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Revista Diálogo Educacional

versión impresa ISSN 1518-3483versión On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.23 no.77 Curitiba abr./june 2023  Epub 15-Ago-2023

https://doi.org/10.7213/1981-416x.23.077.ds09 

Dossiê

Pedagogia da hipermobilidade: formação, movimento, conexões e comunidades integradas1

Pedagogy of hypermobility: formation, movement, connections, and communities integrated

Pedagogía de la hipermovilidad: formación, movimiento, conexiones y comunidades integrada

[a]Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ). Rio de Janeiro, RJ, Brasil, e-mail: vivian.lopes@ifrj.edu.br


Resumo

O presente artigo científico apresenta os resultados da pesquisa de doutorado em Educação, que teve como objetivo explorar a construção de práticas pedagógicas na relação cidade-escola-ciberespaço por professores durante uma pesquisa-formação em cibercultura, possibilitando o desenvolvimento de uma pedagogia da hipermobilidade. A pesquisa foi realizada com professores em formação continuada que atuam na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, dentro dos cursos oferecidos pelo Instituto Federal do Rio de Janeiro. A metodologia empregada foi a pesquisa-formação na cibercultura, que combina a prática docente com a pesquisa e envolve a investigação do constructo da pesquisa e o compartilhamento de saberes com praticantes plurais. Dois dispositivos de pesquisa em hipermobilidade foram desenvolvidos durante a experiência de campo, para refletir sobre diferentes contextos de pesquisa e formação, levando à proposta de um conceito de pedagogia da hipermobilidade. Através da investigação emergiram sete noções subsunçoras: a existência problematizadora que modifica o mundo, a educação-mundo, a educação interativa, inventiva e experiencial, a educação em movimento, a educação conectada, a educação personalizada e contextualizada e esperançar um novo mundo. Esses conceitos lançam luz sobre as práticas pedagógicas que professores e pesquisadores precisam considerar para uma pedagogia da hipermobilidade, permitindo experiências em movimento que estejam conectadas e relacionadas às suas comunidades.

Palavras-chave: Educação; Pedagogia; Pedagogia da hipermobilidade; Pesquisa-formação na cibercultura

Abstract

This scientific article presents the findings of doctoral research in Education, which aimed to explore the creation of pedagogical practices in the city-school-cyberspace relationship by teachers undergoing research-training in cyberculture, enabling the development of a pedagogy of hypermobility. The goal was to enable the development of a hypermobility pedagogy. The research was conducted with professors in continuing education who work in the Metropolitan Region of Rio de Janeiro, within the courses offered by the Federal Institute of Rio de Janeiro. The methodology employed was research-training in cyberculture, which combines teaching practice with research, and involves investigating the research construct and knowledge sharing with plural practitioners. Two research devices on hypermobility were developed during the field experience, to reflect on different research and training contexts, leading to the proposal of a concept of hypermobility pedagogy. Through the investigation, seven subsuming notions emerged: problematizing existence that changes the world; interactive, inventive, and experiential education; education-world; education on the go; connected education; personalized and contextualized education; and hope for a new world. These concepts shed light on the pedagogical practices that teachers and researchers need to consider for a hypermobility pedagogy, allowing for moving experiences that are connected and related to their communities.

Keywords: Education; Pedagogy; Pedagogy of hypermobility; Research-training in cyberculture

