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Revista Diálogo Educacional

versão impressa ISSN 1518-3483versão On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.20 no.65 Curitiba abr./jun 2020  Epub 27-Jul-2020

https://doi.org/10.7213/1981-416x.20.065.ds09 

Dossiê

Promoção da leitura na universidade: possibilidades por meio do ensino de estratégias de leitura

Promotion of reading in the university: possibilities through teaching reading strategies

Promoción de la lectura en la universidad: posibilidades a través de la enseñanza de estrategias de lectura

Maria Clara Maciel de Araújo Ribeiroa 
http://orcid.org/0000-0001-9205-5858

Jéssica Lacerda Motab 

a Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil. Doutora em Estudos Linguísticos, e-mail: mclaramaciel@hotmail.com

b Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil. Graduanda em Letras e bolsista FAPEMIG, e-mail: jessicamota11@hotmail.com


Resumo

Leitura e aprendizagem são dimensões intimamente relacionadas. A partir disso, é possível supor que a universidade precisa assumir para si a função de letrar estudantes academicamente. Nessa perspectiva, este artigo objetiva discutir a promoção da leitura na universidade por meio de dados coletados em uma aula sobre estratégias de leitura, demonstrando, ao mesmo tempo, os benefícios da abordagem didática desenvolvida nesta aula. Para tanto, dois questionários (um sobre o uso de estratégias metacognitivas de leitura, outro sobre o comportamento leitor) foram aplicados a vinte e cinco estudantes do segundo período de Letras de uma universidade pública mineira, com o objetivo de entender o uso que estudantes em início de graduação fazem de estratégias de leitura. Os resultados evidenciam que os participantes da pesquisa mobilizam apenas estratégias básicas durante a leitura (relegando estratégias pré e pós leitura), o que aponta para a necessidade do aumento da oferta de atividades didáticas que levem os estudantes a refletirem sobre o próprio comportamento leitor.

Palavras-chave: Leitura; Estratégias de leitura; Universidade; Letramento Acadêmico

Abstract

Reading and learning are closely related dimensions. From this, it is possible to imagine that the university needs to assume the role to promote literacy in the academy. In this perspective, this article aims to discuss the promotion of reading in the university through data collected in a class about reading strategies, to demonstrate, at the same time, the benefits of the didactic approach developed in this class. To this end, two questionnaires (one on the use of metacognitive reading and the other on reader behavior) were applied to twenty-five students of the second period of Letters in a public university in Minas Gerais, to understand the reading strategies used by students at the beginning of the undergraduate course. Results have shown that participants mobilize only some basic strategies during reading (relegating pre and post reading practices), indicating the need to develop other didactic activities that lead students to reflect on the reader's behavior.

Keywords: Reading; University; Reading strategies; Academic Literacy

Resumen

La lectura y el aprendizaje son dimensiones estrechamente relacionadas. A partir de esto, se puede suponer que la universidad debe asumir por sí misma el papel de promover la alfabetización académica de los estudiantes. Desde esta perspectiva, este artículo tiene como objetivo discutir la promoción de la lectura en la universidad a través de datos recopilados en una clase sobre estrategias de lectura, al tiempo que demuestra los beneficios del enfoque didáctico desarrollado en esta clase. Con este fin, se aplicaron dos cuestionarios (uno sobre el uso de estrategias de lectura metacognitivas, el otro sobre el comportamiento de lectura) a veinticinco estudiantes del segundo período de Cartas de una universidad pública en Minas Gerais, para comprender el uso que los estudiantes tienen en La graduación temprana hace estrategias de lectura. Los resultados muestran que los participantes en la investigación movilizan solo estrategias básicas durante la lectura (relegando las estrategias de lectura previa y posterior), lo que señala la necesidad de desarrollar actividades didácticas que lleven a los estudiantes a reflexionar sobre su propio comportamiento de lectura.

Palabras clave: Lectura Estrategias de lectura; Universidad Alfabetización Académica

Introdução

Nas sociedades letradas, a prática de leitura é essencial para o processo de aprendizagem, pois é a partir dela que os sujeitos submetidos a processos de instrução formal acessam conjuntos de conhecimentos historicamente construídos e consolidados. Embora se aprenda a ler ainda nos anos iniciais do Ensino Fundamental, a qualidade da leitura de adultos escolarizados vai depender das práticas de letramento a que o sujeito se submete ao longo da vida. Assim, ao ingressar em uma nova esfera discursiva, o sujeito leitor precisa aprender o que significa ler naquela prática. Isso envolve, notadamente, o desenvolvimento ou aperfeiçoamento de estratégias de leitura condizentes ao novo universo discursivo.

Este quadro pode ser observado, quando do ingresso em um curso superior, é possível perceber que nos primeiros períodos de curso muitos estudantes apresentam dificuldades de leitura que os impedem de compreender, inferir e refletir. Com o decorrer do curso, contudo, as dificuldades tendem a diminuir, pois os sujeitos tanto passam a conhecer as regularidades da nova esfera discursiva quanto desenvolvem estratégias mitigadoras da incompreensão. Isso significa que, embora estratégias de leitura possam ser desenvolvidas paulatinamente pelos próprios leitores, elas também podem ser ensinadas, acelerando o ingresso e a participação do sujeito em práticas discursivas acadêmicas.

A partir dessa constatação, questionamos sobre a responsabilidade da universidade perante a qualidade de leitura de seus estudantes. É tarefa da universidade, enquanto instituição, promover diretamente a expansão da capacidade de leitura dos estudantes ou esta é uma tarefa a ser desenvolvida naturalmente e paulatinamente no decorrer dos cursos, tornando-se responsabilidade (apenas indireta) destes e não da instância Ensino Superior?

