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Educação

versión impresa ISSN 0101-465Xversión On-line ISSN 1981-2582

Educação. Porto Alegre vol.45 no.1 Porto Alegre  2022  Epub 17-Jul-2023

https://doi.org/10.15448/1981-2582.2022.1.34136 

Outros Temas

Ensino secundário e as Classes Integrais do Colégio Estadual do Paraná: aspectos formativos (1960-1967)

Secondary school and the Classes Integrais of Colégio Estadual do Paraná: formative aspects (1960-1967)

Enseñanza secundaria y las Clases Integrales del Colégio Estadual do Paraná: aspectos formativos (1960-1967)

Sergio Roberto Chaves Junior1 

Doutor em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte, MG, Brasil. Professor Adjunto da Universidade Federal do Paraná, no Departamento de Teoria e Prática de Ensino, Setor de Educação (DTPEN/ED/UFPR), em Curitiba, PR, Brasil. Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná (PPGE/UFPR), em Curitiba, PR, Brasil. sergiojunior79@hotmail.com


http://orcid.org/0000-0002-2845-2776

1Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil.


Resumo:

O texto apresenta questões relacionadas aos aspectos formativos das Classes Integrais do Colégio Estadual do Paraná (CEP), experiência de inovação pedagógica do ensino secundário desenvolvida entre 1960 e 1967 no modelar colégio situado em Curitiba-PR. Essa experiência, em conjunto com as iniciativas congêneres desenvolvidas em outras instituições de ensino brasileiras e que atenderam pela denominação de Classes Experimentais, constituíram parte das propostas de inovação pedagógica desenvolvidas a partir dos anos 1950 em território nacional. A análise das fontes possibilitou a identificação de um conjunto de ações pedagógicas desenvolvidas visando à formação integral dos estudantes participantes das turmas selecionadas para aquela inovação educacional, tendo em vista as transformações sociais do contexto.

Palavras-chave: Classes Integrais; ensino secundário; inovações pedagógicas; Colégio Estadual do Paraná

Abstract:

This text presents questions related to the formative aspects of Classes Integrais at Colégio Estadual do Paraná, a secondary education pedagogical innovation experiment developed between 1960 and 1967 at that model school located in Curitiba-PR. That experiment, together with similar initiatives developed in other Brazilian educational institutions and that went by the name of Classes Experimentais, formed part of the proposals of pedagogical innovation developed with effect from the 1950s in Brazil. The analysis of the sources has allowed us to identify a set of pedagogical actions that were developed with the aim of providing integral education for the students participating in the classes selected for that educational innovation, taking into consideration the social transformations that took place in that context.

Keywords: Classes Integrais; secondary school; pedagogical innovations; Colégio Estadual do Paraná

Resumen:

Este texto presenta cuestiones relacionadas a los aspectos formativos de las Clases Integrales del Colegio Estadual do Paraná (CEP), una experiencia de innovación pedagógica de la enseñanza secundaria desarrollada entre 1960 y 1967 en el modelar colegio situado en Curitiba-PR. Esta experiencia, en conjunto con las iniciativas congéneres desarrolladas en otras instituciones de enseñanza brasileñas y que atendieron por la denominación de Clases Experimentales, constituyeron parte de las propuestas de innovaciones pedagógicas desarrolladas a partir de los años 1950 en territorio nacional. El análisis de las diversas fuentes movilizadas posibilitó la identificación de un conjunto de acciones pedagógicas desarrolladas para la formación integral de los estudiantes participantes de la innovación educativa, teniendo en cuenta las transformaciones sociales de aquel contexto.

Palabras clave: Clases Integrales; enseñanza secundaria; innovaciones pedagógicas; Colégio Estadual do Paraná

O texto apresenta questões relacionadas aos aspectos formativos que deram contornos à proposta das Classes Integrais do Colégio Estadual do Paraná, experiência de inovação pedagógica do ensino secundário desenvolvida no modelar colégio situado na capital paranaense na década de 1960. O recorte temporal foi estabelecido tendo como justificativa o ingresso das primeiras turmas para o curso ginasial, em 1960, e delimitado pelo ano letivo de 1967, que marcou o último registro de funcionamento da iniciativa.2

Importa sinalizar que a realização dessa experiência pedagógica e das congêneres desenvolvidas em outras instituições de ensino brasileiras, com recortes temporais aproximados e que na maior parte das vezes foram denominadas Classes Experimentais, constituíram parte das propostas de inovações pedagógicas do ensino secundário engendradas a partir de meados dos 1950 em território nacional. Este tema tem sido tratado por um conjunto de pesquisadores que, na esteira do que Norberto Dallabrida (2017) chamou de uma “tradição escolar (quase) esquecida”, procuram apresentar questões acerca das diferentes experiências educacionais desenvolvidas naquele período.3

Ao utilizar a operação metodológica proposta por Jacques Revel (1998), procuro compreender a lógica da significação dessa experiência em sua singularidade, ao mesmo tempo em que é possível atribuir ao fenômeno específico comportamentos “globais e médios”. Ainda segundo o autor, ao se observar os “jogos de escalas” é possível perguntar “qual pode ser a representatividade de uma amostra assim circunscrita? Que pode ela nos ensinar que seja generalizável?” (1998, p. 32).

Nesse sentido, o presente texto procura destacar os elementos que compuseram a experiência paranaense, em especial, no que se refere aos intentos formativos pretendidos no contexto de transformações sociais apresentados como justificativa para a proposta desenvolvida. Em um primeiro momento, procuro analisar em que medida o entrecruzamento das dimensões econômica, política, social e cultural contribuiu para a intensificação dos discursos sobre a necessidade de reformulação educacional, em especial, a do ensino secundário.