Resumen

El presente artículo científico presenta los resultados de la investigación de doctorado en Educación, que tuvo como objetivo explorar la construcción de prácticas pedagógicas en la relación ciudad-escuela-ciberespacio por parte de profesores durante una investigación-formación en cibercultura, posibilitando el desarrollo de una pedagogía de la hipermovilidad. La investigación se realizó con profesores en formación continua que trabajan en la Región Metropolitana de Río de Janeiro, dentro de los cursos ofrecidos por el Instituto Federal de Río de Janeiro. Se empleó una metodología de investigación-formación en cibercultura que combina la práctica docente con una investigación y que implica una investigación del constructo de la investigación y el intercambio de conocimientos con practicantes plurales. Durante la experiencia de campo se desarrollaron dos dispositivos de investigación en hipermovilidad, para reflexionar sobre diferentes contextos de investigación y formación, lo que llevó a la propuesta de un concepto de pedagogía de la hipermovilidad. A través de la investigación surgieron siete nociones subsumidoras: existencia problematizadora que cambia el mundo; educación interactiva, inventiva y experiencial; educación-mundo; educación en movimiento; educación conectada; educación personalizada y contextualizada; y esperanza en un nuevo mundo. Estos conceptos arrojan luz sobre las prácticas pedagógicas que los profesores e investigadores deben considerar para una pedagogía de la hipermovilidad, permitiendo experiencias en movimiento, conectadas y relacionadas con sus comunidades.

Palabras clave: Educación; Pedagogía; Pedagogía de la hipermovilidad; Investigación-formación en cibercultura

Pensamentos introdutórios

A cultura móvel que vivenciamos atualmente emergiu de uma abertura tecnológica proporcionada pela possibilidade de usos sociotécnicos em movimento, tanto por meio de celulares, quanto por computadores portáteis. Tal processo afetou diretamente nossas formas de ser e estar no mundo, com novas propostas de comunicação, consumo, trabalho, estudo, entretenimento e outros (LEMOS, 2010).

A cibercultura apresenta algumas características, como a plasticidade, a comunicação, o movimento e a interatividade, que modificam as maneiras de existir no mundo. Também há a possibilidade de se comunicar com maior autonomia e de estabelecer relações mais diversificadas e igualitárias na produção e no compartilhamento de saberes.. Os aplicativos e as atividades pedagógicas em hipermobilidade podem contribuir com os cotidianos escolares, incentivando que professores realizem projetos hipermóveis.

Os dispositivos móveis intensificam o processo de aprendizagem e ensino, principalmente a partir da criação de aplicativos (como conversação, redes sociais digitais, jogos, organização de projetos, imersão), que podem ser idealizados para a consecução de projetos educacionais, por exemplo. Utilizamos nossos dispositivos móveis conectados em rede para uma ampla gama de funções em nosso dia a dia. Os celulares deixaram de ser meros aparelhos para ligações e tiveram suas funcionalidades expandidas, enquanto outros dispositivos convergem para esse mesmo aparelho, possibilitando uma variedade de usos. Podemos citar como exemplo as câmeras para registros fotográficos e em vídeo, agenda, calculadora, rádio, despertador, sistema de posicionamento global (GPS), lanterna e outros. Além das interfaces de comunicação e mídias para usos diversos.

Santaella (2013, p. 18) enuncia que “a ecologia midiática hipermóvel e ubíqua afeta, sobretudo, a cognição humana. Ao afetar a cognição, produz repercussões cruciais na educação”. Como a escola é um lugar de vida e não pode estar apartada das culturas emergentes, surgiu nosso interesse em aprofundar os conhecimentos sobre práticas pedagógicas em hipermobilidade.

Com diferentes conceitos, considero2 importante situar ao leitor que me refiro à hipermobilidade a partir das reflexões de Santaella (2007). “Hipermobilidade porque à mobilidade física do cosmopolitismo crescente foi acrescida a mobilidade virtual das redes” (SANTAELLA, 2007, p. 187). Tal mobilidade conta com o acréscimo de dispositivos de conexão às informações digitais em rede, agregando uma multiplicidade de ações às nossas antigas caminhadas analógicas.

O presente artigo direciona o olhar para a formação e para a pesquisa em hipermobilidade, pensando a cultura móvel que estamos vivendo e nos arrebata de forma profunda e intensa. As reconfigurações da cibercultura justificam a reflexão sobre a hipermobilidade na formação de professores e nas pesquisas em educação. Buscamos, como contribuição do trabalho, a sistematização de práticas, indicadores e pistas para que professores possam se inspirar e desenvolver práticas pedagógicas em hipermobilidade em seus contextos educacionais.