É notório que ao ingressar em um curso superior, nem todos os estudantes da universidade apresentem a mesma competência em leitura, como atesta Tourinho (2011). Nas licenciaturas, em específico, há certa unanimidade na percepção de que muitos estudantes apresentam lacunas indesejáveis no sistema de conhecimento linguístico. Assim, é comum ouvir relatos de que estudantes se queixam do volume e da complexidade dos textos a serem lidos e que demonstram dificuldade de compreensão nos momentos de discussão em sala. Em complemento, os textos escritos por eles demonstram, muitas vezes, tanto a incompreensão de leituras-base quanto a dificuldade de expressão segundo a ordem discursiva do universo acadêmico.

Se a qualidade da aprendizagem é dependente da qualidade da leitura, como vimos discutindo, é tarefa da universidade, sim, enquanto agência de letramento científico, promover a qualidade de leitura de seus estudantes de maneira direta. Dizendo isso, não retiramos a responsabilidade da escola de Educação Básica, tampouco sustentamos que a universidade deva repetir ou aprofundar os conteúdos de língua daquela formação. Ao contrário, consideramos a necessidade e a importância de a universidade promover práticas de letramento acadêmico capazes de ampliar o repertório de estratégias metacognitivas de leitura dos estudantes e influenciar no comportamento leitor de cada um, oportunizando autonomia em leitura e possibilitando melhor aproveitamento da formação.

Nesse sentido, este estudo cumpre um duplo objetivo: discutir a promoção da leitura na universidade por meio de dados coletados em uma aula sobre estratégias de leitura (que visou compreender o uso que estudantes fazem das estratégias) demonstrando, ao mesmo tempo, os benefícios da abordagem didática desenvolvida nesta aula. Em outros termos, neste estudo analisamos dados derivados de atividades desenvolvidas na disciplina “Leitura e produção de textos acadêmicos”, ministrada por uma das autoras deste texto. Os dados foram coletados por meio de três instrumentos aplicados a uma turma do segundo período de Letras de uma universidade pública mineira: o primeiro apresenta uma escala com estratégias de leitura (anexo A), enquanto o segundo apresenta uma lista com ações comportamentais frente à atividade de leitura (apêndice A). Em complemento, após essas atividades, o terceiro instrumento solicita para que cada um elabore um parágrafo sobre as características positivas e negativas de seu comportamento leitor, indicando aspectos que poderiam ser aperfeiçoados.

Tais atividades intencionaram levar os sujeitos a conhecerem quem de fato são do ponto de vista da leitura acadêmica, isto é, a perceberem de que estratégias se utilizam (ou deixam de utilizar) e como se comportam diante de uma atividade de leitura acadêmica. As atividades precederam a leitura de textos teóricos que abordam estratégias metacognitivas e serviram como estopim inicial para discussões sobre dificuldades de leitura e estratégias que podem ser desenvolvidas para mitigar a incompreensão em leitura. Neste estudo, a análise desses dados nos permitiu compreender qual é o grau de conhecimento metacognitivo (fundamental à leitura que visa a aprendizagem) que os estudantes demonstravam ter para direcioná-los à percepção de comportamentos prejudiciais ou contributivos à compreensão em leitura. Com isso, defendemos claramente neste texto a importância de a universidade assumir como uma de suas funções a necessidade de letrar academicamente os estudantes, aumentando suas chances de sucesso nos cursos.

Para desenvolver tal reflexão, discutiremos, primeiramente, significados de práticas de leitura na universidade, abordando funções e repercussões do uso de estratégias de leitura na universidade, com destaque para a importância de se desenvolver o conhecimento metacognitivo dos estudantes. Em seguida, analisaremos os dados coletados, deslindando as estratégias mais e menos utilizados por estudantes em início de graduação para, por fim, entender aspectos do comportamento leitor dos participantes da pesquisa, refletindo sobre os desdobramentos dos resultados para a compreensão da leitura acadêmica e a utilidade do procedimento desenvolvido.

Práticas de leitura e escrita na universidade

A atribuição das universidades é desenvolver alunos intelectualmente, culturalmente e profissionalmente por intermédio do conhecimento. Adquirir e produzir conhecimento implica práticas de leitura eficazes. Naturalmente, para ingressar na universidade é necessário demonstrar certo grau de letramento que possibilite ao graduando tanto se apropriar do conhecimento historicamente constituído quanto contribuir criativamente para a sua aplicação e expansão. Contudo, isso não é garantia de que todos os universitários terão condições imediatas de leitura e escrita suficientes ao novo ambiente. Assim, há uma clara percepção de que, atualmente, uma parte significativa dos estudantes que ingressam nos cursos de formação de professores, no Brasil, apresenta lacunas indesejáveis em seus sistemas de conhecimento linguístico.

Certamente, essa percepção pode ser atribuída ao purismo de alguns professores, que ilusoriamente supõem que a universidade deveria receber uma casta de sujeitos “superiores”, mas pode ser atribuída também às desigualdades do sistema educacional brasileiro, que não oferece a mesma qualidade de ensino em todas as escolas de norte a sul do país. Realidades diferentes, notadamente, resultam em níveis de letramento diferentes. Soma-se a isso a natureza técnico-científica dos gêneros acadêmicos, tidos como difíceis e incompreensíveis, além do estado “inaugural” de jovens que ainda não conhecem as regularidades linguístico-enunciativas do domínio acadêmico.

O conjunto desses fatores cria a nítida percepção de que a universidade precisa, de fato, contribuir para a promoção das habilidades de leitura e escrita de seus estudantes iniciantes. Autores como Pereira e Braga(2015) e Marinho (2010) consideram que o oferecimento de disciplinas que discutam a prática de leitura e escrita na universidade contribui significativamente para o aperfeiçoamento dessas habilidades. Assim, pensando especificamente nos primeiros semestres de cursos que formam professores, é perceptível a quantidade de universitários que apresenta dificuldades de compreensão de textos acadêmicos, o que evidencia a necessidade de se oferecer disciplinas aos moldes do que propõem Juchun (2014) e Marinho (2014).

