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Revista Diálogo Educacional

versão impressa ISSN 1518-3483versão On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.17 no.53 Curitiba abr./jun 2017  Epub 28-Fev-2020

https://doi.org/10.7213/1981-416x.17.053.ao09 

Dossiê

Promover a convivialidade escolar: o focus group como meio de formação

Promote school conviviality: the focus group as a means of training

La promoción de la convivencia escolar: el grupo de enfoque como medio de formación

Marcelo Melim[a] 

Beatriz Pereira[a] 

Amália Rebolo[b]  *

[a] Universidade do Minho, Instituto de Educação, CIEC, Braga, Portugal

[b] Instituto Piaget, ISEIT, RECI, Almada, Portugal


Resumo

Um clima escolar desfavorável constitui uma fonte de vulnerabilidades à integração e segurança da comunidade educativa. As escolas não podem renunciar a corresponsabilidade na promoção da saúde psicossocial dos alunos. As entidades governamentais devem cooperar com as escolas no sentido de apurar que medidas devem ser desenvolvidas em relação às diferentes violências. Este artigo documenta a atividade e principais resultados do Projeto Carta da Convivialidade Escolar, um projeto de intervenção/investigação tutelado pela Secretaria Regional de Educação e Recursos Humanos da Região Autónoma da Madeira, Portugal e supervisionado pelo Centro de Investigação em Estudos da Criança da Universidade do Minho. O principal objetivo deste projeto é contribuir para um ambiente escolar seguro, inclusivo e respeitador, potenciador das aprendizagens e favorecedor do sucesso escolar. Recorremos às técnicas de focus groups e à entrevista qualitativa realizada a elementos chave da comunidade educativa. Verificámos que não existe um conjunto de políticas e estratégias num formato único para resolver os conflitos e a violência em todas as escolas. É necessário identificar e testar as medidas mais adequadas às necessidades específicas, à cultura (etos), ao envolvimento sociocultural e ao modelo de gestão. As alterações requerem o comprometimento da comunidade educativa. A avaliação dos resultados permite ajustar e melhorar a intervenção, substituir ou adaptar estratégias.

Palavras-chave: Violência escolar; Convivialidade; Prevenção Intervenção

Abstract

Unfavorable school climate is a source of vulnerability for the integration and security of the educational community. Schools cannot give up responsibility in promoting psychosocial health of students. Government agencies should cooperate with the schools to determine what measures should be developed to deal with the different types of violence. This article documents the activity and main results of the User Friendliness Charter School Project, an intervention/research project overseen by the Regional Secretariat of Education and Human Resources, Autonomous Region of Madeira, Portugal and supervised by the Research Centre for Child Studies, University of Minho. The main objective of this project is to contribute to a safe, inclusive and respectful school environment, enhancer of learning and favoring school success. We use focus groups and qualitative interview to key members of the educational community. We found that there is not a set of policies and strategies in a single format to resolve conflicts and violence in all schools. It is necessary to identify and test the most appropriate measures to the specific needs, culture (ethos), the socio-cultural involvement and the management model. The changes require the commitment of the educational community. The evaluation of the results allows us to adjust and improve intervention, replace or adapt strategies.

Keywords: School violence; Friendliness; Prevention; Intervention

Resumen

El clima escolar desfavorable es una fuente de vulnerabilidad para la integración y la seguridad de la comunidad educativa. Las escuelas no pueden renunciar a la responsabilidad en la promoción de la salud psicosocial de los estudiantes. Los organismos gubernamentales deberán cooperar con las escuelas para determinar qué medidas deben ser desarrolladas para las diferentes violencias. Este artículo documenta la actividad y principales resultados del Proyecto Carta de la Convivencia Educacional, un proyecto de intervención / investigación supervisada por la Secretaría Regional de Educación y Recursos Humanos, la Región Autónoma de Madeira, Portugal y supervisado por el Centro de Investigación de Estudios de Niños, Universidad de Minho. El principal objetivo de este proyecto es contribuir a un ambiente escolar, potenciador del aprendizaje y favorecer el éxito escolar seguro, incluyente y respetuoso. Utilizamos grupos focales y entrevistas cualitativas con los miembros clave de la comunidad educativa. Hemos encontrado que no hay un conjunto de políticas y estrategias en un formato único para resolver los conflictos y la violencia en todas las escuelas. Es necesario identificar y poner a prueba las medidas más adecuadas a las necesidades específicas, la cultura (ethos), la participación sociocultural y el modelo de gestión. Los cambios requieren el compromiso de la comunidad educativa. La evaluación de los resultados permite ajustar y mejorar la intervención, sustituir o adaptar las estrategias.

