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Educação

versão impressa ISSN 0101-465Xversão On-line ISSN 1981-2582

Educação. Porto Alegre vol.45 no.1 Porto Alegre  2022  Epub 17-Jul-2023

https://doi.org/10.15448/1981-2582.2022.1.43977 

50 Anos PPGEDU PUCRS

Permanência estudantil e sucesso acadêmico: a voz dos atores

Student permanence and academic success: the voice of the actors

Permanencia estudiantil y éxito académico: la voz de los actores

Pricila Kohls-Santos1 

Pricila Kohls-Santos Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em Porto Alegre, RS, Brasil; mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em Porto Alegre, RS, Brasil. Professora da Universidade Católica de Brasília (UCB), em Brasília, DF, Brasil. Líder do grupo de pesquisa interdisciplinar em Tecnologia, Internacionalização e Permanência – GeTIPE/CNPq/UCB. Membro da RedGUIA e integrante do Comitê Gestor (2022-2024). pricila.kohls@gmail.com


http://orcid.org/0000-0002-3349-4057

1Universidade Católica de Brasília (UCB), Brasília, DF, Brasil.


Resumo:

O presente artigo apresenta os avanços ao longo da trajetória de formação, ademais de resultados qualitativos de um estudo do tipo quanti-quali a partir da realização de grupos focais. Analisa as perspectivas de cinco docentes e cinco discentes de uma instituição do sul do Brasil, sobre a permanência estudantil na educação superior, levando em consideração, pelos fatores apontados na literatura, o engagament como um dos aspectos importantes nos estudos para a permanência. Assim, tomando como referência, Tinto (1987, 2012, 2017, 2020), Kohls-Santos (2020, 2021, 2022), Trowler (2010), Coates (2007), se identifica a relevância da motivação pessoal, a relação entre pares e as atividades extraclasse para a permanência estudantil, o que pode auxiliar as instituições a repensarem suas estratégias para diminuir as taxas de abandono. As respostas de docentes e estudantes permitem reconhecer a importância da criação de um vínculo entre eles, no qual os estudantes se sintam reconhecidos a partir do acompanhamento de seus professores. As variáveis que surgem no estudo nos levam a um nível diferente, para além do meramente econômico, uma vez que colocam o estudante como um participante ativo em seu processo de formação e os professores e instituições como responsáveis pela mudança paradigmática que deve ocorrer na educação.

Palavras-chave: educação superior; permanência estudantil; perspectiva docente; perspectiva discente

Abstract:

This article presents the advances along the training trajectory, in addition to qualitative results of a quanti-quali study based on focus groups. It analyzes the perspectives of five professors and five students, from an institution in the south of Brazil, on student permanence in higher education, taking into account, by the factors pointed out in the literature, engagement as one of the important aspects in studies for permanence. Thus, taking as a reference, Tinto (1987, 2012, 2017, 2020), Kohls-Santos (2020, 2021, 2022), Trowler (2010), Coates (2007), the relevance of personal motivation, the relationship between peers is identified and extracurricular activities for student permanence, which can help institutions to rethink their strategies to reduce dropout rates. The responses of professors and students allow us to recognize the importance of creating a bond between them, in which students feel recognized from the accompaniment of their professors. The variables that emerge in the study take us to a different level, beyond the merely economic, since they place the student as an active participant in their training process and the teachers and institutions responsible for the paradigm shift that must occur in education.

Keywords: higher education; student persistence; professor perspective; student perspective

Resumen:

El presente articulo presenta los avances a lo largo de la trayectoria de formación, ademáis de resultados cualitativos de un estudio del tipo cuanti-cuali a partir de la realización de grupos en foco. Analiza las perspectivas de cinco docentes y cinco discentes, de una institución del sur de Brasil, sobre la permanencia estudiantil en la educación superior, considerando, los fatores apuntados en la literatura, y el engagament como uno de los aspectos importantes para la permanencia. Así, tomando como referencia, Tinto (1987, 2012, 2017, 2020), Kohls-Santos (2020, 2021, 2022), Trowler (2010), Coates (2007), se identifica la relevancia de la motivación personal, la relación entre pares y las actividades extraclase para la permanencia estudiantil, lo que puede auxiliar a las instituciones a repensaren sus estrategias para disminuir las tasas de abandono. Las respuestas de docentes y estudiantes permiten reconocer la importancia de la creación de un vínculo entre eles, en el cual los estudiantes siéntanse reconocidos a partir del acompañamiento de sus profesores. Las variables que surgen en el estudio nos llevan a un nivel diferente, más allá del meramente económico, una vez que ponen el estudiante como un participante activo en su proceso de formación y a los profesores e instituciones responsables por el cambio paradigmático que debe ocurrir en la educación.

Palabras-clave: educación superior; permanencia estudiantil; perspectiva docente; perspectiva discente

A educação superior no Brasil vem sofrendo alterações em suas configurações ao longo das últimas décadas, porém, nos últimos anos, principalmente no período pandêmico, as instituições de educação precisaram reorganizar-se para a continuidade das atividades acadêmicas, primeiro de forma remota e, depois, com a volta à presencialidade. Seja de uma maneira ou outra, a educação passou por uma inevitável transformação, sendo a formação um dos eixos basilares para a transformação da sociedade.