“As circunstâncias da vida atual”: as transformações sociais e as Classes Integrais do Colégio Estadual do Paraná

OS PROBLEMAS DELE SERÃO SEUS; E OS SEUS SERÃO DELE.

A educação não é problema recente: no entanto, as circunstâncias da vida atual - a instabilidade econômica, as perspectivas políticas e os matizes de moral nos grandes centros - fazem com que seu filho, num amanhã muito próximo, (e mais precoce do que o seu), encontre os mesmos problemas que o senhor encontrou. E ele deve estar preparado para enfrentá-los.

Acompanhando a evolução e o progresso no setor educacional, atualmente os esforços convergem no sentido de dar ao jovem que deixa o ginásio exata noção da realidade e preparo para a vida prática. (Colégio Estadual do Paraná, 1960b, p. 1)

Esse excerto faz parte de um boletim informativo distribuído aos pais e responsáveis dos candidatos aprovados no exame de admissão ao ensino secundário e, por isso, considerados aptos a ocuparem uma das vagas ofertadas pelo Colégio Estadual do Paraná (CEP) no ciclo ginasial para o ano letivo de 1960. O prospecto apresenta de forma resumida os elementos principais que caracterizavam a inovação pedagógica denominada Classes Integrais, implementada a partir daquele ano na modelar instituição de ensino paranaense, com a formação de duas turmas com 25 alunos e que passariam a coexistir com as majoritárias classes comuns (assim denominadas pela instituição). Estas assumiam a forma tradicional de organização das turmas do ensino secundário em vigor e que eram marcadas, por exemplo, pela obediência das matrizes curriculares adotadas desde a Reforma Capanema, por turmas formadas por mais de 30 alunos, pelas avaliações por meio de exames mensais, parciais e finais, e pelas aulas concentradas normalmente em um único turno de estudos.4

Por sua vez, a criação das Classes Integrais e seus congêneres – denominadas Classes Experimentais5 – representou, segundo Anísio Teixeira (1963, citado por Nádia Cunha & Jayme Abreu, 1963), importante iniciativa pedagógica no processo de preparação e iniciação da Lei n. 4.024, de 20 de dezembro de 1961, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que promoveu, entre outras alterações, a possibilidade de flexibilização e descentralização de algumas decisões de ordem pedagógica e estrutural, conferindo relativa autonomia aos estabelecimentos de ensino na organização de seus currículos com a opção de, por exemplo, mesclar as disciplinas obrigatórias, indicadas pelo Conselho Federal de Educação, com as complementares e de caráter optativo condizentes com as condições e necessidades dos estabelecimentos de ensino.

No material de divulgação anteriormente mencionado, há destaque às particularidades da proposta das Classes Integrais, como: o reduzido número de alunos por turma a fim de possibilitar que o professor atendesse “a cada um, nas suas dificuldades” (Colégio Estadual do Paraná, 1960b, p. 3); o horário integral de funcionamento, incluindo nesse período ampliado a realização do “trabalho escolar no próprio colégio” assistido por “competentes professores” (Colégio Estadual do Paraná, 1960b, p. 3); a exigência de estudo de apenas uma língua estrangeira viva (Inglês ou Francês) possibilitando melhor aproveitamento; a opção em cursar datilografia a partir da 3ª série a fim de se preparar para “enfrentar as dificuldades da vida prática” (Colégio Estadual do Paraná, 1960b, p. 3), assim como a escolha de cursar (ou não) aulas de Latim, dependendo do interesse e possibilidade de cada aluno; a eliminação das provas parciais, sendo estes mecanismos avaliativos incorporados ao longo do trabalho escolar, procurando convencer o aluno sobre a necessidade de estudar para saber e não só para prestar os exames; e a atenção à formação integral da personalidade do educando, preparando-o para a continuidade dos estudos e de forma eficiente para a vida prática após a conclusão do ginásio.

A reiteração da preocupação com a “vida prática” que a “sociedade brasileira, em acelerada evolução” (Colégio Estadual do Paraná, 1960b, p. 3) reservava aos jovens secundaristas era considerada como um dos pontos principais da proposta das Classes Integrais e foi representada, por exemplo, pela necessidade do desenvolvimento de “um currículo permanentemente experimental” (Compiani, 1964, p. 3) visando adaptações “às solicitações de uma sociedade democrática em crescente fase de industrialização, urbanização e que constantemente se modifica pelos influxos das novas descobertas científicas” (Compiani, 1964, p. 3). Mas afinal, em que consistiam essas “circunstâncias da vida atual” e quais medidas teriam influenciado na elaboração da proposta?

O delineamento do cenário de transformações sociais aludidos com regular constância nos relatórios das Classes Integrais se constitui como importante tarefa para a compreensão das intenções formativas da experiência pedagógica. Nesse sentido, fazendo uso das reflexões de Gomes (2013, p. 28), cabe perguntar que “chaves de leitura” podem ser mobilizadas a fim de compreender as transformações dos anos 1950 e 1960? A autora, ao analisar especificamente o contexto brasileiro pós-1945, alerta para o equívoco de “tentar homogeneizar todo o período sob qualquer tipo de epíteto, minimizando sua diversidade e seus variados experimentos políticos, econômicos e culturais”, o que torna a caracterização das duas décadas marcadas por aceleradas transformações sociais um desafio.