Palabras clave: Violencia escolar; Convivencia; Prevención; Intervención

Introdução

A escola não pode manifestar qualquer tolerância em relação às diferentes formas de violência juvenil que ocorrem em seu seio. Trata-se de um problema frequente, com graves consequências psicossociais e que não pode ser menosprezado.

Por outro lado, para que a escola possa cumprir a sua principal missão - a obtenção do sucesso educativo - é fulcral a existência de um clima escolar seguro, inclusivo e respeitador, onde os professores possam ensinar e os alunos aprender. Para tal, há que desenvolver no interior das escolas uma cultura que não é condicente com quaisquer atos de agressão física, verbal ou relacional. Este desejado “ambiente positivo e seguro não se desenvolve naturalmente, deve ser criado, nutrido e mantido pelos estudantes, pais, professores e restante pessoal escolar” (PORTER, PLOG, JENS, GARRITY & SAGER, 2010, p. 431).

Para evitar comportamentos indisciplinados ou mesmo violentos é necessário que o aluno se sinta totalmente integrado na sua realidade escolar, seja a nível relacional como a nível da motivação que possuí pelos estudos. Estes problemas de violência escolar são cada vez mais evidentes na sociedade atual e podem ser intervencionados simultaneamente porque muitos dos fatores que os originam são semelhantes. Na raiz destes fenómenos muitas vezes estão aspetos e características dos alunos, das famílias, das políticas educativas, da gestão escolar, das próprias comunidades, que constituem invariáveis sobre as quais é prioritário intervir. Pereira (2001) afirma que o problema da violência está generalizado. “É um problema de afeta de um modo geral as escolas portuguesas, ainda que de escola para escola este problema assuma níveis e contornos próprios” (p. 29).

O propósito deste artigo é descrever sucintamente os principais resultados e conclusões deste estudo qualitativo associado à implementação do Projeto Carta da Convivialidade Escolar. Pretende-se igualmente fornecer uma perspetiva sobre os principais aspetos de intervenção e descrever alguns pressupostos desta intervenção concertada e de âmbito global, a decorrer nas escolas de 2º e 3º ciclos da Região Autónoma da Madeira, Portugal.

Convivências e violências nas escolas

Eyng (2011) refere que as “convivências e violências” nas escolas constituem uma preocupação para pais, professores, estudantes e investigadores. De acordo com a autora, a análise deste tema, tão complexo, pode e precisa de ser feita considerando as múltiplas implicações que derivam da manifestação e permanência das situações de desrespeito, bullying e violências nas escolas e na sociedade.

O desrespeito generalizado e a indiferença em relação aos outros produzem “violências” nas escolas, termo que Eyng (2011) considera mais adequado no plural, uma vez que utilizar a expressão violência, apenas no singular, não é suficiente para explicar a complexidade e as múltiplas faces do fenómeno na sociedade, assim como, na diversidade e especificidade de contextos e dinâmicas de cada escola.

Infelizmente, em contraposição à vivência e aprendizagem de valores éticos pautados no respeito, no diálogo, na solidariedade e na justiça social, propósitos fundamentais da educação, observa-se a manifestação de diversas faces de violências no espaço escolar. As violências manifestam-se de formas diferenciadas e diversas, em função dos sujeitos e contextos nos quais ocorrem, mas mantêm características que permitem a sua identificação e a partir daí a construção compartilhada de estratégias para o seu combate e quem sabe a sua erradicação gradativa dos espaços escolares.