Assim, apresento o resultado de um projeto desenvolvido junto ao Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Educação, Tecnologias e Internacionalização, coordenado por mim, junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica de Brasília (UCB). Ele dá seguimento a minha trajetória de pesquisadora, iniciada no Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com a realização do mestrado, doutorado e pós-doutorado. O projeto de pós-doutorado que realizei, tendo como tema o docente e o estudante da educação superior em contextos emergentes, vinculado ao Grupo de Pesquisa UNIVERSITAS/RIES coordenado pela professora doutora Marília Costa Morosini, do PPGEdu da PUCRS, dá seguimento a uma caminhada de pesquisa em estudos sobre educação superior e a permanência estudantil. Nele, realizei um estudo exploratório com estudantes estrangeiros a fim de verificar variáveis relacionadas à permanência estudantil contemplando aspectos da experiência da internacionalização da educação superior (Fase 1 do projeto de pós-doutorado), bem como entrevistei, por meio de um grupo focal, estudantes e docentes a fim de explorar a temática da permanência e fossem levantados subsídios na elaboração de um questionário, futuro instrumento de pesquisa para esse projeto.

Outrossim, minha tese de doutorado em Educação, orientada pela professora doutora Lucia Maria Matins Giraffa, analisou a permanência na educação superior a distância e os fatores mais relevantes relacionados, também, com a educação presencial (2012 a dezembro de 2015). Sendo que, de 2013 a 2014, participei do Projeto Alfa Gestão Universitária Integral do Abandono (GUIA), projeto cofinanciado pela União Europeia, com a participação de 16 países da Europa e América Latina. Em 2014, realizei pelo tempo de 12 meses, doutorado sanduíche na Universidad Politécnica de Madrid, sob a orientação do doutor Jesús Arriaga. Durante esse período tive a oportunidade de ampliar os estudos acerca da evasão e permanência na educação superior levando em consideração não apenas a visão das IES acerca da temática, mas também estar atenta às impressões dos estudantes que abandonam os estudos na educação superior. Isso, como forma de qualificar não somente os estudos e, ainda, contribuir com indicadores para auxiliar no estabelecimento de ações vinculadas À permanência dos estudantes nas instituições de educação superior, tanto na educação presencial como na educação a distância.

No âmbito do PPGEdu/PUCRS realizei publicações em periódicos e anais de eventos nacionais e internacionais, bem como capítulos de livro, versando sobre o abandono e a permanência estudantil na educação superior, a internacionalização e, também, sobre as tecnologias digitais na educação. Também participei dos grupos de pesquisa ARGOS – Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Educação a Distância da PUCRS – de 2010 a 2017, sob a coordenação da professora doutora Lucia Maria Matins Giraffa e do grupo de pesquisa Processos Motivacionais em Contextos Educativos (PROMOT), de 2013 a 2018, sob coordenação da professora doutora Bettina Steren dos Santos. E, desde 2010, integrei a equipe editorial da revista Educação Por Escrito, da PUCRS, sendo que de 2016 a 2019, atuei como editora executiva da referida revista e, nesse período, a revista passou de C para B1 e, a partir de 2019, atuei como editora associada da referida revista, até o ano de 2022. Dos anos de 2016 a 2019, fui bolsista PNPD vinculada ao Centro de Estudos em Educação Superior (CEES) da PUCRS, bem como junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação. Do ano de 2017 até junho de 2019, compus o quadro de docente colaboradora do PPGEdu da PUCRS na linha de Formação, Políticas e Práticas em Educação. Como professora colaboradora, concluí a orientação de três dissertações de mestrado, sendo duas delas envolvendo as temáticas propostas neste projeto de pesquisa, a saber, a educação para a cidadania global e a internacionalização da educação superior.

Em suma, a formação realizada no Programa de Pós-Graduação em Educação da PUCRS auxiliou-me na formação pessoal, acadêmica, mas, principalmente, como pesquisadora. É fruto desta caminhada o Modelo Integracionista para Permanência, que apresenta que a permanência estudantil deve ser planejada a partir do ponto de vista dos atores atuantes nesse cenário, quais sejam, estudantes, docentes e gestores, pois os alunos são o público-alvo da educação superior, os professores são a “cara” da instituição junto aos alunos e os gestores/administrativos são aqueles que dão suporte para que as ações/interações ocorram. Em outras palavras, é preciso levar em conta que, para desenvolver a permanência na educação superior, esses atores, gestores, docentes e estudantes devem trabalhar juntos, envolvidos em um processo de cooperação e corresponsabilidade em prol de uma educação de qualidade e equitativa para todos (Kohls-Santos, 2020).

A permanência estudantil e o sucesso acadêmico devem fazer parte do plano institucional, pois, tal como apontam Kohls-Santos e Estrada (2021) têm a ver com a missão das instituições educativas, que é a educação dos indivíduos para além de sua escolarização. Nesse sentido, a permanência estudantil seria pensar os atores das universidades como uma engrenagem, a gestão (reitores, coordenadores, funcionários), os professores e os estudantes como partes de um mesmo todo e que as ações de todos têm impacto na permanência e sucesso acadêmico.