Em linhas gerais, é possível afirmar que a busca por uma “modernidade política” aliada ao exponencial “desenvolvimento econômico” constituiu as bases para as transformações ocorridas e que, em partes, são representadas por termos como urbanização, industrialização e nacional-desenvolvimentismo, caros àquele tempo de experiência democrática situado entre períodos ditatoriais da história brasileira. A autora sugere a utilização das seguintes “chaves de leitura” para a compreensão daquele momento: democracia, desenvolvimentismo, industrialização, urbanização, transição demográfica (Gomes, 2013, p. 37). Modernização e mudança social também podem ser acrescidas, como ideais a serem alcançados. Somam-se ainda noções como países desenvolvidos e subdesenvolvidos, ou de maneira análoga, industrializados e em processo de industrialização, nessa ordem.

Ao procurar reconstituir uma “fisionomia” do período, Xavier (1999, p. 68) nos apresenta elementos que são de certa forma consolidados na historiografia brasileira: “anos dourados, intervalo democrático, anos de transição, época da euforia desenvolvimentista, década fecunda de renovação e esperanças, anos de otimismo”. Tais atributos destacados pela autora e possuidores de múltiplos graus de valoração são recorrentes em fontes de natureza distintas como a literatura, os periódicos e as produções acadêmicas. A “euforia desenvolvimentista” ocorrida em território nacional seria constituída pelo processo de industrialização e pela generalização do consumo que levariam a mudanças dos hábitos e padrões de comportamento coletivo, anunciando “uma nova era, inaugurando um novo estilo de vida, mais urbano e por isso mesmo, mais moderno” (Xavier, 1999, p. 72, grifos da autora).

Com relação ao surgimento de novos padrões de produção e de consumo, Mello e Novais (1998), ao observarem o cenário dos grandes centros urbanos, em especial, São Paulo e Rio de Janeiro, assinalam que “fabricávamos quase tudo” e elencam um rol de setores industriais que receberam investimentos consideráveis, além de destacar a incorporação de bens de consumo à vida societária brasileira em um intervalo temporal relativamente curto, resultando em mudanças de comportamentos. Considerando a diversidade de realizações nas esferas econômica, política e cultural ocorridas em parte do território nacional, parece certo de que a oportunidade de acesso a tais bens e serviços, mesmo que não realizado por grande parcela da população em virtude das discrepâncias de poder de compra, incidiu tanto na produção de sonhos de aquisição quanto na concretização do seu consumo.

Ao falar especificamente do estado do Paraná e, em especial, da Curitiba dos anos 1950, convém observar que a cidade passou por uma importante remodelação urbana no início daquela década procurando se afirmar como “uma cidade capital”, diretamente conectada ao processo de desenvolvimento ocorrido no cenário nacional, com investimentos estruturais das mais diversas ordens e que resultaram em mudanças consideráveis na relação das pessoas com a cidade.

Tais transformações promoveram, conforme destaca Santos (1995), a “refundação de Curitiba”, representada pelo planejamento e construção de um conjunto significativo de prédios e espaços públicos (modernos) destinados principalmente à administração política, contribuindo tanto para a afirmação da cidade como capital do estado, quanto para o fortalecimento de uma “identidade paranista”. Segundo Carollo (2002, p. 133, grifo do autor), esses foram resultados de um processo que visou à “ruptura com o envelhecido”, apresentando o “novo (…) como elemento indutor de novas percepções ao curitibano” e que encontrou no início dos anos 1950 um contexto favorável para as realizações. Paradoxalmente, esse processo também acarretou o agravamento de algumas questões sociais, como por exemplo, crescimento populacional acelerado e desordenado, falta de estrutura e saneamento básicos nas habitações, problemas com o transporte coletivo, protestos contra o aumento do custo de vida, entre outras.

Em se tratando das questões educacionais, foram planejadas e executadas diversas obras, incluindo a construção de novas escolas, a ampliação e reforma dos grupos escolares já existentes, os investimentos na Universidade do Paraná e a inauguração do novo complexo do CEP. Este último foi utilizado como um dos ícones da administração do governador Moysés Lupion (gestão 1947-1951), muito embora a elaboração do projeto e parte da construção do edifício tenham acontecido no final da gestão anterior, do interventor Manoel Ribas (1932-1945).6 Mesmo assim, com a inauguração do novo prédio do CEP coincidindo com o último ano de mandato de Lupion, o colégio serviu como mais um dos símbolos das realizações da sua administração. No ato da inauguração, a frase proferida pelo então Secretário da Educação, Erasmo Pilotto, tornou-se célebre: “escola que parece um símbolo” (Straube, 1993, p. 109).

Ao mesmo tempo em que a rede de instituições públicas de ensino passou por ampliações e modificações procurando atender às novas demandas para a formação dos jovens secundaristas, a autonomia administrativa e financeira da qual o CEP usufruía possibilitou, de forma circunscrita aos limites do próprio colégio, o estabelecimento de currículos que apostavam na diversificação e na flexibilização curricular, além da realização experimental de propostas inovadoras. É possível afirmar que essa autonomia e as representações em torno da instituição no cenário educacional paranaense foram condições para que diferentes propostas formativas fossem desenvolvidas especialmente nos anos finais da década de 1950 e início da de 1960, como foi o caso das Classes Integrais.

