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Educação

versão impressa ISSN 0101-465Xversão On-line ISSN 1981-2582

Educação. Porto Alegre vol.45 no.1 Porto Alegre  2022  Epub 17-Jul-2023

https://doi.org/10.15448/1981-2582.2022.1.33303 

Outros Temas

Cognições e práticas de professores da educação básica sobre habilidades sociais

Basic Education Teachers’ Cognitions and Practices on Social Skills

Conocimientos y prácticas de los profesores de educación básica sobre habilidades sociales

Andréa Silva-Imbiriba1 

Mestre em Educação pela Universidade Federal do Oeste do Para (UFOPA), em Santarém, PA, Brasil. andreaimbiriba04@gmail.com


http://orcid.org/0000-0002-6556-9615

Irani Lauer Lellis1 

Doutora em Psicologia. Professora Adjunta na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), em Santarém, PA, Brasil. iranilauer@gmail.com


http://orcid.org/0000-0002-5688-9887

Núbia dos Santos Oliveira1 

Mestre em Educação pela Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), em Santarém, PA, Brasil. nso.olyveira@gmail.com


http://orcid.org/0000-0001-6501-7784

1Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Santarém, PA, Brasil.


Resumo:

Considerando que as cognições docentes são determinantes no desenvolvimento humano, uma vez que exercem forte influência na maneira como caracterizam os fenômenos e, consequentemente, guiam os comportamentos e suas práticas, esta pesquisa objetivou conhecer as cognições e as práticas de professores que atuam na rede pública e privada de ensino na cidade de Santarém-Pará, acerca do construto habilidades sociais. A pesquisa foi realizada com 10 professores, sendo cinco da rede pública e cinco da rede particular atuantes na educação básica. Os dados coletados nas entrevistas foram analisados através da técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). Os resultados mostraram que os professores relacionam suas cognições sobre Habilidades Sociais como necessárias para o desenvolvimento integral do educando. Fica evidenciada, ainda, a necessidade de novas pesquisas na área, com foco em intervenção ou treinamentos de habilidades sociais para este público.

Palavras-chave: cognições e práticas; habilidades sociais; educação básica

Abstract:

Considering that teacher cognitions are determinant in human development, since they exert a strong influence in the way they characterize the phenomena and consequently guide the behaviors and their practices, this research aimed to know the cognitions and practices of teachers who work in the public and private education network in the city of Santarém-Pará regarding the social skills construct. The research was carried out with 10 teachers, 5 being of the public network and 5 of the private network acting in basic education. The data collected in the interviews were analyzed through the technique of the Discourse of the Collective Subject - DCS. The results showed teachers relate their cognitions about Social Skills as necessary for the integral development of the learner. It is also highlighted the need for new research in the area, focusing on intervention or social skills training for this public.

Keywords: cognitions and practices; social skills; basic education

Resumen:

Considerando que las cogniciones docentes son determinantes en el desarrollo humano, una vez que ejercen fuerte influencia en la manera como caracterizan los fenómenos y consecuentemente guían los comportamientos y sus prácticas, esta investigación objetivó conocer las cogniciones y prácticas de profesores que actúan en la red pública y privada de educación en la ciudad de Santarém-Pará acerca del constructo habilidades sociales. La investigación fue realizada con 10 profesores, siendo 5 de la red pública y 5 de la red privada actuantes en la educación básica. Los datos recogidos en las entrevistas, fueron analizados a través de la técnica del Discurso del Sujeto Colectivo - DSC. Los resultados mostraron que los profesores relacionan sus cogniciones sobre Habilidades Sociales como necesarias para el desarrollo integral del educando. Se pone de manifiesto la necesidad de nuevas investigaciones en el área, con foco en intervención o entrenamientos de habilidades sociales para este público.

Palabras clave: cogniciones y prácticas; habilidades sociales; educación básica

O estudo das relações existentes entre as cognições e as práticas tem sido alvo de interesse crescente nos últimos anos no campo educacional, uma vez que permite compreender a atuação de educadores e propor intervenções significativas, seja nas práticas pedagógicas ou nas práticas docentes. Bolsoni-Silva e Mariano (2014) enfatizam que as práticas dos professores podem influenciar positivamente ou negativamente na vida do aluno. Miller (1988), por sua vez, salienta que é muito ampla a área de estudos envolvendo temas como cognições e crenças, ao mesmo tempo que ressalta a necessidade de aprofundar as pesquisas nesse campo de investigação.