Clima escolar versus violência na escola

O clima escolar é composto pela inter-relação das atitudes, sentimentos e comportamento dos indivíduos inseridos no sistema formado pela escola. Dorsey (2000) vê o clima escolar envolvendo quatro relações fundamentais: a relação do aluno consigo próprio, do aluno com os seus pares, do aluno com os seus pais e comunidade, e do aluno com o pessoal escolar - incluindo professores, administradores e restantes funcionários. Para além do foco nas inter-relações, Welsh (2000) também inclui as cognições na sua definição: “as crenças, valores e atitudes não escritos que se tornam no padrão de interação entre alunos, professores e administradores. O clima escolar define os parâmetros de comportamento aceitável entre todos os protagonistas da escola, e atribui a responsabilidade individual e institucional para a segurança escolar” (p. 89). Mais recentemente, Orpinas e Horne (2010) referem que o clima de uma organização como a escola engloba os seus valores, estilos de comunicação e gestão, regras e regulamentos, práticas éticas, tipo de reforço aos comportamentos humanos e solidários, incentivo à excelência académica e as próprias caraterísticas do seu envolvimento físico.

O surgimento da violência escolar não cria apenas um clima de medo e instabilidade emocional na escola, como constitui ainda um obstáculo ao processo de aprendizagem (GOTTFREDSON, 1989) e à missão educativa da escola (SHERMAN et al., 1997; JENKINS, 1997).

O termo violência na escola diz respeito a todos os comportamentos agressivos ou antissociais que ocorrem no ambiente escolar, o que inclui conflitos interpessoais, danos ao património, atos criminosos, etc. (NETO & SAAVEDRA, 2003). Alguns autores não utilizam a expressão “violência escolar” referindo-se a eles como “comportamentos antissociais nos centros escolares”, nos quais incluem condutas como a perturbação na sala de aula, a indisciplina, o maltrato aos companheiros, os danos materiais, as agressões sexuais, que afetam, sobretudo, a população feminina e a violência física. Entre os comportamentos antissociais, considera-se também os que produzem discriminação ou outras formas de maus tratos a pessoas ou grupos, por motivos raciais, religiosos, políticos, etc. (OTERO & MIRANDA, 2010)

Embora cheguem a ocorrer incidentes dramáticos de violência escolar, a violência que normalmente ocorre no dia a dia da escola é de natureza muito mais insidiosa e subtil. A violência escolar não é constituída apenas por ações visíveis, como lutas e agressões, é igualmente expressa impercetivelmente, através de um clima escolar que induz medo aos alunos (DORSEY, 2000). Exemplos desta violência menos explícita são: o aluno não falar na sala de aula por medo de ser ridicularizado; o aluno ser chamado de “bicha” devido à perceção que os colegas têm da sua orientação sexual; a maledicência; provocações verbais e insultos; contactos físicos abusivos ou comentários pejorativos baseados na aparência física do colega, seja pela sua raça, etnia, género ou características pessoais.

A violência escolar, explícita ou implícita, tem um profundo impacto no clima de uma escola mas acaba também por ser um reflexo desse mesmo clima, tal como comprovam as pesquisas de Gottfredson (1989) e Sherman et al. (1997). Estes investigadores efetuaram uma revisão sobre estudos que examinaram o clima escolar e concluíram que a forma como as escolas são administradas está diretamente relacionada com o nível de perturbações de comportamento registadas. Por exemplo, escolas em que a administração e o corpo docente não trabalham conjuntamente para resolver os problemas, possuem professores menos motivados e alunos mais perturbadores; o mesmo acontece em escolas que ignoram as más condutas ou que possuem regras, consequências e recompensas pouco claras ou mesmo ambíguas. Além disso, quando os alunos sentem-se pouco ligados à escola e não acreditam que exista uma verdadeira preocupação para com o seu bem-estar surgem níveis mais elevados de desordem.

