Introdução
Todo desenvolvimento verdadeiramente humano significa o desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à espécie humana (MORIN, 2004, p. 55).
Com Morin (2004) refletimos a escola, como lugar de desenvolvimento humano, de experiências singulares e coletivas, de pertencimento e compromisso com uma educação planetária, no qual a educação é um direito fundamental e um meio transformador da realidade. Quando reforçada por uma visão humanista, traz consigo a dignidade, justiça social, inclusão e diversidade. (BRASIL, 2015). Assim, entende-se que:
Uma das mais importantes funções da escola é interagir e articular-se com práticas sociais, religando diferentes saberes relacionados a aspectos da realidade local e global, culturais, econômicos, políticos, em direção ao fortalecimento de uma justiça social. (TORRE; SIMÃO; SILVA, 2020, p. 297).
Pensar assim a organização da escola, implica novos modos de realização do trabalho docente e, como destaca Nóvoa e Vieira (2017, p. 51),
para isso, é necessário que, ao longo da sua formação, os futuros professores tenham a possibilidade de viver e de trabalhar em ambientes de aprendizagem coerentes com estes princípios. Se assim não for, dificilmente conseguiremos formar os professores que os tempos atuais exigem.
Parafraseando Nóvoa e Vieira (2017), se as práticas dos professores precisam contribuir para o desenvolvimento de uma escola criativa e humanizadora, sua formação continuada precisaria acontecer igualmente em uma proposta inovadora.
Assim, a promoção de uma educação de qualidade e da justiça social requer como componente central também políticas públicas e profissionais valorizados e preparados por meio de formação inicial e continuada, a partir de relações e práticas inovadoras. Nessa direção, a formação de professores é uma questão importante da sociedade, na qual as decisões governamentais sinalizam a importância da política real atribuída a este setor, por meio de propostas, articulação, financiamento, gerenciamento, ou não, oferecendo indícios do seu impacto em determinadas condições como cenário sociopolítico e momento de desenvolvimento econômico. (GATTI; BARRETO; ANDRÉ, 2011).
Neste sentido, a vigente Resolução CNE/CP nº 1 (BRASIL, 2020), que trata da Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica (BNC - Formação Continuada), baseia-se em três dimensões fundamentais para a ação docente: o conhecimento profissional, a prática profissional e o engajamento profissional. Registra-se na presente resolução, o entendimento de que a formação continuada é parte essencial para o desenvolvimento pessoal e profissional integral dos docentes e equipes pedagógicas, podendo ser realizada mediante atividades formativas diversas, como atualizações, programas, aperfeiçoamento e pós-graduações lato sensu e stricto sensu, bem como formação ao longo da vida, em serviço1, alinhadas às reais necessidades dos contextos, ambientes e professores. (BRASIL, 2020).
Com base em pressupostos de conhecimento profissional, da prática profissional e do engajamento profissional, a Secretaria de Educação da cidade de Massaranduba-Santa Catarina, aderiu a partir do ano de 2018 ao Programa de Ecoformação Continuada de Gestores e Docentes em Escolas Criativas, pautado nos pressupostos teóricos da Ecoformação, Transdisciplinaridade, Criatividade e Complexidade, vinculado à Rede Internacional de Escolas Criativas (RIEC). Tendo duração de dois anos e como proposta a formação de cidadãos responsáveis com foco no desenvolvimento da cooperação, participação, autonomia e respeito. (ZWIEREWICZ; SIMÃO; SILVA, 2019).
Visto que a rede pública municipal de ensino conta com aproximadamente 108 professores efetivos, devido à oscilação do número de estudantes, contrata a cada ano profissionais ACT (Admitidos em Caráter Temporário) para atuarem na Educação Básica. Por isso, a formação continuada da rede e em rede torna-se fundamental. Essa estruturação sugere a Ecoformação como processo contínuo e adaptado à realidade local de cada unidade escolar, a fim de inspirar e aprimorar as práticas de ensino dos professores envolvidos. Para Simão (2020, p. 116) é importante “trabalharmos a formação continuada em rede, integrando saberes, valores, conhecimentos, como uma nova visão da realidade e no estado de inter-relação e interdependência essencial em todos os fenômenos”.
Dessa maneira, deu-se início no ano de 2020, uma proposta de Formação Continuada, com premissas da Ecoformação, na EMEF Professora Maria Machado Kreutzfeld, escola do campo e multisseriada. No entanto, no mês de março de 2020 as aulas foram suspensas presencialmente, devido ao novo coronavírus (SARS-CoV-2), responsável pela pandemia de Covid-19.