Por outro lado, Ribas Júnior (2002, p. 30) conceituou o termo cognições como “produtos (crenças, valores, estereótipos, expectativas) e processos psicológicos (atribuição de causalidade, autopercepção, julgamento), relacionados ao desenvolvimento humano, à maternidade e à paternidade”. A partir desta perspectiva, optou-se pela utilização da definição proposta por Ribas Júnior, dado que que seus estudos no âmbito das cognições são mais recentes e abrangentes. De qualquer maneira, ressalta-se a importância do estudo referente ao que pensam os docentes, isto é, quais cognições possuem referentes a construtos ligados a suas práticas docentes, uma vez que essas influenciarão o desenvolvimento de seus alunos.

No contexto escolar o professor é responsável por planejar, promovendo o desenvolvimento de relação interpessoal entre todos os alunos. Esta tarefa requer do profissional uma formação voltada para o aprimoramento das habilidades sociais que as crianças possuem, tendo em vista que estas começam a ser exercitadas na infância, ocorrendo, primeiramente, junto da família.

Corroborando as reflexões a respeito da influência das crenças nas ações docentes, Paiva e Del Prette (2009) enfatizam que as crenças dos professores atuam como prognósticos de suas práticas, o que pode reverberar nas condições proporcionadas para que o desenvolvimento da aprendizagem nos alunos seja garantido de forma plena e eficaz. Nesse sentido, para garantir um desempenho adequado nas interações entre professor e aluno, é importante que estes possuam um repertório de habilidades que visem municiá-lo com as ferramentas comportamentais necessárias para atingir seus objetivos. É nesse contexto que o entendimento sobre as habilidades sociais se mostra relevante, uma vez que é a partir desse conjunto de habilidades que o professor poderá monitorar-se e atuar de modo eficiente em busca dos objetivos educacionais propostos na sua prática docente.

Del Prette e Del Prette (2013) afirmam que as habilidades sociais são classes de comportamentos que favorecem as relações sociais do sujeito, resultando em convivência satisfatória para a sociedade de maneira geral, e a valorização dessas habilidades depende do contexto cultural de cada comunidade/sociedade. Os autores apontam que crianças e adolescentes desenvolvem suas habilidades sociais, principalmente, por meio do convívio com grupo de pares e das práticas educativas em contexto formal e informal.

Pode-se entender que as habilidades sociais fazem referência direta às relações interpessoais estabelecidas por meio das interações entre os indivíduos, de modo que possam produzir efeitos positivos que beneficiem a todos os envolvidos nesse processo, contribuindo para o alcance de resultados pretendidos nessas interações, auxiliando para o que se chama de competência social, posto que esta é definida como construto avaliativo do desempenho de um indivíduo em uma tarefa interpessoal (Del Prette & Del Prette, 2017).

Nesse sentido, é importante destacar que Del Prette e Del Prette (2013) enfatizam a função social da escola como um dos argumentos para que haja o investimento na promoção de habilidades sociais nos espaços escolares. Assim, o ambiente escolar é reconhecido nos planos e as políticas educacionais para o ensino fundamental, e é geralmente colocada em termos de preparar futuros cidadãos, críticos e construtores da realidade social. Essa meta implica em interações pautadas pela ética, pelo respeito a normas e pelo desempenho de habilidades interpessoais necessárias à reivindicação e à defesa de direitos e ao relacionamento saudável e produtivo em diferentes contextos (Del Prette & Del Prette, 2013, p. 64). Portanto, verifica-se que o papel da escola vai muito além da transmissão de conteúdo e perpassa pela promoção de situações que favoreçam o desenvolvimento de interações construtivas para uma formação plena e cidadã.

