Argumentos introdutórios
Inspirados em Castoriadis (2002, p. 33), compreendemos que a democracia se constrói pelo estabelecimento cotidiano das relações humanas que, de nenhuma forma, são dadas totalmente nem predeterminadas, mas se inventam e se desfazem em função das situações e das relações de força, dos conflitos e das ações realizadas de comum acordo. Assim, a política recupera seu vigor quando se põe como projeto de autonomização, capaz de potencializar uma participação cidadã, que pode permitir a divisão de tarefas baseadas nas possibilidades de todos exercerem as mais variadas atividades, inclusive para a instituição de um regime de autolimitação.
Compreendemos também, a propósito, que a escola faz a sua política curricular pela sociopoiésis da sua vida cotidiana. Há, portanto, uma cultura curricular (in)tensa instituída pela escola ao propor e implementar conhecimentos eleitos como formativos. Isso é currículo, como cultura e ação política. Ademais, não há como compreender essa política se não formos ao encontro dos etnométodos2 instituintes que os atores curriculantes da escola criam no dia a dia das suas práticas escolhidas. Nestes termos, na escola se constituem competências únicas através de seus membros, definidos pela etnometodologia como aqueles que cultivam e praticam a linguagem natural, ou seja, “dominam” e instituem os sentidos da cultura cultivada. Por esses argumentos, a escola configura-se como um “sítio de pertencimento simbólico”, com suas ações indisciplinadas e indexicalizadas3, como perspectivam, de forma complementar, Zaoual (2003) e Garfinkel (1976).
Interessante atentar para o fato de que, ao eleger conhecimentos com possibilidades formativas, numa bacia semântico-curricular própria e apropriada (GALEFFI, 2009), a escola está valorando e valorizando, politicamente, o currículo. No momento, entendemos que esse é um mote provocativo para compreendermos melhor as ações curriculares instituídas pela escola, quando, por este veio, entretecemos atos de currículo4 e processos formativos como experiências irredutíveis e, ao mesmo tempo, relacionais (MACEDO, 2010). A ideia filosófica de formação aqui cultivada vai na direção de um gesto ético-político entretecido ao currículo, concebido como experiência cultural. O formativo é configurado, portanto, por escolhas simbólicas. Esse, faz-se necessário ressaltar, é um conjunto de pautas curriculares e formacionais que a escola pode experimentar como possibilidades de qualificação do seu protagonismo político.
A escola como espaçotempo de política de currículo
É assim que queremos compreender as políticas curriculares como atos de currículo, construídos no âmago da própria escola e de suas relações, a partir da sua bacia semântico-cultural. Compreendemos a escola como um espaçotempo de contextualizações, descontextualizações, recontextualizações, subjetivações, alterações5 e autorizações6 curriculantes. Para nós, portanto, a escola não é uma “caixa preta” ou uma “caixa de ressonâncias”, pois, como instituinte de micropolíticas, produz traições7 e autorizações (MACEDO et al., 2017). Ou seja, na escola, através da potência acionalista dos seus atores, é possível se desjogar o jogo das expectativas postas, reverter estratégias com contraestratégias e criar novos jogos. Em síntese, a escola é politicamente curriculante; é, portanto, fonte fecunda de atos de currículos e experiências formativas generativas. Assim, os etnométodos constituídos por seus atores portam perspectivas, projetos, vivem o devir, são estruturantes e propositivos. Nesses termos, seus educadores são cronistas e constitutivos da sua vida cotidiana e, com isso, potencializam ações políticas instituintes.
Em tempos politicamente obscuros e de regulações intensificadas como vivemos, essa mobilização pode portar possibilidades capazes de instituir processos de reexistência que, ao desjogar o jogo das expectativas postas, podem “virar o jogo” do aplicacionismo político-pedagógico, o qual vem nas asas das regulações intensificadas dos nossos tempos. Um zeitgeist que voltamos a experimentar, em meio a um violento cenário de asfixia político-educacional.
