uma visão mais interna. Ao invés de ter o olhar de fora para dentro, o estudante consegue desenvolver uma visão mais ampla e abrangente. Uma viagem de estudos requer envolvimento, participação, conversa, interação e troca. E é justamente nesses movimentos de troca com pessoas e instituições locais que o estudante tem a oportunidade de não somente conhecer, mas compreender melhor aspectos culturais que determinam as formas como as pessoas interagem, conversam, se relacionam entre si e com seu ambiente. Cultura é um conceito bastante amplo que envolve as características e o conhecimento de um povo, seus costumes e tradições, suas formas de comunicação e interação, mas também suas manifestações artísticas e intelectuais, suas instituições, suas formas de entender e expressar individualismo e coletividade. Um programa de estudos no exterior deve tentar captar os mais diversos aspectos que compõem a cultura de um povo e, ao mesmo tempo, proporcionar ao estudante tempo para questionar e para comparar o que percebe e aprende com sua realidade. Muitos estudantes afirmam que, ao comparar o que viveram no Brasil com o que vivem nos Estados Unidos, acabaram desenvolvendo um novo olhar sobres sua própria cultura.

  3. Aprender uma nova língua. Para entender por que aprender uma língua estrangeira é importante e necessário, principalmente, quando o mundo se torna uma aldeia global em que transações comerciais, pessoais, e interações interlinguísticas e interculturais tornam-se cada vez mais frequentes, basta lembrar de uma famosa frase de Nelson Mandela: “Se você falar com um homem em uma língua que ele entende, isso vai para a cabeça dele. Se você falar com ele na língua dele, isso toca o coração dele.” Interagir com alguém na língua dessa pessoa demonstra atenção, cuidado, carinho. É uma forma de expressar que você se importa e se preocupa em relacionar-se de forma apropriada dentro dos padrões linguísticos e culturais estabelecidos como normas comunicativas naquele país. Ao comentar a frase de Mandela, Noah (2016), afirma que, quando você se esforça para falar na língua de outra pessoa, mesmo que sejam somente frases básicas, curtas ou expressões, o que você está comunicando é que você compreende que a pessoa tem uma cultura e uma identidade que existe além de você, que você enxerga essa pessoa como um ser humano. Alunos em programas de estudo no exterior talvez não consigam aprender a língua do país antes da viagem por uma série de razões, mas aprender expressões básicas, formas de cumprimento e até algumas gírias sempre ajudam as pessoas a se aproximarem. Meus alunos aprenderam português de diferentes formas e níveis de proficiência, mas houve uma preocupação em não simplesmente presumir que todas as pessoas iriam interagir em inglês ou esperar que isso acontecesse. Claro que nós tivemos o auxílio de um tradutor, mas sempre que um estudante usava alguma expressão em português, as pessoas apreciavam o esforço e comentavam sobre a iniciativa do estudante em tentar falar algo, qualquer coisa na língua do país. Alguns estudantes, inclusive, resolveram estudar português na volta aos Estados Unidos, o que pode levar a futuras viagens de volta ao Brasil ou ajudá-los a compreender melhor a língua, a forma de comunicar-se e as expressões culturais brasileiras.

  4. Enriquecimento da experiência universitária. Universidade não deve ser frequentada somente para assistir às aulas. Apesar do ensino ser geralmente o principal ponto de decisão na hora da escolha da universidade, é importante para o estudante ter uma educação mais global e mais bem equilibrada. Nos EUA, é muito comum falarmos do “aluno viajante”, esse que vem ao campus somente para as aulas, mas que, em função de trabalho ou atividades fora da universidade, acaba perdendo a oportunidade de usufruir de outros aspectos importantes de uma formação acadêmica. A formação universitária inclui pesquisa, extensão e diversas oportunidades de engajamento acadêmico. Estudar no exterior pode não só mudar a opinião do estudante sobre o papel da universidade em sua formação mais ampla, mas proporcionar a ele uma forma de vivenciar a educação de uma maneira mais relevante e intensa. Esse é o verdadeiro potencial de uma experiência de estudo no exterior: seu aspecto transformacional. Universidades transformam vidas. Universidades que proporcionam experiências para além da sala de aula e do campus são capazes de transformar gerações de estudantes e revolucionar a forma como compreendemos ensino e aprendizagem.

