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Educação

versão impressa ISSN 0101-465Xversão On-line ISSN 1981-2582

Educação. Porto Alegre vol.45 no.1 Porto Alegre  2022  Epub 17-Jul-2023

https://doi.org/10.15448/1981-2582.2022.1.41117 

Outros Temas

Experiências pedagógicas em mini-histórias

Pedagogical experiences in mini-stories

Experiencias pedagógicas en mini historias

Elaine Conte1 

Elaine Conte

Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, RS, Brasil. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade La Salle (UNILASALLE), em Canoas, RS, Brasil. Pesquisadora gaúcha da FAPERGS. Líder do Núcleo de Estudos sobre Tecnologias na Educação - NETE/ UNILASALLE/ CNPq e membro do Grupo de Estudos sobre Filosofia da Educação e Formação de Professores – GEFFOP/UnB/CNPq e do Laboratório de Formação e Estudos da Infância – LabForma/UFPel/CNPq. elaineconte.poa@gmail.com


http://orcid.org/0000-0002-0204-0757

Cristiele Borges dos Santos1 

Cristiele Borges dos Santos

Mestre em Educação e Graduada em Pedagogia pela Universidade La Salle (UNILASALLE), em Canoas, RS, Brasil; pós-graduada em Educação Infantil. Professora de Educação Infantil na rede municipal de Novo Hamburgo, RS, Brasil. Participante do Observatório da Cultura Infantil e membro do Núcleo de Estudos sobre Tecnologias na Educação – NETE/UNILASALLE/CNPq. cristieleborges2@hotmail.com


http://orcid.org/0000-0002-2756-9534

1Universidade La Salle (UNILASALLE), Canoas, RS, Brasil.


Resumo:

O artigo analisa algumas experiências formativas desenvolvidas com professores no campo da educação infantil e voltadas para a práxis com mini-histórias. Trata-se de discutir, por meio da pesquisa-formação, o campo sensível do agir pedagógico na EI, para contextualizar as práticas ético-estéticas de mini-histórias à criação de conhecimentos. As mini-histórias se configuram como formas de ver e narrar o mundo infantil, sob o olhar dos professores. As contribuições da investigação estão vinculadas aos processos reflexivos do agir pedagógico, no ato de interagir, de fortalecer as reelaborações com mini-histórias, que envolvem a leitura das questões humanas, para aprender a olhar, escutar, investigar, realizar o gesto de fotografar, escrever e aprender a ser um professor sensível.

Palavras-chave: mini-histórias; educação infantil; experiências pedagógicas

Abstract:

The article analyzes some formative experiences developed with teachers in the field of Early Childhood Education and focused on praxis with mini-stories. It is about discussing, through training-research, the sensitive field of pedagogical action in IE, in order to contextualize the ethical-aesthetic practices of mini-stories to the creation of knowledge. The mini-stories are configured as ways of seeing and narrating the children's world, under the eyes of teachers. The research contributions are linked to the reflective processes of the pedagogical action, in the act of interacting, of strengthening the re-elaborations with mini-stories, which involve the reading of human issues, to learn to look, listen, investigate, perform the gesture of photographing, write and learn to be a sensitive teacher.

Keywords: mini-stories; child education; pedagogical experiences

Resumen:

El artículo analiza algunas experiencias formativas desarrolladas con docentes en el ámbito de la Educación Infantil y centradas en la praxis con mini-cuentos. Se trata de discutir, a través de la formación-investigación, el campo sensible de la acción pedagógica en IE, con el fin de contextualizar las prácticas ético-estéticas de los mini-relatos a la creación de conocimiento. Los mini-cuentos se configuran como formas de ver y narrar el mundo infantil, bajo la mirada de los profesores. Los aportes de la investigación están vinculados a los procesos reflexivos de la acción pedagógica, en el acto de interactuar, de fortalecer las reelaboraciones con mini-historias, que involucran la lectura de cuestiones humanas, para aprender a mirar, escuchar, investigar, realizar el gesto de fotografiar, escribir y aprender a ser un docente sensible.

Palabras clave: mini-cuentos; educación infantil; experiencias pedagógicas

Vivemos um momento crítico no campo da educação, marcado por diferentes configurações, tensões, contradições estruturais, mudanças curriculares e novas fronteiras do conhecimento que vem acompanhado de indagações e incertezas. Desse contexto de mudanças frequentes e novas exigências em termos de atos de currículo na educação infantil, tomando como base as demandas da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e de outros dispositivos legais, observamos uma desarticulação entre teoria e prática que perpassa a tradição cultural e tende a reproduzir uma sociedade onde o saber é dividido e departamentalizado (por pareceres individuais), que não consegue se aproximar e tocar no chão da sala de aula onde se produz as memórias das crianças no cotidiano escolar. Embora a BNCC preveja na primeira etapa da educação básica: a educação infantil, a partir dos eixos estruturantes, por interações e brincadeiras, que sejam assegurados às crianças seus direitos de aprendizagem e condições de aprender2 a “Conviver, Brincar, Participar, Explorar, Expressar, Conhecer-se”, é fundamental que se desenvolvam ações formativas e de partilha com os professores para renovar e aprimorar tais mudanças na prática (Brasil, 2017, p. 23). Frente a isso, questionamos: como trabalhar pedagogicamente a construção de conhecimentos e a socialização na educação infantil se, ao mesmo tempo, há uma impossibilidade da sua materialização e contextualização em forma de documentação pedagógica?

Parece que essa impossibilidade reside no fato de existirem práticas, mas o professor não desenvolve, através de uma série de mediações, sua materialização, o hábito de documentar a realidade e colocar em ação seu profissionalismo de professor, investigando caminhos para dar visibilidade às experiências cotidianas que realiza com as crianças. O desafio está em projetar estratégias que deem condições de possibilidade aos professores de questionar o falso cientificismo, para pensar planos de ação, comunicando e partilhando sentidos, aproximando metodologias ativas e demandas legais do agir pedagógico com os conhecimentos gerados na realidade escolar. Como afirma Vázquez (1968, p. 206-207), para articular teorias e práticas de mudança, precisamos trabalhar na organização dos meios e em planos concretos de ação, pois, “a teoria em si (…) não transforma o mundo. Pode contribuir para a sua transformação, mas para isso tem que sair de si mesma, e, em primeiro lugar, tem que ser assimilada pelos que vão ocasionar, por seus atos efetivos e reais, tal transformação”.

