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Revista Diálogo Educacional

versão impressa ISSN 1518-3483versão On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.19 no.60 Curitiba jan./mar 2019  Epub 04-Fev-2020

https://doi.org/10.7213/1981-416x.19.060.ds12 

Dossiê

Ecossistemas da aprendizagem na era digital: considerações sobre uma formação para professores na perspectiva da educação inclusiva1

Ecosystems of learning in the digital age: considerations about a teacher training in the inclusive education perspective

Ecosistemas de aprendizaje en la era digital: consideraciones sobre una formación de profesores en la perspectiva de la educación inclusiva

Jeong Cir Deborah Zaduski1 

Ana Virginia Isiano Lima1 

Klaus Schlünzen Junior1  *

1Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), São Paulo, SP, Brasil


Resumo

Esse artigo nasce como um convite à reflexão sobre as possibilidades de uma proposta de aprendizagem que não tenha como foco apenas o aprendiz, ou o seu ambiente formal de aprendizagem e sim, todo o ecossistema que permeia os processos formativos, com especial ênfase nas possibilidades de fomento à inclusão na educação a distância. Para tanto, compartilhamos um excerto de duas teses de doutorado em desenvolvimento, cujo eixo articulador é uma formação para professores elaborada em parceria entre duas universidades (uma no estado de São Paulo e uma na Flórida, EUA), fundamentada nos pressupostos da abordagem Construcionista, Contextualizada e Significativa (SCHLÜNZEN, 2015). De natureza qualitativa, do tipo investigação-ação, o estudo tem o intuito de fomentar discussões sobre as possibilidades da educação a distância enquanto um espaço de encontro e inclusão. Os resultados iniciais demonstraram alguns dos benefícios tangíveis quando se trabalha em âmbito internacional e colaborativo, com base na Abordagem CCS, para a construção de ambientes de aprendizagem on-line. Embora se trate de um processo em desenvolvimento, acreditamos que o estudo é importante por fomentar discussões no que tange à promoção de ecossistemas de aprendizagem alicerçados no trabalho colaborativo, no respeito e na inclusão.

Palavras-chave: Inclusão; Educação a distância; Abordagem CCS

Abstract

This paper was designed as an invitation to reflect on the possibilities of a learning proposal where the core is not only the learner, or his formal learning environment, but, the whole ecosystem that permeates training processes, with special emphasis on fostering inclusion in distance education. To do so, we share an excerpt of two doctoral theses in development, whose articulating axis is a teacher training developed in partnership between two universities (one in the state of São Paulo and one in Florida, USA), grounded on the Constructionist, Contextualized and Significant Approach (SCHLÜNZEN, 2015). With a qualitative nature and a research-action type, the study aims to foster discussions about the possibilities of distance education as a space of engagement and inclusion. Initial results have demonstrated some of the tangible benefits that are possible when working internationally and collaboratively grounded on the CCS Approach aiming to build online learning environments. Although it is still a process under development, we believe that the study is important because it fosters discussions about the promotion of learning ecosystems grounded on collaborative work, respect and inclusion.

Keywords: Inclusion; Distance education; CCS Approach

Resumen

Este documento fue diseñado como una invitación a reflexionar sobre las posibilidades de una propuesta de aprendizaje donde el núcleo no es solo el aprendiz o su entorno de aprendizaje formal, sino todo el ecosistema que impregna los procesos de capacitación, con especial énfasis en fomentar la inclusión en la educación a distancia. Para ello, compartimos un extracto de dos tesis doctorales en desarrollo, cuyo eje articulador es una formación docente desarrollada en asociación entre dos universidades (una en el estado de São Paulo y una en Florida, EE. UU.), basada en el enfoque Construccionista, Contextualizado y Significativo (SCHLÜNZEN, 2015). Con una naturaleza cualitativa y un tipo de investigación-acción, el estudio pretende fomentar las discusiones sobre las posibilidades de la educación a distancia como un espacio de participación e inclusión. Los resultados iniciales han demostrado algunos de los beneficios tangibles que son posibles cuando se trabaja a nivel internacional y se basa en el enfoque de CCS para crear entornos de aprendizaje en línea. Aunque todavía es un proceso en desarrollo, creemos que el estudio es importante porque fomenta las discusiones sobre la promoción de ecosistemas de aprendizaje basados en el trabajo colaborativo, el respeto y la inclusión.