A partir das proposições trazidas por Del Prette e Del Prette (2017) para a conceituação do termo, as habilidades sociais foram organizadas sob diferentes eixos de análise, tendo sido consideradas as principais classes identificáveis na literatura, bem como aquelas que se mostram relevantes para toda e qualquer etapa do desenvolvimento. Assim, foi estabelecido por estes autores um portfólio de 10 classes de habilidades sociais, seguidas de suas respectivas subclasses, que não serão aqui detalhadas pois não cabem no escopo do presente trabalho. Dessa forma, mencionaremos somente as classes de habilidades, conforme ilustração da Figura 1:

Nota: Adaptado de: Z. A. P. Del Prette e A. Del Prette, Competência Social e Habilidades Sociais: Manual Teórico e Prático (2017, pp. 28-29).

Figura 1 Esquema baseado no Portfólio de Habilidades Sociais de Del Prette e Del Prette (2017)

Verifica-se que, no contexto educacional, as atitudes voltadas para o ensino e aprendizagem de habilidades sociais são referenciadas por Del Prette e Del Prette (2014) como habilidades sociais educativas, aquelas intencionalmente voltadas para a promoção do desenvolvimento e da aprendizagem do outro, em situação formal ou informal. Essas habilidades são primordiais para o desenvolvimento de habilidades sociais em escolares, pois este se constitui ator importante nos processos de interação existentes em sala de aula, tanto na relação professor-aluno quanto nas relações estabelecidas entre os demais indivíduos envolvidos neste processo.

Neste cenário, a presente pesquisa teve como objetivo conhecer as cognições de professores de escolas públicas e privadas acerca do construto das habilidades sociais, pois investigar o que este público pensa sobre a temática possibilitará compreender como a relação professor-aluno tem constituído formas para o desenvolvimento e a aprendizagem da criança.

No que se refere à questão acadêmico-científica, a proposição desta pesquisa se justifica pela possibilidade de desenvolvimento de conhecimento sobre a temática, especialmente, da educação na região amazônica, tendo como foco os professores de duas escolas de educação básica, uma pública e outra privada.

Socialmente, o estudo mostra-se relevante, entre outras razões, por representar a possibilidade de contribuição com a reflexão sobre a práxis pedagógica na educação, podendo se incidir em vetor de melhoramento das ações educacionais e, consequentemente, da formação cidadã, refletindo também no melhoramento da educação básica e da vida em sociedade.

Metodologia

O estudo caracterizou-se como uma pesquisa de campo exploratória e descritiva, desenvolvida a partir dos pressupostos da pesquisa qualitativa, o que implica um objeto de estudo cujo foco de investigação deve estar centrado na compreensão de significados atribuídos pelos sujeitos às suas ações considerando a relação entre o real e o sujeito, entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito, o que não pode ser traduzido em números (Gil, 2008).

A pesquisa foi realizada com 10 professores, entre eles cinco da rede pública e cinco da rede privada de ensino da cidade de Santarém-PA, que atendem crianças na educação básica de nível fundamental. Como instrumento para coleta de dados utilizou-se entrevista semiestruturada, com perguntas abertas construídas com o intuito de que os sujeitos pesquisados respondessem livremente de acordo com seus entendimentos.

As entrevistas foram gravadas, transcritas e analisadas conforme a técnica do discurso do sujeito coletivo (DSC) de Lefèvre e Lefèvre (2003). O DSC é uma técnica utilizada para a análise de dados de pesquisas qualitativas, redigido na primeira pessoa do singular, composto por figuras metodológicas, expressões-chave (ECH), ideias centrais (IC) ou ancoragem (AC). As ECH são transcrições literais do discurso, que revelam a essência do depoimento. IC é uma expressão linguística que descreve sinteticamente e fidedignamente o sentido de cada discurso analisado e do conjunto homogêneo de ECH, que dará nascimento, posteriormente, ao DSC. AC é a manifestação verbal explícita de uma teoria, ideia ou crença.

Este artigo utilizou a resolução 510/2016, do Conselho Nacional de Saúde, que trata sobre ética na pesquisa com seres humanos, sendo garantido todos os direitos dos participantes. Antes da realização da entrevista, o Termo de Consentimento Livre Esclarecido foi assinado, garantindo o sigilo e o anonimato dos participantes.