A infância no Brasil tem sido mais discutida nos últimos tempos e as produções acerca desse tema têm emergido em virtude das mudanças legais, normativas e históricas, como a educação fundamental de nove anos e, consequentemente, a inserção da criança cada vez mais cedo na escola de educação infantil. Contudo, pouco se fala sobre as culturas infantis nos ambientes das experiências de vida educacional, os saberes constituídos na infância por associações em seus múltiplos aspectos, a partir do viés da própria construção cultural e da produção de memórias nos tempos das crianças (Faria et al., 2005). Segundo as autoras, a história da infância tem relação direta com a história do atendimento às crianças expostas à vulnerabilidade de classes ou origem da criança, de acordo com a percepção visual do trabalho pedagógico.

A argumentação se concentra em apresentar algumas experiências que vêm sendo desenvolvidas desde 2017 e continuadas em ambiências virtuais no período de 2020, por meio de oficinas pedagógicas, a partir de uma pesquisa-formação voltada para a formação de um laboratório de aprendizagem com professores da educação básica sobre mini-histórias. Essa proposta de intencionalidade formativa contempla a possibilidade de mudança das práticas educacionais e gira em torno de qualificar os processos pedagógicos desde a educação infantil (EI), colocando em ação uma perspectiva desenhada no engajamento, na reflexão interdisciplinar e na socialização de experiências, de aprendizagens cooperativas conquistando competências ao interagir com o outro no mundo, indo além do desenvolvimento de competências técnicas (González et al., 2019). O estudo foi realizado no Google sala de aula3 de uma universidade comunitária de Canoas/RS e envolveu um grupo de cerca de vinte (20) professores de escolas distintas de EI, criado por demanda espontânea, além do grupo de pesquisa que coordenou as atividades. A divulgação inicial do curso de extensão ocorreu por meio de um folder nas redes sociais. Estipulamos um período para que as pessoas interessadas pelo curso enviassem seus contatos de e-mail para um possível convite, na disponibilidade de vagas. A partir desses convites, 50 professores ingressaram na plataforma do curso. Mas, com a ampliação das demandas, o retorno do ensino presencial em algumas escolas e outros motivos que permeiam a vida de cada professor, apenas vinte professores finalizaram o curso. O relato dessa pesquisa-formação permite discutir em que medida as mini-histórias como parte da documentação pedagógica acompanhadas por registros visuais no cotidiano podem ser entendidas como um processo de pesquisa educacional na EI, para contribuir com os novos significados na pesquisa baseada na cultura da infância. “E como compreender que os enunciados poéticos ou literários ganham corpo, que tenham efeitos reais, ao invés de serem reflexos do real”? (Rancière, 2009, p. 52).

Ao estudar as mini-histórias e outras práticas diferenciadas possíveis na EI, abordamos a necessidade da documentação pedagógica e do uso de recursos visuais para realizar análises e pesquisas com crianças (Ostetto, 2017). Para sintetizar a importância dos registros e do processo de documentação pedagógica em processos de investigação, retomamos as ideias de Lella Gandini e de Carolyn Edwards (2002) e de Paulo Fochi (2019). O cotidiano da escola infantil é algo que desperta o pensar dos professores, especialmente no ato de escutar as crianças em tempos de pandemia, que estão crescendo, e potencializar a criação coletiva do contexto educativo, com base em evidências de produção de conhecimento pedagógico e de autoformação dos profissionais envolvidos (Fochi, 2019). O ciclo de investigação inicia com a formulação de ideias, perguntas e a observação sensível das crianças, por parte dos professores, que escutam e percebem os interesses das crianças e dão voz às experiências realizadas pelas infâncias, sob a forma de diferentes linguagens e expressões (Gandini & Edwards, 2002). A partir daí, surgem os registros de investigação, as observações, os registros fotográficos e as estratégias de compreensão e descoberta que as próprias crianças fizeram nos processos de aprendizagem, por meio das mini-histórias. Mas como compartilhar essas experimentações, observar, olhar devagar e fomentar esses registros pedagógicos em tempos de pandemia com professores? Durante o período de pandemia (2020/2022), as oficinas pedagógicas foram sendo readequadas e discutidas em cada tempo, marcadas sempre por alguma tecnologia (livros, dispositivos móveis etc.). Como podemos verificar, “dificilmente nossa maneira atual de viver seria possível sem as tecnologias. Elas integram nosso cotidiano e já não sabemos viver sem fazer uso delas. [E] nem pensamos o quanto foi preciso de estudo, criação e construção para que chegassem em nossas mãos” (Kenski, 2012, p. 19).

Aprender a escrever e a compreender abordagens de mini-histórias, sentindo os efeitos inquietantes e tensos do trabalho remoto, foi um caminho para contextualizar e avançar sobre o campo de atuação pedagógica, que dialogam com metáforas de deslocamentos e descentramento do olhar na EI. Evidentemente, tais experiências (presenciais e virtuais) não retratam a totalidade dos modos de ver e agir das práticas de mini-histórias, em suas singularidades e diferenças, mas dão visibilidade a um recorte da virtualidade da comunicação do cotidiano, para a partilha do sensível como forma de disposição estética (Certeau, 2014; Rancière, 2009). Vamos explorar as possibilidades da documentação pedagógica, em tempos desconhecidos, por meio de mini-histórias, como um processo formativo de busca por fontes de conhecimento na primeira infância, tendo em vista o sentido de trabalhar pedagogicamente em cooperação, que se transforma em encantamento e curiosidade epistemológica, para oferecer aos professores e às crianças condições de fala e novas formas de conhecer e explorar o mundo. Contudo, a pesquisa busca uma contextualização da formação pedagógica, a partir de um trabalho pedagógico de conviver com o desconhecido e o imprevisto4 do universo virtual, que tem na proposta de mini-histórias uma forma de tecer saberes e conquistar competências ao interagir com o mundo, sendo sensível aos corpos, percepções, ritmos e modos de dizer, reconhecendo por imagens e em contatos com os outros os retratos de situações do cotidiano (Santos et al., 2019). A relevância desse campo de experiência e linguagem estética (do gesto de fotografar5 e das imagens recriadas em mini-histórias) na EI se desdobra “entre a potência de significação inerente às coisas mudas e a potencialização dos discursos e dos níveis de significação” (Rancière, 2009, p. 55). Aliás, “o regime estético das artes não começou com decisões de ruptura artística. Começou com as decisões de reinterpretação daquilo que a arte faz ou daquilo que a faz ser arte” (Rancière, 2009, p. 36). Nessa iniciativa lançamos as ideias-sementes para cultivar a urgência do pensar formativo em busca de preencher ausências de compreensão, significado e sentido da experiência pedagógica com crianças, aproveitando “a nossa capacidade crítica e criativa para construir paraquedas coloridos” para uma nova humanidade (Krenak, 2019, p. 15). Já dizia Confúcio que uma imagem vale mais do que mil palavras, então, o que diria ele se as imagens fotografadas estivessem associadas às palavras como é o caso das mini-histórias?