Palabras clave: Inclusión; Educación a distancia; Enfoque CCS

Introdução

Esse artigo visa fomentar diálogos a partir da ideia de ecossistemas de aprendizagem, partindo da premissa de que somos seres sociais (MARIOTTI, 2000; MATURANA, 1995) e, como tais, podemos aprender uns com os outros e nos beneficiar do diálogo e, do movimento que se inicia em nós a partir do momento que nos deparamos com pensamentos divergentes, com ideias novas, contrárias às nossas crenças e convicções.

O conceito de ecossistemas de aprendizagem perpassa por diversas áreas, sendo utilizado principalmente na administração pública e empresarial (GARCÍA-HOLGADO; GARCÍA-PEÑALVO, 2014). Apesar das diferenças no campo de atuação, as semelhanças estão principalmente na ideia de complexidade e complementaridade. García-Holgado e García-Peñalvo (2014, p. 93) reiteram a importância da presença de um movimento constante (flow) e de um ambiente que suporte este movimento nos ecossistemas de aprendizagem. Mesmo que a referência, no caso dos autores supracitados, seja condizente a empresas e instituições, acreditamos que nos ecossistemas educacionais o flow entre os participantes e o fomento à troca e interação seja indispensável para manter o equilíbrio necessário para o funcionamento da estrutura como um todo.

Em outra perspectiva, mas ainda em consonância com a proposta de olhar para a complexidade dos ecossistemas de aprendizagem, encontramos respaldo em Maturana (1995 p. 43) que trabalha o conceito por meio da importância do social, do coletivo e do colaborativo. O autor afirma que “[...] os indivíduos em suas interações constituem o social, mas o social é o meio em que esses indivíduos se realizam como indivíduos, [...] não há contradição entre o individual e o social, porque são mutuamente gerativos”.

Ainda segundo o autor, que difundiu a teoria da autopoiesis em parceria com Francisco Varela, ao mesmo tempo que modificamos, somos modificados pelo meio, em um processo natural e contínuo.

Segundo Humberto Maturana e Francisco Varela, todos os organismos funcionam devido a seu acoplamento estrutural, ou seja, devido à sua interação com o meio, que se caracteriza por uma mudança estrutural contínua (que não cessa enquanto houver vida) e, ao mesmo tempo, pela conservação dessa recíproca relação de transformação entre o organismo (unidade) e o meio, pois a forma como ocorre esse processo depende do meio e do contexto em que se vive (ANDRADE, 2012, p. 99).

Essa mesma lógica presente na natureza e nas relações sociais deveria também ser transposta para as instituições de ensino, onde os interesses e o contexto dos indivíduos não deveriam ser suprimidos por uma aparente “vontade coletiva” que determina opções singulares para personalidades coletivas, como se todos pudessem (e devessem) ser encaixados em estereótipos e padronizações. Infelizmente, ao mesmo tempo que acompanhamos a evolução tecnológica com possibilidades como o uso da inteligência artificial, por exemplo, que permite avaliações personalizadas, segurança digital e acesso à informação nos pontos mais remotos do globo, faltam iniciativas que desmistifiquem os motivos pelos quais é preciso pensar, projetar, planejar e criar com a acessibilidade em mente. O desenho universal possibilita mais do que melhores condições de acesso e permanência às pessoas com deficiência. Por exemplo, uma pessoa que não domina o inglês se beneficia de vídeos com legenda e transcrição, ou uma pessoa idosa pode se beneficiar com a possibilidade de aumentar o tamanho das letras.

Atualmente, com o advento das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), os grupos e os ecossistemas dos quais fazemos parte transcendem os espaços físicos e as circunscrições que outrora delimitavam nossas possibilidades de interação. Com o acesso à internet e um smartphone em mãos, podemos nos conectar com pessoas, realidades e contextos completamente diferentes. Diante desse contexto, por que não pensar em estratégias que utilizem as tecnologias para encurtar distâncias, aproximando realidades diferentes e favorecendo o compartilhar, a troca de conhecimentos e a aprendizagem?

Apesar de não termos o intuito de esgotar as discussões nesta temática, acreditamos que as reflexões se fazem necessárias, uma vez que não obstante as tecnologias e inovações existentes, precisamos caminhar muito para que os nossos sistemas educacionais tenham um pouco da organização, harmonia, eficácia, competência e equilíbrio encontrados nos ecossistemas da natureza, possibilitando o acesso e inclusão de todos.