Por vezes, assumimos a ideia de que o trabalho e a aproximação com os textos técnico-científicos, por si só, fazem com que as dificuldades se estreitem, o que é verdadeiro, de certo ponto de vista. Porém, cada aluno apresenta um nível de letramento que necessita ser mais ou menos trabalhado pela universidade, a fim de promover o desenvolvimento da competência leitora de cada um. Isso indica que além de esperar que o tempo e a experiência em leitura promovam os sujeitos, é possível, também, fomentar meios para desenvolver a competência leitora dos estudantes (FERNANDES; SANTOS; BURIN, 2008) - atividade que costuma ocorrer, em grande parte, em disciplinas que discutem/ensinem leitura e escrita acadêmica, embora não precisem se restringir a elas.

Embora pareça óbvio que tais disciplinas (tão comuns às graduações norte-americanas e tão recentes nas brasileiras) sejam necessárias e contributivas, dois aspectos precisam ser esclarecidos. O primeiro se relaciona à abordagem da disciplina, que precisa focar em questões de letramento, não em questões de língua. Nessas disciplinas, não se trata de fazer revisão ou aprofundamento do conteúdo de língua portuguesa da Educação Básica, mas sim de iniciar e imergir o estudante em um universo de práticas de linguagem específicas, o da universidade. Para isso, é necessário tanto falar sobre essas práticas, para desmitificá-las, quanto embrenhar-se nelas, reproduzindo-as em abundância. Como esclarece Marinho (2014), a experiência é um fator determinante na aprendizagem de gêneros acadêmicos, de maneira que é o acúmulo das “horas de voo” que produz bons pilotos. Defendemos aqui, portanto, uma abordagem substancialmente distante do chamado “português instrumental” ou “português aplicado”.

O segundo aspecto se relaciona à expectativa de alunos e professores quanto aos resultados dessa disciplina. Quando equivocadamente se supõe que esta disciplina sirva para “nivelar” aprendizagens do currículo de linguagem da Educação Básica, naturalmente se produz frustações coletivas, pois além de não ser possível resolver questões de uma vida formativa em poucas dezenas de horas de curso, notadamente não são essas habilidades que promoverão os estudantes em sua relação com a linguagem acadêmica. Assim, embora disciplinas de leitura e produção de textos acadêmicos sejam imprescindíveis aos currículos, a abordagem e a expectativa que se produz delas precisam se autoajustar.

Essas questões têm sido discutidas pelo fato de que, como instituição formadora de pessoas capazes de compreenderem o mundo e atuarem sobre ele, a universidade adere à leitura como requisito de formação, interação e emancipação. Isso é suficiente para caracterizar que o letramento acadêmico não é fator acessório, mas central, se de fato quisermos preparar os indivíduos para a vida sociopolítica e cultural do país, promovendo-os em sua formação.

Nesse ponto da discussão, seria importante entender de que letramento falamos, quando nos referimos a letramento acadêmico. Como se sabe, novos letramentos proporcionam novas formas de ser e estar no mundo, pois “destravam” novas fases de vida, para usar aqui uma linguagem comum aos games. Do ponto de vista discursivo, é necessário compreender que lemos e escrevemos enunciados que caracterizam práticas de letramentos específicos, mesmo dentro de dado domínio discursivo. Assim, na universidade, essa prática não é homogênea, mas estabelecida por meio de campos disciplinares nos quais os enunciados são historicamente produzidos e individualizados. Logo, toda forma de comunicação acadêmica, seja oral ou escrita, está inserida em uma cultura disciplinar específica, que se diferencia de outras (HYLAND, 2000). Desse ponto de vista, é possível ser academicamente letrado em Ciências da Natureza, mas passar por um grande estranhamento quando da necessidade de letrar-se em Ciências Humanas, lendo e produzindo enunciados condizentes com essa cultura disciplinar, por exemplo. Dizemos, então, que o letramento acadêmico se especifica às áreas, e envolve a produção e compreensão de enunciados nas mais diversas situações de comunicação acadêmico-científica.

Embora específico às áreas, naturalmente ser letrado academicamente significa apresentar condições mínimas de ler e escrever seguindo as regras gerais do domínio acadêmico em questão. Isso envolve, além de aspectos linguísticos, aspectos discursivos que denotam a necessidade de compreensão de propósitos comunicativos (sociais ou particulares) que fundamentem a atividade acadêmico-científica. É a partir desse entendimento que se torna possível, por exemplo, se manifestar como autor ou leitor de textos acadêmicos, como aquele que emite ou ouve uma voz no contínuo de uma atividade social, relacionada não apenas à qualificação profissional, mas também à intelectualização dos sujeitos. Uma vez que a profissionalização e a intelectualização ocorrem por meio de interações que são mediadas pela linguagem - a ferramenta que sustenta e possibilita tudo isso - ser letrado academicamente significa, também, ter condições de compreender o papel mediador da linguagem e buscar meios para efetivar práticas de leitura e escrita consideradas aceitáveis pelo campo.

Mas como se pode prever, a apropriação e compreensão do discurso acadêmico não acontecem rapidamente, tampouco em definitivo. É paulatina e continuamente que vão se criando condições de compreensão e expressão em conformidade com as regras e objetivos do domínio discursivo em questão (o domínio acadêmico). Especificamente no campo da leitura, reconhecer dificuldades e potencialidades, tornando-se consciente de seu próprio desempenho e comportamento leitor, é o primeiro passo para a compreensão do que se pode fazer para ler melhor. A partir daí, é possível alternar estratégias cognitivas e metacognitivas em busca da autonomia em leitura. Para entender melhor esse processo, apresentamos brevemente alguns aspectos da (meta)cognição e de estratégias de leitura.