Os estudos sobre permanência estudantil, sucesso acadêmico e graduação oportuna têm aumentado nos últimos anos, mas ainda são insuficientes para mensurar e compreender os fatores envolvidos e propor estratégias para qualificar esses estágios no ensino superior. Parece-nos que isso pode ter uma ligação importante com o abismo que existe entre a educação básica e superior, principalmente, nos últimos anos do ensino médio, em que deveriam se concentrar esforços na preparação dos jovens para o acesso ao ensino superior.

Assim, neste artigo, é apresentado um recorte, frente à complexidade que o tema da permanência abarca, buscando, na prática docente e na presença do estudante, elementos para a reflexão acerca das dificuldades e desafios de se pensar a educação superior evitando reducionismos em relação ao papel desses atores, mas sim visando compreender como podemos unir as diferentes perspectivas em prol da permanência estudantil na educação superior.

Nessa direção, o presente artigo tem por objetivo explorar os aspectos relevantes para a permanência estudantil na educação superior, sob a ótica de estudantes e docentes, a fim de sinalizar alguns possíveis caminhos e/ou propostas para fomentar a reflexão e as ações acerca deste fenômeno.

Permanência estudantil na educação superior: perspectivas em tela

Existem diferentes perspectivas para a permanência estudantil, não há definição única para esta questão. Embora o termo se refira aos estudantes que ingressam na educação superior e continuam seus estudos até a conclusão do curso, existem diferentes dimensões e fatores, preconizados por distintos autores que caracterizam o fenômeno da permanência estudantil na educação superior. Um ponto importante a aclarar é que, mesmo compreendendo que os motivos que levam os estudantes a permanecerem serve de base para ações que evitem a evasão e vice-versa, neste texto tomaremos apenas a perspectiva da permanência por entender que evasão e permanência não são movimentos simplesmente opostos, cada um possui abordagens e características importantes que não podem ser tratadas, simplesmente, como adversas.

De acordo com Tinto (1987, 2012) ao abordarmos a permanência, as instituições e seus colaboradores precisam entender que a permanência vai além da matrícula e rematrícula dos estudantes na Universidade. Embora este seja o primeiro e importante passo para a existência das instituições de educação superior (IES), a permanência tem a ver com o objetivo da existência das instituições educativas, que é a educação dos indivíduos e não simplesmente sua escolarização. O autor afirma que analisar a permanência sem as vinculações e os objetivos educativos não deveria ser interesse nem das pessoas, nem das instituições educativas.

Sua teoria se fundamenta na integração social e acadêmica do estudante, na qual quanto mais integrado e engajado o estudante está na instituição, mais probabilidade ele tem de permanecer nos estudos. O autor salienta que existem cinco fatores que auxiliam na permanência estudantil, a saber: as expectativas dos estudantes, o apoio social e acadêmico, as questões relacionadas à aprendizagem, avaliação e feedback, o envolvimento acadêmico e interação e as ações administrativas (Tinto, 2017, 2020). Ainda assim, Tinto (1987, 2020) afirma que, quanto mais os estudantes estiverem envolvidos em experiências de aprendizagem comuns, que unem os pares, sejam estas experiências acadêmicas ou sociais, provavelmente mais estes estudantes estarão envolvidos com sua própria aprendizagem e investirão mais tempo e energia para aprender.

Levando em consideração que para permanecerem os estudantes necessitam, também, estar engajados em seu propósito de estudar, apresentamos a perspectiva do engagement como fomento para a permanência estudantil. Neste estudo, tomamos como sinônimos os termos envolvimento e engagement, uma vez que a tradução literal do termo engagement para o português não manifesta as diferentes dimensões que a palavra expressa na língua inglesa, por esse motivo manteremos, neste texto, o termo original engagement no sentido de envolvimento, comprometimento e engajamento estudantil. Engajamento é mais do que envolvimento ou participação, pois requer sentimentos e criação de sentido, bem como atividade propositiva (Trowler, 2010).

Para Coates (2007), os estudantes que possuem um estilo colaborativo tendem a favorecer os aspectos sociais da vida e do trabalho universitário em detrimento de posicionamentos puramente cognitivos ou individualistas de interação. Tais estudantes possuem um nível de engagement que vai além do individual, sua postura está na direção de envolver e apoiar os demais estudantes na integração acadêmica.

Convém mencionar que os autores supracitados também apontam como importante para a permanência variáveis relacionadas a aspectos anteriores ao ingresso na IES, tais como a qualidade da formação educacional anterior, condições socioeconômicas, o contexto familiar, as intenções do estudante em relação aos seus estudos, a convivência com professores, assim como a qualidade do sistema acadêmico da instituição como um todo.

Uma variável do tipo individual que é relevante para o êxito acadêmico é o autoconceito, como sustentado através de vários estudos – Purkey (1970), Kifer (1975), Covington e Omelich (1979), Byrne (1984), Hamachek (1987), Markus et al. (1990) e Leondari (1993). A percepção e os sentimentos a respeito de si mesmo são fatores determinantes para o êxito acadêmico dos indivíduos (Urquijo, 2002). Um autoconceito negativo gera falta de confiança em si mesmo, levando a uma visão distorcida de si, sentimentos de menos valia e incapacidade, o que pode refletir, posteriormente, em um baixo rendimento acadêmico e social (Parra, 2015)

Na perspectiva apresentada por Kohls-Santos (2020, 2022), existem variáveis e eixos estruturantes para ações que convergem a permanência estudantil e promovam o sucesso acadêmico. Para o acompanhamento dos estudantes e monitoramento da permanência, considera-se o Modelo Integracionista da Permanência (Kohls-Santos, 2022) que prevê a abordagem acadêmica como um eixo central das instituições educativas, preservando a importância do estabelecimento de comunidades a partir de atividades de adaptação e interação social e acadêmica.