Levando em consideração a complexidade que o momento apresentava, buscou-se articular a organização de um percurso formativo em serviço do coletivo da escola com uma investigação desse processo. Assim, socializa-se reflexões desse processo de formação/pesquisa com o objetivo de compreender implicações de um percurso de formação continuada docente em uma escola no enfrentamento da pandemia, alinhado aos pressupostos teórico-metodológicos da “Ecoformação” e com premissas de uma Educação para o século XXI. Este estudo está vinculado à linha de pesquisa “Formação e Práticas docentes em contextos de Ensino de Ciências Naturais e Matemática”, do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática - PPGECIM, da Universidade Regional de Blumenau - FURB.
A fim de destacar o processo de formação/pesquisa, apresenta-se inicialmente “A Educação para o século XXI”, onde serão abordados os fundamentos para a educação presente e futura. Em seguida, se tem “A Ecoformação”, como possibilidade de fundamento para formação de professores alinhada aos desafios emergentes. Posteriormente, em “O Percurso Metodológico”, serão apresentados: a abordagem metodológica e o percurso formativo adotado. Em seguida, têm-se as “Compreensões na formação/pesquisa”, com as análises e os resultados observados. Por fim, sucedem as “Considerações Finais” com as contribuições e observações relevantes desta pesquisa.
A Educação para o século XXI
Educar para o século XXI envolve contextualizar as mudanças sociais, econômicas e educativas, partindo de propostas articuladas com necessidades individuais, sociais e ambientais e de temáticas como a consciência, a criatividade e a resiliência. Pressupõe também um caráter tolerante, solidário, cooperativo e humanizador, por meio de uma ética coletiva e planetária. (TORRE; ZWIEREWICZ, 2009a).
O conceito de educação ao longo de toda a vida aparece para Delors et al. (1996) e Nicolescu (1999) como uma das chaves para acesso ao século XXI. Dando resposta ao mundo em rápida transformação, ultrapassa a distinção tradicional entre educação inicial e permanente. A exigência da atualização contínua dos saberes deve levar em consideração as necessidades da sociedade e o tempo dos indivíduos, pois “exigências de compreensão mútua, de entreajuda pacífica e, porque não, de harmonia são, precisamente, os valores de que o mundo mais carece.” (DELORS et al., 1996, p. 21).
Neste sentido, uma das tarefas essenciais da educação consiste em ajudar a transformar a interdependência em solidariedade, preparando cada indivíduo para compreender a si mesmo, ao outro, o mundo e sua crescente complexidade. Essa compreensão passa pela percepção das relações entre o ser humano e o meio ambiente, através da reorganização dos ensinamentos por meio das ciências da natureza e das ciências sociais numa perspectiva formativa ao longo da vida de todos os cidadãos. (DELORS et al., 1996; NICOLESCU, 1999; MORIN, 2000; TORRE; ZWIEREWICZ, 2009a; PETRAGLIA, 2013).
Diante da grande avalanche de informações, a educação do século XXI pode servir de bússola para orientação neste mundo em permanente transformação. Assim, faz-se necessário a pergunta: quais são as aprendizagens fundamentais que servirão de guia ao longo da vida dos indivíduos? Para tanto, Delors et al. (1996, p. 90) descreve os pilares do conhecimento em quatro vias:
aprender a conhecer, isto é, adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes (grifo nosso).
Convidado pela Unesco para expressar suas ideias sobre a educação do amanhã, Edgar Morin escreveu “Os sete saberes necessários à educação do futuro”, sendo estes: as cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão; os princípios do conhecimento pertinente; ensinar a condição humana; ensinar a identidade terrena; enfrentar as incertezas; ensinar a compreensão; e a ética do gênero humano. (MORIN, 2000). Entende-se que tais saberes são imprescindíveis para uma educação de qualidade e conectada com as necessidades atuais e das futuras gerações.
Importa dizer que os sete saberes “[...] não são informações que podem ser transmitidas ou conteúdos a serem ensinados, são, por assim dizer, dimensões emergentes que fazem parte da vida de todos nós.” (GALVANI; PINEAU, 2012, p. 217). Neste sentido, uma abordagem complexa/ecossistêmica é necessária para a efetivação de uma sociedade planetária harmonizada e humanizada. (MORAES; TORRE, 2018).