Aprender a aprender: estratégias de leitura acadêmica

A interação do leitor com o texto pode ser uma atividade complexa, considerando os múltiplos processos cognitivos envolvidos nesta ação. Ler envolve fatores como definir objetivos de leitura, ativar conhecimentos prévios sobre o tema do texto, gerar expectativas e hipóteses, inferir e concluir informações. Esses fatores são definidos por Solé (1998, p. 71) como estratégias de leitura, operações de abordagem do texto que podem ser ensinadas aos alunos para melhorarem suas habilidades em leitura. Nessa perspectiva, Valls (1990, p. 87) define estratégia como um procedimento capaz de “regular a atividade das pessoas, à medida que sua aplicação permite selecionar, avaliar, persistir ou abandonar determinadas ações para conseguir a meta a que nos propomos”, de modo que, na prática de leitura, essas estratégias servirão como suporte para o leitor produzir sentidos para o texto. Sendo assim, as estratégias de leitura são ações reguladas para atingir objetivos específicos.

Contudo, para entendermos como ocorre o desenvolvimento da capacidade de leitura, é imprescindível saber quais processos mentais estão nela envolvidos, pois são “processos cognitivos e metacognitivos que, juntos, definem e direcionam a aquisição da linguagem escrita” (CAVALCANTE; RIBEIRO, 2017, p. 47). Assim, grosso modo, pode-se dizer que processos cognitivos operam o sistema cognitivo de maneira automática, sem que haja controle consciente por parte do sujeito leitor. É o fato mesmo de conhecer as regras da língua que possibilita ao sujeito ler sem se dar conta do processo mental envolvido nessa atividade, como acontece, por exemplo, com a decodificação. Por outro lado, há processos metacognitivos que demandam, estes sim, estado perceptivo ativo (consciente) dos sujeitos, pois diferentemente da cognição, a metacognição possui natureza consciente, que age controlando e coordenando o processo cognitivo (KATO, 2011). Na leitura, tal processo é ativado, por exemplo, quando o leitor se depara com alguma dificuldade de compreensão: é nesse momento que a velocidade do processamento cai e que o leitor se dá conta de que alguma atitude reparadora precisa ser tomada, colocando em cena estratégias metacognitivas.

Por essa natureza consciente, estratégias metacognitivas são utilizadas para reparar problemas de leitura e regular a aprendizagem. Nesse caso, a intervenção pedagógica é essencial para motivar o aluno a realizar atividades de leitura ciente de que problemas de assimilação aparecerão, porém, poderão ser sanados através de estratégias oferecidas pelo mediador (ou já construídas pelo próprio leitor).

Como afirma Solé (1998, p. 74), estratégias metacognitivas de leitura podem ocorrer em três momentos: antes, durante e após a leitura, “dando ao leitor maiores chances de alcançar os objetivos estabelecidos” (CAVALCANTE; RIBEIRO, 2017, p. 39). Logo, para a leitura ser significativa, é necessário também criar estratégias pré-leitura e pós-leitura, normalmente pouco utilizadas de maneira geral.

As estratégias pré-leitura servem para estabelecer objetivos e criar conexão entre o sujeito leitor e o objeto a ser lido antes mesmo da leitura se iniciar. Neste primeiro momento, recomenda-se que os estudantes “corram os olhos” pelo material para estabelecer objetivos de leitura e fazer previsões sobre o que espera encontrar no texto (SOLÉ, 1998). Cavalcante e Ribeiro (2017, p. 74) alertam para a importância dessa etapa, uma vez que este será um primeiro passo que guiará outros. Assim, é fundamental lançar hipóteses sobre o texto, ainda que se tenha poucos indícios de seu conteúdo (isso vale sobremaneira para textos de natureza teórica). À medida em que a leitura avança, tais hipóteses poderão ser refutadas, confirmadas ou reelaboradas, renovando a conexão do sujeito com o texto, fazendo dialogarem o dado (conhecimento prévio) e o novo e construindo, aos poucos, os primeiros esboços da significação global.

As estratégias que ocorrem durante a leitura são, sobretudo, voltadas para o (re)estabelecimento da compreensão global ou local. Comumente, nos primeiros semestres de um curso acadêmico, o aluno lê e não entende. O que se pode fazer? Durante a leitura, o estudante pode utilizar estratégias de resolução de problemas para a progressiva compreensão, relacionando as informações novas às expectativas criadas e às hipóteses levantadas, produzindo reflexões crescentes sobre os sentidos do texto. Assim, quando a compreensão não se efetiva - seja devido à falta de atenção, à falta de conhecimento prévio ou à falta de articulação com o contexto - faz-se necessário identificar o agente dificultador e selecionar estratégias para a resolução desse problema. Quando se monitora a leitura, a incompreensão se evidencia mais rapidamente, proporcionando a correção da rota com mais celeridade do que quando se produz leituras não monitoradas. Logo, quando se lê, é necessário “fazer coisas” para se compreender, seja reler novamente, consultar o dicionário, lançar hipóteses provisórias ou pensar sobre a ideia principal do que foi lido.

Quanto às estratégias pós-leitura - talvez o grupo mais negligenciado em leituras corriqueiras - sustentamos que elas são fundamentais para o processo final de reflexão crítica e retenção da matéria lida. Naturalmente, cada leitor irá selecionar as estratégias mais condizentes com seus objetivos, mas é fundamental também que os professores medeiem esse processo, oferecendo aos estudantes possibilidades de ações. Cavalcante e Ribeiro (2017, p. 99), por exemplo, defendem o ensino de resumo esquemático-visual como estratégia final altamente relevante, uma vez que as atividades mentais envolvidas nessa produção ativarão a memória, a capacidade de seleção, compreensão e síntese do que foi lido. Naturalmente, é mais difícil que os estudantes mobilizem estratégias pós-leitura que não sejam demandadas pelo professor. Contudo, quando são submetidos a processos de discussão formal sobre o porquê de cada ação, e quando percebem os resultados, vão se condicionando a não concluírem a leitura com o fechar do livro, percebendo que é no percurso de todo esse movimento que os sentidos se constroem, como propõe a Figura 1.