Resultados e discussão

Os resultados apontaram discursos envolvendo as cognições dos professores da rede pública e particular em relação às habilidades sociais, por meio dos seguintes questionamentos: (a) o que os professores pensam sobre habilidades sociais; (b) quais habilidades sociais gostariam que seus alunos tivessem; (c) o que pensam que deve ser feito para que os alunos desenvolvam as habilidades sociais; e (d) o que eles (professores) fazem para que seus alunos desenvolvam tais habilidades.

Com o intuito de proporcionar um melhor entendimento sobre os procedimentos de análise, serão apresentados quadros com as ideias centrais (IC) e seus respectivos discursos, identificando por escola particular e pública. Em seguida, serão discutidos os referidos dados.

Com relação à primeira pergunta “O que você entende quando se fala de habilidades sociais?”, surgiram duas ideias centrais para cada público investigado. Na Tabela 1, serão apresentadas as ICs, juntamente com seus respectivos discursos.

TABELA 1 DSC A - Discursos dos Professores da Educação Básica acerca do que entendem sobre Habilidades Sociais 

Escola pública A – Viver em sociedade Entendo como habilidade social a prática com a sociedade, no cotidiano, na vivência, no meio familiar e escolar. São habilidades necessárias para o desenvolvimento integral do aluno. É ter habilidades de se relacionar na sociedade, educação e economia. É o conjunto de atitudes do cidadão dentro da sociedade, respeito mútuo, educação e valores familiares. O que se entende para o aluno é ter conhecimento de mundo, estar adaptado no meio e fazer parte do contexto social, essas habilidades sociais são adquiridas dentro do contexto (…).
Escola particular A – Habilidades sociais envolvem família e escola As crianças têm vários tipos de educação e de família, assim habilidades sociais é algo que tenho que compartilhar com os colegas, família, escola, todo um contexto. Trabalhar com habilidade social envolve tudo isso, o momento que o sujeito interage no contexto social, no meio.

Observa-se a partir dos DSCs na Tabela 1 que o entendimento sobre habilidades sociais para os professores participantes está centralizado na socialização, no ambiente familiar e escolar. De acordo com Del Prette e Del Prette (2017), as habilidades sociais podem ser compreendidas como classes de comportamentos que são valorizadas em determinada cultura, resultando em boa convivência entre as pessoas, comunidade e sociedade. Deste modo, a forma de interação com o outro é apontada nos discursos e corroboram as discussões dos autores.

Partindo da aplicabilidade do conceito acima em uma dada relação interpessoal, percebem-se os comportamentos valorizados pelos professores para os seus alunos que, consequentemente, também são desejáveis pela sociedade de modo geral. Os discursos deste público refletem certa harmonia e unanimidade com o conceito proposto por Del Prette e Del Prette (2017), pois se referem a variados tipos de conduta (relacionar-se na sociedade; respeito mútuo; educação; valores familiares), os quais resultam em um boa convivência nos mais diferentes contextos pelos quais circulam.

Nesse discurso, é possível destacar cognições sobre as habilidades sociais e sua relação com os conceitos desenvolvidos por este campo de estudo, pois, de acordo com Del Prette e Del Prette (2013), as práticas docentes e o convívio com os colegas são os principais modos tanto da criança quanto do adolescente desenvolverem as habilidades sociais.

Logo, percebe-se que suas cognições sobre HS estão intimamente relacionadas ao contexto educacional, uma vez que ficou evidente que os docentes acreditam que elas podem dar suporte para o aluno na convivência com as outras pessoas. Tal cognição está em conformidade com o que preconiza as HS em relação à possibilidade de melhorar as interações sociais dos alunos, pois, segundo Molina e Del Prette (2006), o professor desempenha influências importantes na formação cognitiva, social e humana do sujeito, portanto, suas práticas podem atuar como facilitadoras ou não da aprendizagem da criança.

Ainda com relação à primeira pergunta surgiram as seguintes ideias centrais, as quais apontam que as habilidades sociais são adquiridas e se desenvolvem por meio das mídias sociais. Na Tabela 2 constam os referidos DSCs.