Para o paradigma complexo/ecossistêmico, a realidade apresenta-se integrada por fatos, situações, contextos, pessoas e valores de maneira interativa entre o objeto do conhecimento e o sujeito, bem como as diferentes relações e conexões que permitem a compreensão do fenômeno. Da perspectiva educacional, é importante uma reforma do pensamento e uma profunda transformação para enfrentar a complexidade atual e atender as necessidades emergentes ligadas à tecnologia, ao ambiente, à ética e a sociedade. (MORIN, 2000; MORAES, 2018; MORAES; TORRE, 2018).
Dessa maneira, percebe-se que a educação para o século XXI requer estratégias para formar professores que atendam às necessidades emergentes. Como possibilidade, surge a Ecoformação, alinhada aos seus pilares, saberes e ao paradigma complexo/ecossistêmico.
A Ecoformação
Como viabilidade para a demanda emergente por uma formação continuada de professores voltada para as necessidades do século XXI, que prima por um olhar humanizador e integrador entre os pilares educacionais e saberes necessários, que religue as relações do ser consigo, com os outros e com o ambiente na perspectiva para a vida e a partir da vida, encontra-se a Ecoformação. Pautada numa visão transdisciplinar, criativa e complexa, tendo como base a resiliência, a cooperação e a sustentabilidade. (TORRE; ZWIEREWICZ, 2009a; MORAES; TORRE, 2018).
De acordo com Navarra e Solaz (2017), o termo Ecoformação deriva da Ecopedagogia, que considera o conjunto de autoformação (eu), heteroformação (outros) e ecoformação (ambiente) como a base para o desenvolvimento pleno do ser humano. O conceito de Ecopedagogia criado por Gutiérrez e Prado (1999), pauta-se na visão da cidadania planetária, dessa maneira, atua sobre as relações sociais, humanas e ambientais visando a promoção das sociedades sustentáveis e preservação do meio ambiente, por meio da formação da consciência ecológica. (MENEZES, 2001; D'AMBRÓSIO, 2004; NAVARRA; SOLAZ, 2017).
A primeira vez que o termo “Ecoformação” foi utilizado, de acordo com Navarra (2007), foi por Gaston Pineau no início da década de 1980. Por Ecoformação, entende-se, conforme Navarra e Solaz (2017), o processo no qual o indivíduo vai alcançando a assimilação dos conceitos e interiorizando as atitudes à medida que adquire as capacidades e comportamentos que permitem compreender e processar as relações de interdependência estabelecidas em uma sociedade, seu modo de produção, sua ideologia, sua estrutura de poder e meio físico, para atuar em consequência da análise realizada.
Dessa maneira, a Ecoformação visa o desenvolvimento sustentável, os direitos humanos e a paz entre os indivíduos, por meio da solidariedade, da cooperação e do compromisso com o planeta. Neste processo, integra o desenvolvimento ambiental, econômico e social, mediando a relação do homem consigo (autoformação), com seu ambiente social (heteroformação) e natural (ecoformação), coincidindo com uma educação global e transformadora para o desenvolvimento de uma consciência planetária que dá sentido à existência. (GALVANI, 2002; MORIN, 2004; SILVA, 2008; NAVARRA, 2009; TORRE, 2009; MORAES; TORRE, 2018).
Fundamenta-se na transdisciplinaridade, a qual tem por finalidade a compreensão do mundo presente, integrando o que está entre, através e além das disciplinas, fazendo paralelo com a ciência moderna. É um novo olhar de investigação e formação baseada em valores humanos e no desenvolvimento da consciência. (NICOLESCU, 1999; SANZ; TORRE, 2007; THIERIOT, 2014).
Também na criatividade, a qual não deve ser restrita à sala de aula, mas fazer parte da vida diária das pessoas em todas as profissões, visando a inovação e a originalidade. Entendendo-a como algo vivo em cada ser humano, sendo importante seu desenvolvimento desde a educação infantil, como capacidade intelectual, emocional e cognitiva, e como um potencial para enfrentar situações de adversidades, as quais estão sujeitos os cidadãos da era planetária. (TORRE, 2005; PUJOL, 2009).