A partir dos estudos mencionados e da proposta de Modelo apresentada por Kohls-Santos (2020), na Figura 1 apresenta-se o Modelo Integracionista para a Permanência Estudantil e Sucesso Acadêmico (MIPESA) e suas variáveis.

Fonte: Autoria própria.

Figura 1 Modelo Integracionista para a Permanência Estudantil e Sucesso Acadêmico. 

O sucesso acadêmico está ligado à conclusão dos estudos por parte do estudante, mas vai além, contempla a aplicação na prática dos conceitos aprendidos ao longo de sua formação, contribuindo para o exercício da sua profissão e para o desenvolvimento do cidadão no âmbito pessoal, profissional e social (Kohls-Santos, 2020).

Ou seja, os aspectos e atores relacionados com a permanência na educação superior são muitos, sendo que pode ser olhada por diferentes pontos de vista e perspectivas. Por esse motivo, nos propomos a analisar os olhares de estudantes e docentes em relação aos aspectos da permanência por acreditar que estes atores e seu envolvimento estão diretamente relacionados com a permanência.

Percurso metodológico

A investigação realizada caracteriza-se como um estudo de caso de abordagem mista, qualitativa e quantitativa, tendo por objetivo conhecer e melhor entender as variáveis relacionadas à permanência estudantil frente aos desafios do contexto emergente de educação superior do ponto de vista de estudantes e docentes. Todavia, neste artigo, apresentam-se apenas os resultados referente à etapa qualitativa da investigação.

Assim, após a complementação da pesquisa bibliográfica, foi realizada a pesquisa de campo, a qual é “utilizada com o objetivo de conseguir informações e/ou conhecimentos acerca de um problema, para o qual se procura uma resposta” (Lakatos & Marconi, 1992, p. 76). A pesquisa de campo foi realizada por meio de grupos focais com a participação de professores e estudantes.

A estratégia do grupo focal foi escolhida por oportunizar o diálogo e a interação entre os participantes, oportunizando aos mesmos respostas que vão além daquelas previstas em instrumentos fechados, tais como o questionário. Pois, na logicidade do grupo focal, de acordo com Barbour (2009), os participantes discutem a partir de seu próprio marco referencial e perspectiva acerca do tema proposto para discussão.

A essência do grupo focal é constituir-se com objetivos definidos, pressupondo uma maior interação entre os participantes e o pesquisador, que visa conhecer e coletar dados sobre determinado tema a partir de discussão focada e com roteiro definido previamente (Barbour, 2009).

Nesse sentido, no presente estudo, a técnica de grupo focal teve por objetivo conhecer as impressões e as opiniões empreendidas no discurso coletivo entre professores e estudantes da educação superior. Assim, o grupo focal foi planejado com antecedência, tendo em vista os objetivos do estudo, desde a seleção dos participantes, materiais utilizados, problemática e a moderação do grupo. Cabe ressaltar que esta investigação foi devidamente aprovada por Comitê de Ética na Pesquisa e ela seguiu os protocolos e procedimentos éticos para realização de todas as etapas da investigação.

Os participantes foram selecionados por meio de convite, sendo a participação voluntária, tendo como critério a participação de estudantes de graduação e professores de graduação com experiência mínima de quatro anos de docência. Os participantes são docentes e estudantes de uma instituição pública de ensino superior da região Sul do Brasil.

O roteiro para o grupo focal foi organizado levando em consideração os fatores mencionados por Santos (2015) para a permanência na educação superior, a saber: prática docente, qualidade do curso, gestão da instituição e dedicação do estudante. Assim mesmo, foram considerados aspectos como a integração acadêmica, a valorização profissional, integração social e acadêmica, fatores financeiros e econômicos e o envolvimento estudantil. Ainda, o roteiro foi apresentado a especialistas que realizaram a validação de conteúdo (Malhotra, 2006). Tal validação tem por objetivo o alinhamento do instrumento aos pressupostos teóricos.

Durante a realização da sessão de grupo focal, os dados obtidos foram anotados e gravados, fazendo o registro escrito de reflexões e apontamentos dos participantes para posterior análise sobre o conteúdo em discussão. Para análise dos dados, por se tratar de um estudo qualitativo, optou-se pela análise textual discursiva (Moraes & Galiazzi, 2007), na qual foram realizados movimentos de desconstrução, fragmentação e desorganização do texto para então estabelecer novas compreensões. Esse processo foi realizado com o suporte, para análise qualitativa dos dados, do software Nvivo (versão 11). Nesse sentido, o software foi utilizado com o objetivo de organizar os dados para análise, bem como conhecer e visualizar a recorrência dos termos e inferências dos participantes, realizando a correlação dos dados coletados com a teoria.

No intuito de elucidar o processo metodológico realizado na presente investigação, apresentamos na Figura 2 o percurso metodológico desenhado nesta investigação.

Fonte: Elaboração própria.

Figura 2 Percurso metodológico da investigação. 