Assim, visando provocar discussões que incorporem tanto os aspectos teóricos quanto a prática vivenciada em ecossistemas educacionais cujo eixo norteador é a inclusão, compartilhamos um excerto das ideias constantes em duas teses de Doutorado em Educação que estão em desenvolvimento, estruturadas a partir da construção de um curso de formação para professores elaborado a partir da parceria entre duas universidades: uma no Estado de São Paulo, Brasil e uma no Estado da Flórida, nos Estados Unidos da América (EUA).

Para tanto, a teoria de base que fundamentou a proposta foi a Abordagem Construcionista, Contextualizada e Significativa (CCS) proposta por Schlünzen (2015), escolhida em virtude do alinhamento teórico desta às crenças e ideologias das pesquisadoras, que acreditam na necessidade de que os espaços formativos sejam cada vez mais inclusivos, tanto na educação presencial quanto na educação a distância. A abordagem entretece as quatro etapas da formação desenvolvida, a saber: planejamento, desenvolvimento, acompanhamento e avaliação. Em síntese, os três eixos fundantes da abordagem CCS podem ser explicados resumidamente no contexto deste estudo da seguinte maneira:

  • Construcionista: na formação em serviço oferecida a tecnologia utilizada foi escolhida a partir de um extenso planejamento pedagógico cujo objetivo foi o de auxiliar os participantes na construção do conhecimento, enfatizando o compartilhar de ideias e o protagonismo dos participantes.

  • Contextualizada: todo o percurso formativo e as atividades da formação foram planejadas e desenvolvidas a partir de situações do contexto dos participantes.

  • Significativa: porque com atividades contextualizadas e com o auxílio das tecnologias, os participantes podem transformar informação em conhecimento, atribuindo significado aos conceitos e teorias apresentadas.

Brown (2001, p. 65), ao elencar as diferenças entre informação e conhecimento, afirma que a informação está presente em livros ou mesmo on-line, ao passo que o conhecimento está interligado com a interpretação dada pelo sujeito à realidade na qual se está inserido e, portanto, o ensino que quer superar a simples entrega de informação precisa abranger o contexto social e histórico dos participantes. Para o autor,

Knowledge is something we digest rather than merely hold; it’s usually deeply intertwined with the knower’s understanding of the practices surrounding its use. When we look at teaching beyond the mere delivery of information, we see a rich picture of learning, one that embraces the social context, resources, background, and history within which information resides (BROWN, 2001, p. 66).

Diante do exposto, discutiremos a seguir aspectos relacionados a um ecossistema da aprendizagem, a fim de apresentar como esses conceitos e os princípios que envolvem a abordagem CCS contribuem para a formação de professores que está sendo desenvolvida nas pesquisas de Doutorado em Educação em andamento, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Presidente Prudente/SP.

Um ecossistema da aprendizagem

Segundo Jackson (2013), o conceito de ecologia ou ecossistema compreende a relação de interdependência e coexistência encontrada em várias espécies, entre estas, os seres humanos. Tal relação de interdependência é autorregulada internamente, de modo que o equilíbrio é sempre mantido. Pela definição, fica clara a dinâmica de interação existente, bem como a metamorfose constante e necessária quando se trata da coexistência entre seres diferentes. Como esclarece Andrade (2012, p. 99) “Apesar de seus limites, o homem está em constante processo de construção e autoconstrução e sua interação com o meio ocorre a partir de uma regulação circular, na qual o meio age sobre o indivíduo e o indivíduo age sobre o meio [...]”.

Assim, mesmo sem nos dar conta, estamos em um processo de transformação constante, resultante das ações recebidas e praticadas com o meio ambiente e com as várias espécies com as quais coexistimos, tudo em um processo natural e constante. Nas palavras de Maturana e Varela (1995, p. 69), “não há uma descontinuidade entre o social e o humano e suas raízes biológicas. O fenômeno do conhecer é um todo integrado e todos os seus aspectos estão fundados sobre a mesma base”.

Nessa mesma linha de raciocínio, está o pensamento de Moraes, que nos faz refletir sobre a interdependência existente entre os seres e sobre a importância de considerarmos o indivíduo como parte integrante de um todo muito maior e mais complexo. Para a autora,

O social é condição para que o indivíduo desenvolva dialeticamente sua capacidade de individualização e a construção não é apenas do indivíduo, as construções são coletivas, pois também construímos e reconstruímos o mundo balizados, controlados pela mente, pelas ideias, pelos valores e pelas construções dos outros (MORAES, 2016, p. 203).