E na complexidade, que diz respeito ao conhecimento do que não é determinista e linear, mas instável, incerto e imprevisível, necessitando de um contexto para se auto-organizar. Busca reconectar as esferas do pensamento, da materialidade e da imaginação, por meio dos princípios recursivo, dialógico e hologramático, reconhecendo a parte no todo, a unidade na diversidade, absorvendo, convivendo e dialogando, assim como o saber e o fazer em qualquer área do conhecimento, em constante evolução. (MORIN, 1997; ALMEIDA, 2008). Diante das necessidades emergentes na educação, a complexidade se inter-relaciona com a transdisciplinaridade e a criatividade, fundamentando a Ecoformação.
O Percurso Metodológico
Esta pesquisa2 caracteriza-se pela abordagem dos dados, como qualitativa (MINAYO, 1992; BOGDAN; BIKLEN, 1994) e, em relação ao procedimento, classifica-se como estudo de caso (YIN, 2001; AMADO; FREIRE, 2017).
Como fonte de geração de dados, situa-se o contexto de uma escola pública e o percurso de formação continuada em serviço. Assim, a pesquisa/formação foi realizada na EMEF Professora Maria Machado Kreutzfeld, envolvendo cinco professores dos anos iniciais e, diretamente, uma das autoras desse artigo, que é gestora na escola.
Pelo fato de a escola encontrar-se em uma área rural, destaca-se o seu senso comunitário, pois a escola é um marco de referência e de identidade local para a população que ali reside. Dessa forma, ressalta-se a importância de realizar a formação docente, especialmente dos novos professores, com vistas ao conhecimento e à preservação da cultura e costumes do lugar. De acordo com Mattos (2020 p. 73-5), é importante desenvolver “laços sociais colaborativos, alinhados com as demandas do nosso tempo”, pois com a modernidade “nos distanciamos do espírito de comunidade, aquilo que nos une enquanto humanidade e nos faz cuidar do bem comum.”. Além disso, relações entre o local e o global são aspectos valorizados em uma educação ecoformadora.
Para organização do percurso formativo, partiu-se do referencial teórico-metodológico ORA - Observar, Refletir e Aplicar, acrescido pelas pesquisadoras da Fase Polinizar. Este método tem como objetivo fomentar o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores, buscando ampliar com os professores, o campo de interesse e significados da realidade em níveis factual, estratégico e teórico, num movimento de teoria e prática complementares. (TORRE, 1997; 2019).
Neste sentido, a formação continuada, com premissas da Ecoformação, foi desenvolvida em 7 encontros de 4 horas e 1 encontro de 2 horas na modalidade híbrida (presencial, on-line e remoto), totalizando 30 horas com base em um percurso voltado para a necessidade apresentada, levando em consideração o momento ímpar vivenciado: a pandemia de Covid-19 e as especificidades da realidade local, conforme as seguintes fases:
Fase 1 - Observando: Nesta primeira fase, identificou-se as necessidades formativas do grupo de professores, as quais geraram as fases seguintes da formação continuada, por meio de uma roda de conversa. Foi realizado um primeiro momento de acolhida, para reconhecimento de si, dos outros e da instituição. Também foram apresentados os documentos norteadores que regem a escola e a rede municipal de ensino: o Projeto Político-Pedagógico (PPP) e a Diretriz Municipal, bem como os documentos de base, como o Currículo Catarinense e a BNCC. A fim de situar sobre os trabalhos realizados na escola, foram ainda apresentados os trabalhos desenvolvidos alinhados à Ecoformação: os PCE3, o livro4 e vídeos das participações da escola em congressos, seminários e jornadas educacionais.
Fase 2 - Refletindo: Na fase 2 foram trabalhados os princípios teóricos-metodológicos, compartilhando com o coletivo conceitos de Ecoformação, Transdisciplinaridade, Criatividade e Complexidade. Para tanto, foram realizados diálogos, sugestões de leituras e acompanhamento de trabalhos nas redes sociais e sites, além de relacionar a teoria com as práticas desenvolvidas na escola até então, destacando o caráter humanizador tão importante no momento da pandemia, proporcionando aos professores a reflexão e internalização dos conceitos-chave estudados, relacionando-os com os espaços de aprendizagem disponíveis no momento.