Fonte: elaboração própria.

Figura 1 Estratégias de leitura 

Por parte dos professores, apresentar estratégias de leitura significa oferecer meios para que graduandos em início de curso consigam desempenhar com qualidade as leituras que lhes são solicitadas. Nesse sentido, a estratégia apresentada por Ogle (1986) se torna relevante para a leitura de textos teóricos por associar estratégias antes, durante e após a leitura, e por partir do conhecimento prévio do leitor, base que “influencia o modo pelo qual ele interpreta o que lê e o que aprende com a leitura” (KOPKE FILHO, 1997, p. 5). Em linhas gerais, tal procedimento (nomeado estratégia KWL) consiste em incentivar os estudantes a construírem uma tabela com três colunas, cada uma delas com os seguintes títulos: 1. O que eu sei sobre o assunto? 2. O que eu pretendo saber? 3. O que aprendi com a leitura? Na primeira etapa, recomenda-se que os estudantes corram os olhos pelo texto (identificando seu autor, suas divisões e referências bibliográficas) para realizar uma tempestade de ideias sobre tudo o que se sabem sobre o tema do texto (antes de lê-lo na íntegra). Na segunda, é possível elaborar metas de aprendizagem, dúvidas ou expectativas relacionadas ao conteúdo do texto (o que eu quero aprender com a leitura desse texto?). Na última, após a leitura, recomenda-se que os estudantes fechem o livro e que tentem se lembrar dos aspectos mais relevantes do texto, registrando-os por meio da escrita sem retomar o texto. Esse procedimento também pode ser feito oralmente, com toda a turma, por meio da mediação do professor.

A seguir, apresentamos os procedimentos metodológicos desta pesquisa, mostrando as variáveis que circundam os colaboradores da pesquisa e as atividades que formam desenvolvidas na referida disciplina para introduzir junto aos estudantes o tema da leitura, com o objetivo de promover a qualidade das atividades de leitura na universidade.

Procedimentos metodológicos

Conforme relatado, esta pesquisa discute a necessidade de a universidade assumir o objetivo de promover a qualidade da leitura, por meio de discussões sobre o uso de estratégias de leitura e da percepção de características que compõem o comportamento leitor de cada um. Para tanto, analisamos dados provenientes de atividades desenvolvidas com uma turma do segundo período de Letras da Universidade Estadual de Montes Claros. A nossa intenção foi perceber até que ponto os estudantes mobilizam a metacognição em favor do processo de leitura, isto é, visamos saber se os sujeitos têm consciência de seus processos de atuação e compreensão frente à leitura de textos acadêmicos, promovendo autoconhecimento sobre o próprio comportamento leitor. Para tanto, investigaremos o uso de estratégias de leitura e o comportamento leitor dos estudantes selecionados, produzindo um estudo de natureza qualitativa, com abordagem descritiva.

A classe focalizada é composta por 25 (vinte e cinto) sujeitos, sendo 18 (dezoito) do gênero feminino, 05 (cinco) do gênero masculino e 2 (dois) que não se identificaram. Para a coleta de dados, utilizamo-nos de três instrumentos, sendo dois questionários e uma pergunta com resposta discursiva. O primeiro, intitulado escala metacognitiva de leitura (vide anexo A), é um questionário apresentado em Joly e Santos (2006) que compreende 39 estratégias de leitura. O segundo é um questionário de elaboração própria (vide apêndice A) que compreende 34 hábitos ou comportamentos frente à leitura. O terceiro instrumento pediu para que os alunos escrevessem um parágrafo sobre aspetos positivos e negativos de seu comportamento leitor. Uma vez que os dados seriam utilizados em pesquisa, solicitamos que os estudantes não se identificassem, isto é, as atividades deveriam ser anônimas.

Quanto aos procedimentos de coleta, informamos que os questionários foram aplicados como atividade integrante da disciplina Leitura e Produção de Textos Acadêmicos, à época ministrada por uma das autoras deste artigo. A atividade continha três questões: a primeira solicitou que os alunos respondessem, individualmente, aos questionários sobre a escala metacognitiva de leitura e sobre o comportamento leitor, conforme o que era requerido no cabeçalho de cada um. A segunda questão requeria que, em dupla, realizassem o agrupamento das estratégias dispostas no primeiro questionário, distribuindo-as por ações que, para eles, poderiam ser realizadas antes, durante ou depois da leitura. Por fim, a última questão solicitava que, individualmente, os alunos elaborassem um texto breve (em um parágrafo) sobre as características positivas e negativas de seu comportamento leitor, indicando aspectos que poderiam ser aperfeiçoados. Quanto aos procedimentos da análise de dados, foram realizadas estatísticas simples das respostas da turma e os resultados foram analisados à luz de pressupostos teóricos da Linguística Textual de base cognitiva, associados à experiência empírica das autoras em procedimentos de leitura. A seguir, apresentaremos dados relativos às questões 1, 2 e 3 da atividade brevemente relatada acima.

Compreendendo o comportamento leitor de estudantes universitários

Nesta pesquisa, advogamos em favor do desenvolvimento da metacognição de estudantes universitários com vistas a promover o uso de estratégias de leitura que, a nosso ver, precisam ser ensinadas de maneira direta pela universidade. Acreditamos que conhecer a própria cognição promove autorregulação da aprendizagem e, por consequência, autonomia em leitura. Mas em que medida estudantes universitários mobilizam a metacognição a favor da leitura, de forma a desenvolver estratégias capazes de subsidiar a compreensão e a resolução da incompreensão? Quais são as estratégias mais utilizadas ou menos utilizadas pelos participantes da pesquisa?