A “exata noção da realidade e o preparo para a vida prática”: aspectos formativos das Classes Integrais do CEP

De que formas os responsáveis pela elaboração do projeto das Classes Integrais interpretaram aquele contexto de transformações sociais? A que expectativas formativas, exigidas por uma “sociedade verdadeiramente democrática”, a inovação pedagógica deveria atender? Que representações de aluno estavam presentes na proposta? Estsas perguntas se tornam necessárias em virtude da reiteração dos argumentos que indicavam a busca da formação integral do educando levando-o “a atingir o máximo desenvolvimento, a fim de que se possa realizar plenamente em todos os sentidos e a se constituir em um elemento de progresso na sociedade em que vive” (Compiani, 1964, p. 4).

As justificativas para essas amplas intenções formativas eram baseadas, principalmente, nas críticas ao papel da escola secundária e na necessidade de mudanças de orientação nesse nível de ensino. Ao procurar caracterizar os problemas de uma concepção de ensino secundário em vigência até meados do século XX, os seguintes elementos foram destacados: “não se levava em conta nem as condições psicológicas do educando (…), nem havia tanta preocupação pelo problema da integração dos jovens a uma sociedade em constante mudança” (Compiani, 1964, p. 1).

As Classes Integrais, assim como outras propostas de inovação educacional coetâneas, representariam possibilidades de modificação dessa situação, desde que fossem enfatizados dois aspectos centrais: primeiramente, com o embasamento nas “modernas conquistas da psicogenética” seria possível conhecer melhor a “realidade da psicologia juvenil” (Compiani, 1964, p. 1) e, dessa forma, passar a “repensar a escola secundária em função dos interesses, das necessidades, das aspirações, das capacidades, das limitações e dos problemas do adolescente” (Compiani, 1964, p. 1). Em segundo lugar, seria preciso dar valor à interação entre a “escola e a vida, a fim de evitar a alienação do homem com o seu tempo” (Compiani, 1964, p. 1). Assim, o ensino estaria inserido na “experiência vivencial do aluno, de modo a se desenvolver dentro do contexto sociocultural que o envolve” (Compiani, 1964, p. 1), preparando-o para “desempenhar seu papel numa sociedade verdadeiramente democrática” (Compiani, 1964, p. 1), aceitando a “responsabilidade que lhe cabe de trabalhar para promover o progresso e as mudanças sociais necessárias ao bem-estar de todos os homens” (Compiani, 1964, p. 1).

Importante perceber a proximidade da tradição educacional do chamado Movimento pela Escola Nova com algumas das argumentações basilares das Classes Integrais. Tradição essa que, dentre outros representantes, encontra em Anísio Teixeira um dos principais interlocutores, muito em vista pela ampla circulação das suas produções intelectuais e pela destacada trajetória nos campos educacional e político-administrativo.7 Os indícios da similaridade dos argumentos podem ser localizados, por exemplo, em um texto de 19568, apresentado na XII Conferência Nacional de Educação promovida pela Associação Brasileira de Educação (ABE) no qual Teixeira, ao analisar o “processo democrático de educação”, destaca como uma das tarefas para “completar a obra democrática”,

a necessidade de educar muito melhor o indivíduo, para que lhe seja possível exercer o seu papel de participante da vida social complexa e organizada de uma sociedade avançada, e também o de modificador de sua rotina e organização, pela independência e liberdade de pensamento e de crítica. (Teixeira, 1956, p. 6, grifos do autor)

O autor complementa, ao projetar o ideal de “escola democrática”, que esta deveria “se fazer uma escola de formação humana, em que o indivíduo aprenda a afirmar a sua individualidade numa sociedade de classes abertas, em que a aptidão e o êxito lhe determinem o status”, que dependerá mais das “condições pessoais, do que propriamente de hierarquia social pré-estabelecida” (Teixeira, 1956, p. 8, grifo do autor).

Integração do indivíduo com a sociedade; valorização da vida social; busca da construção de uma sociedade democrática; educação como reconstrução contínua da experiência são alguns dos pilares da teoria de educação de John Dewey, uma das principais referências para Anísio Teixeira e presença marcante no debate sobre a transformação do ensino. O papel de mediador desempenhado por Anísio, especialmente com o investimento na tradução e edição de algumas das obras do pensador estadunidense, possibilitou a ampla circulação de suas contribuições intelectuais nos meados do século XX em boa parte do território nacional.

É possível sugerir que o conjunto de problematizações suscitado por esses referenciais criaram condições para que algumas inovações educacionais fossem realizadas. Podemos dizer que foi no encontro dessas proposições teóricas com a crescente percepção das necessidades de mudanças nos sentidos da educação e, em especial, do ensino secundário que as Classes Integrais encontraram suporte para a sua realização. Além disso, a apropriação desses discursos serviu para responder à especificidade dos problemas colocados inicialmente no CEP: os altos índices de reprovação e de evasão no ciclo ginasial. Procurando atender a essas expectativas, a elaboração do “Plano de Organização” da proposta trazia como principais objetivos proporcionar

condições que favoreçam o desenvolvimento harmonioso da personalidade do educando, sem unilateralismos, excessos ou omissões; dar-lhe cultura geral que possa servir de base para estudos mais elevados, de acordo com suas possibilidades; torná-lo membro eficaz de uma sociedade democrática. (Colégio Estadual do Paraná, 1960a, p. 4)

As justificativas para a escolha dessas dimensões formativas contribuíram para a configuração de uma marca identitária da proposta baseada, essencialmente, no “espírito de educação integral”, adotado e replicado ao longo da experiência em diversos documentos que tratavam dos aspectos estruturantes das Classes Integrais. A passagem a seguir é emblemática nesse sentido, ao conferir os contornos dessa educação integral:

Pretende-se que os alunos saiam da escola secundária não apenas intelectualizados, mas fisicamente bem desenvolvidos, emocionalmente mais amadurecidos, socialmente mais educados, melhor preparados para enfrentar as dificuldades da vida prática, enfim para que se possam realizar plenamente em todos os sentidos da vida e se constituir em elementos de progresso e de valor positivo na sociedade de amanhã. (Colégio Estadual do Paraná, 1963a, p. 4)

Para atingir esses ambiciosos objetivos seria desenvolvido um trabalho pedagógico levando em consideração aspectos que investissem na educação física, educação intelectual, educação moral, educação artística, educação sexual, formação religiosa, educação social, educação democrática, educação para o trabalho e educação para as horas de lazer. Para cada uma dessas dimensões foram apresentadas questões que deveriam ser consideradas no desenvolvimento do projeto.

Nos limites deste texto, apresento questões relacionadas à educação democrática e à educação social.9 Com relação à primeira, por exemplo, as seguintes expectativas formativas foram destacadas:

Pretendendo-se educar para a Democracia é necessário que a escola se organize de forma democrática, em que todos participem das várias atividades, com sua parcela de cooperação e responsabilidade.

Os trabalhos de equipe, as atividades extracurriculares e a recreação dirigida muito contribuirão para desenvolver o espírito de grupo e a compreensão de que a vida em sociedade implica uma série de renúncias pessoais em benefício dos interesses comuns.

Pela assimilação dos valores culturais, técnicos e sociais do meio buscar-se-á a formação do cidadão consciente de sua posição na sociedade e de quanto ele depende dos outros, a fim de levá-lo a retribuir, na medida de suas possibilidades, a ajuda recebida. (Colégio Estadual do Paraná, 1960a, p. 6)

Partindo desses entendimentos sobre educação democrática, diversas ações foram realizadas ao longo da proposta visando à formação de um “cidadão do futuro” para a “verdadeira democracia” (Colégio Estadual do Paraná, 1966), das quais é possível destacar a que talvez tenha alcançado maiores repercussões: as campanhas. Consistiam em momentos de debate e desenvolvimento de ações, a partir da identificação de “problemas humanos da comunidade”, nos quais os alunos das Classes Integrais procuravam envolver não só os seus colegas de turma, mas também toda a comunidade escolar, com a arrecadação de roupas, calçados, mantimentos, remédios, além de ajuda financeira, para serem doados a instituições como orfanatos, patronatos, asilos, hospitais, entre outros (Colégio Estadual do Paraná, 1962b, 1963b, 1963c).

Atitudes como essas eram valorizadas, pois buscavam promover tanto a “integração do educando à vida comunitária pela tomada de consciência dos problemas sociais e econômicos que afligem a população”, quanto “incentivar o desejo de colaborar, na medida de suas possibilidades, para o engrandecimento do Estado e do País e formar o homem para a Democracia Participativa, para a cidadania” (Colégio Estadual do Paraná, 1967, p. 10). Importante considerar que a noção de integração da proposta partia dos seguintes pressupostos:

Integração, entretanto, não deve ser tomada, apenas, no sentido de adaptação a uma situação que existe mas que nem sempre satisfaz, a uma simples acomodação. Conhecer o que a comunidade possui de bom e que por isso deve ser conservado, e identificar as falhas e os erros para procurar saná-los, eis como seria desejável que se interpretasse a palavra integração.

INTEGRADO, portanto, seria o indivíduo que conhecesse o ambiente em que vive, com seus vícios e virtudes, e que conseguisse adotar uma posição de estímulo e de defesa aos aspectos positivos de sua comunidade, mas que também soubesse ser combativo quando se tratasse de erradicar algo prejudicial ao bem-estar do grupo, ou de lutar por uma causa justa, ainda que contrariando o “status quo”. (Colégio Estadual do Paraná, 1964a, pp. 1-2, grifos do autor)

As considerações apresentadas sobre a educação democrática suscitam algumas questões que merecem ser problematizadas. Embora os argumentos reiterados ao longo da proposta das Classes Integrais indicassem que o processo formativo e de integração do indivíduo àquela sociedade democrática resultariam na “tomada de consciência” da realidade social visando contribuir para mudanças, o ideal de democracia constituído naquele momento – fundamentado essencialmente nas contribuições de John Dewey e Anísio Teixeira difundidas pela imprensa pedagógica – não colocava em questão os processos de organização societária, seus conflitos e contradições relativos à ordem econômica e social. Dessa forma, efetivou-se uma representação de democracia acomodada ao modo de produção e desenvolvimento liberal que, no período pós 2ª Guerra Mundial, foi fortemente afirmada pelas grandes potências ocidentais e, em alguma medida, também fundamentou o ideário desenvolvimentista no Brasil.10

Segundo Mendonça e Xavier (2008, p. 31), as apropriações do chamado “pragmatismo deweyano”, em especial o uso experimental do “conhecimento científico na solução de problemas de ordem prática”, deu contornos a certa “racionalização do sistema escolar” caracterizada pela “concepção peculiar de planejamento que se fundamentava nos estudos da comunidade e que supunha o esclarecimento da população atingida, a fim de garantir a sua aceitação e continuidade”. Ao destacarem o papel da escola “para a formação de uma consciência comum favorável ao desenvolvimento nacional”, o que possibilitou uma aproximação entre o pragmatismo e a ideologia desenvolvimentista11, as autoras afirmam que

a transformação da escola, para ajustá-la às novas condições do País (determinadas principalmente pelo avanço do processo de industrialização) e para consolidar o funcionamento da democracia liberal, constituía-se em condição indispensável do pleno desenvolvimento nacional. (Mendonça & Xavier, 2008, p. 31)