Assim, perspectivamos a política na escola como ações singulares e singularizantes, nas quais podem habitar ações autorizantes que barrem e revertam ideários fascistas, a exemplo da insignificante proposta dos defensores da “Escola sem Partido”. Típico exemplo da “ascensão da insignificância política”, da qual nos fala Castoriadis (2002). Para Castoriadis, “o crescimento da insignificância acontece dentro de uma elite política imbuída em aplicar o integrismo neoliberal”, percebido pelo autor como um certo “racismo social” (CASTORIADIS, 2002, p. 7-8). Por aqui, esses ideários se configuram como uma onda conservadorista e autoritária, aliada ao viés mercantilista intensificado do capitalismo transnacional, que, entre nós, se imiscui cada vez mais “nas coisas” da educação. Com esses argumentos críticos, o que queremos é mais política na escola e suas relações, na direção da construção de um cenário cada vez mais heterogêneo e intercrítico de pensamentos e de decisões curriculares.
Desejamos crer mais na escola como potência generativa de políticas e ações educacionais fecundas e relevantes. No nosso cenário de atuação, vislumbramos educadores se mobilizarem para virar o jogo do aplicacionismo intensificado, que mira de forma violenta as nossas escolas e suas políticas de sentido sobre currículo e formação.
A propósito do Observatório de Currículo e Processos Formativos na escola
Mckernan (2009), na sua obra Currículo e Imaginação, elabora um conjunto de argumentos no qual procura mostrar como, no contexto dos Estados Unidos, políticas e processos amplos de avaliação de professores e da utilização de conhecimentos curriculares nacionalmente recomendados estão levando as escolas e seus professores à condição de atendentes de demandas oficiais no que concerne à atualização dos seus currículos. Ball (2004) argumenta de forma enfática sobre o interesse e as expectativas desses dispositivos de avaliação e controle por resultados que se direcionam para a performatividade.
De certa maneira, entre nós, as lógicas das grandes avaliações estão fazendo com que as escolas e as universidades comecem a viver um ajuste a essas avaliações como se daí surgisse tudo que uma formação qualificada precisaria. O mesmo caminho vem sendo feito pelos currículos-franquia, vendidos e disseminados pelos chamados “sistemas de ensino”, para os quais a regra é seguir currículos prescritos e restritos.
Diante desta ambiência técnica e politicamente modelizada, e a partir do seu contexto de análise, Mckernan (2009) mostra como professores são preferivelmente apontados como culpados pelos fracassos dessas políticas e como as iniciativas oficiais que envolvem sua formação estão pautadas no conjunto de faltas e erros produzidos pelos professores, percebidos como aqueles que não conseguem se adaptar aos avanços propostos pelas agências de avaliação que, nesse registro, assumem também um papel de agências propositivas de currículos e procedimentos ditos formativos, por mais que não se identifiquem como tais. Em geral, seus escores estão vinculados a procedimentos de financiamento e controle. Esse é um cenário que já faz parte da nossa realidade.
Escolas estão sendo instadas a seguir o ENEM como um recomendador-mor de currículos (RAMALHO; NÚÑEZ, 2011), as universidades tentam criar uma cultura de obediência ao ENADE, para tentarem se ajustar aos ideários dessa avaliação em larga escala. Ensaiam-se, a todo momento, avaliações de professores e, por essa lógica, espera-se que sua formação se enquadre nas lógicas das grandes avaliações. Em alguns países, as carreiras dos professores já estão controladas por estas avaliações em detrimento da valoração do seu processo de formação e de profissionalização (MOREIRA, 2012).
Nesse cenário, Mckernan aponta para algumas formas de reexistência a essa realidade, caracterizada por um “conservadorismo renovado”, que cultiva a crença de que seriam a universalização de conhecimentos eleitos como formativos e seu processo de distribuição que produziriam educação qualificada. Propositiva, uma das formas de reexistência segundo Mckernan, vincularia todas as questões curriculares que chegariam às escolas, por exemplo, aos “Conselhos das Escolas para Currículo e Exames” (MCKERNAN, 2009), formados por gestores, professores, alunos, pais e representantes comunitários que “filtrariam” políticas maiores e criariam políticas curriculares na escola, visando tornar questões curriculares pautas vinculadas à sociedade civil e suas escolas.