Uma vez apresentado o percurso metodológico, com a descrição dos procedimentos de coleta e análise dos dados, na próxima seção apresentamos a discussão dos resultados.

Discussão dos resultados

A investigação possibilitou analisar as percepções e os anseios de professores e estudantes em relação à permanência estudantil e seus fatores intervenientes. Foram identificados quatro fatores principais que são objeto de análise: a prática docente, o estudante, a instituição e o abismo entre educação básica e superior. Sendo esses fatores as categorias levantadas após a análise dos dados. A Figura 3 apresenta o Gráfico de Hierarquia dessas categorias e suas subcategorias.

Fonte: Elaboração própria, dados da pesquisa.

Figura 3 Gráfico de Hierarquia das Categorias. 

Ao apresentar o gráfico da Figura 3 é importante ressaltar que o mesmo foi elaborado com o auxílio do software NVivo e representa a distribuição das inferências dos participantes em relação a cada temática. Assim, é possível verificar uma simetria entre o número de inferências relacionadas ao estudante e a prática docente, categorias estas com maior ênfase na fala dos sujeitos, seguidos pelas questões institucionais e o abismo entre educação básica e superior. Em geral, quando abordada a temática da permanência estudantil, estes são aspectos recorrentemente mais lembrados uma vez que professores e estudantes têm um papel central na educação superior e na educação como um todo.

A prática docente

No contexto desta investigação a categoria prática docente é compreendida pela relação entre as atividades, avaliações, postura e relacionamento dos professores em ações de ensino e de aprendizagem, sejam estas em sala de aula ou em contexto universitário que promovam ou favoreçam a permanência estudantil. Nesse sentido, abarca tanto questões levantadas pelos estudantes, como também alguns apontamentos dos próprios docentes, enfocando na relação professor-aluno e na teoria versus prática.

Em relação à prática docente, os estudantes comentam que, na maioria das vezes, o professor não sabe quem são os estudantes, de onde eles vêm e se eles estão compreendendo o que está sendo trabalhado. A esse respeito o Estudante 3 afirma que “o aluno deve tomar conta de suas notas, seus horários, dar conta de entender o que o professor tá falando e ele [professor] nem se preocupa com o que eu estou entendendo, é tudo diferente e solitário”.

Ao passo que um dos docentes participantes do grupo focal dialoga que

o estudante precisa de um retorno, ele precisa saber que nós sabemos que eles estão ali e sabemos de suas condições. Quando, para além dos materiais da disciplina, o professor indica material extraclasse, um vídeo, para aprofundar o conteúdo, ele sabe que precisa procurar isso também, precisa aprofundar suas leituras, ele sabe que só o que ele vê na aula, não é suficiente, então temos um aluno que tem um olhar crítico e a gente às vezes acha que ele não tem. (Professor 1)

Corroborando com a fala do Professor 1, o Estudante 5 diz que “temos pouca assistência no nível psicológico, para os professores nos ajudarem, para ter uma assistência estudantil. No começo do curso, somos muito cortados na nossa fala, somos subestimados pelos professores.”

Das inferências dos participantes, podemos depreender que uma das características em comum é a falta de diálogo ou, ainda, a escuta deficitária por parte dos docentes, o que dificulta a conexão entre estudantes e professores. Nesse sentido, é importante estabelecer em sala de aula uma comunidade de aprendizagem, na qual todos os participantes tenham voz e vez e possam expor suas inquietações, dúvidas e aprendizagens.

Segundo Nóvoa (1997, p. 26): “A troca de experiências e a partilha de saberes consolidam espaços de formação mútua, nos quais cada professor é chamado a desempenhar, simultaneamente, o papel de formador e de formando”. Assim, vemos a colaboração entre os sujeitos, principalmente, no estabelecimento do diálogo entre professores e estudantes, como uma das principais estratégias para diminuir o abandono/evasão na educação superior e, assim, estimular a permanência dos estudantes. Sendo que este diálogo pode ser estabelecido pela aproximação da teoria e dos conteúdos acadêmicos, com a prática cotidiana.

Para Pérez Gómez (2015), a educação pode ser vista como o processo pelo qual cada indivíduo tem a oportunidade de, isolada ou cooperativamente, questionar e reconstruir os efeitos e influências que recebeu no processo de socialização. Significa abrir e expandir a identidade; é, para além do processo formativo, um caminho que transforma. O autor complementa que “a vida real exige abordar problemas complexos, utilizando conteúdos e habilidades em contextos reais e motivados por metas ou propósitos relevantes” (Pérez Gómez, 2015, p. 42).

Uma questão importante levantada por um dos docentes sobre sua prática é a necessidade de conexão entre as disciplinas do curso e o seu conteúdo com a realidade. A exemplo do que comenta o Professor 4,

Precisamos trabalhar conectando as diversas disciplinas dos cursos de forma a integrá-las, ajudando os alunos a entenderem porque precisam dos conteúdos, porque senão quando ele tem dificuldade em um dos conteúdos, isso os desmotiva para os outros também. Mas para isso é necessário vencer a barreira de ficarmos isolados em nossas aulas sem conversar com os outros docentes. É nosso papel como professores ajudar o aluno, que chega imaturo, a fazer a conexão entre os conteúdos e a aplicabilidade prática dos mesmos.