  5. Melhorar o currículo. Esse é um aspecto prático de estudar no exterior, mas ainda assim importante, pois pensando em um futuro mercado de trabalho, a experiência fora do país pode acrescentar significado e agregar valor ao programa de estudos tradicional oferecido pela universidade. O benefício é também porque a experiência internacional pode ser uma forma de destacar o estudante dos demais concorrentes a uma mesma vaga de emprego, especialmente para estudantes recém-formados que buscam a sua primeira oportunidade no mercado de trabalho. Muitas vezes, os currículos dos candidatos a uma vaga de emprego são semelhantes, o que dificulta o processo de seleção. Experiência com estudo no exterior pode diferenciar um candidato. Outro aspecto importante que ajuda na qualificação do estudante é que a experiência no exterior ajuda estudantes a desenvolver habilidades sociais e inteligência emocional, aspectos extremamente valorizados e necessários hoje em dia em uma situação de trabalho. Estudar no exterior também contribui para o desenvolvimento de uma ética de trabalho mais forte, já que para suceder em outro país o estudante precisa se adaptar às regras locais de convivência e aprender a respeitar as diferenças a que está exposto no país que o acolhe. Essa capacidade de adaptação soma-se à importância da inciativa de querer estudar em outro país. Programas de estudo no exterior podem adicionar poder e propósito aos currículos dos estudantes, já que em situação real de trabalho, muitas das habilidades desenvolvidas no exterior podem ser traduzidas para as situações locais na forma como o estudante irá entender e desenvolver seu exercício profissional.

  6. Networking: redes de contatos. Conhecer novas pessoas e desenvolver amizades interculturais ajuda a desenvolver habilidades sociais e comunicativas importantes que podem também auxiliar em termos profissionais. Apesar do termo “networking” ser geralmente utilizado para falar de relações profissionais, muitas amizades começam no âmbito profissional, afinal pessoas que têm afinidades e interesses similares podem acabar estendendo a relação iniciada profissionalmente para a vida pessoal. Networking se refere à habilidade de engajar-se socialmente, de conseguir se comunicar em grupos diferentes, causar uma impressão e, com isso, desenvolver uma rede de contatos que pode se traduzir em oportunidades de trabalho, outras viagens e até futuras promoções e desenvolvimento profissional continuado. Conhecer pessoas e desenvolver relações interpessoais ajudam o estudante a aumentar sua própria autoestima e confiança, já que aproximar-se de alguém, iniciar um contato, desenvolver uma conversa e engajar o interlocutor são habilidades essenciais em um mundo em que comunicação e conexão são fundamentais para o desenvolvimento pessoal e profissional. O estudante deve começar a desenvolver sua rede de contatos ainda na universidade e a universidade deve promover atividades que permitam desenvolver tais habilidades que são indispensáveis para o resto da vida. Ao desenvolver confiança, compartilhar conhecimento e aumentar sua rede de contatos, o estudante aprende a estabelecer, fortalecer e manter relações que podem ajudá-lo em seus objetivos pessoais e profissionais. Além disso, networking pode ajudar o estudante a saber quem procurar quando precisar de conselhos ou ajuda profissional, estar atento a novas ideias, produtos e abordagens em sua área de trabalho, e desenvolver um novo olhar com novas perspectivas. Um programa de estudos no exterior empodera o estudante dando-lhe a oportunidade de desenvolver e engajar-se em networking.

  7. Desenvolvimento de independência. Sempre acreditei que uma experiência de estudos no exterior tem que ser pensada intencionalmente e desenvolvida com cuidado. Isto porque a universidade tem que se certificar de que a experiência irá proporcionar conhecimento e compreensão educativas, culturais e sociais que desenvolvam no estudante habilidades necessárias para a vida acadêmica e para a vida adulta, aquela que os estudantes terão que enfrentar depois de concluírem seus cursos. Preparar o estudante para a vida é uma função nem sempre explícita no papel da universidade ao formar seus alunos, mas é uma daquelas habilidades que são parte da vivência universitária. Programas de estudo no exterior tem que ser constantemente monitorados pela universidade para cerificar-se de que as coisas estão andando conforme planejado. Apesar do ambiente seguro e de apoio criado pela universidade no programa, toda experiência de estudo no exterior requer do estudante que tenha iniciativa e independência. Viajar para outro país é uma oportunidade de também desenvolver independência e pensamento crítico. Muitas vezes, o estudante se encontra em uma situação nova em outro país e não sabe como agir ou não tem ninguém ao seu lado naquele momento para usar como apoio. Se a universidade prepara o estudante desenvolvendo o pensamento crítico, a universidade está também dando ao estudante a independência necessária para poder gerar suas próprias ações levando em consideração as possíveis consequências de suas escolhas e tomando decisões por si mesmo (Naiditch, 2017). Por mais que seja parte de um grupo, sempre há momentos em que o estudante tem que negociar situações, tomar decisões e agir conforme seus critérios. O pensamento crítico leva a este tipo de pensamento independente que é resultado de um processo de amadurecimento. Estudar no exterior pode ser essa oportunidade que o estudante tanto precisa de saber seguir sozinho utilizando os instrumentos e o conhecimento que desenvolveu durante o tempo em que passou na universidade.