Fase 3 - Aplicando: Nesta fase o foco pautou-se na ação pedagógica da perspectiva Ecoformadora. Para tanto, discutiu-se sobre as metodologias ativas abordadas na ótica da Ecoformação, como os PCE, ORA, Projetos e Aulas Temáticas, analisando os materiais e pesquisas disponíveis sobre o assunto. Em seguida, foi desenvolvido um plano de trabalho integrado com o apoio das mídias e tecnologias, por meio da ação conjunta entre os professores, aliada à ferramenta do Google Drive, com o propósito de tornar o planejamento transdisciplinar criativo e dinâmico, a fim de possibilitar a aprendizagem de todos os estudantes.
Fase 4 - Polinizando: Na fase 4 os professores foram convidados a realizar a escrita conjunta de um Projeto Criativo Ecoformador e a organização, no formato de vídeo e fotos para publicações nas redes sociais da escola, a fim de divulgar as práticas pedagógicas desenvolvidas ao longo do ano. Dessa maneira, foram-lhes apresentadas várias inspirações de práticas ecoformativas, por meio de produtos educacionais existentes.
Os instrumentos utilizados para coleta de dados foram questionário, entrevista e depoimento. (BARBOSA, 2005; AMADO, 2017; AMADO; FERREIRA, 2017). Utilizou-se da análise de conteúdo (BARDIN, 1977; MORAES, 1999; AMADO; COSTA; CRUSOÉ, 2017) e do software MAXQDA para análise e interpretação dos dados. (VERBI, 2016; AMADO; COSTA; CRUSOÉ, 2017).
As categorias de análise foram estabelecidas a posteriori (BARDIN, 1977; AMADO; COSTA; CRUSOÉ, 2017), centradas na “Inteireza do Ser”, constituindo-se de base Epistemológica, Metodológica e Ontológica. (MORAES, 2018).
De acordo com Moraes (2015 p. 05), “o pensamento complexo conecta ontologia, epistemologia e metodologia”, trazendo clareza para as dimensões constitutivas da vida, e uma visão para além da realidade manifestada, formada por diferentes materialidades em processos interdependentes de interação e autoeco-organização multidimensionais. (MORAES, 2010; 2015; 2018).
Compreensões na formação/pesquisa
Com base nos dados gerados, pode-se estabelecer interpretações e compreensões, considerando as categorias de análise (Figura 1):
A primeira categoria, reconhecida como de Base Epistemológica - Conhecer, teve por objetivo identificar a demanda formativa da escola e elaborar o roteiro para a Ecoformação Continuada. Ao realizar a análise de conteúdo dos dados, foram identificadas como categorias emergentes: a realidade local, os espaços de aprendizagem e o trabalho na Pandemia.
Na categoria de Base Metodológica - Fazer, foram identificados os procedimentos adotados para o enfrentamento da pandemia de Covid-19, o que foi realizado a partir da Ecoformação Continuada, visando o andamento do ano letivo diante do afastamento social. Neste sentido, apresentaram-se três aspectos principais que foram abordados nas categorias emergentes: o uso de mídias e tecnologias, a metodologia de ensino e o planejamento integrado.
Na categoria de Base Ontológica - Ser/Transcender, foram analisados os efeitos dos desdobramentos para o desenvolvimento pessoal e profissional dos professores a partir da Ecoformação Continuada. Neste sentido, considerou-se a experiência e o significado da Ecoformação.
Destaca-se que as categorias não são fragmentadas, mas integradas, complementando-se entre si num movimento dialógico, recursivo e hologramático. Seguem-se as principais implicações identificadas do percurso de formação continuada, que aconteceu na escola durante o tempo de suspensão das aulas presenciais, na pandemia de Covid-19, conforme a Figura 2, após análise e interpretação dos dados em cada aspecto. (MORIN, 2000; MORAES, 2018; MORAES; TORRE, 2018):
- Aspecto da realidade local: foi identificado o Olhar Acolhedor que a formação continuada ofereceu aos sujeitos em seus diferentes níveis de realidade, conforme relatado por eles, ao identificar seus conhecimentos prévios, conhecer-se e realizar o movimento de observar a realidade local. Como seres sociais, convive-se com diferentes pessoas em diferentes ambientes, e na alteridade exerce-se o direito à diferença e o respeito pelo outro, no seu local e na sua cultura, por meio do reconhecimento e valorização de suas características e senso de pertencimento, os quais devem ser preservados e valorizados.
Entende-se os níveis de realidade como “um conjunto invariante de sistemas sob a ação de um número de leis gerais.” (NICOLESCU, 1999, p. 37). Como exemplos, pode-se citar os níveis de realidade individual, comunitário e planetário, na dimensão social, o qual é coconstruído nas relações conosco, com os outros e com o meio. (NICOLESCU, 1999; TORRE; ZWIEREWICZ, 2009a; MORAES, 2018).