Diante disso, para que se alcance o objetivo inicial de compartilhar experiências formativas de mini-histórias, o trabalho foi organizando em três seções. A primeira busca revisitar o que são mini-histórias e as relações com os elementos éticos, estéticos e sociais da educação. Na segunda seção, partilhamos a experiência formativa realizada coletivamente em ambiências digitais, em uma perspectiva de apoio pedagógico e de exercício desafiador de provocar abordagens de mini-histórias no cotidiano da EI. Na terceira e última seção, apresentamos algumas mini-histórias em cenários até então impensados, que sugerem uma mudança de olhar para ambiências digitais, dialogando com o pensar, o reescrever e o saber-se no mundo. Ao final, manifestamos o valor epistêmico das experiências com mini-histórias como possibilidades para diversificar e ampliar a formação de professores na EI, em uma dimensão mais sensível, ativa e de competências para interagir com os significados da própria formação cultural.

Conhecendo as mini-histórias: os primeiros passos dessa arte

Como se sabe, as mini-histórias são breves relatos poéticos, acompanhados de uma sequência de imagens (fotos), oriundas da vida cotidiana na escola, “que, quando escolhidos para serem interpretados e compartilhados, ganham valor educativo” (Fochi, 2017, p. 98). O compartilhamento dessas mini-histórias com as crianças, famílias e a comunidade escolar é uma forma de conversar com a arte de educar (na interação perceptiva) e comunicar aprendizagens sociais e de intensidade sensível, narrando e dando voz às crianças que aprendem através da curiosidade e relação com os mundos. “A partir de uma breve narrativa imagética e textual, o adulto interpreta esses observáveis de modo a tornar visível as rapsódias da vida cotidiana” (Fochi, 2017, p. 98).

Começamos a escrita colaborativa das mini-histórias em 2017 e, desde então, ampliamos e aperfeiçoamos o nosso entendimento sobre esta abordagem de pesquisa na educação infantil, assim como as formas de (re)elaboração e reconstrução das mini-histórias. As mini-histórias vêm ganhando espaço e amparo legal, especialmente com a BNCC, na etapa da educação infantil, projetada a partir da garantia de direitos de aprendizagem e desenvolvimento na educação infantil, por meio de campos de experiências, além de ser alvo de pesquisas nos últimos anos (Brasil, 2017). As mini-histórias permitem a construção de conhecimentos visuais na infância que vão da documentação à narração por imagens. Nas palavras de Eduardo Galeano (2009, p. 11), “Dia após dia nega-se às crianças o direito de ser crianças. Os fatos, que zombam desse direito, ostentam seus ensinamentos na vida cotidiana. (…) para que aceitem desde cedo, como destino, a vida prisioneira”.

Soma-se a isso, a necessidade das relações entre os participantes no espaço e tempo do trabalho pedagógico dos conhecimentos derivados da experiência, tendo em vista os interesses e necessidades da formação com outros sujeitos, neste caso, professores, crianças e conteúdos formativos da própria experiência vital.

Os dados da pesquisa são construídos mediante interações de todos os participantes do coletivo. (…) Essa aproximação resulta das relações subjetivas, derivadas de elementos ideológicos, políticos, sociais e culturais específicos do coletivo, embora no âmbito da sistematização universal dos conhecimentos; A metodologia de pesquisa-formação das pessoas do e para o coletivo objetiva a construção de consensos, nos quais a permanente circulação das informações se caracterize pela criação de condições, para que todos os participantes tenham equitativas possibilidades de comunicar-se. (Alvarado Prada, 2005, p. 631)

Tal análise é composta também por uma documentação pedagógica registrada em fotos, com suas respectivas autorizações de uso de imagem, bem como por reflexões teóricas que serviram de inspiração na prática pedagógica e que foram escolhidas para compor o processo de investigação. A intencionalidade presente nas mini-histórias implica no gesto de fotografar (movimento da procura), que traduz a atitude pedagógica para um novo contexto.

(…) o gesto de fotografar não tem a intenção direta de transformar o mundo ou comunicar com os outros; antes, visa a observar alguma coisa e fixar a visão, torná-la formal. (…) A fotografia é o resultado de um olhar sobre o mundo e, ao mesmo tempo, uma transformação do mundo; é uma coisa nova. (Flusser, 2019, p. 44-45)

Por essa razão, o gesto fotográfico de intencionalidade pedagógica não pode se restringir à manipulação do fenômeno observado ou a sua descrição objetiva (imagem científica), reduzindo o gesto de fotografar a uma operação laboratorial. Mais do que isso, ele capta aquilo que vemos desse gesto a partir de uma observação extremamente minuciosa do cotidiano escolar, por parte do professor, sobretudo quando se trata de fotografar momentos episódicos das crianças interagindo com os outros, com a natureza e com o mundo. Nesse contexto de análise, que implica a si próprio no gesto do olhar, de fotografar, da theoria, “o gesto de fotografar é uma forma de arte”, que funciona como projeção futura aos sentidos do conceito de reflexão (Flusser, 2019, p. 49). Contudo, “num outro sentido, a reflexão é um espelho no qual nos vemos a nós próprios quando tomamos uma decisão” (Flusser, 2019, p. 50).