Quando expandimos o conceito, para abarcar um ecossistema que contemple os processos de ensino e aprendizagem, é do nosso entendimento que as ações educacionais não se encerram nos confins da escola, mas estão distribuídas entre diferentes cenários e agentes educacionais (COLL, 2013).

Para Díez-Gutiérre e Díaz-Nafría (2018), as ecologias de aprendizagem, ou seja, os espaços que fomentam e apoiam a criação de redes de aprendizagem, fizeram com que as barreiras existentes nos currículos formais desaparecessem, dando a possibilidade para que pessoas de culturas e realidades socioeconômicas diversas pudessem se engajar no acesso, produção e troca de conhecimento.

Assim, tendo em vista que grande parte da educação ocorre em espaços formais de aprendizagem, nos deparamos com alguns questionamentos, entre os quais: será que a escola, nos moldes que encontramos hoje, está preparada para lidar com a complexidade e diversidade dos cenários e atores existentes? Será que ao discutir os problemas e as possibilidades encontradas nos ambientes educacionais, consideramos a interdependência que existe tanto na sociedade quanto nas instituições de ensino?

Assim, com o intuito de propor reflexões sobre as possibilidades de um pensar que ultrapasse os muros institucionais e, que considere a variedade e complexidade de um ecossistema da aprendizagem, propomos o quadro a seguir:

Quadro 1 Reflexões sobre as possíveis diferenças entre um modelo tradicional de ensino e um ecossistema da aprendizagem.  

Abordagem tradicional de ensino Ecossistema de Aprendizagem
Quem aprende? Os alunos. Todo os participantes envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.
Como ocorre a aprendizagem? Em aulas expositivas, na resolução de exercícios, ao acompanhar a apostila, a videoaula ou o livro-texto. Individualmente ou coletivamente. Exemplo: pelo trabalho com projetos desenvolvido a partir do contexto dos participantes para que a aprendizagem seja significativa.
Quem ensina? Os professores. O professor e os alunos alternadamente. Momentos de exposição e sistematização, se alternam com momentos de diálogo e protagonismo estudantil.
Quem define o conteúdo a ser ensinado/ aprendido? A administração pública, os gestores, os professores. Os conteúdos são discutidos por gestores, professores e alunos e, organizados em formato de atividades que unem as necessidades formativas aos interesses e contexto dos alunos.
Onde ocorre a aprendizagem? Dentro da escola, na maioria das vezes. Em todos os lugares (ubíqua). Cada participante pode pesquisar e aprender na escola, em casa, no ônibus, com os colegas, familiares, pela internet, etc.

Fonte: elaborado pelos autores (2018).

Vale destacar que, apesar de terem sido elencados dois cenários, não se trata aqui de proclamar uma binariedade ou um reducionismo de possibilidades. Até porque, como afirma Morin, “nas coisas mais importantes, os conceitos não se definem pelas suas fronteiras, mas a partir de seu núcleo” (MORIN, 2007, p. 72).

Assim, não se trata de pensar em alternativas que se excluem ou em mudanças radicais, mas sim em compreender a complexidade e diversidade dos espaços de aprendizagem. Além disso, como salienta Coll (2013), não podemos nos esquecer da diversidade e da singularidade existentes em cada um de nós, que fundamentam a necessidade real de uma personalização da aprendizagem. Nas palavras do autor, “Como realidad y tendencia, la personalización del aprendizaje remite a la diversidad, o mejor aún, a la singularidad de las trayectorias personales de aprendizaje” (COLL, 2013, p. 33).

Siemens (2006) complementa o pensamento de Coll (2009), ao propor que os espaços de aprendizagem disponibilizem uma variedade de possibilidades, a fim de contemplar a diversidade de necessidades, estilos e perspectivas dos aprendizes. Para ele, uma comunidade de aprendizagem é composta por espaços diferenciados nos quais o aprendiz participará nos diferentes estágios que fazem parte do seu processo de aprendizagem. A escolha e a duração de cada momento serão determinadas pelas características e desejos do próprio aprendiz, somadas às possibilidades oferecidas pelo espaço de aprendizagem no qual ele está inserido.