TABELA 2 DSC B - Discursos dos Professores da Educação Básica acerca do que entendem sobre Habilidades Sociais 

Escola pública B – As habilidades dos alunos se desenvolvem por meio das mídias sociais As habilidades dos nossos alunos estão mais desenvolvidas do que antigamente (…). Temos uma mídia forte (…), temos as redes sociais, então se o professor não estiver preparado, não estiver realmente evoluindo com a educação, no mercado de trabalho e dentro do contexto social, não tem como fazer esse acompanhamento, então não só o aluno precisa ter essas habilidades, mas o próprio professor precisa estar acompanhando a evolução.
Escola particular B – Habilidades sociais são adquiridas Habilidades sociais são práticas adquiridas as quais utilizo como mediação com os alunos, pois eles não entendem o conceito de habilidades sociais como: respeito, compreensão, interação e amizade.

Observa-se nos DSCs da Tabela 2 que o entendimento sobre as habilidades sociais está voltado para o enfrentamento das mídias sociais, fortalecendo tais habilidades nas crianças para que essas possam confrontar possíveis problemas sociais, pois entende-se que as habilidades sociais são adquiridas no cotidiano, sendo a escola uma forte ferramenta para o aprendizado, o desenvolvimento e o aprimoramento das relações sociais.

Corroborando os discursos dos professores entrevistados, Del Prette e Del Prette (2014, p. 44) enfatizam a influência da mídia na socialização, destacando que resultados recentes de pesquisas demonstram que “a internet é um espaço privilegiado para se fazer amizades e, inclusive, conhecer pessoas que são encontradas nos locais habituais de frequência dos jovens”. Tal fato poderia ser melhor utilizado tanto pelos pais quanto pela escola e, apesar da existência de alguns problemas relacionados à interação por meio das mídias sociais, estes recursos podem ser vistos como aliados no desenvolvimento da qualidade das relações interpessoais (Del Prette & Del Prette, 2014, p. 45).

Para o segundo questionamento, “Quais as habilidades sociais você gostaria que seus alunos tivessem?”, os discursos que emergiram apontam para uma forte tendência do público participante em relação à expectativa de que os alunos desenvolvam habilidades relacionadas ao respeito e à aquisição de comportamentos habilidosos, conforme se vê na Tabela 3.

TABELA 3 DSC A - Discursos dos Professores da Educação Básica sobre quais habilidades sociais gostariam que seus alunos tivessem 

Escola pública A – Habilidades sociais de comportamento Queria que os alunos, dentro da realidade que eles vivem, tivessem mais cooperação entre si, e que termina no respeito. Principalmente a questão da empatia, a questão de respeitar o outro, se colocar no lugar do outro (…) comunicação, que a gente vê hoje que nossos alunos pouco interagem, até mesmo entre eles.
Escola particular A – Respeito por si e pelos outros Eu gostaria que eles desenvolvessem as habilidades sociais de saber ouvir, dar atenção e que tivessem socialização, por isso trabalho com a prática.

Verifica-se claramente que os professores, ainda que empiricamente, mantêm expectativas para com os seus alunos, que são encontradas em diferentes classes de habilidades sociais propostas por Del Prette e Del Prette (2017), tais como: empatia, comunicação, expressar solidariedade e, também, civilidade (se tomarmos a expressão “valores” como se referindo a comportamentos tais como: cumprimentar, agradecer, pedir por favor, com licença, desculpar-se e outras formas de polidez normativas na cultura, em sua diversidade e nuanças).

As crenças dos professores atuam como preditoras de suas ações no processo de ensino-aprendizagem da criança, portanto podem representar as condições que estão sendo propiciadas ao aluno (Paiva & Del Prette, 2009). Ao relatarem suas práticas, eles acabam evidenciando muito de suas crenças referentes ao que se deve fazer para possibilitar o desenvolvimento e a aprendizagem de habilidades sociais.

Para aprofundar a temática investigada, sentiu-se a necessidade de conhecer o que os professores acham que é preciso fazer para desenvolver as habilidades sociais nos alunos. Assim, surgiram três ideias centrais para cada público participante da pesquisa.