Nas palavras de Nóvoa (1996, p. 17), “a inovação só tem sentido se passar por dentro de cada um, se for objeto de reflexão e de apropriação pessoal”. Daí a necessidade de buscar, com esta pesquisa, alternativas para pensar e criar novas metodologias de ação do trabalho pedagógico, de educar-se, de formar-se, de ler e aprender com os outros nas múltiplas possibilidades de interação com o conhecimento. A apropriação dos conhecimentos no campo da educação infantil envolve aspectos em que a racionalidade se mistura com a pragmaticidade e a emocionalidade, em que as atuações são utilizadas para a compreensão do (re)conhecimento e leitura da realidade. Nesse contexto, Miranda (2012, p. 17) defende a pesquisa-ação como um processo de “ação-refletida, resultante do movimento de pensar sobre o real tendo como ponto de partida os seus problemas, e como ponto de chegada a proposição de ações intervencionistas”. Tal procedimento metodológico permite avaliar o impacto das mini-histórias em experiências pedagógicas, bem como orientar e criar estratégias para promover novas abordagens com a sua inclusão/problematização. Mas, como indaga André (2008, p. 55), “que condições têm o professor que atua nas escolas, para fazer pesquisas” e participar de processos de formação permanente por meio de reflexões mais aprofundadas como um pesquisador e agente de mudanças, que ressignifica conhecimentos, por perspectivas arraigadas cada vez mais em seu trabalho cotidiano? Pesquisas recentes sobre a percepção em âmbitos da formação continuada na práxis indicam:

(…) una positiva valoración de esta área de formación, por cuanto permite una temprana inmersión en la realidad escolar y un acercamiento al rol profesional docente; asimismo, se reconoce como um espacio que contribuye a promover procesos reflexivos sobre las complejidades del quehacer pedagógico, aunque a nivel individual. (…) se observa que persiste una distancia entre el conocimiento académico y los saberes requeridos desde el aula escolar y la ejecución de asignaturas-taller centradas en transmisión de contenidos, situación que continúa en la línea de legitimar un entendimento técnico-aplicacionista de este ámbito formativo. (Turra-Díaz & Flores-Lueg, 2019, p. 385)

Tudo indica que compartilhar uma proposta de formação prática que aproxima sistemas virtualizados e espaços educativos distintos traz inquietações e dúvidas ao itinerário formativo do trabalho pedagógico porque implica a ressignificação do processo de aprender a atuar como fundamento do próprio conhecimento pedagógico, a partir do diálogo com a complexidade dos contextos escolares. No entanto, experimentar as pesquisas com mini-histórias desde a Educação Infantil provoca o olhar do professor sobre o próprio trabalho pedagógico e desacomoda-o nas metodologias. Projetar ações e fortalecer novas metodologias se apresenta como um convite para a produção do conhecimento e para dialogar sobre o tema com professores em constante formação. Trata-se de uma oportunidade de ensinar e de aprender, pois educar é um processo indissociável do aprender. “(…) la práctica reflexiva corresponde a um producto social que requiere de la mediación de otro y de herramientas que la sitúen, al tiempo que se deben dar dos condiciones esenciales: tiempo y espacio para la reflexión, junto a formadores preparados para favorecer este processo” (Turra-Díaz & Flores-Lueg, 2019, p. 399).

O objetivo das oficinas sobre mini-histórias não foi de oferecer algo pronto em forma de um manual de como produzi-las, mas justamente de gerar o processo formativo e reconstrutivo presente na própria prática pedagógica e na escrita colaborativa interpares. Daí que o movimento para escutar a criança em tempos de pandemia e reconhecer suas experiências de crescimento na invenção do cotidiano é um convite aos professores para aprenderem a reconquistar a própria cultura da infância em sua potência emergente das relações ordinárias (Certeau, 2014). O professor pesquisador pode encontrar-se para aprender a ser um profissional desde a infância no reconhecimento das conectividades com os olhares, metáforas e linguagens das crianças.

Análises das oficinas de mini-histórias

O enfoque comunicativo da pesquisa-formação (Josso, 2006) serviu de base para a reflexão sobre a prática em ambiências virtuais, cujos elementos observáveis das oficinais realizadas foram registrados nesse trabalho, a fim de compreender, ressignificar e projetar narrativas formativas. As discussões das oficinas aqui elencadas foram orientadas por três momentos pedagógicos, com o objetivo principal de produzir noções básicas e o reconhecimento das mini-histórias nos processos pedagógicos. Os vinte professores concordaram em participar de forma voluntária do estudo e autorizaram o uso de narrativas e imagens para fins de divulgação científica. Compreendemos que as ações cooperativas em tempos de pandemia poderiam ser estimuladas nas interações virtuais por práticas cotidianas em forma de oficinas pedagógicas. Essas ocorreram em um clima de liberdade intelectual e de igualdade de todos os participantes, que eram igualmente ouvidos, desafiados com exercícios e leituras, tendo o trabalho com mini-histórias sempre discutido, especialmente quando aprendemos a trabalhar no imprevisto juntos (Certeau, 2014). Vale destacar que “as experiências que as crianças vivem no contexto da creche ou pré-escola são, portanto, afetadas pelo conjunto de elementos que configuram esses ambientes” (Cruz & Cruz, 2017, p. 78).