Na busca de uma melhor qualidade para o ensino superior, com foco na prática docente, se destaca a importância de considerar a dinâmica do conhecimento, impactada pela interação entre pesquisa e prática que moldam o conhecimento do professor (Eisner, 2017). Tal postura não implica em abrir mão da prática tradicional dos professores, com diretriz centrada em métodos e técnicas, mas, essa é acrescida do conhecimento das ferramentas e recursos disponíveis, bem como análise delas com um olhar investigativo e inovador. Por essa dinâmica podem ser identificadas aplicações na prática docente, possibilitando a conscientização de si e daquilo que realmente se sabe, não se sabe e o que precisa saber para poder ensinar.

Tal como sinaliza o Professor 3 “Qual a função do ensino? Se indicamos que é capacitar os alunos para seu desenvolvimento social, temos que assumir a nossa responsabilidade como aquele que mostra os caminhos disponíveis e possíveis dentro da realidade circundante.” Neste entender o docente seria capaz de aliar o conteúdo trabalhado com seus alunos ao cotidiano destes discentes, criando e recriando um ambiente rico de produção do conhecimento em que todos são ao mesmo tempo autores e aprendizes (Gale et al., 2017).

Aspectos institucionais

Além do caráter de formação profissional, “(…) as Instituições de Ensino Superior devem assumir o fato de que são, acima de tudo, agências de desenvolvimento humano e social” (Bawden, 2013, p. 14). Sendo que, ao comprometerem-se com o desenvolvimento humano e social, pressupõem, das instituições de educação superior, um olhar voltado ao seu entorno e ao que está além dos muros da universidade. Sustentando essa abordagem está a participação na comunidade, sendo esta gerada pelo entendimento de que nem todo conhecimento e experiência reside na academia, e que tanto oportunidades de especialização como de grande aprendizagem se encontram, também, em contextos não acadêmicos (Taylor & Parsons, 2011).

A fala do professor nos remete à importância de as instituições de educação superior oferecerem suporte acadêmico e social aos estudantes como forma de valorizar sua presença na instituição e estimular a sua permanência nos estudos. “Outro aspecto importante é a universidade proporcionar ao aluno integração social, além da formação acadêmica. O estudante deve realizar atividades em laboratórios, oficinas, iniciação científica, além de frequentar ambientes de convivência entre professores, alunos e funcionários” (Professor 1).

Importa destacar que, a partir da entrada do estudante no sistema acadêmico, cada ação e/ou decisão está relacionada com questões oriundas da instituição, subdividindo-as em interação formal e informal. Relativas à interação formal está o rendimento acadêmico. Ele influencia na integração acadêmica e social, que tem ligação com metas e compromissos institucionais diretamente ligados com a decisão de abandonar os estudos. Isso, da mesma maneira que as interações com os professores, mesmo que informalmente, também têm influência com a integração acadêmica e social e sua ausência pode influenciar para o abandono.

Interessante atentar a fala que segue:

Todo mundo aqui, acredito, sabe por que está aqui e às vezes não é dito isso para o estudante, porque ele tem que seguir aquele plano de curso, ou aquele currículo, ou a conexão de uma disciplina com a outra. Alguém aqui falou que o estudante não entende o curso até metade. A gente fala pra ele o que é o curso? Ou a gente chega e damos nossa disciplina? Temos que dar uma pensada sobre isso. (Professor 5)

O que vai ao encontro da fala de outro professor ao dizer que “temos uma estrutura de ensino com um modelo do século passado e nós não repensamos essa estrutura, não paramos pra pensar o que realmente a universidade, principalmente na estrutura curricular” (Professor 4), e coincide com o que propõe Parra et al. (2015), o papel dos professores é relevante para o desenvolvimento do autoconceito acadêmico e emocional dos estudantes, uma vez que podem criar nos alunos uma visão positiva de si mesmos e de sua capacidade para resolver as atribuições acadêmicas, como também, contrabalançar a má opinião que alguns adolescentes têm quando chegam à universidade. Isso se deve ao tratamento, informações e julgamentos com os quais os professores se relacionam com os alunos. Recomenda-se incluir nos cursos de fundamentação pedagógica, um módulo sobre autoconceito, de tal forma que o professor reflita sobre as consequências de suas atitudes e linguagem no relacionamento com os alunos.

De acordo com Klemenčič e Chirikov (2015) à medida que o aprendizado e o desenvolvimento dos estudantes foram percebidos como intimamente associados à qualidade institucional, isso impulsionou a pesquisa sobre a satisfação do estudante e a participação dos estudantes em atividades educativas. O que por um lado é benéfico, pode ser interpretado como uma maneira de estabelecer a baixa qualidade institucional com o desempenho dos seus estudantes, o que pode ser um equívoco do ponto de vista da permanência estudantil e do sucesso acadêmico, uma vez que pode incorrer a responsabilidade da não permanência e insucesso apenas sobre os estudantes.