- Aspecto do trabalho na pandemia: observou-se a Criatividade na superação, ao formar-se e autoformar-se na emergência do cotidiano, pois, segundo os professores, foi necessário reinventar os espaços educativos e se adaptar, para seguir em frente, passar segurança para os estudantes e familiares, mantendo o propósito de uma educação de qualidade e significativa.
É importante aprender a gerenciar e integrar espaços, de maneira flexível, equilibrada e inovadora, bem como adaptar-se à utilização de recursos e ferramentas que auxiliem o andamento das aulas. Para Zwierewicz, Souza e Rampineli (2009, p. 128) “cada entorno, distante ou próximo, como uma residência, um hospital, uma rua, uma oficina, a escola e a própria sala de aula podem se transformar em campos criativos ecoformativos”. Assim, ao enfrentar as adversidades, criam-se condições para continuar, mesmo com todas as dificuldades impostas pela pandemia, a capacidade de adaptação e superação surgem como faróis, fazendo a escola ir além do que dela se espera. (TORRE, 2005; NAVARRA, 2009; ZWIEREWICZ, 2009; MORAN, 2013; TORRE; MORAES, 2018; GATTI, 2020).
- Aspecto dos espaços de aprendizagem: destacou-se a Resiliência, conforme descrito pelos sujeitos da pesquisa, manifestada na ação de superar a insegurança e frustração com uma situação de trabalho nunca vivenciada; na capacidade de aprender e compartilhar novas habilidades em condições tão adversas; no sucesso do engajamento das famílias na realização das atividades, tendo inclusive como consequência o aumento de matrículas na unidade escolar.
De acordo com Tomio, Adriano e Silva (2016), a escola tem como desafio constituir-se em espaço e tempo de convivência, de modo que proporcione aos sujeitos percursos formativos significativos, contribuindo-lhes para uma formação integral e integrada. Neste sentido, a resiliência consiste na capacidade de resistir, de transformar problemas, crises, erros, em situações de aprendizagem e de crescimento pessoal e profissional de maneira criativa, considerando o que realmente importa com recursividade, interatividade e flexibilidade, como o ocorrido na adaptação de espaços durante o afastamento social. (TORRE, 2005; ZWIEREWICZ, 2009; MORAN, 2013).
- Aspecto do uso de mídias e tecnologias: notou-se a importância da Formação Crítica para o uso adequado e responsável da Internet, uma vez que ela em si não é boa nem má, para que o estudante possa agir com autonomia e consciência sobre o meio, selecionando informação não em quantidade, mas com base na qualidade e veracidade desta. Observou-se que diante das mudanças necessárias, o ato de ensinar teve seu papel redefinido na figura do professor, que necessitou de formação constante e fluência tecnológica para acompanhar os avanços frequentes, adotando a postura de mediador e, conforme relatado, adequando os ambientes e improvisando, visando proporcionar o protagonismo do estudante num contexto conectado. Não esquecendo que nem todos os estudantes dispunham dos meios necessários para acompanhar tal contexto, evidenciando o grande desafio social, que sempre existiu e entrou em foco com a pandemia.
No campo educacional, muitas tentativas têm sido feitas para inserir o uso de mídias e tecnologias de maneira eficaz. Entende-se as mídias como os meios utilizados para comunicação, difusão e compartilhamento de informação e tecnologias como o conjunto de habilidades, técnicas, métodos e processos utilizados para a realização de objetivos (LOPES; SANTOS; FERREIRA, 2021).
No entanto, com a chegada da pandemia, viu-se a necessidade de aliar tais recursos para o andamento das aulas, não apenas como suporte, mas como meio principal para o processo de ensino. Sem excluir o fato de que o uso da tecnologia é algo humano e técnico, pois é vivenciada em contextos humanos distintos, com consequências distintas e, para tanto, deveria contar com o fator democrático e equitativo.
Entendendo a Ecoformação, conforme Torre (2009, p. 24) “como uma maneira sintética, integradora e sustentável de entender a ação formativa, sempre em relação com o sujeito, a sociedade e a natureza”, o uso de mídias e tecnologias sob a perspectiva da Ecoformação Continuada envolve essa relação, num processo dinâmico, interativo e dialógico. (LÉVY, 1999; DEMO, 2009; SELWYN, 2017; BACICH; MORAN, 2018).