É um esforço para reconhecer a pluralidade da produção do conhecimento na educação infantil que não se faz isoladamente, nem fora do mundo, pois não basta defender teoricamente o pluralismo e ignorá-lo na prática, mas precisamos fomentar projetos e experiências de observação que apoiem os registros dos professores em atuação, nos desafios da produção de narrativas e memórias das crianças no cotidiano escolar. O respeito ao outro envolve trazê-lo para o debate, mesmo que isso envolva riscos e dificuldades na sistematização de diferentes histórias. Então, questionamos: de que maneira podemos utilizar as mini-histórias para qualificar os processos pedagógicos? Que repercussão teve o gesto de fotografar sobre o criar por mini-histórias? Por essas inquietações, criamos o seguinte percurso de pesquisa: (a) a criação de um itinerário formativo por meio de oficinas pedagógicas, com base nas diferentes concepções e características epistemológicas, culturais e político-pedagógicas das escolas em articulação com as mini-histórias; (b) a investigação da realidade e a reelaboração de modelos formativos sensíveis às discussões sobre arte, educação, imagens culturais, documentação pedagógica, roteirização, autonomia, produção de mini-histórias e formação pedagógica, estimulando a formação de redes de pesquisa e colaboração; (c) ampliar a interlocução e a participação dos professores de rede pública para a produção de materiais didático-pedagógicos em coautoria, aliado a um poder de expressão e criação de mini-histórias (trabalho de acompanhamento com as oficinas), reconhecendo as capacidades (co)autorais dos sujeitos da educação; (d) quebrar paradigmas e criar desdobramentos educativos e científicos (do ponto de vista social) inéditos para as diferentes linguagens que compõem as mini-histórias na educação, iniciando pela sistematização do conhecimento em ambiências digitais, sensibilização às múltiplas linguagens, construção didática e rigor científico gerado pelas mini-histórias de dimensões ético-estéticas à criação de conhecimentos na educação infantil.

As oficinas propostas em ambiências digitais de 2020 serão o nosso foco de análise, pois retratam experiências singulares que foram planejadas cooperativamente, a partir de um projeto que organizou um conjunto de atividades reflexivas voltadas à formação e à criação de mini-histórias. As oito (8) oficinas propostas no curso de extensão, sob o título “Convite às mini-histórias: itinerâncias formativas em redes narrativas”, contaram com webconferências sobre mini-histórias, indicação de leituras em todas as oficinas e atividades assíncronas com exercícios (desafios) para estudar e reinventar a própria experiência (buscar coisas diferentes na ação pedagógica). Além disso, também estudamos o fenômeno da percepção, do olhar, da leitura, do sentir, do gesto de fotografar e do movimento da escrita pedagógica com a interação perceptiva do trabalho vinculado a crianças nos mundos (presencial e digital). Para o desenvolvimento das oficinas de mini-histórias criamos um roteiro de trabalho, buscando formas de traduzir metodologicamente o desenho da formação holística e a produção colaborativa que o assunto exige.

Paulo Fochi (2019) apresenta um pequeno guia de como escrever uma mini-história, o qual reinventamos em novas bases pragmáticas e contextuais para ambiências digitais, na seguinte abordagem: (a) promova experiências ricas no mundo e com materiais diversos, em conjunto com as crianças e responsáveis (Gandini, 2019); (b) pergunte às crianças o que elas veem, pensam e sentem, bem como questione sobre as compreensões que têm das experiências vividas; (c) registre cenas do cotidiano das crianças, sequências de fotos que mostrem atitudes, interações, narrativas, olhares, situações da vida real, expressões etc.; (d) observe o cotidiano das crianças, ouça, perceba, faça os registros em fios imagético-narrativos na construção do texto; (e) reconheça que todas as linguagens expressivas, cognitivas e comunicativas das crianças se formam por reciprocidade e se desenvolvem por meio de experiências (Gandini, 2019). “É essencial preservar nas crianças (e em nós mesmos) o sentido de encantamento e surpresa, pois a criatividade, assim como o conhecimento, é filha da surpresa” (Gandini, 2019, p. 36); (f) Reconheça as potencialidades da criança em construir novas formas de linguagem, constituindo-se coautora na participação da aprendizagem em suas variações históricas e socioculturais (Gandini, 2019).

No que segue, iremos contextualizar duas oficinas em função dos limites de um artigo e das dimensões abertas da experiência desenvolvida, uma vez que se trata de um desafio ainda maior de formação em ambiências virtuais, algo inovador em termos de representar uma situação desconhecida, em termos de prática com mini-histórias. A oficina “Janelas do sentir”6 serviu de inspiração para potencializar um trabalho metaforicamente desconhecido e voltado à sensibilidade pedagógica, ou seja, para despertar outra forma de olhar, para ampliar o repertório de sensações e compreender a complexidade do que se faz como professor(a) na educação infantil. Esse exercício de olhar traz o desafio de percorrer caminhos diferentes em situações de atenção e percepção atenta das coisas e da natureza, traduzindo a experiência do olhar devagar e da própria bagagem cultural. Compreendemos com Hermann (2005, p. 70), a necessidade do desenvolvimento e da articulação ético-estética, através de “uma sensibilidade estética aguçada que pode interpretar valores morais (a igualdade, o respeito humano, a tolerância), de modo mais efetivo, pela possibilidade de fazer uso da imaginação”. Só dando chances às crianças e às professoras pelo olhar sensível será possível perceber as diferenças de culturas e de contextos de vida cotidiana, reconhecendo e respeitando as diferenças humanas.

Essa oficina visou incentivar a observar o mundo e prestar atenção nos detalhes que nos rodeiam, o que soa aos sujeitos da pesquisa como uma experiência única no estado de relação com o mundo (Ostetto, 2017). Essas referências servem de inspiração para despertar nos professores as linguagens expressivas, trazendo repertórios para os contextos educativos e diálogos de que na cultura da infância a prática precede a teoria. Alguns retornos dessa atividade trouxeram as percepções de professores quase sem tempo para o desenvolvimento de outras linguagens sensoriais porque esse desafio levou algumas professoras a sonhar e a registrar as ausências, especialmente, da valorização da escuta sensível aos mundos.

Pensar sobre a práxis e a conquista da escrita por meio de mini-histórias, estabelecendo exercícios de criação na ambiência virtual do curso de extensão é um desafio que precisamos enfrentar, especialmente, para quem nós formamos. A partir do vídeo Lila7, provocamos os participantes a olharem para as sutilezas do cotidiano e para as mini-histórias, no sentido de fazer existir por tornar visível, pela imaginação criadora promovendo um mundo melhor de encontro e valorização das diferenças humanas. Sabemos que criar mini-histórias em processos pedagógicos é um ato de tornar visível a vida cotidiana na escola, buscando, de uma forma respeitosa e honesta, o fazer existir por tornar visível e partilhar o invisível dos contextos, na verdade, a beleza está nos olhos de quem vê e o que é essencial é invisível aos olhos. Ao associar o desafio da criação das mini-histórias ao exercício do olhar foram trazidos alguns relatos de interação perceptiva nesse exercício conjunto. Algumas sensações dessa oficina foram percebidas e escritas nas seguintes relações do que aprendemos dela, em excertos de outubro de 2020.