  8. Desenvolvimento de habilidades de liderança. A liderança é uma qualidade importante e, de certa forma, é resultado da independência e iniciativa descritas anteriormente. Ao viajar o mundo e ter que tomar decisões, muitas vezes sem muito tempo para pensar sobre o assunto, e ao ter que relacionar-se com pessoas e línguas diferentes em um universo cultural distinto, os estudantes desenvolvem a capacidade de ter uma mente aberta, de tomar decisões e de ter iniciativa – todas essas habilidades são qualidades essenciais em um líder. Liderança não significa ser um chefe ou um diretor de uma empresa ou departamento. Liderança é aprender a juntar as pessoas ao seu redor para que coletivamente consigam atender às necessidades apresentadas e pensar em soluções. Um líder consegue tomar iniciativa, reunir pessoas em torno de uma causa e apontar caminhos. Estudar no exterior é uma forma prática de desenvolver liderança, tomar decisões e encontrar direções apropriadas para as diversas circunstâncias que a vida possa apresentar. Um líder precisa de agilidade e adaptabilidade, além de ser uma pessoa criativa e inovadora. Um líder é uma pessoa que consegue negociar situações e pessoas diversas, e gerenciar conflitos. As atividades, situações, e o próprio currículo de um programa de estudos no exterior devem desfiar o estudante a ter que desenvolver suas habilidades e as qualidades necessárias de um líder.

  9. Desenvolvimento de novos interesses. Muitos estudantes que nunca tiveram a oportunidade de sair de suas zonas de conforto se surpreendem consigo mesmos quando têm uma experiência de estudos no exterior. Estudar em outro país inclui conhecer novas atividades e pode despertar interesses que o estudante não conhecia ou nem sabia que poderia ter. Muitos estudantes descobrem talentos adormecidos ou desejos não satisfeitos durante seu programa de estudos no exterior. Esses novos interesses podem ser relacionados à atividade profissional de um estudante, que ao conhecer uma nova forma de fazer algo ou uma nova direção na pesquisa ou até mesmo uma nova linha de pesquisa ou atuação pode se encontrar nessa nova oportunidade. Os interesses podem também ser sociais ou nas áreas de entretenimento ou atividades físicas que nunca tinham sido experimentadas anteriormente. A exposição à diferença e a novos ares abre as portas da possibilidade. Muitos estudantes aproveitam a oportunidade de estar distante de casa para tentar algo novo em um ambiente onde não serão vistos ou julgados. Essas experiências podem levar os estudantes a voltar para casa com novos hábitos, novos interesses e a continuar explorando outras atividades e propósitos.

  10. Oportunidades de trabalho no exterior. Muitos alunos em meu programa estenderam suas temporadas ou acabaram voltando para algumas das instituições visitadas para fazer trabalho voluntário. Um de meus alunos, por exemplo, ficou mais tempo no Rio de Janeiro ensinando inglês em uma comunidade para alunos carentes que não tinham condições de frequentar um curso de línguas. Outra aluna foi trabalhar em uma escola pública para aprender como ensinar alunos carentes com poucos recursos materiais, já que essa era uma situação nova e diferente da que ela tinha em sua escola em Nova York. Além das visitas e oportunidades de interação em escolas, durante o programa nós fomos a várias instituições e visitamos vários projetos sociais no Brasil. Muitos alunos acabaram se interessando por essas iniciativas e decidiram passar mais tempo aprendendo sobre a forma de trabalho em suas ou outras áreas no Brasil. Essas oportunidades adicionais funcionam como um estágio. As instituições, de uma forma geral, receberam os alunos de braços abertos e ficaram felizes em ter gente trabalhando voluntariamente para ajudá-los a atingir sua missão. Os estudantes, por sua parte, veem nesses estágios uma chance de praticar as novas habilidades e conhecimentos aprendidos durante o programa e solidificam esse aprendizado. Esse também é um momento importante para muitos desses estudantes, pois eles não estão mais com o grupo e têm a chance de aprimorar ainda mais vários dos aspectos descritos anteriormente. A possibilidade de trabalhar no país onde estão estudando ou estudaram aprofunda ainda mais o conhecimento e o desenvolvimento social, profissional, linguístico, intelectual e emocional dos estudantes.