- Aspecto da metodologia utilizada: registrou-se a Motivação, na ação de manter o entusiasmo do estudante, ao partir de temas e curiosidades de seu interesse, utilizando-se de metodologias ativas e proporcionando assim seu protagonismo, quando os professores seguiram com o projeto de ensino estabelecido no início do ano, sugerido pelos estudantes, adaptando conforme a realidade vivenciada no período de afastamento social.
De acordo com Bacich e Moran (2018, p. 02), “a aprendizagem é ativa quando avançamos em espiral, de níveis mais simples para mais complexos de conhecimentos e competências em todas as dimensões da vida”. Essa aprendizagem acontece desde o nascimento e ao longo da vida, enfrentando desafios cada vez mais complexos, que ampliam a percepção da realidade, para poder intervir e recriá-la.
Neste sentido, as metodologias ativas dão ênfase ao protagonismo estudantil, ao professor como mediador e entre as maneiras de possibilitar a aprendizagem ativa, pode-se citar as aulas temáticas, a resolução de problemas e o método de projetos, os quais convergem com a formação continuada, nas premissas da Ecoformação, pois visam dinamizar o processo de ensino e aprendizagem, partindo do interesse e necessidade dos estudantes, além de proporcionar formação integral e significativa. (TORRE; ZWIEREWICZ, 2009b; BACICH; MORAN, 2018; MORAES, 2018).
- Aspecto do planejamento integrado: observou-se a Cooperação, pois, conforme o relato dos sujeitos da pesquisa, o trabalho realizado na pandemia, em conjunto com todos os professores através do Google Drive, não apenas integrou os conteúdos, mas também considerou os níveis de realidade de cada estudante, observando suas curiosidades e necessidades, indo além do que se espera da escola e de seus servidores. Dessa maneira, trouxe desdobramentos criativos, reflexivos e profundamente humanizados, pois foi necessário ultrapassar barreiras pessoais e profissionais pelo bem maior - o ser estudante na sua inteireza.
Em consonância com Broto (2020), salienta-se que práticas colaborativas podem potencializar atitudes, comportamentos e relacionamentos baseados em inclusão, solidariedade e cooperação. Considerando as reflexões dos professores sobre a integração entre as disciplinas, observa-se que a interdisciplinaridade ultrapassa as disciplinas. No entanto, o trabalho realizado na perspectiva da formação continuada pela Ecoformação abrange a transdisciplinaridade, a qual considera o papel da intuição, do imaginário e da sensibilidade para a formação integral do ser humano. (NICOLESCU, 1999; TORRE, 2009; MORAES, 2018; MORAES; TORRE, 2018; BROTO, 2020).
- Aspecto Ser Professor - Desenvolvimento Pessoal e Profissional a partir da formação continuada, com premissas da Ecoformação: destacou-se a Quebra de Paradigma: superando a maneira linear de pensar e agir, integrando novos conhecimentos com o desenvolvimento de novas práticas, marcando assim a ruptura paradigmática ante a realidade apresentada, e transcendendo os pensamentos e ações ao enfrentar incertezas e reconstruir reflexivamente sua identidade docente. Considerando que um paradigma, de acordo com Moraes (2018), rege a maneira de pensar e o modo como usa-se a lógica, a ordem do discurso, dos pensamentos e ações, entende-se que os professores transcendem a visão fragmentada ao identificar a Ecoformação como possibilidade de transformação, sensibilidade e conexão, inerentes a inteireza do ser, e exprimem apreensão de conceito ao registrar que a experiência fará parte de suas vidas para sempre, além da busca contínua por ser melhor, conforme podemos observar nas suas falas e na figura 3, a seguir:
· P1: “A minha experiência com a ecoformação foi muito interessante, pois acabei desenvolvendo um melhor trabalho diante das dificuldades encontradas durante a pandemia, e auxiliando em um melhor desenvolvimento dos estudantes. [...]
· P2 : “Foi muito boa. Aprendi muito sobre, e hoje tenho um novo olhar [...]
· P3 : “Gratidão pela oportunidade! Foi uma honra poder fazer parte desta vivência, foi a minha primeira, mas acredito que fará parte de mim para sempre, não apenas na minha vida profissional, mas também na minha vida pessoal, é uma maneira linda de ensinar e aprender, uma forma única de conhecer o mundo.”