Podemos perceber claramente que Lila era capaz de enxergar a beleza no que via, e assim nós também temos esse compromisso de sermos capazes de olhar profundamente para cada cena, para expressar a beleza do que escolhemos contar, tornando cada mini-história especial. (Márcia, 33 anos, professora)

Os mistérios da vida em transformação poética… Somos inacabados e essencialmente um canteiro de obras. Que vídeo sensível, inspirador e lindo! Confesso que assisti do início ao fim com um sorriso largo no rosto. Automaticamente relacionei Lila aos olhares! Primeiramente das crianças. Tão generosas, sempre! Percebem beleza e se encantam pelo simples e belo que a vida oferece. Enquanto o vídeo passava e as imagens apareciam, ficava imaginando que para as crianças deve ser exatamente assim… Incrível, mágico, colorido, cheio de vida! Há riqueza, imaginação, envolvimento, fascinação em tudo que as cerca… (Cristiane, 38 anos, professora)

Lila representa uma pureza de olhar e uma imaginação fantástica que percebo ser algo bastante presente nas crianças. A curiosidade, o fascínio e a criatividade de Lila demonstraram o quanto perdemos essa capacidade quando adultos. O olhar endurece, perde a leveza e gera um afastamento daquilo que as crianças cotidianamente querem nos mostrar: a beleza da vida. (Kátia, 37 anos, professora)

O processo de observação atento e da escrita poética para documentação visa a construção de sentidos em meio às tecnologias educativas, do que é apreendido e tecido junto, a fim de superarmos uma pedagogia da infância oprimida, uma infância que fica em segundo plano, sem os registros dos processos de desenvolvimento humano realizados e sem atenção aos sentimentos vividos. Vale destacar que as mini-histórias na complexidade do agir pedagógico envolvem muita reflexão sobre a prática, por isso, foram desenvolvidas com vistas ao próprio processo de (auto)formação e discussão acerca da educação estética e sensível com a infância, e não somente para o registro e documentação. É uma experiência realizada em forma de trabalho profissional, analítico e reflexivo, com os sentimentos registrados.

Na tentativa de compartilhar experiências, desde o primeiro encontro com os participantes desafiamos os cursistas a fazer uma narrativa visual da própria formação que contemplasse, o que havia ocorrido nesse período de pandemia, com o objetivo de compartilhar os saberes da experiência em forma de autorreflexão do percurso realizado no curso, sugestões e revisão das investigações produzidas. Essa oficina foi proposta e organizada no final do curso de extensão para fortalecer os vínculos e a abordagem das mini-histórias, na tentativa de dar continuidade à formação permanente em 2021, por meio de uma coletânea de ensaios com as ações com crianças na escola. Vejamos alguns relatos da experiência dos professores participantes:

O curso sobre as mini-histórias foi muito interessante porque desde o início despertou a sensibilidade em observar mais, em sentir, apreender e também sobre a importância do registro de momentos que parecem comuns mas que trazem em si uma profundidade antes não percebida. Vou levar para a vida, tanto no trabalho com a educação infantil, quanto com a família e amigos. Foram muitas leituras, muito estudo, mas gostaria de ter tido mais tempo ainda para me dedicar. (Sandra, 50 anos, professora)

Anteriormente, costumava a escrever mini-histórias mais simples, sem riqueza em detalhes e fazia isso para todas as crianças da turma, a pedido da direção que não concordava em fazer relatos de apenas uma determinada situação. Hoje eu vejo como aprendi errado, pois uma mini-história não deve ser um material quantitativo e sim que envolve uma situação real de experiência, trocas, interações nos mais variados momentos e o mais importante, deve ser um material que revela significado para as crianças envolvidas. (Michelle, 29 anos, professora)

Resolvi participar do Curso por curiosidade pela temática, pois não conhecia a proposta das Mini-Histórias. Considero que é muito importante para o contexto da educação infantil, e também um tanto complexo para aprender, que no meu caso não estou atuando com a Educação Infantil. As mini-histórias oportunizam muita reflexividade, criticidade e criatividade no processo de ensino e aprendizagem. (Neiva, 50 anos, professora)

Sinceramente, pensei que não conseguiria escrever mini-histórias em tempos de pandemia, por estar longe das crianças, mas com o apoio das famílias, foi possível vencer este desafio! (Márcia, 33 anos, professora)

Conforme podemos depreender dos relatos acima, a experiência revela o que aprendemos desses encontros formativos e como atribuímos sentidos, percepções e metáforas a esses movimentos do curso. A experiência prática com as mini-histórias causa uma espécie de quebra de paradigmas, que desafia a escrita do cotidiano e que passa pelo próprio sentido investigativo e contextualizado de atuar. Cabe destacar que os elementos observáveis e da escuta sensível são provenientes de professores atentos, fotografando com um celular cenas de interações das crianças no cotidiano escolar, para posterior registro em forma de mini-histórias do episódio vivido pelas crianças (entre elas, com os objetos ou com o meio ambiente). Isso significa dizer que no momento do registro, o professor não interfere nas discussões entre as crianças, mas dá voz e autoria à criança em sua própria ação no mundo. No entanto, essa documentação em ambiências digitais agrega também a subjetividade do olhar das famílias e a escuta sensível no tempo/espaço fora da escola, para acolher as crianças e tentar capturar o instante, por meio de fotografias, de cenas significativas do desenvolvimento da criança.