A hipermobilidade, na forma como ela se apresenta hoje, é fundamental para a sociedade contemporânea e já faz parte dos cotidianos escolares de forma incontestável, demonstrando a relevância social da temática. Aos poucos, inventividades artesanais (CERTEAU, 1994) em hipermobilidade são instauradas nos diversos ambientes de pesquisa e de formação, é preciso que se reflita sobre uma pedagogia que considere tais fatores, atuando como uma das contribuições centrais do trabalho. O aporte teórico da educação em mobilidade contribui para se questionar a pedagogia tradicional e colabora para a compreensão das pesquisas on-line.

Os achados de pesquisa apresentados no presente artigo são fruto de doutoramento em educação, com uma tese que buscou compreender fenômenos da hipermobilidade em práticas pedagógicas, utilizando o método da pesquisa-formação da cibercultura (SANTOS, 2019). Não haveria um método que contemplasse melhor a proposta de desenvolvimento de uma pedagogia, por considerar a docência em sua plenitude, por valorizar a formação e as experiências que fazem sentido para os praticantes3 e por estar em sintonia com os fenômenos emergentes da cibercultura.

O objetivo da pesquisa é compreender, em contexto de pesquisa-formação na cibercultura, como docentes criam práticas pedagógicas na relação cidade-escola-ciberespaço, possibilitando o desenvolvimento de uma pedagogia da hipermobilidade. Intenciona-se também responder às seguintes questões de estudo:

  • Quais práticas pedagógicas em hipermobilidade são criadas cotidianamente nas diversas redes educativas?

  • Como os dispositivo4 formativos desenvolvidos durante a pesquisa-formação na cibercultura contribuirão para a compreensão das experiências cotidianas com aplicativos e o desenvolvimento da pedagogia da hipermobilidade?

Pesquisa-formação na cibercultura com os cotidianos escolares

A epistemologia das pesquisas com os cotidianos escolares (OLIVEIRA; ALVES, 2008), oferece um importante olhar para o campo de pesquisa que construímos, de forma a produzir conhecimento coerente com as opções teóricas, metodológicas, pessoais e profissionais. Os cotidianistas estão interessados nas maneiras de fazer dos praticantes culturais, as táticas, os usos e as astúcias do cidadão comum, ou ordinário (CERTEAU, 1994), em especial nas diversas redes educativas onde nos formamos. Coadunando com o interesse de compreender práticas de professores para a construção de uma pedagogia da hipermobilidade.

De nossa parte, e juntando-nos ao trabalho de Candeias, o que pretendemos é compreender como as professoras agem cotidianamente na busca de levar os seus alunos à aprendizagem, que elementos criam a partir de suas redes de saberes, de práticas e de subjetividades, como criam os seus fazeres e desenvolvem suas práticas em função do que são, para além de “malformadas” e “repetitivas”. Em outras palavras e ampliando a questão de modo a especificá-la em duas outras: a) como se dão os processos cotidianos de criação e desenvolvimento da ação pedagógica (curricular), e em que especificidades do ser das professoras, alunos e contexto se inscrevem; b) o que estão os alunos aprendendo a partir dessa prática escolar que não pode ser visto pelo levantamento estatístico sobre o que sabem daquilo que lhes é imposto saber? (OLIVEIRA, 2003, p. 76)

A tessitura do conhecimento em rede ocorre nos entrelaçamentos entre as experiências dos praticantes ciberculturais (professores em processo de formação continuada em cursos do Instituto Federal do Rio de Janeiro5) que relatam suas criações e reinvenções e a proposta de pesquisa que valorize o saber-fazer docente, inspirada nas reflexões de Oliveira (2003). As pesquisas com os cotidianos destacam a importância dos sujeitos envolvidos na pesquisa, enfatizando o processo da investigação, não apenas os resultados obtidos. Também ressaltam a necessidade de o pesquisador lidar com a imprevisibilidade e reconhecer os limites teóricos e metodológicos. Além disso, reconhecem a complexidade dos espaços e tempos escolares, cientes de que nossa compreensão não abrange a totalidade dos cotidianos, uma vez que estão atravessados por múltiplas interações.