Na proposta das Classes Integrais, outra dimensão que se aproximou das questões trabalhadas na educação democrática foi a denominada educação social:

Para que o educando possa ocupar com desenvoltura seu lugar na sociedade é necessário que conheça e acate certos princípios e regras sociais indispensáveis ao convívio humano harmonioso; assim, em todo o tempo de permanência no colégio o aluno será incentivado a agir com respeito, delicadeza e comedimento, não só no trato pessoal com os professores como também em relação aos colegas e funcionários do estabelecimento. (Colégio Estadual do Paraná, 1960a, p. 6)

Os indícios localizados sinalizam que para o desenvolvimento do “espírito social dos alunos” um conjunto de atividades foram promovidas com regular frequência, como as “festas escolares, as visitas, as excursões, as entrevistas e as demonstrações mensais realizadas nos dias de reuniões de pais” (Colégio Estadual do Paraná, 1962a, p. 3). As atividades em grupos e trabalhos em equipe, incentivados cotidianamente em todas as disciplinas também contribuíram nesse sentido. Importante pontuar ainda o papel da orientação educacional no “desenvolvimento da sociabilidade”, incentivando a integração entre os alunos a partir dos resultados dos sociogramas de cada uma das turmas (Colégio Estadual do Paraná, 1962b, p. 49). A aplicação da “técnica sociométrica” foi bastante utilizada para a identificação de alunos “isolados, rejeitados, esquecidos e líderes” e contava com a contribuição de diversos professores do CEP.

Outras atividades que merecem destaque, pela natureza de livre escolha por parte dos alunos, eram os “clubes”12 que, além de “facilitarem a integração dos educandos à vida social pelo desenvolvimento de habilidades específicas representavam, também, um recurso para dotá-los de formas de higiene mental pelo aproveitamento das horas de lazer” (Colégio Estadual do Paraná, 1967, pp. 10-11). O papel formativo dos clubes tinha como horizonte o desenvolvimento do espírito social dos alunos; a canalização das tendências agressivas; a liberações das tensões emocionais; o desenvolvimento de “hobbies” e o fornecimento de meios para estimular as atividades espontâneas e criadoras (Colégio Estadual do Paraná, 1961, p. 24).

Um desses clubes, em especial, assumiu papel de relativo protagonismo, ao tratar especificamente das relações interpessoais: a dança social. Desenvolvida aos sábados pela manhã com a intenção de “desembaraçar” os alunos no “setor das relações humanas na vida social” (Colégio Estadual do Paraná, 1967, p. 10), essa atividade contava com a participação tanto dos alunos das Classes Integrais – normalmente os alunos das 4as séries – como também, para compor os pares, com as alunas das classes comuns do CEP, que tinham aulas aos sábados à tarde e chegavam mais cedo para participar da dança.

De acordo as fontes, havia formas de controle e organização nessa atividade coeducativa, como prévia autorização dos pais das alunas, formação dos pares e supervisão por parte de professores e professoras, entre outras, justificadas pelo fato de que não eram frequentes, naquele contexto, os momentos de interação entre meninos e meninas nas demais práticas educativas do CEP. As possibilidades de contato eram ainda mais reduzidas se considerarmos as chamadas classes comuns, uma vez que os meninos estudavam exclusivamente pela manhã e as meninas à tarde, sendo a presença masculina no colégio, no período vespertino, praticamente exclusividade dos alunos das Classes Integrais.

Os professores também desempenhavam importante papel no acompanhamento e na avaliação das atividades propostas visando à educação integral. Além das atribuições didáticas e pedagógicas comuns ao fazer docente – como o trato com os conteúdos específicos de cada disciplina e as avaliações “formais” – a eles era solicitado o registro mensal das “qualidades” a serem observadas no cotidiano escolar. Para esses registros eram utilizadas fichas específicas, encaminhadas à coordenação pedagógica e comumente discutidas nas reuniões semanais dos professores e, eventualmente, nos encontros mensais com os pais e responsáveis. Essas “qualidades” eram relativas ao indivíduo: “responsabilidade, iniciativa, perseverança, controle emocional, hábitos morais, hábitos de higiene”; à escola: “boas maneiras, pontualidade, ordem, capricho”; e ao convívio em grupo: “cooperação no trabalho, respeito e consideração pelos colegas, influência no grupo” (Colégio Estadual do Paraná, 1960c, p. 3).

Os depoimentos de alguns dos ex-professores das Classes Integrais13 nos permitem perceber de que formas essas orientações foram apropriadas e passaram a fazer parte das suas práticas pedagógicas, naquele contexto. De acordo com o professor de Português que participou dos dois primeiros anos da proposta, a noção de educação integral era representativa de um conjunto amplo de aspectos:

Integral em termos de tempo, primeiramente, porque os alunos tinham aulas de manhã e numa parte da tarde (…). E integrais também porque um dos procedimentos pedagógicos, que me marcou bastante e em que [a coordenadora] insistia muito, é que as matérias se articulassem, abordando na sua disciplina os aspectos dos conteúdos tratados nas outras, sempre que possível em correspondência com disciplina-guia. (…) O ensino integral procurava exatamente, pela articulação dos conhecimentos, dar a ideia da realidade total dos conhecimentos. Claro que isso era o ensino, transmissão de conhecimentos. Mas, nas Classes Integrais, fazia-se muita questão de cultivar as atitudes dos alunos. É outro aspecto do magistério educativo que, então, me marcou muito e eu gostava muito de agir nesse campo. (…)