Assim, segundo Mckernan, esses Conselhos se constituiriam a partir das seguintes recomendações:
Professores, pais, comunidades precisam estar mais envolvidos na construção do currículo e nas opções de escolha das escolas baseadas nas necessidades de sua comunidade; refinada atenção à qualificação dos professores no que concerne às questões do currículo; envolver os professores em pesquisas sobre questões e políticas curriculares; deslocar as responsabilidades sobre currículos menos para as agências centrais de controle e avaliação e mais para os educadores responsáveis pela qualificação da formação; os Conselhos devem patrocinar a experimentação, o desenvolvimento e a avaliação dos currículos, programas e até mesmo sistemas. O Conselho que eu imagino operaria amplamente sob a gestão dos professores das escolas, mas incluirá grupos profissionais de educadores, pesquisadores, professores universitários externos, além dos pais e delegados da comunidade (MCKERNAN, 2009, p. 57).
Esse autor nos fala ainda de um ataque da lógica liberal das grandes avaliações e suas formas de controle nos Estados Unidos, assim como da tentativa de se colocar o professor num lugar de mero agente, abrindo com isso as portas para sua deslegitimação social, no que se refere às esperanças que nutrem quanto aos seus projetos de ascensão e prestígio social.
Num contexto mais próximo de nós, o etnopesquisador e professor da educação básica à época, Claudio Orlando do Nascimento (2007), estudou e desenvolveu por uma etnopesquisa-formação (MACEDO, 2007) experiências formativas com professores da escola pública do Recôncavo da Bahia, tomando os contextos de referências desses professores como uma pauta político-pedagógica central, denominando a ambiência dessa experiência de pesquisa e formação de “Observatórios Etnoformativos”. O que esse professor-pesquisador quis demonstrar, com a denominação dessa ambiência formativa, foi como professores implicados8 nos seus processos formativos passavam a explicitá-los e a propor pautas de formação através de encontros e conversações para tais objetivos. Surgiram daí etnométodos pelos quais esses professores produziam seus caminhos e projetos formativos vinculando-os, fundamentalmente, às suas necessidades concretas e às referências que afirmavam no coletivo de conversas e debates. Como cronistas de si e do mundo educacional no qual estavam envolvidos e implicados, sistematizavam compreensões e proposições que acabavam por forjar saídas existenciais e profissionais para compor, nos seus municípios, pautas sobre a formação como um ato político. Para este etnopesquisador, interessado que estava em compreender, propositivamente, questões vinculadas à formação cotidiana de professores como processos de resistência propositiva, os “Observatórios Etnoformativos” eram observatórios criados também para a transformação de políticas de formação de professores pautadas em referências em geral orientadas por princípios e conceitos concebidos pelos próprios professores como distanciados das suas necessidades concretas, dos seus anseios, das suas esperanças, projetos profissionais e de vida.
Num outro âmbito de reflexão, vinculado ao debate sobre a proposta de criação dos Núcleos Docentes Estruturantes (NDE) nos cursos de graduação, a partir da Resolução número 1 da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (2010), percebemos, no espírito dessa Resolução, a possibilidade ampliada de se instituírem Observatórios de Currículo e Processos Formativos (MACEDO, 2013), na medida em que, partindo das experiências docentes sistematizadas, esse Núcleo tem no currículo e na qualificação da formação uma das suas principais preocupações. Mesmo com explícitas simplificações, como a vinculação da formação ao “mercado de trabalho” e uma certa noção prescritiva e pouco explicitada de interdisciplinaridade, o NDE pode ser, entendemos, um espaçotempo significativo no qual docentes implicados às questões e proposições curriculares e formativas podem forjar suas micropolíticas de currículo e formação.
Inspirados nesses três contextos de produção e envolvidos em um conjunto de ações formativas para professores-coordenadores que atuam no programa de formação do PARFOR da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), tendo como temática o currículo e a formação, fomos instados a elaborar, com os colegas professores formadores e em formação, como conclusão desses encontros formativos, alternativas para fazer com que os polos de formação de professores, distribuídos em quase todas as regiões do Estado (a natureza multicampi dessa Universidade faz com que a sua formação universitária viva de forma (in)tensa a pluralidade das regiões baianas), pudessem construir processos de autonomização no que concerne ao pensar-fazer currículos e experienciar formação. Nos cenários curriculares descritos pelos professores-coordenadores, o currículo aparece, predominantemente, por proposições dos centros de políticas curriculares do Ministério da Educação e da Universidade, que os alcançam sem que os professores-formandos tenham a oportunidade de entrar no mérito dessas proposições e suas consequências formativas.