Inversamente, segundo Stockard e Mayberry (1992), fatores como a existência de expectativas positivas que concorram para a realização dos alunos, escolas ordeiras, bom clima de aula, pessoal escolar motivado, envolvimento ativo dos alunos e boas relações sociais entre pares têm um impacto benéfico no clima da escola.

Deste modo, do ponto de vista do clima escolar, a violência escolar pode ser definida como “qualquer ação proveniente dos jovens ou afetando-os, cujo impacto seja negativo no ambiente social da escola” (DORSEY, 2000). Isto é consistente com a perspetiva do Center for the Prevention of School Violence’s (2000), para o qual “qualquer comportamento que viole a missão educativa da escola, o seu clima de respeito ou comprometa a sua intenção de permanecer livre de atos agressivos contra pessoas ou bens, drogas, armas e perturbações ao funcionamento” (p. 2) pode ser caracterizada como violência escolar.

Promovendo um clima escolar positivo e o desenvolvimento de competências sociais

O aspeto fundamental para reduzir os comportamentos agressivos e pouco tolerantes na escola assenta, então, na criação ou restauração de um clima escolar positivo que promova comportamentos solidários e amistosos. Isto porque um ambiente em que as pessoas passam um considerável tempo das suas vidas (e.g. local de trabalho ou estudo) acaba por influenciar o seu estado psicológico e o seu comportamento.

Uma escola com bom ambiente é convidativa e assim, alunos e professores sentem-se motivados para darem o seu melhor. Um ambiente positivo aumenta o sentimento de conexão em relação aos pares e de pertença em relação à escola, favorece o desempenho académico dos alunos, o que desde logo reduzirá a probabilidade de exibirem comportamentos agressivos (ORPINAS, HORNE, & STANISZEWSKI, 2003).

Pereira (2008) destaca a necessidade do reconhecimento do problema pela escola para se poder desenvolver um projeto de intervenção. Tem que ser uma prioridade do projeto educativo e ao mesmo tempo implicar partilha e compromisso coletivo, com a formação de um grupo de trabalho para sistematizar a intervenção, tendo em conta as prioridades definidas. Para esta autora, o objetivo é avançar para a intervenção como forma de prevenção e redução das práticas agressivas na escola.

Finalmente, é de se referir que o contexto na qual a implementação de um programa ocorre é tanto ou mais importante do que o tipo de intervenção propriamente dito. Fatores como o motivo pelo qual a intervenção será realizada (e.g. por imposição superior ou em resposta a um determinado evento que ocorreu na própria escola) podem ter um profundo impacto na forma como decorre a implementação. Segundo Forgatch (2003, p. 2), grande parte dos processos de implementação deste tipo de programas ocorre em escolas sobrecarregadas, sem os recursos necessários, sem o benefício de uma liderança firme e com falta de apoio político em um nível superior. Fatores que conjuntamente ou por si sós podem limitar grande parte dos benefícios que podem advir das medidas a introduzir.

Modelo de Desenvolvimento do Clima Positivo e da Competência Social em Contexto escolar

O Projeto Carta da Convivialidade Escolar, uma escola, uma intervenção, tem em conta o Modelo adaptado de Orpinas e Horne (2010) que possibilita uma visão integrada, organizada e abrangente das componentes críticas que são necessárias equacionar na promoção de um adequado ambiente escolar e na prevenção de comportamentos disruptivos e de conflitos interpessoais.

O modelo tem duas componentes principais (Figura 1). O círculo exterior representa a escola e focaliza a atenção em 7 características que promovem um clima escolar positivo. O aluno situa-se graficamente no centro deste modelo que destaca as competências específicas e as faculdades cognitivas que a escola deve desenvolver nos seus alunos.

Fonte: extraído e adaptado de Orpinas & Horne (2010, p. 50).