Lembro-me de que, no início principalmente, a [coordenadora] fez uma série de reuniões dando a filosofia, a concepção que ela tinha das Classes Integrais, da articulação das disciplinas, do tempo tido como integral, de convivência com os pais, de integrar os pais no processo, da formação da personalidade e não só da transmissão de conhecimentos. Esse aspecto da formação da personalidade integrava o projeto tanto quanto a transmissão de conhecimentos. Procurava-se dar equilíbrio na ênfase entre conhecimento e atitudes, sempre tendo em vista como os alunos deveriam ser como pessoa. (L. G. P., comunicação pessoal, 13 ago. 2016)

A “insistência” com a busca da articulação das disciplinas e com os cuidados dos aspectos atitudinais dos alunos visando à educação integral também foram rememorados pelo professor J. A. C., que lecionou nas Classes Integrais nos anos finais da proposta:

quando fui chamado para as Classes Integrais a coordenadora (…) expôs as diretrizes pedagógicas das Classes Integrais. (…)Ela vislumbrava o que hoje se costuma chamar de educação integral. Não era para o aluno apenas receber uma determinada disciplina – a de História no meu caso, ou a Geografia, que também lecionei –, mas cada professor deveria trabalhar sua disciplina mantendo contato com os demais professores de outras disciplinas. De tal forma que, quando você estudava [em] História ou Geografia um determinado tema, até a professora de Inglês participava, de Português, em algumas coisas que pudesse ter conexão. Procurava-se essa conexão para o que aluno sentisse que a disciplina não era um “canteiro isolado”. Havia uma clara preocupação de todos os professores de interagir com os alunos a fim de que suas atividades não se restringissem ao trabalho de conteúdos específicos, mas também de atitudes que favorecessem a formação dos jovens. Ao término do ginásio, eu tinha sempre uma observação muito clara para mim. Quando via aqueles meninos – eu tive oportunidade de ver os que saíram em 1965, 1966 e os que estavam prestes a sair em 1967 – era interessante e estimulante sentir o grau de maturidade dos alunos de, em média, quatorze anos de idade. (J. A. C., comunicação pessoal, 25 set. 2014)

É importante considerar que estavam em circulação diferentes representações sobre os papeis da juventude em virtude da crescente participação dos jovens na sociedade e das formas pelas quais as transformações sociais foram por eles vivenciadas/realizadas. Em seu depoimento, o professor argumenta sobre a percepção dos alunos no final do processo formativo das Classes Integrais, dando destaque ao resultado atingido pelo adolescente após cursar os quatro anos no ciclo ginasial da inovação pedagógica. Tais considerações coincidem com as expectativas anunciadas desde o início da implementação da proposta, quando a questão assim estava colocada:

Tomar-se-á conhecimento da personalidade do educando como ser humano em evolução, cheio de dúvidas e imprecisões, vivendo a fase problemática da adolescência e que necessita de ajuda para atingir a maturidade característica do adulto ajustado nas diferentes esferas da vida (emocional, social, etc.). (Colégio Estadual do Paraná, 1960a, p. 8)

A responsabilidade pelas ações para a transição/superação dessa “fase problemática” estava centrada, principalmente, no papel da Orientação Educacional. A atuação junto aos alunos foi constituída pelo acompanhamento individualizado, pelas reuniões de trabalho em grupo e pela supervisão das horas de estudo e das atividades extraclasse (clubes), sendo ainda constante a aplicação da “técnica de entrevista seguida de aconselhamento” e de testes e questionários diversos para ampliar o conhecimento sobre as particularidades dos alunos (CEP, 1963d, p. 2). A Orientação Educacional também estabeleceu contato próximo com os professores das Classes Integrais, em especial, nas reuniões periódicas nas quais eram confrontadas as questões referentes ao cotidiano das salas de aula com os resultados do acompanhamento individualizado dos alunos. Nessas reuniões também eram realizadas sessões de estudos sobre a “Psicologia do Adolescente” com a leitura, debate e sugestões de textos.

Por fim, outra interface da equipe da Orientação Educacional se deu com os pais dos alunos. Em geral, nas reuniões mensais, eram tratados alguns dos problemas de ordem cotidiana identificados no colégio, assim como em diversas oportunidades há registros da presença de “pessoas especializadas14 em psicologia educacional e do adolescente para proferir palestras” aos pais e responsáveis (Colégio Estadual do Paraná, 1963b).

Considerações finais

Procurei apresentar questões relativas às intenções formativas das Classes Integrais, proposta de inovação pedagógica do ensino secundário, realizada no CEP, instituição de ensino modelar localizada em Curitiba (PR). Foi possível perceber que o conjunto de ações desenvolvido ao longo da experiência educacional contribuiu para a constituição de um ideal de educando – leia-se adolescente – que possuía necessidades específicas em cada uma das “fases de seu desenvolvimento”. Com isso, a ênfase dos temas abordados ao longo do ciclo ginasial atenderia a uma dimensão considerada adequada e condizente com os níveis de desenvolvimento e amadurecimento dos alunos:

  • 1ª série - Ensinar o aluno a estudar, a adquirir bons hábitos de trabalho.

  • 2ª série - Ajudar o aluno na socialização e integração ao grupo.

  • 3ª série - Orientar a educação sexual.