Para alguns aprendizes ou em determinadas circunstâncias, um ensino estruturado em um formato rígido, como um curso ou uma formação oferecida no formato tradicional, é o necessário. Nem todos têm a vontade ou a autonomia necessárias para aprender em um espaço informal de aprendizagem, no qual o aprendiz precisa já ter compreendido a importância do seu protagonismo, proatividade, autogestão do tempo e auto-organização.

Nesse sentido, ao propor espaços de aprendizagem, é preciso considerar a maior quantidade de variáveis possíveis, a fim de garantir que todos se sintam contemplados em suas necessidades educacionais. Conforme Coll, quando pensamos em uma ecologia da aprendizagem, nossas habilidades para pesquisar e aprender em diferentes cenários e contextos é mais importante do que o volume de conhecimentos adquiridos previamente. Nas palavras do autor “En la nueva ecología del aprendizaje, la capacidad para adquirir nuevos conocimientos, para buscar y crearse las condiciones para aprender en situaciones y contextos diversos, es tanto o más importante que disponer de un amplio bagaje de conocimientos” (COLL, 2013, p. 33).

Para tanto, podemos contar com uma multiplicidade de ferramentas e tecnologias que permitem a personalização de práticas e de contextos de aprendizagem, além da possibilidade de aplicação de estratégias variadas tais como a gamificação, simulação, realidade virtual, realidade aumentada e muitas outras. Contudo, é necessário frisar que “a tecnologia é pedagogicamente neutra” (KALANTZIS; COPE, 2017, p. 14) e, portanto, o planejamento, o design e o delineamento de objetivos educacionais para as atividades e propostas formativas são essenciais.

Assim, com o propósito de ilustrar melhor alguns dos aspectos que devem ser considerados no planejamento, desenvolvimento, acompanhamento e avaliação de um processo formativo, que leve em conta uma ecologia da aprendizagem, compartilhamos a seguir alguns aspectos da formação para professores, elaborada em parceria entre duas universidades, conforme anunciado anteriormente.

Metodologia

A formação de professores que está sendo desenvolvida em parceria entre duas universidades, uma no Estado de São Paulo, Brasil e uma no Estado da Flórida, nos Estados Unidos da América (EUA) utiliza os pressupostos da abordagem CCS (SCHLÜNZEN, 2015) para o planejamento, desenvolvimento, monitoramento e avaliação da formação proposta.

As pesquisas de Doutorado em Educação cujo objeto de estudo é a formação para professores americanos e brasileiros, são de natureza qualitativa, por permitir a reflexão sobre os diversos aspectos que envolvem os participantes da pesquisa. A partir do desenvolvimento da abordagem qualitativa, o tipo de investigação proposto nas pesquisas relaciona-se à investigação-ação. Tripp (2005, p. 446) enfatiza que durante o desenvolvimento da pesquisa investigação-ação “planeja-se, implementa-se, descreve-se e avalia-se uma mudança para a melhora de sua prática, aprendendo mais, no correr do processo, tanto a respeito da prática quanto da própria investigação”.

Como em um ecossistema, desde o início do estudo procurou-se agregar à proposta pessoas e ideias dos mais variados contextos de relevância, para a construção da formação, a fim de que o resultado fosse devidamente significativo e contextualizado às necessidades formativas dos participantes.

As etapas que norteiam a formação de professores e que serão elencadas a seguir foram planejadas e estão sendo desenvolvidas em equipe, a partir dos princípios que envolvem a abordagem CCS e as possibilidades de um ecossistema da aprendizagem, no qual a opinião e participação de todos os atores é imprescindível.

Fonte: elaborado pelos autores.

Figura 1 Estrutura da formação para professores alicerçada na abordagem CCS (SCHLÜNZEN, 2015). 

Como em um ecossistema, uma etapa não é totalmente finalizada na etapa sucessiva, de modo que o planejamento, desenvolvimento, acompanhamento e avaliação estão presentes em todas as etapas, garantindo a evolução e o aprimoramento a cada novo ciclo. A seguir, iremos apresentar algumas etapas que já foram desenvolvidas no decorrer das pesquisas e que se configuram como possibilidades para a constituição de um ecossistema da aprendizagem.

Planejamento sistêmico

Com base na abordagem CCS, iniciamos o planejamento estudando o contexto e a realidade do público-alvo (futuros cursistas). Como o tema central da formação foi uma cultura inclusiva e o uso do desenho universal, foi preciso compreender primeiramente o que esses conceitos representavam para as equipes de gestão e de desenvolvimento.