Foi nesse contexto que propusemos ao coletivo de professores-formandos que nos seus polos de atuação forjassem os Observatórios de Currículo e Processos Formativos. É a partir dessa ambiência formativa que a proposta aparece aberta às configurações dos coletivos de professores. Fomos direcionados posteriormente a refinar teórica e operacionalmente essa concepção, tomando como referência parte do conjunto de argumentos desenvolvidos neste artigo. E como se configuraria essa proposição, levando-se em conta as reflexões desenvolvidas até aqui? Fundamental partirmos da perspectiva de que atos de currículo não são propriedades privadas de centros planejadores e propositores de currículo e formação.
Quanto à formação, acontecimento do âmbito da experiência de sujeitos implicados aos seus coletivos sociais e bacias semântico-culturais, não pode ser concebida e vivenciada de forma exterodeterminante, até porque o conhecimento eleito como formativo é acima de tudo uma pauta política vinculada às necessidades concretas de atores sociais e seus coletivos, assim como formação não se ex-plica, se com-preende, em face da sua irredutibilidade experiencial. Sendo assim, a tradição secular e autoritária de se pensarfazer currículos e conceber propostas de formação via ações de agências propositivas e de controle, legitimadas pelo discurso restrito de especialistas hegemônicos, não mais se sustenta, principalmente diante do protagonismo curricular e formativo do nosso contexto de atuação, cada vez mais implicado e implicante (MACEDO, 2012). O que se apresenta como universal em termos de conhecimento eleito como formativo, é bom frisar, nunca emergirá fora do filtro singularizante de cada contexto e suas indexicalizações culturais (GARFINKEL, 1976); de cada sítio de pertencimento simbólico e suas singularidades indisciplinadas (ZAOUAL, 2003) e do conjunto de experiências formativas que, ineliminavelmente, interpelam as propostas curriculares. A propósito, nos âmbitos das escolas estaduais da Bahia hoje, cresce o movimento “Tomando partido da Escola”, também legitimado por segmentos do Governo do Estado, consubstanciado numa forma de reexistência que as escolas públicas baianas estão forjando para “desjogar o jogo” da onda conservadorista produzida pelo movimento “Escola sem Partido” e, com isso, “virar o jogo” deste movimento em que agentes conservadores vêm investindo agressivamente e em cuja implementação vêm apostando.
É nesse contexto que os OCPF passariam a considerar como fundante de suas políticas e suas práticas curriculares e formativas os etnométodos que configuram saberes e cosmovisões cultivados no cotidiano das práticas escolares. Assim, o tecido curricular seria esgarçado, podendo ser concebido, costurado e configurado numa confederação de contribuições e numa intercrítica interfecundada por necessidades vindas de contextos e projetos próprios e apropriados.
Os OCPF encontrariam seus subsídios propositivos nas experiências narradas, experimentadas, observadas in situ, em ato. Aqui o observador também se observa e o critério quanto ao formativo seria valorado no conjunto dos encontros dos membros como define a etnometodologia, ou seja, aqueles que compreendem em profundidade a linguagem natural e seus códigos e que acabam por constituir competências únicas, como descreve essa teoria, no que concerne às compreensões e proposições que brotam das bacias semântico-culturais das escolas.
Renováveis, sensíveis ao movimento comunitário e suas relações locais e globais, fundamentalmente dialógicos, os OCPF não deverão querer trabalhar sobre pessoas, culturas e segmentos sociais, mas, acima de tudo, compor, trabalhar-com elas. Congregariam descritibilidades, inteligibilidades, analisibilidades e sistematicidades curriculantes e formacionais, nutrindo políticas de sentido sobre currículo e formação. Interrogariam os campos hegemônicos sem praticar descarte e substituição fáceis. Poderiam se aproximar contrastivamente de outras experiências a partir de uma etno-observação, com disponibilidade para compor compreensões plurais.
No limite relacional das suas funções, os OCPF emergiriam como um âmbito propositivo tanto para seus contextos de atuação quanto para as instâncias mais distanciadas das suas bacias semântico-culturais, incluindo os centros que produzem e difundem grandes políticas de currículo. Daí seu papel político implicado e implicante. Acolhendo o esquema das múltiplas vozes (KINCHELOE, 2006), funcionariam como ágoras comprometidas com o trabalho de concepção, organização, implementação e avaliação de conhecimentos a serem eleitos como formativos, bem como com as temporalidades curriculares vinculadas aos tempos singulares dos segmentos sociais e suas culturas.