Figura 1 Modelo de desenvolvimento do clima positivo e da competência escolar  

Objetivos

Definimos um conjunto de objetivos gerais e específicos, sendo os primeiros no âmbito das políticas educativas e os segundos a nível de escola. Assim, a nível da escola, temos por objetivo colaborar com cada escola, na singularidade da sua realidade e na especificidade dos seus problemas, promovendo o debate interno e a reflexão sobre as possibilidades e prioridades de intervenção. Pretendemos também mapear a incidência dos fenómenos de violência escolar e simultaneamente registar um conjunto de boas práticas que são levadas a cabo pelas escolas. Um outro objetivo é unir as escolas num esforço conjunto, estabelecendo uma rede de partilha de informação e estratégias, em prol de um melhor ambiente escolar e na redução da incidência dos vários tipos de comportamentos antissociais em interligação com a promoção de um ambiente escolar assente na convivialidade, na inclusão e num clima relacional positivo, contribuindo para a construção de um ambiente de satisfação, motivação e sentido de pertença à escola e à comunidade educativa. A construção de um clima de relacionamento positivo irá contribuir para conter a expressão dos fenómenos de violência juvenil em contexto escolar.

Quanto à gestão escolar, temos por objetivo cooperar com a administração da escola na análise e resolução de fatores disruptivos que obstem ao bom funcionamento da instituição e, ainda, conferir operacionalidade e estratégia a algumas medidas de integração e supervisão previstas no estatuto do aluno e ética escolar.

Procedimentos metodológicos

O projeto teve início com a criação de uma equipa coordenadora a qual ajudou a desenvolver em cada escola um grupo de trabalho no âmbito deste projeto - que possa operar de acordo com a realidade singular da sua escola.

Para a implementação do projeto foi enviado um convite a cada escola básica 2,3 da região Autónoma da Madeira. O objetivo era implementar em todas escolas da região, mas não de forma imposta, porém, como uma necessidade destas na sequência da divulgação das diversas medidas, nomeadamente as sessões de formação para os professores. Aos participantes do Focus grupo também solicitamos a autorização para participarem de forma livre e esclarecida. É importante referir que em estudo anterior, no âmbito da tese de doutoramento do primeiro autor, foi realizado um diagnóstico da situação do bullying na escola através de questionário aplicado aos alunos.

A equipa coordenadora auxiliou cada escola: (i) a criar um grupo coordenador a nível da escola constituído por professores alunos e funcionários; (ii) a “desenhar” uma intervenção à sua medida; (iii) a “reforçar” o conjunto de medidas que já possuía; (iv) a difundir as medidas para toda a escola; (v) a inventariar os meios necessários (humanos, materiais e formativos); (vi) a estabelecer parcerias, para que o plano de ação de promoção da convivialidade e de um melhor clima escolar, seja uma realidade.

Os planos de cada escola poderão incluir iniciativas dirigidas a toda a comunidade escolar e a possibilidade de envolver parcerias com a comunidade num todo, nomeadamente, os serviços de saúde pública, assistência social, comissão de proteção de crianças e jovens e a escola segura (polícia). As iniciativas já existentes nas escolas com fins similares, quando bem-sucedidas, podem ser integradas no plano de ação a aplicar em outras escolas.

A intervenção numa escola contempla um diagnóstico, que inclui entre outros: a opinião de professores, alunos, pais e funcionários sobre o ambiente da escola; a expressão das várias formas de violência escolar existente; o nível de insucesso escolar. Os focus groups ou “discussões de grupo” e as entrevistas qualitativas a elementos chave, permitem obter: a informação necessária à correta identificação dos problemas de cada escola; a definição das soluções possíveis e a implementação dessas soluções. O propósito das sessões do “grupo de discussão” é o de apoiar a escola, na reflexão e discussão os seus pontos fortes e fracos, na área da violência e clima de escolar.