Questionar-se, dialogar, buscar estratégias individualmente e em grupo, visando à superação dos obstáculos, usar as tecnologias para encurtar distâncias, registrar cada uma das ações, verificar constantemente as expectativas individuais e coletivas, definir (contestar e redefinir) os objetivos educacionais. Estas foram algumas das ações vivenciadas nesta primeira etapa, na qual foi possível experienciar uma constante reflexão nas ações desenvolvidas, bem como a reflexão sobre a ação (SCHÖN, 2000), possibilitando um construir, desconstruir e reconstruir constantes.

Design (Desenvolvimento)

Desenvolver um processo formativo com base em uma visão sistêmica, respeitando e valorizando pontos de vista e perspectivas variadas requer paciência, diálogo e persistência. Considerando a formação de professores em questão, foi importante a retomada constante dos eixos norteadores da proposta, neste caso, a educação inclusiva e o desenho universal. As atividades presentes em cada um dos módulos foram pensadas para alcançar objetivos educacionais específicos e, com base neles, foram traçadas estratégias de gamificação, estratégias de personalização do ambiente virtual de aprendizagem e das atividades, além da escolha do software educacional mais adequado para cada finalidade.

Para essa etapa, as tecnologias foram de grande auxílio, tanto do desenvolvimento das tarefas, quanto no registro das ações, permitindo o acompanhamento síncrono e assíncrono dos desdobramentos do projeto. Grande parte das reuniões realizadas utilizavam uma sala de encontro virtual (Zoom2), de modo que tudo foi gravado, possibilitando consultas posteriores. Vale ressaltar, ainda, que a diversidade de ideias proporcionada pela grande quantidade de pessoas envolvidas nas discussões e corroborações da proposta foi de fundamental importância para o desenvolvimento do projeto.

Formação (Acompanhamento)

Por se tratar de uma formação oferecida a distância em um ambiente virtual de aprendizagem, todas as ações desenvolvidas pelos participantes ficam automaticamente registradas. Além disso, o diálogo constante com os participantes é uma ferramenta importante, a fim de possibilitar a compreensão desta etapa formativa sob outra perspectiva, visando apreender o nível de autonomia dos participantes e sua relação com as atividades e com a formação. No caso desta proposta, as atividades também foram planejadas para verificar mudanças atitudinais nas ações dos participantes em relação ao fomento de práticas que visem a inclusão e a adoção de estratégias que contemplem o desenho universal. Ou seja, a formação possui a estrutura de um ecossistema de aprendizagem, no qual a pesquisa e os conhecimentos teóricos acompanham a sua aplicabilidade prática imediata, melhorando as práticas tanto dos pesquisadores quanto dos participantes (TRIPP, 2005).

Avaliação Sistêmica

Por ser uma etapa de grande importância no reconhecimento de eventuais falhas, reformulação e reconstrução, optamos por utilizar softwares de mineração de dados, que são grandes aliados, principalmente em pesquisas que envolvem uma grande quantidade de dados.

No caso das pesquisas em desenvolvimento, adotamos como ferramenta de mineração o software Educational Data Mining eXPeriment (EDMXP) (TAMAE, 2018), escolhido por possuir, entre as suas funcionalidades, a possibilidade de identificar interações realizadas em conformidade aos pressupostos da abordagem CCS, eixo norteador desta proposta. Entre os elementos constantes na etapa de avaliação, estão os elencados a seguir:

  • Avaliação do curso (na perspectiva dos participantes, da equipe gestora e da equipe responsável pelo desenvolvimento);

  • Avaliação do material (do curso e do material produzidos pelos participantes, avaliando, entre outros, o registro de mudanças atitudinais ao longo da formação);

  • Avaliação do método adotado (na perspectiva dos participantes e da equipe);

  • Avaliação processual dos participantes;

  • Avaliação da equipe (análise dos registros efetuados no ambiente virtual de aprendizagem e nas gravações das reuniões realizadas, em busca de eventuais mudanças atitudinais na equipe, ocorridas em decorrência do percurso desenvolvido).