Para responder a essas questões, os dados obtidos por meio da aplicação da escala metacognitiva de leitura (vida anexo A) foram divididos entre estratégias utilizadas antes, durante e após a leitura, a fim de entendermos precisamente em que momento da leitura os participantes da pesquisa mais se utilizam ou se deixam de utilizar estratégias. A tabela 1, a seguir, recorta o uso de estratégias realizadas antes da leitura.

Tabela 1 Uso de estratégias antes da leitura 

Antes da leitura Utilização
1. Ver como é a organização do texto 28%
2. Organizar um roteiro para ler 20%
3. Levantar hipóteses sobre o conteúdo do texto 40%

Fonte: dados da pesquisa.

De modo geral, a Tabela 1 informa que estratégias pré-leitura são subutilizadas pelos participantes da pesquisa, seja por desconhecimento, seja por avaliação de irrelevância. De qualquer forma, mais de 70% dos participantes assumem não observar, por exemplo, como é a organização do texto antes de começar a leitura (estratégia 1), enquanto 80% afirmam ler sem pensar em um roteiro específico. Este dado surpreende, visto que a estratégia 1 pode ser considerada uma estratégia rudimentar e até intuitiva - embora bastante significativa - que direciona o leitor, comumente, ao uso de outras estratégias. Assim, quando o leitor observa, inicialmente, a organização do texto (como tamanho, gênero, estrutura etc.), ele tende a planejar a leitura a partir das constatações iniciais que faz, planejando roteiros de leitura afinados com seus objetivos. Por outro lado, se o sujeito não se interessa por “correr olhos” pelo texto antes de ler, isso pode significar um baixo engajamento em relação à atividade de leitura, além da ausência de pensamento estratégico inicial, o que significa baixo conhecimento metacognitivo aplicado à leitura.

Outro aspecto relevante na Tabela 1 é que quase metade (40%) dos participantes afirma levantar hipóteses sobre o conteúdo do texto, fato que promove engajamento e atividade reflexiva. Acreditamos que o uso dessa estratégia tenha relação com a tradição de ensino de leitura da Educação Básica, o que é positivo. Atividades como a pausa protocolada são bastante comuns na Educação Básica e desenvolvem a preditibilidade em leitura, habilidade fundamental para a promoção da compreensão. Certamente por esse motivo, mesmo não sabendo que essa ação é uma estratégia pré-leitura, os alunos aprenderam a hipotetizar sobre o conteúdo do texto, atividade fundamental para o exercício da compreensão. Essa estratégia, contudo, não é realizada por uma grande parte dos participantes da pesquisa (60%), mesmo sendo considerada comum e de fácil acesso.

A Tabela 2 ilustra o uso de estratégias durante a leitura, notadamente o momento em que surgem mais dificuldades de compreensão e, como demonstra a Tabela 2, ocasião em que os estudantes recorrem majoradamente ao uso de estratégias.

Tabela 2 Uso de estratégias duramente a leitura 

Durante a leitura Utilizam
4. Parar de ler para ver se estou entendendo 80%
5. Reler trechos quando encontro uma informação que tenho dificuldade de entendimento 100%
6. Reler em voz alta os trechos que não compreendi 72%
7. Grifar o texto para destacar as informações que acho importante 96%
8. Fazer anotações ao lado do texto 80%
9. Questionar o texto para entendê-lo melhor 28%
10. Ler com atenção e devagar para ter certeza que estou entendendo o texto 76%
11. Ficar atento aos nomes, datas, época e locais que aparecem no texto para compreendê-lo 38%
12. Opinar sobre as informações do texto 32%

Fonte: Dados da pesquisa.

De modo geral, a maioria dos estudantes demonstrou realizar frequentemente estratégias durante a leitura. Notamos que as estratégias mais bem pontuadas são justamente as mais simples e, em consequência, as mais superficiais para a atividade de compreensão, embora, sem dúvida, sejam relevantes na leitura. Assim, 100% dos participantes afirmam reler trechos quando não os compreendem (estratégia 5), embora apenas 80% destes tenham admitido parar de ler para certificar-se da própria compreensão (estratégia 4), o que significa que cerca de 20% continuam a ler mesmo sem compreender. Por outro lado, atividades mais complexas, que requerem maior controle cognitivo, mostraram-se pouco utilizadas pelos estudantes, como as estratégias que promovem questionamento ou reflexão sobre a leitura. A tabela mostra que embora 80% dos participantes façam anotações ao lado do texto, apenas 28% questionam o texto para compreendê-lo melhor (estratégia 9), enquanto 68% não produz opinião sobre as informações aportadas pelo texto (estratégia 12). Isso indica que as anotações laterais, certamente, são atividades de sujeitos copistas, certamente com baixa incidência de atividades reflexiva sobre o texto. Embora não opinar seja uma atividade comum no início da graduação, quando se supõe apresentar pouca bagagem para dialogar com texto, se essas posturas não forem estimuladas de início, se corre o risco de não serem jamais consolidadas.

As estratégias que ocorrem durante a leitura são importantes na medida em que são elas as responsáveis por não deixarem os sujeitos desistirem do texto, abandonando-o. Como veremos a seguir, alguns participantes relatam que o extremo da incompreensão é o abandono do texto, uma vez que, de fato, não faz qualquer sentido ler sem compreender (embora 20% relatem fazê-lo). Assim, se eu leio e não compreendo, o conhecimento que tenho de minha própria cognição precisa me indicar caminhos para a minha reconexão com o texto. Às vezes, assumir que a leitura pode ser dinâmica e que um trecho difícil pode ser pulado e relido depois, quando a compreensão se reestabelecer, pode ser a solução que mantém o sujeito distante da tentação do abandono do texto. Às vezes, uma simples leitura em voz alta pode ser uma estratégia de reconexão eficiente, enquanto outras vezes é a percepção de que falta conhecimento prévio que lança o sujeito a um site de buscas que irá alimentá-lo de informações que (ainda que superficiais) serão capazes de reestabelecer a compreensão.