A realização periódica de reuniões com os professores responsáveis de cada escola permite a análise dos progressos de cada instituição. A comunicação regular entre as escolas e a equipa coordenadora é fundamental para assegurar a concretização das várias etapas do processo, sendo fundamental a supervisão (acompanhamento), a avaliação e o eventual reajustamento da intervenção.

Através do “efeito de rede”, pretendemos partilhar experiências e sugestões entre as diferentes instituições escolares. Nesse sentido, deverá promover um encontro anual entre os representantes de todas as escolas associadas, como meio de partilhar experiências e de discutir conjuntamente a validade das diferentes estratégias utilizadas

Estratégias propostas às escolas para constituição dos seus planos de ação

A partir da pesquisa da literatura e da identificação das reais possibilidades apresentadas na fase de diagnóstico (estudo anterior) e focus group foram sugeridas diferentes estratégias às escolas para integrarem ou complementarem os seus planos de ação e das quais destacamos:

  • Constituição de equipas multidisciplinares (incluindo a equipa da Convivialidade), para referenciar, encaminhar e acompanhar os alunos que necessitam de apoio pedagógico acrescido, psicológico, médico, psiquiátrico, social, judicial ou outro.

  • Elaboração da “Carta de Convivialidade da Escola” (código de relacionamento e conduta) - constitui a declaração da escola, contendo as principais normas de convivência, relacionamento e partilha, entre os diversos elementos da comunidade escolar. A afixar em local bem visível no edifício da instituição. A sua elaboração, com os alunos, constitui a 1.ª estratégia do plano de ação a implementar pela escola.

  • Introdução de conteúdos sobre temas sensíveis à Convivialidade Escolar, através da aplicação das Sessões de Convivialidade (4 a 6 sessões para cada ano de escolaridade, do 5.º ao 9.º ano). Recomenda-se a utilização de materiais audiovisuais/multimédia e estratégias de dramatização/dança/expressão plástica/musica dos problemas.

  • Promoção de eventos subordinados aos temas da Convivialidade, clima de escola e da não-violência (palestras, cinema, concertos, torneios desportivos, etc.).

  • Melhoria da qualidade dos espaços de recreio e convívio dos alunos, professores e funcionários, tornando-os mais atrativos, agradáveis e seguros.

  • Supervisão de espaços - Supervisão sistemática dos recreios e espaços de lazer dos alunos - dinamização de intervalos e promoção de tempos livres. Importante a formação e motivação dos funcionários para a concretização desta medida.

  • Tutorias - a possibilidade de utilizar a figura do professor-tutor para alunos indisciplinados, agressivos e desintegrados.

  • Realização periódica de assembleias com os alunos, onde os problemas da instituição são abordados e discutidos na sua presença e com eles.

  • Gabinete de mediação disciplinar - espaço de mediação e aconselhamento ao aluno, para onde são encaminhados os alunos indisciplinados ou com comportamento disruptivo.

  • Dupla pedagógica, professores coadjuvantes (pertencentes ou não à bolsa de professores de substituição da escola) escalonados para salas de aula a pedido do professor titular, em turmas problemáticas.

  • Estabelecimento de protocolos com entidades externas, para que os alunos cumpram medidas disciplinares corretivas ou sancionatórias prestando apoio à comunidade local e/ou realizando medidas de recuperação escolar.

  • Centros de desenvolvimento de competências pessoais e sociais, em articulação com os gabinetes de psicologia das escolas (SPO), que facultam apoio individualizado ou através de pequenos grupos, não só às crianças vitimadas, assim como aos próprios agressores.

  • Criação de Grupos de Aconselhamento pelos pares - É com os pares que as crianças ou jovens procuram muitas vezes ajuda, apoio e compreensão.

  • Estratégias de transição do 4º para o 5º ano:

    • - Programa de transição para alunos do 4º ano, com visitas à futura escola, com vista a facilitar a adaptação dos alunos;

    • - Manutenção das turmas do 4º para o 5º ano, sem limitar o número de alunos que podem ser colocados na mesma turma de 5º ano mantendo a rede de relacionamentos estabelecidos.