Os processos de formação e as ações pedagógicas normalmente são de docência compartilhada nas turmas, o que colabora na realização da abordagem de produção cooperativa com mini-histórias. As primeiras condições para a documentação pedagógica da narrativa visual com mini-histórias são de que o espaço escolar esteja organizado de modo convidativo para o brincar e o explorar o mundo da infância, assim como foram desenvolvidas as oficinas pedagógicas sobre mini-histórias. Com base em Sánchez (2013), entendemos a imagem fotográfica como um dispositivo que permite causar estranhamentos, simulações, representações da realidade, (re)conhecimentos, narrativas, que podem ser resgatadas pela abertura ao outro, conversando, identificando vozes da infância, ideias, conceitos, enfim, algo que se alinha ao processo de formação. A partir disso, “trata-se, nesse regime, de saber no que o modo de ser das imagens concerne ao ethos, à maneira de ser dos indivíduos e das coletividades. E essa questão impede a arte de se individualizar enquanto tal” (Rancière, 2009, p. 29). Em seguida, partimos para um outro olhar sobre a experiência de mini-histórias em tempos de (re)construção e (re)planejamento em ambiências digitais para, ao mesmo tempo, compreender as evidências da documentação mencionada. Essa perspectiva está diretamente ligada à ideia que o professor tem da cultura da infância, das percepções pedagógicas e dos registros de leitura acerca do trabalho com crianças.

Um olhar interpretativo sobre a experiência virtualizada

Tanto os autores brasileiros quanto os italianos que abordam e desenvolvem o trabalho na perspectiva da cooperação, do raciocínio das cem linguagens das crianças e da produção de sentido com as mini-histórias provocam nossas próprias transformações profissionais e dos membros da comunidade educativa. Os encontros realizados em 2020 resultaram em paradoxos de investigação: ora centrado na vontade de aprender que inspirou conversas entre os professores ora nas memórias adormecidas do hábito da escrita, do gesto de fotografar, da experiência sensível de observar devagar no cotidiano. Desde a primeira experiência, as participantes demonstraram bastante interesse e entusiasmo, mas destacamos ser necessário esforço investigativo para envolver e mobilizar os professores que atuam nas escolas infantis em cursos de extensão. Fazer investigações conectadas às interações do cotidiano escolar e de forma dinâmica com os professores, na ideia de ver, criar metáforas e observar o que acontece de modo acidental ou provisório na experiência vital, é uma forma única de olhar e fazer o exercício da compreensão crítica frente ao contexto do trabalho pedagógico, para abrir os olhos para sentir e agir, reconstruindo através de mini-histórias, respeitando as personalidades. Tal visão da escrita no processo criativo pode ser vinculada ao que Rancière (2009, p. 30) identifica no par poiesis/mimesis, isto é, nas artes (das maneiras de fazer), visto que “tais imitações não se enquadram nem na verificação habitual dos produtos das artes por meio de seu uso, nem na legislação da verdade sobre os discursos e as imagens”.

Na partilha de experiências sempre aprendemos, pois professores estão em constante formação em suas relações com as crianças – artistas de cem linguagens em seus ateliês, “onde há tempo para olhar e escutar, para a liberdade de expressão, e onde existe o compromisso de aprofundar as questões que devem ser abordadas: as próprias qualidades de criatividade, imaginação, expressividade” (Gandini, 2019, p. 17). Também é interessante observar que os pedagogos normalmente têm uma ideia romantizada das crianças. A revisão crítica que engloba as experiências com mini-histórias (assim como o ateliê) têm um efeito importante, provocador e perturbador sobre ideias didáticas ultrapassadas (Gandini, 2019). Para isso, o professor precisa estar em constante formação, que implica inclusive sedução estética e narrativa, princípio centrado no cuidado com o outro, na escolha de materiais inteligentes, na harmonia estabelecida entre eles, para que ocorram caminhos possíveis a investigações e associações lúdicas, com ressignificados e atualização do próprio trabalho pedagógico. Superar a acomodação e os pretextos para justificar a falta de comprometimento com a cultura da infância exige do professor o planejamento de ações enquanto garantia de práticas inventivas que façam sentido para as crianças, famílias e a comunidade. É possível desenvolver práticas dentro do contexto com intencionalidade educativa e conhecimento epistemológico, refletindo sobre o que se está fazendo na prática e não apenas reproduzindo o que sempre se fez nas escolas.

É cada vez mais necessário que toda a criança seja respeitada em seu protagonismo infantil de ser ativo na construção do seu processo de aprendizagem. Isso engloba as possibilidades relacionadas à escolha das materialidades, concepções, discursos e interações, bem como o respeito ao tempo e ao processo das aprendizagens na infância, da escuta sensível do professor diante de sua fala, gestos e comportamentos (do corpo como um todo) da criança no cotidiano escolar. Outro ponto que merece atenção é a motivação pessoal e profissional do educador. As oficinas tiveram mais sucesso e envolvimento com as participantes que buscavam formação e novos conhecimentos por interesse gerado pelo próprio trabalho. A ressignificação de saberes no cotidiano escolar assusta, pois pressupõe sair da zona de conforto e criar com as próprias mãos, um lugar de sensibilização, exploração, um ambiente escolar planejado para conectar as crianças com o mundo. Para a elaboração de mini-histórias é necessário que os professores tenham um olhar sensível ao cotidiano escolar (Certeau, 2014). O uso da fotografia, nesse sentido, não é um ato neutro, mas implica uma decisão que implica a observação da conduta sobre um instante do cotidiano infantil, para a produção do registro e da narrativa, sob o olhar do professor, que é carregado de subjetividades, formas de ver a realidade em suas múltiplas linguagens (Vial, 2014).

Reconhecer a criança implica estar em constante formação pedagógica, sendo também sinônimo de respeito à criança e ao próprio ofício. Contudo, é extremamente gratificante quando podemos olhar para trás e ver o quanto avançamos no trabalho pedagógico, valorizando a bagagem cultural e suas singularidades, o tempo e o espaço para a criação conjunta na escola e em ambiências virtuais, bem como a potencialização do brincar simbólico e a contemplação de todos os campos de experiência, por meio das mini-histórias (Brasil, 2017). O olhar que se tem em relação à infância e as crianças influi diretamente na construção dos registros. A forma como o professor descreve determinada situação conta, por vezes, muito sobre sua prática pedagógica e no que acredita. As mini-histórias enquanto registros das histórias vivenciadas nas infâncias refletem também o profissional, suas escolhas e formas de narrar aquela criança em ação, alcançando as mais variadas áreas do conhecimento humano.