A esse respeito um dos estudantes afirma que

vários professores apontaram para questão da reprovação, da desmotivação e isso me faz pensar no processo de avaliação. Como alunos, nós temos ideia, muitas vezes, que prova é decoreba e eu tenho todas as informações com um toque no meu celular, pra quê decorar? Talvez uma incoerência nos currículos atuais e não vejo a faculdade e os professores pensando nisso. (Estudante 3)

E outro estudante complementa ao dizer que “o sistema de avaliação é seletivo as vezes, e às vezes não mede conhecimento, mede a informação” (Estudante 1). Por isso mesmo é crescente a utilização de dados de pesquisas com os estudantes e a avaliação institucional por organismos externos, tais como o governo, como possibilidade de conhecer e medir a qualidade das instituições de educação superior. Ao passo que as próprias instituições também podem utilizar esses dados e as experiências de seus estudantes para repensar a universidade a partir da perspectiva dos estudantes, que são os principais atores fins das instituições de educação superior.

O estudante

O estudante da educação superior é o ator principal no contexto das IES, ou ao menos deveria ser. É o ator principal, uma vez que destes depende a existência das universidades. Não queremos dizer que somente os estudantes fazer a educação superior, mas todas as ações educativas, de gestão, de pesquisa e extensão têm como foco a educação dos alunos. E é por isso mesmo que precisamos manter o foco nos estudantes, sem esquecer que eles têm direito a uma educação de qualidade, direito a oportunidades de promoção da aprendizagem, mas atrelada a isso também está a sua corresponsabilidade em seu processo de formação.

Quando falamos em corresponsabilidade, falamos também no conceito de comprometimento dos estudantes que se tornou “fundamental para a compreensão mais contemporânea da experiência dos estudantes e para debates sobre o aprimoramento da qualidade” (Callender et al., 2014, p. 31). Assim, o engajamento de estudantes implica interação, exploração e relevância, e práticas de sala ancoradas em problemas reais (Taylor & Parsons, 2011).

A esse respeito, Thomas e Brown (2011) apontam para a necessidade de uma nova cultura de aprendizagem, na qual a “sala de aula” seja estabelecida a partir do mundo, quando afirmam que “a abordagem baseada em ensino se concentra no ensino sobre o mundo, enquanto que a nova cultura de aprendizagem se concentra na aprendizagem através do envolvimento no mundo” (p. 37). Porém, a partir da fala de um dos docentes, é possível inferir que ainda temos em nossas instituições de ensino, aqueles que tendem a uma abordagem mais tradicional. “Quando o aluno enfrenta um processo de seleção rigoroso para ingressar na faculdade, ele precisa ser mais comprometido com o curso e a evasão é menor. Existe a mentalidade que tudo que vem fácil vai fácil” (Professor 1).

Tal pensamento não leva em consideração as questões psicológicas e a maturidade dos estudantes ao ingressarem na universidade. Muitas vezes, não é a dificuldade do processo que mede o comprometimento dos estudantes e sim a consciência de sua escolha de formação ao selecionar um curso de graduação. Essa é uma questão importante, porém, conforme podemos perceber no seguinte relato, nem toda evasão deve ser entendida como negativa:

Posso falar da minha experiência pessoal que é um retrato dessa questão. Entrei na universidade com 17 anos e foi preciso passar por dois cursos e pelo mercado de trabalho para encontrar a minha área, que foi Pedagogia. Essa trajetória poderia ser considerada negativa, já que abandonei dois cursos, porém me sinto completamente realizada na escolha final que fiz e reconheço que com 17 anos, essa escolha era impossível para mim e também o é para grande parte dos adolescentes. Sob essa ótica não poderíamos dizer que a evasão é sempre negativa, porque pra mim ela foi positiva. (Estudante 5)

Para Tinto (1989, 2012), são comportamentos diferentes os que levam à exclusão acadêmica e ao abandono voluntário, pois um observador externo pode entender que o estudante ao abandonar seu curso fracassou em concluir os estudos, sendo que, esse mesmo estudante, pode interpretar essa situação como algo positivo para o alcance de uma meta pessoal.

O abismo entre educação básica e superior

A permanência estudantil é um fenômeno multicausal que, em nível mundial, conta com variáveis que a favorecem e outras que apontam suas vulnerabilidades. Uma das quais a literatura considera geradora de vulnerabilidade é a desarticulação do sistema educativo no qual o estudante do ensino médio não está sendo bem-preparado para que tenha condições de alcançar o êxito acadêmico na educação superior.

A diferença presente entre a formação da educação básica e superior é uma realidade e um problema que assola grande parte dos envolvidos com a educação superior. O ensino deficitário e o despreparo cognitivo, emocional e de autonomia acadêmica dos estudantes é um ponto de atenção importante quanto falamos da permanência estudantil.

Nas discussões apresentadas pelos participantes do estudo, é consenso entre professores e estudantes que existe um verdadeiro abismo, principalmente, entre o ensino médio e a graduação. Para o estudante, “na escola a gente vai levando, empurrando com a barriga, pois tudo parece mais fácil. Acho que somos pouco exigidos e os professores não pensam que vamos continuar a estudar depois do ensino médio” (Estudante 3).

Nesse sentido, percebemos que o abismo criado entre o ensino médio e o superior tem vários atores, assim como instituições que não conseguem entender as mudanças necessárias para favorecer a passagem dos alunos para a graduação, professores que evitam modificar seus currículos e práticas na sala de aula, bem como os próprios estudantes que não se capacitam em seu papel de estudantes e famílias que não entendem completamente seu papel diante dos seus filhos universitários.