  • Formações:

    • - Para docentes (e.g. coaching, programação neurolinguística). Privilegiar a gestão do stress docente, a resiliência e gestão de conflitos. Identificação de situações de bullying, distinção de comportamentos de Luta a brincar e Luta a sério. Estratégias de prevenção e de intervenção.

    • - Pessoal não docente formação específica área da gestão comportamental e resolução de conflitos, dinâmicas de jogo para apoio aos recreios.

    • - Encarregados de educação - promovendo a cooperação casa-escola.

    • - Alunos problemáticos - com o objetivo de aumentar a sua reflexão e consciencialização sobre as implicações dos seus atos e comportamentos.

  • Identificação de potenciais vítimas e agressores no seio de cada turma, através da aplicação de questionários, anónimos e confidenciais aos alunos, recorrendo à técnica de “nomeação por pares”. Os testes sociométricos e o estudo das relações podem ser um complemento útil a esta estratégia.

Resultados

Com base na informação recolhida nas reuniões, os elementos das comunidades educativas consultadas (docentes, alunos, psicólogos, funcionários) percecionam que os comportamentos desviantes mais frequentes nas escolas são:

  • a) o incumprimento de normas e regras de funcionamento da escola;

  • b) comportamentos que afetam e perturbam o normal funcionamento das aulas;

  • c) comportamentos indisciplinados em relação a professores e funcionários da escola;

  • d) comportamentos de maus-tratos e violência entre alunos (incluindo bullying).

Vamos elencar os principais fatores responsáveis pela degradação do clima relacional e pela violência nas escolas. Os seguintes aspetos foram apresentados pelas escolas, como elementos contributivos para os comportamentos desviantes, resultam da triagem de informações (dados qualitativos) que incidem sobre a perceção da comunidade educativa sobre as possíveis causas dos comportamentos disruptivos em ambiente escolar:

  • a) meio envolvente socioculturalmente desfavorecido e contextos familiares desestruturados;

  • b) falta de participação dos pais no processo educativo;

  • c) dificuldades no estabelecimento de parcerias e colaborações com outras instituições da rede social básica - segurança social, saúde pública, CPCJ e Tribunal de Família e Menores.

  • d) qualidade e limitação dos espaços / áreas de convívio dos alunos;

  • e) falta de supervisão eficaz dos espaços de recreio e convívio dos alunos;

  • f) escolas que ignoram as más condutas ou com regras e sanções pouco claras;

  • g) estruturas de gestão pouco definidas ou mal estruturadas - escolas em que os órgãos de gestão e o corpo docente não comunicam e não trabalham conjuntamente;

  • h) dificuldades ao nível das competências sociais e emocionais nos alunos;

  • i) pressão dos pares em contexto escolar podem levar os jovens a comportar-se de formas imprevisíveis e diferentes daquelas que lhes são habituais;

  • j) falta de contextualização curricular;

  • k) duração dos tempos letivos - as aulas de 90 minutos, principalmente para o 2º ciclo, parecem originar perturbação da aula especialmente no 2º tempo.

Considerações finais

Nas conclusões começamos pelas questões gerais relacionadas com a escola e depois tratamos as questões mais específicas.

  • Em cada escola é necessário identificar e testar as medidas mais adequadas às suas necessidades específicas, à sua cultura de escola (etos), ao seu envolvimento sociocultural e ao seu modelo de gestão, por isso a “Carta da Convivialidade Escolar” tem que ser adaptada a cada escola.

  • As escolas em geral estão atentas, colaboram ativamente nas parcerias propostas e são recetivas ao acompanhamento das estratégias implementadas mas existem problemas de coordenação dos esforços e utilização dos recursos

  • As escolas com uma dimensão média (até cerca de 500, 600 alunos), parecem ter menos dificuldade em gerir os problemas disciplinares.