As opções epistemológicas envolvendo os estudos com os cotidianos (ANDRADE; CALDAS; ALVES, 2019), se entrelaçam com a pesquisa-formação na cibercultura pela valorização das narrativas de vida e formação dos praticantes, A necessidade de envolvimento por parte do pesquisador com o processo formativo e com a pesquisa docente como um fenômeno experiencial é evidenciada. Busca-se estabelecer uma relação horizontalizada com os praticantes, que são reconhecidos como coautores desse processo. Além disso, ao considerarmos uma pesquisa na cibercultura, é fundamental compreender as especificidades de investigar nos tempos atuais. Isso implica em mergulhar no cotidiano da pesquisa, estando aberto para a emergência dos acontecimentos ciberculturais que estão intrinsecamente relacionados com o constructo de pesquisa, o que também compatibiliza com as pesquisas com os cotidianos.

A pesquisa-formação na cibercultura é um método que se delineia nos atravessamentos entre processos formativos e investigação científica. O contexto da pesquisa-formação na cibercultura é sempre o da docência integrada com a pesquisa. Ou seja, sem separar o pesquisador do formador. Enquanto há uma ambiência formativa (SANTOS; AMARAL, 2020) proposta pelo professor, ele está pesquisando os movimentos educacionais que acontecem, pesquisando a sua própria prática docente, formando e em autoformação a partir da troca com o outro. Dessa forma, o pressuposto básico é pensar no professor que ensina aprendendo, que compreende o outro e a si mesmo em processo de formação. Na pesquisa-formação na cibercultura buscamos desenvolver processos de interlocução com praticantes ciberculturais em formação para compreender fenômenos contemporâneos.

Acredito que todos os envolvidos (participantes ou formadores) sejam ao mesmo tempo sujeitos e o propósito da formação, ocorrendo um processo de autorreflexão do formador e dos participantes sobre si mesmos, com múltiplas aprendizagens ao longo do processo. Aprendizagens diversas, sobre trabalhar com pessoas, sobre o constructo de pesquisa, sobre a profissão docente, sobre pesquisa científica, sobre pesquisa-formação, sobre si mesmos e tantas outras possibilidades de aprendizagens. O pesquisador que busca formar se (trans)forma durante a pesquisa, constrói significados e sentidos a respeito dos acontecimentos que perpassam a reciprocidade, a confiança ou a facilitação da abordagem metodológica. O pesquisador é implicado com a autoformação e com a formação dos atores envolvidos.

Resumimos os procedimentos utilizados no estudo em cinco etapas integradas: (1) dilemas do ensino, com a inquietação causada pela prática do educador que promove a necessidade de pesquisas; (2) dispositivo de pesquisa e formação, com os métodos e meios que pesquisadores e praticantes criam para levantar noções que contribuam para melhor compreender os fenômenos de pesquisa; (3) emergência dos dados, com as conversas presenciais e on-line, as práticas pedagógicas e as produções do curso; (4) conversa com os dados, com a atribuição de sentido aos dados a partir do envolvimento dos pesquisadores com a investigação e seu constructo de pesquisa; e (5) construção dos resultados finais da pesquisa, por meio de noções subsunçoras, para elencar “estratégias de ação formativa” (MACEDO, 2010, p. 162). As noções são apresentadas em conjunto em uma metanálise, com a avaliação da experiência de todos os envolvidos.

Fonte: elaborada pela autora (2021).

Figura 2 Imagem da sistematização dos passos da pesquisa-formação na cibercultura 

O perfil dos praticantes da pesquisa é composto, prioritariamente, por docentes, mas também por profissionais da educação de forma geral. Os participantes eram estudantes do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), campus Belford Roxo, com diferentes origens na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. O estudo incluiu um total de 52 participantes com idades entre 23 e 58 anos. Os praticantes da pesquisa concordaram em ter seus nomes, imagens, produções e narrativas expostos, por meio do termo de consentimento e participação em pesquisa.