Considerações finais

John Dewey (1938) já pregava a ideia do aprender ligado ao fazer desde o início do século XX. Sua abordagem naturalista salientava a habilidade humana de se adaptar ao ambiente e a necessidade da investigação sobrepondo-se à observação. Ao invés de observar o mundo passivamente, a teoria pragmatista de Dewey pregava a interação do homem com seu ambiente através da ação – o homem agindo e interagindo em seu ambiente com outros sujeitos e, assim, desenvolvendo experiência e criando aprendizagem e conhecimento.

A abordagem de Dewey ficou conhecida como filosofia da experiência. A proposta de uma educação baseada na experiência sempre sustentou a razão de ser da educação progressista. Estudar no exterior é uma extensão dessa ideia. Podemos viajar vicariamente através de livros, atlas, vídeos, documentários, palestras e filmes. Mas podemos também optar por vivenciar aquilo que lemos e ouvimos. A diferença é que vivenciar através da ação, da interação e da exposição possibilita ao estudante um aprendizado real, uma relação construída diretamente com o objeto de sua investigação e aprendizagem.

Todos os estudantes necessitam de uma aprendizagem que vá além das salas de aula ou do campus universitário. Para poder desenvolver conhecimento e habilidades que o sustentem na vida após a universidade, o estudante tem que saber utilizar seu tempo, seus recursos, e os recursos oferecidos pela universidade.

Universidades devem oferecer programas de estudo no exterior como parte integral do currículo de seus cursos e devem buscar recursos para poder incluir a maior parte de estudantes possível, especialmente os que não têm condições de participar deste tipo de programa por conta própria. Programas de estudo no exterior são formas inovadoras de se compreender ensino e aprendizagem. É a forma de aprendermos fazendo – faciendo discimus – como expressa bem o conhecido adágio em latim.

Nos Estados Unidos, a Associação de Educação Nacional (National Education Association, [NEA]) desenvolveu um programa que descreve as habilidades essenciais que um estudante precisa desenvolver em seu curso de estudos para poder navegar e funcionar na vida moderna de forma eficaz e responsável. Essas habilidades são resumidas através do chamado 4 C's: crítica (pensamento crítico), comunicação, colaboração e criatividade. Essas características se somam a outras descritas nesse artigo para evidenciar os benefícios de um programa de estudos no exterior durante a formação profissional promovida pela universidade.

No mundo globalizado e interconectado digitalmente em que vivemos, a possibilidade de conhecer um outro país, uma outra cultura, uma nova forma de viver e se relacionar, de conhecer e produzir conhecimento tem o potencial de transformar a vida de um estudante. Programas de estudo no exterior oferecem uma experiência singular de valor imensurável. Ao retornarem do Brasil, os estudantes que participaram em nosso study abroad foram unânimes ao afirmar que, após a experiência, acabaram se deparando com uma nova versão deles mesmos, uma versão mais forte, mais hábil e mais capaz. Estudar no exterior como parte da experiência universitária transforma a vida dos estudantes e ao seguir seu rumo pessoal e sua vida profissional, esses mesmos estudantes acabam também por transformar outras vidas, compartilhando seus conhecimentos e suas vivências, continuando a aprender e a fazer.

Os textos deste artigo foram revisados pela Poá Comunicação e submetidos para validação do autor antes da publicação.

Referências

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Naiditch, F. (Ed.). (2017). Developing critical thinking: From theory to classroom practice. Rowman & Littlefield. [ Links ]

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Recebido: 30 de Agosto de 2022; Aceito: 29 de Outubro de 2022; Publicado: 13 de Dezembro de 2022

Endereço para correspondência Fernando Naiditch, Montclair State University Faculdade de Educação e Serviços Humanos Fernando Naiditch Departamento de Ensino e Aprendizagem University Hall, Sala 3230 1 Normal Avenue NJ 07043 Montclair, Estados Unidos.

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