  • Os alunos mais disruptivos parecem ter em comum a disfuncionalidade das suas famílias e a desestruturação social e afetiva ao longo do seu desenvolvimento. Também a ausência de motivação / orientação / projeto profissional, numa fase mais precoce do percurso escolar parece ser uma causa dos comportamentos desviante.

  • As escolas que acolhem maior número de alunos problemáticos, conflituosos e desmotivados têm a convicção de que as saídas curriculares alternativos e mais profissionalizantes são a melhor, senão a única, solução para integrar e beneficiar estes alunos, durante a sua escolaridade. As aprendizagens com estes alunos são rentabilizadas com turmas mais reduzidas, com professores motivados e preparados, desenvolvendo projetos específicos e envolvendo ativamente os pais.

Destacamos algumas estratégias que foram consideradas bem- -sucedidas na melhoria da ambiente escola:

  • A abordagem de temas relacionados com a Convivialidade nas aulas de Formação Pessoal e Social (FPS), com recurso a filmes, jogos, debates, atividades interativas e de desenvolvimento do relacionamento interpessoal.

  • Os gabinetes de mediação disciplinar adaptados à realidade das escolas e com procedimentos constantemente reajustados em função dos resultados obtidos.

  • A supervisão acrescida e sistemática dos recreios e de outros espaços da escola.

  • Os centros de desenvolvimento de competências pessoais e sociais para apoio individualizado ou através de pequenos grupos, ajudam as crianças vitimadas, e também os agressores.

  • A existência de um professor coadjuvante na sala de aula, ainda que pontualmente.

  • Elaboração e afixação por toda a escola das principais normas de comportamento dos alunos, e procedimentos disciplinares.

  • Tutoria e acompanhamento individualizado como forma de integrar na comunidade educativa, alunos com elevados níveis de comportamento disruptivo.

  • Colaboração/participação dos pais com a escola, sobretudo dos alunos com problemas comportamentais, é mais efetiva quando se tenta o seu envolvimento numa lógica “turma a turma”.

Portanto, o combate à violência escolar implica uma política global da escola promovendo positivamente a convivência social e realizando ações de sensibilização e de formação, de modo a combater todas as formas de violência. Os programas de intervenção deverão estar associados a estratégias de educação para a cidadania, promovendo climas relacionais e convenientes à aprendizagem e a relações sociais positivas, envolvendo toda a comunidade educativa.

A solução para a maior parte dos problemas que afetam as escolas, está na própria escola. É apenas uma questão de reconhecimento, comprometimento e perseverança na procura e implementação das medidas necessárias.

Ao assumir uma intervenção não há que ter nem expectativas demasiado elevadas, nem demasiados receios porque não há uma única solução para os problemas que afetam o quotidiano escolar. Existe sim a capacidade de mantermos uma atenção constante à realidade das nossas escolas, de não “fecharmos os olhos” a situações e comportamentos, mesmo que estes sejam apenas entre alunos e no seu espaço de convívio e tentar aprender o máximo possível com a experiência das outras escolas que enfrentam problemas semelhantes.

Todas as estratégias são válidas na promoção de um ambiente escolar seguro, inclusivo e respeitador, onde os professores possam ensinar e os alunos aprender. Todavia é especialmente importante distinguir o elevado mérito que constituem todas e quaisquer adaptações que se fazem aos currículos e percursos escolares, no sentido de ir ao encontro das expectativas, capacidades, habilidades e até talentos dos alunos. Ao favorecer um envolvimento mais propício aos alunos na escola aumenta as probabilidades do sucesso escolar, a motivação para as aprendizagens e as melhorias no comportamento que se reflete no ambiente da escola.

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Recebido: 10 de Agosto de 2016; Aceito: 10 de Setembro de 2016

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MM: Doutor em Estudos da Criança, e-mail: marcelomelim@ie.uminho.pt BP: Doutora em Estudos da Criança, e-mail: beatriz@ie.uminho.pt AR: Doutora em Motricidade Humana, e-mail: amalia.rebolo@almada.ipiaget.pt

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