Quanto ao uso de estratégias pós-leitura, veremos, a seguir, a importância das estratégias para a acomodação mental do conhecimento recém-adquirido e, ao mesmo tempo, a pouca recorrência delas nas práticas de leitura dos participantes da pesquisa.

Tabela 3 Uso de estratégias após a leitura 

Após a leitura Utilizam
13. Fazer comentários críticos sobre o texto 36%
14. Pensar sobre por que fiz algumas suposições certas e outras erradas sobre o texto 32%
15. Relembrar os principais pontos do texto para verificar se o compreendi totalmente 40%
16. Escrever com minhas palavras as informações que destaquei como mais importantes 48%
17. Fazer lista dos tópicos mais importantes do texto 40%
18. Fazer um resumo do texto para organizar as informações mais importantes 24%
19. Verificar se atingi o objetivo que havia estabelecido para a leitura 20%
20. Listar as informações que entendi com facilidade 32%

Fonte: Dados da pesquisa.

De modo geral, a Tabela 3 demonstra que o uso de estratégias metacognitivas pós-leitura não são comuns à parte significativa dos participantes da pesquisa, indicando que eles atribuem pouca relevância a elas ou que ainda não possuem os recursos metacognitivos necessário a essa utilização. Neste grupo, a estratégia mais utilizada não alcançou 50% de uso (estratégia 16), enquanto a menos utilizada só se mostrou relevante para 20% dos participantes da pesquisa (estratégia 19).

É de se observar que os verbos que indicam as ações a serem realizadas pós-leitura denotam ação cognitiva ativa (fazer, pensar, escrever, listar...) e talvez por isso manifestem dúvidas nos estudantes quanto à proporcionalidade entre o esforço e a recompensa na realização da tarefa. Isto é, alguns podem julgar que fazer um resumo ou uma lista de informações relevantes sobre um texto lido pode ser esforço cognitivo demasiado para uma recompensa incerta: “o que ganharemos com isso?”.

É nesse momento que a mediação do professor se mostra determinante. Ensinar estratégias de leitura envolve também ativar o mecanismo de fazer sentido dos estudantes em relação aos usos de estratégias. Assim, não basta ensinar a fazer; é necessário também discutir os efeitos desse fazer, explicando o benefício do uso de cada estratégia de forma a engajar os estudantes nas atividades de leitura e incentivar o uso, colaborando para a construção da autonomia dos estudantes.

Quanto a essa questão, a utilização de estratégias pós-leitura parece-nos mesmo um indicador preciso de autonomia em leitura e aprendizagem. Aqueles que as utilizam, certamente sentem-se mais responsáveis por seu processo de aprendizagem do que aqueles que, após a leitura, prontamente fecham o livro, esperando que em sala de aula o professor amarre pontas eventualmente soltas. Logo, consideramos estratégias pós-leitura como o grupo mais importante de estratégias metacognitivas, pois além de auxiliarem na acomodação/retenção de conhecimento novo, elas também são fundamentais para o processo de compreensão, pois é nesse momento que se verifica o que se compreendeu e que se cria condições para (re)elaborar o que não se compreendeu. Sem essa etapa, a leitura fica incompleta.

Voltando às Tabelas 1, 2 e 3, notamos que os participantes da pesquisa dispõem razoavelmente de recursos estratégicos para a resolução de problemas de compreensão que ocorrem durante a leitura, mas que carecem substancialmente de recursos para os momentos que antecedem ou sucedem a leitura em si. A ausência de recursos pré-leitura indica leitores pouco engajados na atividade proposta, enquanto a ausência de estratégias pós-leitura pode significar leitores pouco autônomos - fato que aponta para a importância do ensino desses processos.

Os dados coletados por meio do segundo questionário (apêndice A) deixam claros os motivos que levaram os participantes da pesquisa a se voltarem mais para as estratégias durante a leitura que para as demais: é nesse momento que as distrações, incompreensões e dispersões ocorrem em maior proporção. E para os participantes, as dificuldades resultam, em grande parte, de seu próprio comportamento leitor. Isso pode ser percebido tanto por meio das respostas discursivas dos sujeitos quanto pelas respostas do questionário sobre o comportamento leitor, como demonstra o Quadro 1 e a Tabela 4 a seguir:

Tabela 4 Características do comportamento leitor 

Comportamento Às vezes
1. Costumo sentir sono quando leio 60%
2. Costumo abandonar a leitura no meio, quando tenho dificuldades 56%
3. Costumo fazer pausas longas durante a leitura, chegando ao ponto de as vezes não retornar 52%
4. Se as dificuldades de compreensão forem muitas, costumo desistir de ler o texto até o final 60%
5. Diante de uma atividade de leitura qualquer, fico desmotivado e indisposto 52%
6. Costumo ler deitado ou sentado na cama, rede ou sofá 56%
7. Costumo ler e ser interrompido pelo Whatsapp 56%
8. Começo a ler e paro porque lembro que devia fazer algo que não fiz 56%
9. Não costumo dialogar com as pessoas sobre o que eu leio 52%
10. Após a leitura, esqueço rapidamente do que li 84%
11. Vou para a aula sem ter realizado a leitura indicada 80%
12. Costumo ler às prestações, aproveitando pequenos tempos livres 52%

Fonte: Dados da pesquisa.

A experiência em sala de aula nos mostra que é sempre gratificante promover autoconhecimento em leitura por meio de discussões sobre o comportamento leitor. Comumente, estudantes relatam que não haviam percebido até então que alguns hábitos podem prejudicar o desempenho leitor, como ler semideitado (o que é um convite ao sono) ou se habituar a abandonar leituras pela dificuldade de compreensão (o que torna o cérebro preguiçoso). Entre outras questões, a maioria dos estudantes reconhece que durante a leitura costuma ocorrer falta de interesse, distração, sono, interrupção pelas redes sociais, falta de persistência, abandono do texto, interrupção constante da leitura para a realização de outras atividades etc. Segundo a tabela, os hábitos prejudiciais mais recorrentes são causados pelo uso abusivo do celular (comportamento 7), pelo sono constante (comportamento 1) e pela falta de persistência ou abandono da leitura (comportamento 4).