Nessa direção, enquanto a maioria das instituições possuem centros de apoio acadêmico e se esforçam para melhorar os problemas relacionados aos baixos índices de retenção dos estudantes em risco, muitos professores buscam respostas para abordar o crescente número de estudantes que não estão devidamente preparados e estão matriculados em seus cursos e disciplinas, que têm um baixo rendimento e, dentre estes, aqueles que estão dispostos a buscar ajuda (Gabriel, 2008).

Porém, na fala dos estudantes e dos docentes, podemos perceber que a dificuldade não é apenas em relação às competências e habilidades acadêmicas e à formação anterior em relação ao conhecimento teórico. Pois os participantes afirmam que

As diferenças entre o ensino médio e a universidade trazem dificuldades psicológicas para os alunos porque os conteúdos são difíceis, exigindo autonomia e dedicação e na faculdade temos que fazer tudo sozinhos e, muitas vezes, a família também pensa que não precisamos mais ajuda. (Estudante 1)

A educação básica, falha na preparação do estudante para o ambiente acadêmico. Os alunos não têm clareza quanto a escolha do curso e devido a sua imaturidade, são levados a decidir em função da preferência dos pais ou dos colegas. Essa ruptura gera incerteza, drama e sentimento de abandono pois o aluno não encontra na universidade setores que possam auxiliar, tanto em nível psicológico como em termos de conteúdo. (Professor 3)

A esse respeito, o modelo proposto por Tinto (1989, 2012) para a permanência já sinalizava tais aspectos como cruciais. Nesse modelo se leva em consideração a vida antes do ingresso na instituição, como o contexto familiar e suas diferentes formações, e as competências individuais, que supostamente foram desenvolvidas durante a educação básica.

Muitos estudos têm sido feitos nos últimos anos tentando explicar a importância da permanência na universidade e na graduação dos estudantes, mas poucos abordam a identificação de estratégias que favoreçam a transição entre os dois níveis de ensino. A desafiliação escolar é apresentada como um problema que afeta principalmente o ensino médio e, dentro desse nível, em dois momentos cruciais, como a entrada no ensino médio e a passagem do ensino fundamental para o ensino médio (Solís et al., 2013). Como educadores e instituições de ensino, temos a obrigação de atender todos os nossos alunos, incluindo aqueles que chegam despreparados.

Considerações

Ouvir estudantes e docentes é uma importante abordagem para a criação de políticas de permanência, uma vez que esses são os atores principais da educação superior. Estes estão na linha de frente e, por esse motivo, são fontes importantes de informações sobre a própria instituição. Tal como apresentado no Modelo Integracionista para a Permanência Estudantil e Sucesso Acadêmico, existem variáveis que são inerentes do fazer docente e do ser estudante, que com o apoio da gestão podem desenvolver seu papel em prol da permanência e do sucesso acadêmico, que é de todos os envolvidos e não apenas do estudante ou do professor.

As informações coletadas a partir da fala dos participantes alinha-se com o pensamento do pesquisador Bain (2014), que aponta a necessidade de as universidades trabalharem o protagonismo dos estudantes em relação aos seus estudos, mas também nos âmbitos social e profissional, pois assim eles podem atuar socialmente como cidadãos comprometidos, incentivando a busca pela diminuição das desigualdades sociais.

Por esse motivo, se faz necessário investir na formação continuada de professores, principalmente, dos últimos anos escolares, e dos docentes universitários para favorecer o êxito acadêmico dos estudantes. Isso requer um olhar das instituições de ensino para a promoção deste tipo de formação, ainda assim, o estudante necessita de uma formação específica para o “ser estudante”, na qual ele possa compreender o seu papel e suas responsabilidades com seu próprio processo de aprendizagem e desenvolvimento acadêmico.

Além disso, a articulação do conhecimento com as realidades do contexto que habitam, a real articulação entre o conhecimento, o ser e o fazer. Isto deve levar a intervir a desarticulação no sistema educacional, a revisão dos currículos que são executados dentro dos programas e o acompanhamento para o desenvolvimento dele, tendo consciência de que a sociedade dá às instituições seus jovens à espera de que a academia forneça as ferramentas para contribuir para o desenvolvimento social.

Um exemplo é a formação ao longo da pós-graduação realizada no PPGEdu/PUCRS, que auxiliou no desenvolvimento dessa noção primordial da relação entre teoria e prática, da aproximação entre os conceitos teóricos e a empiria, tão importante para a pesquisa, mas também para a prática como docente, esse é um aspecto fundamental para a permanência estudantil e o sucesso acadêmico.

Precisamos abordar as questões sobre a permanência em conjunto com a instituição, pois, afinal, ela é formada por todos os seus agentes, quais sejam, alunos, professores, funcionários e gestores. Assim, as mudanças necessárias para aumentarmos os índices de permanência na universidade passam, necessariamente, pela escuta do outro e pela noção de que a qualidade da educação e, nesse caso, da educação superior, deve ser preconizada e trabalhada em todos os âmbitos, desde pessoais, institucionais e governamentais.

Os textos deste artigo foram revisados pela Poá Comunicação e submetidos para validação da autora antes da publicação.

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Recebido: 26 de Setembro de 2022; Aceito: 29 de Outubro de 2022; Publicado: 13 de Dezembro de 2022

Endereço para correspondência Universidade Católica de Brasília Câmpus Taguatinga QS 07 – Lote 01 – EPCT Taguatinga, 71966-700 Brasília, DF, Brasil

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