Nos DSCs apresentados na Tabela 4, os professores enfatizam duas questões bem específicas no âmbito das habilidades sociais. Uma delas é a questão das habilidades sociais parentais e, a outra, sugere uma alusão às habilidades sociais educativas. Verifica-se, nesses discursos, ainda que de forma bastante empírica, que há uma forte tendência em atribuir à família as responsabilidades para que haja, nos alunos, o desenvolvimento de determinadas habilidades consideradas importantes por estes docentes.

TABELA 4 DSC A - Discursos dos Professores da Educação Básica sobre o que acham que é preciso fazer para desenvolver as habilidades sociais nos alunos 

Escola pública A – Estímulo e orientação a partir da base familiar Os hábitos são construídos na infância, se não se criar hábito de leitura na base fica difícil, fazer com que esse aluno tenha habilidade para o compreender, reconhecer e ser inserido no contexto social (…). É preciso estimular, conversar, orientar, levar informações que ele visualize as questões sociais, que o ambiente e o planeta podem ser melhores dependendo da prática. Enquanto a família não se dispor a trabalhar com seus filhos, o que a gente recebe na escola são crianças e adolescentes totalmente fora desse convívio, dessas habilidades, porque eles não conseguem interagir dentro da escola.
Escola particular A – Metodologias e as práticas para desenvolver as habilidades sociais Para desenvolver habilidades sociais com meus alunos preciso buscar novas ideias, práticas, criando metodologias para que eles possam se unir.

Neste sentido, Del Prette e Del Prette (2014) observam que as relações familiares, especialmente de pais e filhos, apresentam triplo caráter, que cria variadas demandas de habilidades sociais: afetivo, educativo e de cuidado, orientando-se para a promoção do desenvolvimento integral dos filhos e de sua preparação para a vida, e nisso inclui-se o fornecimento de uma base familiar mais sólida, que qualifique essa criança e/ou adolescente para assumir seu papel social no ambiente escolar com mais clareza e fluidez.

Além de evidenciar a importância de se desenvolver, a partir da base familiar, habilidades necessárias para um bom relacionamento interpessoal na escola, a ser continuado pelos professores, emergiram discursos que complementam esta ideia, no sentido de relacionar a utilização de metodologias e práticas docentes que viabilizem o desenvolvimento de habilidades sociais nos alunos. Tal percepção remete, ainda que de forma aproximada, ao conceito de habilidades sociais educativas nos termos propostos por Del Prette e Del Prette (2014, p. 95), que as define como “aquelas intencionalmente voltadas para a promoção do desenvolvimento e da aprendizagem do outro, em situação formal ou informal”.

Dentre as habilidades sociais educativas destacadas pelos autores anteriormente citados, reserva-se uma atenção especial para as habilidades de promover condições variadas de interações educativas, a flexibilidade de traçar estratégias que se adequam ao desempenho do educando, além daquelas que se voltam para a transmissão de conteúdos aos alunos, ou seja, existe uma forte proximidade entre os discursos dos professores com os conceitos de habilidades sociais educativas.

Outros discursos resultantes das crenças docentes sobre o que é preciso fazer para que os alunos desenvolvam as habilidades sociais revelam duas linhas de pensamento, as quais fornecem subsídios teóricos que apontam para a necessidade de maior disseminação da temática, seja nas escolas públicas ou na rede particular de ensino do município de Santarém, conforme demonstra-se na Tabela 5.

TABELA 5 DSC B – Discursos dos Professores da Educação Básica sobre o que acham que é preciso fazer para desenvolver as habilidades sociais nos alunos 

Escola pública B – Inclusão de disciplina na base curricular e mais investimento do poder público Na base curricular deveria ter disciplina que abordasse as relações humanas, porque as relações que a gente estabelece na sociedade, mostrando a importância de trabalhar a questão da moral, a questão do respeito, de todos esses aspectos que, aos poucos, a escola deixa de abordar por ser conteudista, ou por trabalhar muito a questão da necessidade profissional.
Escola particular B -Participação da família no convívio familiar A família é muito importante e está faltando essa parceria, estão deixando a critério da escola o que a gente pode fazer ou não com seus filhos. O papel da família é educar seus filhos, para ele vir pra escola sabendo que seu dever é estudar e aprender, porque a educação vem de casa, a educação não é papel da escola.