Imerso na dinâmica social dos interesses internos e externos vinculados ao currículo e às questões da formação, Observatórios de Currículo e Processos Formativos podem ser concebidos como “conselhos” inspirados na sapiência vinda do e com os cotidianos das práticas e seus etnométodos, inspirados também no reservatório de experiências das tradições, nas biotecas, conforme Delory-Momberger (2008), nas epifanias que emergem das relações estabelecidas com o saber que se pretende formativo. Enfim, nos etnométodos curriculantes e formacionais que brotam do esforço de educadores para caminhar pelas orientações, itinerâncias e errâncias dos seus atos de currículo e processos formativos cotidianos.
Os OCPF como lugar fecundo para etnopesquisa-formação
Espaçostempos nos quais se filtram, se debatem e se criam saberes implicados e intercriticamente configurados sobre o que seria relevante para um currículo e para processos formativos da escola, os OCPF podem se constituir num repositório de ideias e proposições curriculares e formacionais capazes de nutrir escolas ou qualquer organização educacional com informações e compreensões que podem ser apropriadas tanto para suas ações curriculares e experiências formativas quanto para as pesquisas interessadas em reelaborar compreensiva, implicada e propositivamente uma etnopesquisa-formação (MACEDO, 2007; 2012).
Tais pesquisas são concebidas levando em conta as experiências, os anseios e os projetos de educadores, a partir das suas implicações e etnométodos. Significa tomar os saberes que nutrem os OCPF como disponibilidades para uma pesquisa, na qual o subsídio fundante para sua intercritização objetivante e propositiva seria o conjunto dos etnométodos que compõem os cotidianos das experiências curriculares e formativas da escola. Nesses termos, pode se constituir numa heurística curricular e formacional, bem como numa política ao mesmo tempo singular e relacional de saberes curriculares e processos formativos.
Considerações finais
Num esforço de síntese, os argumentos teóricos aqui elaborados não só prepararam o leitor para compreender teoricamente as experiências relatadas envolvendo questões de currículo e formação, até porque, da nossa perspectiva, a elaboração teórica não pode ser reduzida a esta função. A teoria é também generativa em si, ou seja, na sua emergência heurística, elabora, revela e cria, assim como nos ajuda a potencializar experiências outras. É assim que as concepções de etnométodo, implicação, alteração, autorização, por exemplo, foram apresentadas nesse artigo, explicitando de forma conectiva perspectivas e experiências construcionistas mutuamente experienciadas, envolvendo possibilidades emancipacionistas em currículo e formação.
Quanto ao OCPF, pode inaugurar espaçostempos de políticas e proposições, contradizendo a ideia de que a escola, por exemplo, seria apenas uma caixa de ressonâncias e/ou lugar de aplicação de prescrições curriculares. Configuraria espaçostempos de multicriação curricular e de realização de reexistências formativas, com possibilidades fecundas para experiências com a etnopesquisa-formação, como explicitamos acima. Sua potencialidade propositiva, formacional e heurística já vem sendo testada como relatamos num dos conjuntos de argumentos desse artigo. No momento, vem sendo proposto como pauta para formação de educadores da Escola Básica implicados ao movimento de implementação do “Currículo Bahia”, concebido e colocado em operação pela Coordenação de Ensino Fundamental da Secretaria de Educação do Estado da Bahia, movimento este que, no fluxo tenso e contraditório de proposições da Base Nacional Comum Curricular, vem mobilizando municípios, suas escolas e professores no sentido de se implicarem na construção curricular do que a SEC-BA autonomamente denomina de “Currículo Bahia” (BAHIA, 2018).
Por fim, colocar a escola no centro das elaborações dos argumentos aqui expostos realça o nosso interesse em recolocar a escola pública, a partir das sensíveis questões das políticas de currículo, num lugar de protagonismo decisório no que concerne às questões de currículo e formação, vividas (in)tensamente pelo complexo e preocupante contexto educacional que vivemos, pautado claramente na vontade de standardização e controle e suas ressonâncias socioeducacionais.