Resultados

Tendo em vista que o presente artigo é fruto de duas teses de doutorado em construção, os resultados encontrados até o momento dizem respeito sobretudo às mudanças atitudinais percebidas na equipe multidisciplinar de trabalho durante o desenvolvimento da formação proposta. Os desafios e possibilidades encontrados refletem em muito sobre o que dizem os fundamentos teóricos acerca dos pressupostos dos ecossistemas de aprendizagem, sendo possível inferir que o uso da Abordagem Construcionista, Contextualizada e Significativa (SCHLÜNZEN, 2015) foi de grande importância para que fosse possível a interlocução, a colaboração e a parceria necessárias para que a formação fosse desenvolvida. Como explicitado por Díez-Gutiérre e Díaz-Nafría (2018) em relação às ecologias de aprendizagem, para que essa construção colaborativa fosse possível, também foi necessário romper as barreiras existentes (culturais, sociais e pessoais) a fim de que fosse possível o engajamento da equipe e, a superação dos obstáculos encontrados durante o desenvolvimento da formação.

Como elucidado por Brown (2001), o principal desafio consistiu na superação do tradicional modelo de proposta formativa, cuja ênfase em muitos casos está na entrega da informação sem a preocupação com a contextualização desta à realidade dos participantes, o que dificulta o agregar de significado à proposta formativa.

No caso dessa proposta formativa, antes mesmo da etapa de planejamento, iniciou-se um processo de intercâmbio sociocultural a fim de que cada um dos integrantes da equipe multidisciplinar conhecesse melhor a realidade e o contexto do outro.

A partir daí as tecnologias foram utilizadas, tanto para possibilitar a interação e a troca feita em simultâneo no Brasil e no Estados Unidos, quanto para a elaboração e construção de atividades adequadas à realidade prática dos participantes, a fim de que o processo de transformação das informações em conhecimento fosse facilitado.

Apesar de não estar finalizado, os processos já estabelecidos demonstraram-se muito satisfatórios para toda a equipe de desenvolvimento, tendo em vista que a Abordagem CCS revelou-se muito expressiva, seja para a compreensão das diversas realidades e contextos da pesquisa seja para a aplicabilidade de estratégias para a superação de desafios em busca de um produto final significativo e contextualizado às necessidades formativas dos participantes.

Considerações finais

Vivemos em um período de grandes inovações tecnológicas, no qual não nos faltam oportunidades de conexão com o conhecimento e com as pessoas. Apesar da certeza de que o que nós sabemos é menos importantes do que a nossa capacidade de continuar aprendendo (SIEMENS, 2006), muitas vezes nos preocupamos mais com certificados e documentos avaliativos do que com as oportunidades reais de aprendizagem que, em muitos casos, podem surgir a partir do encontro de pensamentos e/ou atitudes avessas às nossas crenças.

Pensando nisso, ao invés de propor diálogos, conexões e interações apenas entre amigos, pesquisadores do mesmo grupo, pessoas da mesma cultura com pensamentos em sintonia e afinidade, podemos expandir nossas conexões para outros cenários, outros contextos, colocando em prática o sentido de um verdadeiro ecossistema, no qual todos são importantes e podem trabalhar juntos para a evolução do grupo e para a construção de algo cada vez melhor.

Nosso intuito ao divulgar um excerto deste processo investigativo em desenvolvimento, composto pelas etapas e pelo alicerce inicial desta formação para professores, realizada entre dois contextos culturais muito diversos, foi o de fomentar discussões sobre as possibilidades da educação a distância enquanto um espaço de encontro e de inclusão. Elencamos algumas das ferramentas utilizadas, discorremos sobre as etapas que estruturaram o estudo, apresentamos alguns resultados iniciais, além de compartilharmos um pouco sobre a abordagem CCS, eixo norteador dessa proposta. Certamente existem outras possibilidades e outros caminhos que podem ser trilhados. Contudo, acreditamos que quanto mais numerosas forem as investigações e as pessoas em busca da promoção de espaços de aprendizagem inclusivos nos quais todos são considerados em suas individualidades, possibilidades e complexidades, melhor será, para todos.

Referências

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1This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES).

2Mais informações disponíveis em: <https://zoom.us/>. Acesso em: 01 jun. 2018.

Recebido: 31 de Julho de 2018; Aceito: 15 de Fevereiro de 2019

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JCDZ: Mestre em Educação, e-mail: deborah_zaduski@hotmail.com AVIL: Mestre em Educação, e-mail: anaisianolima@gmail.com KSJ: Doutor em Engenharia elétrica, e-mail: klaus@eduapps.unesp.br

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