· P4 : “A Ecoformação Continuada nos faz refletir sobre nós mesmos e em como é importante compreender o outro, não se trata apenas de pensar em si mesmo, mas também pensar no outro e em tudo que temos à nossa volta. Portanto, compreender e ter a sensibilidade de buscar melhorar sempre e saber ouvir as contribuições que o outro tem a nos oferecer.
Nota-se a convergência de conceitos entre os professores para expressarem o significado de Ecoformação ao manifestarem a visão principalmente de transformação e sensibilidade apreendidos na formação continuada, evidenciando o processo de construção e reorganização do conhecimento na maneira de conhecer, aprender e educar.
O “ser professor” durante a pandemia exigiu adequar o pensamento e o sentimento para o desenvolvimento pessoal e profissional num processo de sentir pensar, o qual, conforme nos diz Torre (2001, p. 01 apudMORAES; TORRE, 2018, p. 57), é “o processo mediante o qual colocamos para trabalhar conjuntamente o pensamento e o sentimento”, aliando assim a esfera afetiva e cognitiva numa concepção holística da realidade, integrando as dimensões biológicas, psicológicas e socioculturais. Sendo necessário, então, compreender a inteireza do ser humano que se realiza de maneira complexa no holomovimento de sentir, pensar, agir e transcender. (SILVA, 2013; MORAES; TORRE, 2018).
Alinhado ao “ser professor”, Freire (2017) nos diz que é importante destacar as virtudes e qualidades indispensáveis para o melhor desempenho destes profissionais, as quais vão se gerando na prática, sendo elas: a humildade, “que exige coragem, confiança em nós mesmos, respeito a nós mesmos, e aos outros” (FREIRE, 2017, p. 121), a amorosidade, a coragem, a tolerância, assim como a competência, decisão, segurança e a disciplina intelectual. Além disso, é importante não esquecer que uma forma de ser e atuar harmônica requer também a parcimônia verbal e a alegria de viver, que se expressa numa escola que pensa, atua, cria e ama. (FREIRE, 2017).
Portanto, a escola não é apenas um espaço de desenvolvimento intelectual, mas de diálogo social, sendo que foi possível interpretar que a formação continuada, com premissas da Ecoformação, vai além e abrange ainda a esfera pessoal, ao desenvolver a formação humana como princípio para a superação de adversidades. Assim, ao oferecer estratégias inovadoras para garantir a aprendizagem a partir de situações reais, que passam pelas emoções, sentimentos e pela sensibilidade de perceber e conhecer verdadeiramente nossos estudantes. (MORIN, 2000; SIMÃO, 2010; NÓVOA, 2011; MORAES, 2018; MORAES; TORRE, 2018).
Considerações finais
Nessa pesquisa partimos do pressuposto de que a formação de professores é parte fundamental para alcançar uma educação planetária, com vistas de promover a cooperação, solidariedade e sustentabilidade nas relações sociais no/com o mundo, em consonância com as necessidades emergentes da Educação para o século XXI.
Assim, por meio da educação escolar é possível desenvolver valores humanos e sociais que promovam a inteireza do ser em todas as suas dimensões. Neste sentido, propomos e investigamos um percurso de formação continuada em serviço em uma escola pública, com base em premissas da Ecoformação. Pode-se compreender implicações desse percurso formativo/pesquisa, que consistiram em aprendizagens do coletivo da escola nas dimensões no olhar acolhedor, criatividade, resiliência, formação crítica, motivação, cooperação e quebra de paradigma, além de possibilidade de transformação, sensibilidade e conexão, essenciais para os desafios apresentados durante a pandemia.
Dessa maneira, compreende-se que esta investigação possa contribuir para o enfrentamento do coletivo escolar de situações de adversidades como as surgidas durante a pandemia, a partir de processos formativos articulados a Ecoformação. Pois, ao propor a formação em serviço, tendo como base a inteireza do ser, superando a fragmentação em todas as esferas, seja no nível pessoal, social ou planetário, pretendeu-se proporcionar a conexão entre as dimensões humanas para a sua sobrevivência e transcendência. Sobrevivência, ao educar-se para a preservação, cooperação e sustentabilidade, e transcendência, ao adotar o olhar humanizador, resiliente, respeitoso e acolhedor, para consigo, com os outros e com o meio em busca de uma escola criativa e inclusiva.