Surpreende-nos o fato de 80% dos estudantes declararem que costumam ir para a universidade sem realizar a leitura indicada pelo professor, e que cerca de 84%, quando leem, esquecem-se rapidamente do que leram, confirmando que a ausência de estratégias pós-leitura atua diretamente sobre a memória.

O objetivo desse questionário foi levar os estudantes a conhecerem seus próprios hábitos para poder corrigi-los, quando necessário. A partir dele, foi possível discutir junto aos alunos o que fazer para superar hábitos prejudiciais. Nesse sentido, promover uma discussão aberta entre os sujeitos parece ser mais eficiente do que oferecer dicas ou soluções prontas, pois o diálogo oportuniza que os envolvidos modelem suas próprias estratégias de superação. Na turma em questão, por exemplo, chegou-se à conclusão de que ler deitado ou muito recostado é um convite ao sono, e que ler fazendo pequenas caminhadas pelo ambiente pode ser um modo de manter o sono distante, em momentos críticos. Chegou-se à conclusão também de que o celular não deveria permanecer sobre a mesa de trabalho, durante a leitura, mas dentro de uma gaveta, para se evitar a tentação de consultá-lo, interrompendo um momento de concentração em construção.

Por fim, após responderem ao questionário, os estudantes foram desafiados a discorrerem sobre o próprio comportamento leitor, que pôde ser agora claramente percebido por meio de reflexões ocasionadas pelo questionário. O Quadro 1 ilustra alguns depoimentos:

Quadro 1 Respostas discursivas sobre aspectos do próprio comportamento leitor 

A1: “Não me considero uma boa leitora pela falta de ler corriqueiramente [...] não sou uma leitora atuante como gostaria, assim pretendo cada vez mais procurar a ler e diminuir a preguiça [...]”.
A2: “[..] tenho muitas coisas a construir para mim (sic) tornar um bom leitor, monitorar mais, buscar mais informações prévias sobre mais assuntos, isso ficou claro hoje [...]”.
A3: “Meu comportamento leitor é composto de características negativas como distrair durante a leitura, pensar em outras coisas enquanto eu leio e me dispersar ao ser interrompida por notificações das redes sociais. Tenho um caminho a percorrer”.

Fonte: Dados da pesquisa.

É comum estudantes universitários sustentarem que têm dificuldade de leitura porque hipoteticamente “nunca foram bons em português”, supondo que é o conhecimento (ou desconhecimento) da gramática da língua o que garante o sucesso ou fracasso da prática de leitura. Após as atividades aqui descritas, contudo, muitos começam a perceber que os sentidos não se efetivam sozinhos, tampouco por equações gramaticais lógicas, e que é preciso “se movimentar” para a compreensão se estabelecer, abandonando hábitos prejudiciais, construindo hábitos contributivos e lançando mão de estratégias específicas a cada momento da leitura. A partir disso, alguns estudantes associaram o autoconhecimento em leitura proporcionado pelas atividades com o conhecimento inicial sobre estratégias e começaram a perceber que há “coisas a serem construídas”, como sustenta o Aluno 2 (A2), ou que há “um caminho a ser percorrido”, como sustenta o Aluno (A3), indicando terem compreendido a necessidade de formarem dados hábitos e de abandonarem outros, no intuito de expandirem a competência leitora. Essa percepção, contudo, dificilmente se construiria sozinha: é preciso que um professor experiente faça a mediação entre os estudantes e o autoconhecimento em leitura.

Promover atividade de reflexão e autoconhecimento sobre o próprio comportamento leitor é o primeiro passo para a consolidação de estratégias de leitura eficientes. “Quem sou eu do ponto de vista da leitura? Que hábitos cultivo que são prejudiciais? Como me comporto perante uma tarefa de leitura? Quais são as estratégias de que lanço mão para ler melhor” são questões a serem conduzidas pelo professor com o intuito de promover o amadurecimento do comportamento leitor do acadêmico em formação.

Considerações finais

Letrar-se academicamente é um processo que envolve necessariamente o desenvolvimento de estratégias de leitura, uma vez que dificuldades em leitura resultarão em dificuldades de aprendizagem, dada a relação existente entre leitura e aprendizagem na universidade.

Não há dúvidas de que a proficiência em leitura acadêmica é um processo a ser construído e consolidado ao longo do curso, contudo, a antecipação desse processo permite ao sujeito aproveitar cada vez mais e mais do legado de conhecimento que lhe é apresentado na universidade, oportunizando uma formação mais consistente.

Assim, ensinar estratégias leitoras, oportunizar aos sujeitos confrontarem-se com as suas próprias limitações no campo da leitura e a promover discussões sobre possibilidades de mitigação de problemas, a nosso ver, são modos de promover não apenas a competência leitora, mas também habilidades metacognitivas fundamentais à atuação dos sujeitos na universidade.

Este estudo demonstrou que os estudantes focalizados mobilizam pouco a metacognição em favor da leitura. Embora se utilizem de estratégias para ler, selecionam, sobretudo, estratégias básicas de baixo impacto. Assim, a aplicação da atividade que resultou nos dados desta pesquisa proporcionou aos estudantes conhecerem o próprio comportamento leitor, possibilitando, agora, ação metacognitiva sobre ele. Esperamos que este estudo contribua para o desenvolvimento de atividades docentes que levem os estudantes a se apropriarem cada vez mais de conhecimentos metacognitivos aplicados à leitura.

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Anexo A

Apêndice A

Recebido: 06 de Janeiro de 2020; Aceito: 04 de Maio de 2020

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