  • 4ª série - Orientação vocacional. (Colégio Estadual do Paraná, 1963d, p. 1)

A identificação de tais investimentos nos permite sugerir que cursar o ciclo ginasial nas Classes Integrais constituiu a parte inicial de um processo de tornar-se jovem e que continuaria ao longo do ciclo colegial e do ensino superior. Essas impressões têm correspondência com um chamado prolongamento da infância, ou seja, a ampliação do tempo de escolarização oportunizado tanto pelas condições (e aspirações) familiares dos alunos, quanto pelas novas demandas sociais dos anos 1960.

Os investimentos na educação dos jovens para a melhoria das condições de vida, em virtude das necessidades inerentes àquele contexto de aceleradas transformações sociais, produziram uma questão a ser equacionada: a dispensa temporária desses jovens do mundo do trabalho teria como consequência a exigência de qualificar e especializar a formação do ensino de grau médio para corresponder às expectativas daquela “sociedade democrática em crescente fase de industrialização e urbanização”. Tais necessidades, entre outras, estiveram presentes no cerne dos debates sobre a urgência de reformas e transformações do ensino secundário naquele contexto dos anos 1950/1960.

Por fim, a análise dos intentos formativos das Classes Integrais, naquele contexto marcado por aceleradas transformações sociais, permitiu identificar as preocupações com as “circunstâncias da vida atual” e o atendimento às “solicitações” de uma sociedade democrática, industrializada, urbanizada e constantemente modificada “pelos influxos das novas descobertas científicas” (Compiani, 1964, p. 3). Essas dimensões foram reiteradas ao longo da proposta, tendo em vista a necessidade de os jovens secundaristas melhor conhecerem o “meio em que vivem” (Compiani, 1964, p. 6). Contudo, foi possível perceber que a identificação “da realidade”, visando à integração do indivíduo ao meio, pouco enfrentou as questões contraditórias inerentes a um contexto social, urbano, industrializado e, portanto, gerador de desigualdades.

2As Classes Integrais foram objeto da tese de doutoramento de Chaves Junior (2017), na qual é possível localizar mais informações sobre a experiência educacional.

4As classes comuns funcionavam de acordo com os preceitos do Decreto-Lei n. 4.244, de 9 de abril de 1942, a conhecida Lei Orgânica do Ensino Secundário, da Reforma Capanema.

4O documento “Instruções sobre a natureza e organização das classes experimentais”, da Diretoria do Ensino Secundário, de 1958, estabeleceu as normas para a implementação desse tipo de classe. Contudo, conforme Tamberlini (2001), Chiozzini (2014) e Vieira (2015), existem indícios da realização de experiências nesses moldes, em São Paulo, antes mesmo da autorização de âmbito nacional.

6O lançamento da pedra fundamental ocorreu em 19 de abril de 1943. Porém, as obras começaram somente no ano seguinte e em local distinto ao marcado pela pedra fundamental. Em 29 de março de 1950, ocorreu a inauguração do “novo e suntuoso prédio do Colégio Estadual do Paraná”, à época, o maior estabelecimento de ensino do gênero não só do Brasil, mas também da América do Sul (Straube, 1993, p. 107).

7Para mais informações sobre a trajetória de Anísio Teixeira ver, entre outros, Nunes (2000) e Araújo e Brzezinski (2006).

8Esse texto, além de publicado na RBEP em 1956, também compõe o livro Educação e o mundo moderno, de 1969 (e reeditado em 2006). Esta foi uma estratégia muito utilizada – não só por Anísio, mas também por outros intelectuais que ocupavam lugares estratégicos nas instâncias administrativas –, que possibilitou ampla circulação das suas ideias.

9As demais dimensões são analisadas em Chaves Junior (2017).

10Sobre essas questões ver, entre outros, Cardoso (1978) e Cunha (1991).

11Ver também Mendonça et al. (2006).

12A oferta dos clubes variava de acordo com o interesse dos alunos e pela disponibilidade de professores ou, em alguns casos, dos próprios alunos para coordenar as atividades. São exemplos de clubes: mexe-mexe, teatro, xadrez, sing-song, ciências, desenho, pintura, cerâmica, fotografia, filatelia, conserto de aparelhos elétricos, aeromodelismo, danças folclóricas, entre outros. Mais informações, ver Chaves Junior (2017).

13Em Chaves Junior (2017), foram realizadas entrevistas com ex-alunos e ex-professores das Classes Integrais. Todos os colaboradores autorizaram a utilização dos documentos finais para fins acadêmicos. Em tempo, os procedimentos envolvendo os depoentes foram submetidos e aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG. Para o presente texto, opto em utilizar as abreviações dos nomes dos colaboradores.

14Aparecem listados, entre outros nomes, Pórcia Guimarães Alves e Eny Caldeira, professoras da Universidade do Paraná e o psicólogo Paulo de Tarso Monte Serrat.

15As publicações do Colégio Estadual do Paraná fazem parte do acervo pessoal de Ruth Compiani e do Acervo do Centro de Memória do Colégio Estadual do Paraná.

Os textos deste artigo foram revisados pela Poá Comunicação e submetidos para validação do autor antes da publicação.

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Recebido: 10 de Maio de 2019; Aceito: 22 de Novembro de 2021; Publicado: 02 de Maio de 2022

Endereço para correspondência Sergio Roberto Chaves Junior, Universidade Federal do Paraná Campus Rebouças – Ed. Teixeira Soares Av. Sete de Setembro, 2645 (Entrada pela Rua Rockfeller, 57) Rebouças, 80230-085 Curitiba, PR, Brasil.

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