Os mecanismos de reprodução cultural e social, acentuados por meio das tecnologias (textos, fotos, imagens digitais) desde a educação infantil precisam ser ressignificado pelos professores como reinvenção criativa, intercambiando linguagens e recriando os mundos da infância. A escola não pode continuar sendo o local que nega, que foge do diálogo com esse importante meio de comunicação e socialização de aprendizagens. É emergente que os profissionais da educação saibam mediar esses mundos e usar as tecnologias em benefício do desenvolvimento e da educação integral da criança à produção do conhecimento social, o que resultou em produções importantes utilizadas até hoje sobre as pedagogias da infância (Faria et al., 2005). As evidências científicas mostram que no caminho de horizontalidade todos aprendemos em comunicação e partilha, inclusive as famílias que se predispõem a participar mais do cotidiano escolar e acompanhar o desenvolvimento das crianças em ações da vida, para o exercício competente da própria condição humana em suas experiências sociais e colaborativas. Para ilustrar esse processo em forma de registros pedagógicos, a partir de mini-histórias, incluímos duas construções que surgiram de fotos recentes compartilhadas por experiências de crianças em brincadeiras ou vivências com familiares, que surgiram em encontros (online), em tempos de pandemia (Imagem 1; Imagem 2).

Fonte: Imagens de acervo (2020).

Imagem 1 Mini-história em tempos de pandemia. 

Fonte: Imagens de acervo (2020).

Imagem 2 Mini-história em tempos de pandemia. 

Algumas questões acerca das singularidades das experiências pedagógicas desenvolvidas com mini-histórias vêm à tona pelo interesse dos participantes durante as oficinas, bem como pela reflexão sobre a própria prática, que nos convida a outras investigações, em termos de (re) construção de abordagens dos conhecimentos vinculados ao agir cooperativo. Estes movimentos formativos nos provocam outras questões: por que documentar os processos de formação desde a infância e desenvolver o olhar investigativo? No que impacta o comprometimento pedagógico e o trabalho conjunto para a busca de sentido da cultura infantil? “Pode-se falar do agir humano em geral e nele englobar as práticas artísticas, ou estas constituíram uma exceção às outras práticas”? (Rancière, 2009, p. 63).

Notas finais

O trabalho de apoio e de (re)conhecimento de práticas inventivas do cotidiano, por meio do curso de extensão, promoveu possibilidades de reencantamento do mundo, tendo como fonte de inspiração a experiência de mini-histórias, em saberes artístico-culturais, que demandam olhares sensíveis para a investigação das situações do cotidiano (Conte & Cardoso, 2022). Assim, as experiências aqui descritas serviram como estratégias de produção de conhecimentos para construir ações contextualizadas de expressão e de educação da sensibilidade aos professores participantes, em itinerâncias formativas, além de desvendar os processos de compreensão das visualidades na educação. Talvez um passo importante para o processo formador esteja no encontro comunicativo com o outro pela busca de reconhecimento das culturas da infância, no sentido de estimular a partilha do sensível que dá forma à comunidade de investigadores, com práticas educativas repletas de expressão, criticidade e autonomia. A dimensão estética do cuidado pressupõe um olhar que descobre, que admira, que se emociona e se reconhece no outro, superando a indiferença, a negligência e o conformismo do cotidiano.

Os relatos aqui evidenciados são uma pequena amostra do desenvolvimento dos participantes e da partilha de práticas em meio aos desafios da atualidade. Esse processo despertou a criatividade como imagem do pensamento, além de metamorfoses e o desejo pela formação permanente de professores. Precisamos investir esforços e estudos para compartilhar experiências na práxis pedagógica cotidiana, pois vemos a carência de vínculos formativos identificados com o projetar-se de investigações da realidade na educação infantil. As mini-histórias projetam experiências complexas de interação humana, comunicação dos contextos vividos, confirmam sua autenticidade e relevância ao serem reconhecidas e potencializadas na formação pedagógica. A ideia das mini-histórias precisa ser reconstruída no ato de escutar, de desencobrir o invisível de todas as linguagens ético-estéticas, dando vida ao trabalho pedagógico realizado na escola. Só assim poderemos superar as tradicionais e canônicas práticas e lançar novas experimentações coletivas, para que sirvam de vínculo comunicativo à formação de professores e à conquista de competências ao interagir com a proposta de mini-histórias.

Os textos deste artigo foram revisados pela Poá Comunicação e submetidos para validação das autoras antes da publicação.

2Os objetivos de aprendizagem são organizados em três faixas etárias na BNCC: CRECHE (crianças de 0 a 1 ano e 6 meses; crianças de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) e PRÉ-ESCOLA (crianças de 4 anos a 5 anos e 11 meses). A palavra bebês aparece apenas uma vez nesta proposta, mas não na divisão das etapas, sendo substituída por crianças de 0 a 1 ano e 6 meses (Brasil, 2017, p. 39).

3Google Sala de Aula (n. d.) Recuperado em 6 de jun. 2021, de https://classroom.google.com/u/0/c/MTUxODc5MDk2NjYw.

4“O tempo que passa, separa ou liga (e que sem dúvida jamais foi pensado), não é o tempo programado”, mas é o tempo vivido, acidentado, de gestos permanentes e articulados em práticas metafóricas (Certeau, 2014, p. 280).

5“Tanto a fotografia quanto a pintura têm origem em movimentos muito complexos e contraditórios. No ato de pintar existem fases objetivas e no ato de fotografar existem fases subjetivas (…)” (Flusser, 2019, p. 42).

6Thomé, A. C., & Mendonça, R. (2020). JANELAS - registros do sentir. Relatos das participantes do curso virtual infância e natureza módulo 2. Instituto Romã. Recuperado em 6 de jun. 2021, de https://www.sercriancaenatural.com/extras.

7Recuperado em 6 de jun. 2021, de https://youtu.be/sUy6WJL7wV8.

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Recebido: 03 de Julho de 2021; Aceito: 12 de Agosto de 2022; Publicado: 21 de Novembro de 2022

Endereço para correspondência Elaine Conte; Cristiele Borges dos Santos, Av. Victor Barreto, 2288 Centro, 92010-000 Canoas, RS, Brasil

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