Os discursos acima evidenciados demonstram um entendimento superficial, e ao mesmo tempo, paradoxal no que se refere às ações necessárias para o desenvolvimento de habilidades sociais nos alunos.

Enquanto, para os professores da rede pública a escola deixa de abordar aspectos mais voltados para o desenvolvimento de relações interpessoais mais respeitosas por ser um pouco conteudista; para os professores da rede particular, a educação não é papel da escola, é papel da família, e que seu dever consiste em educar os filhos sobre o seu dever de ir para a escola para estudar e aprender (conteúdos apenas?), ou seja, percebe-se um discurso que esvazia a escola de sua função social no que tange à preparação do aluno para uma vida cidadã ativa na sociedade, atribuindo a responsabilidade total desse papel à família.

No entanto, cabe enfatizar que a inclusão das habilidades sociais como objetivos do processo de ensino pressupõe o reconhecimento e a importância de uma educação comprometida com a formação da cidadania e a preparação para a vida social. De acordo com Del Prette e Del Prette (2006), é no contexto educacional que a promoção de habilidades sociais tem se tornado mais crítica, justamente pela dificuldade que a escola tem na administração de conflitos interpessoais, seja em sala de aula ou até em outros espaços, e que muitos desses conflitos são rotulados pelos docentes como “problemas de disciplina”, tornando-se um fator negativo e preponderante na questão da aprendizagem dos alunos, e talvez nesse aspecto se justifique a tendência de culpabilizar ou até atribuir à família a total responsabilidade por estes fatores, conforme se observou nos discursos acima.

Outra observação que se evidenciou por meio dos discursos dos professores revela que há um certo desencontro entre o que eles entendem por habilidades sociais e o que acreditam ser necessário fazer para desenvolvê-las. Esta leve discrepância é perceptível quando o discurso dos docentes da escola pública aponta que seria necessária a inclusão de uma disciplina na base curricular, além de atribuírem ao poder público a responsabilidade total de promover as condições favoráveis para o desenvolvimento das habilidades sociais.

Continuando com a análise do que os docentes podem fazer para desenvolver as HS nos seus alunos, observou-se que foi apontado que a inclusão de uma disciplina seria a melhor alternativa na visão dos professores da escola pública; para os professores da escola particular, a participação da família seria a melhor saída.

Como último questionamento, foi solicitado que os professores falassem sobre o que cada um faz para que sejam desenvolvidas as habilidades sociais dos alunos. Para esta indagação, surgiu uma ideia central para cada grupo de professores investigados.

TABELA 6 DSC A – Discursos dos Professores da Educação Básica sobre o que eles fazem para que sejam desenvolvidas as habilidades sociais dos alunos 

Escola pública A – Atividades pedagógicas diversas Trabalho o incentivo, é preciso leva-lo, para universidade para conhecer biblioteca, museu, teatro, praça, não ficar em quatro paredes, na sala de aula. Trabalhar textos, vídeos, filmes que retratam falta de união, falta de respeito (…) trabalha valores. Dentro do conteúdo, procura-se mostrar a importância das regras da atividade, na hora de apresentar, valorizar o trabalho apresentado.
Escola particular A – União de teoria e prática A utilização de teoria e prática, sempre converso muito com eles, coloco o que é certo e errado, no momento de conversa, eu ouço cada um, o que ele tem para falar. Usando metodologias como: contação de história como ferramenta.

Percebe-se que a prática dos professores para o ensino de habilidades sociais relaciona-se a atitudes de respeito com o outro. Mello e Teixeira (2012) enfatizam que o processo de aprendizagem sobre diversos conceitos e práticas requer que o sujeito estabeleça interação com diferentes sujeitos e contextos, portanto, é fundamental para a inclusão da criança que ela construa uma rede de relação com outros seres humanos, as quais auxiliarão na constituição de novas habilidades. De acordo com Bolsoni-Silva e Mariano (2014), as relações entre as pessoas podem ser desenvolvidas de forma positiva ou negativa. Do ponto de vista do professor, essas relações podem ser materializadas por meio de práticas positivas ou negativas, e tais atitudes podem promover nos alunos problemas de comportamentos ou habilidades sociais.

Por fim, os resultados apontam a relação das crenças dos professores com o desenvolvimen-to de práticas pedagógicas que possibilitam o desenvolvimento de habilidades importantes; apesar de os professores não compreenderem as habilidades sociais de acordo com os conceitos e estudos da literatura, seus discursos apontam a preocupação com os alunos de desenvolverem habilidades necessárias para a interação com o outro, como as relacionadas ao modo de interagir com o outro, a comunicação e inclusão social. Neste sentido, pesquisas que versam as crenças docentes sobre habilidades sociais mostram-se relevantes para a construção de conhecimento e para a elaboração de treinos em habilidades sociais que servirão de auxílio para o processo educacional.

Conclusão

A presente pesquisa evidenciou que os professores, sejam de escolas públicas ou particulares atuantes na educação básica, consideram suas cognições sobre habilidades sociais como necessárias para o desenvolvimento integral do educando. Assim, compreendem as habilidades sociais como possibilidade de inclusão de seus alunos nos contextos sociais. Os docentes entendem que as HS estão relacionadas com as possibilidades de interação e relação interpessoal de seus alunos. A respeito do entendimento de como eles percebem as habilidades sociais nos seus alunos, a pesquisa concluiu que os professores almejam que seus alunos possam receber mais atenção do poder público, possibilitando, assim, uma educação voltada para o desenvolvimento social. Desta forma, percebe-se a relevância de estes professores receberem incentivo para qualificação e capacitação a fim de melhorar sua prática.

Contudo, as evidências discursivas até aqui apontadas demonstram a relevância da disseminação e proposição de estudos que versem sobre as crenças e acerca do construto das habilidades sociais, uma vez que, em alguns dos discursos produzidos na pesquisa, ficou claro que ainda há relevantes contradições no entendimento deste público ao se referirem às habilidades sociais como práticas de socialização, seja na família ou na escola, e quando atribuem a agentes externos a incumbência e a responsabilidade pelo desenvolvimento de HS nos alunos, que se tornou evidente em seus discursos sobre o que é preciso fazer para desenvolver as habilidades sociais.

Com relação às práticas docentes para o desenvolvimento das habilidades sociais, entendeu-se que os professores têm como foco propiciar condições no ensino a partir do uso de ferramentas didáticas, de projetos voltados para a interação social entre os alunos, professores e família, o uso de jogos e brincadeiras que favoreçam o pleno desenvolvimento cognitivo e comportamental.

Concluiu-se, portanto, que os professores atribuem importância para o desenvolvimento de habilidades sociais dentro do contexto escolar, enfatizando que o apoio da família é fundamental para construir uma escola integral, preocupada não somente com as capacidades intelectuais e conteudistas, mas sim formando seres reflexivos e promovendo o desenvolvimento para a vida em sociedade.

Por fim, considerando o caminho ainda pouco percorrido no que tange a pesquisas sobre cognições docentes e HS em Santarém-PA, percebeu-se a importância de se realizar mais estudos sobre habilidades sociais em âmbito acadêmico-científico, inclusive no sentido de promover políticas públicas na região que contemplem a referida temática e sua aplicabilidade no contexto amazônico, diante de sua enorme diversidade e singularidade

Os textos deste artigo foram revisados pela Poá Comunicação e submetidos para validação do(s) autor(es) antes da publicação.

Referências

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Recebido: 07 de Fevereiro de 2019; Aceito: 14 de Setembro de 2021; Publicado: 21 de Novembro de 2022

Endereço para correspondência Andréa Silva-Imbiriba/ Irani Lauer Lellis/ Núbia dos Santos Oliveira, Universidade Federal do Oeste do Pará Rua Vera Paz, s/n (Unidade Tapajós) Bairro Salé, Santarém 68040-255 Santarém, Pará, Brasil.

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