Utilizamos dispositivos de pesquisa no contexto da educação on-line, permitindo a criação de sentidos e narrativas audiovisuais, visuais e textuais que contribuem para a compreensão dos questionamentos fundamentais da pesquisa.

Foram desenvolvidos dois dispositivos de pesquisa:

  • App-teaching na escola, com o curso Formação de docentes para a educação on-line (IFRJ). Busca formar professores que compreendam os fundamentos da cibercultura e da educação on-line como possibilidade educativa, desenvolvendo táticas para a utilização de aplicativos em diferentes contextos educacionais, para a mediação pedagógica on-line, estruturação curricular on-line, planejamento de conteúdos de ensino, jogos e gamificação na educação, situações de aprendizagem interativas, avaliação na educação on-line e outras áreas (MARTINS, 2021).

  • App-teaching na cidade, com o curso Formação docente para comunicação, cultura e arte (IFRJ). Busca compreender como integrar as cidades nos planejamentos pedagógicos. Foi voltado para as intervenções educacionais urbanas em hipermobilidade, tendo como dispositivos principais: escrita coletiva da vivência na Baixada Fluminense e o mapeamento de espaços de educação, comunicação, cultura e arte na mesma região (MARTINS; CORREIA; SANTOS, 2021).

O campo de pesquisa é o ambiente em que desenvolvemos a parte prática da investigação, onde dialogamos com os integrantes da pesquisa, desenvolvemos a ambiência formativa e de onde os dados emergem, desencadeando entendimentos plurais sobre o constructo de pesquisa. Narrativas e produções desenvolvidas pelos praticantes emergiram após os processos educacionais, ou dispositivos de pesquisa. Tais narrativas e criações são dados do campo e contribuem para a investigação, de forma a compreender os fenômenos que estavam inquietando a pesquisadora ao dar início à pesquisa.

Por meio de uma triangulação entre as questões de estudo, as narrativas oriundas do campo e o referencial bibliográfico, emerge o resultado da pesquisa na forma de noções subsunçoras. Essas noções estão intrinsecamente relacionadas à implicação do pesquisador com sua pesquisa e seu objeto de estudo. Representam o esforço de interpretar o que emerge do campo, o que é construído e aprendido ao longo da pesquisa, bem como o conhecimento embasado na empiria e na formação prévia. Essas noções subsunçoras serão apresentadas ao final deste artigo. Iniciaremos com o referencial teórico, com um olhar especial para os estudos de Paulo Freire. Será apresentado no tópico a seguir.

Conversando com Paulo Freire, por muitas pedagogias possíveis

Apresento algumas noções sobre pedagogia como forma de situar ao leitor qual será a abordagem para o desenvolvimento da pedagogia da hipermobilidade. Aprofundo os estudos com autores clássicos, como Paulo Freire, de forma a propor um diálogo entre seu pensamento, a formação para a liberdade e vivência na cidade, de forma a pensar em uma educação-mundo (MARTINS; RIBEIRO, 2020), por uma educação sem fronteiras, mas com asas, características da pedagogia da hipermobilidade.

Freire (2011) utiliza a prática educativa dialógica como base para fundamentar a pedagogia da autonomia. Por sua vez, Libâneo (2011) compreende a pedagogia como uma área do conhecimento que se preocupa com a prática educativa. Franco (2008, p. 148) define a prática educativa como um "campo de reflexão, pesquisa e análise" da pedagogia, com a tarefa de estudar e refletir de forma sistemática sobre o fenômeno educativo e suas práticas, orientando o trabalho pedagógico. Além disso, Libâneo (2011) destaca noções importantes, como realidade educacional, transformação, intervenção metodológica e entendimento global, que contribuem para a construção colaborativa da pedagogia junto aos participantes da pesquisa.

Nesse sentido, do ponto de vista do trabalho docente, a pedagogia é uma tecnologia que exige dos pedagogos e educadores em geral recursos interpretativos relativos às próprias finalidades da ação. Os objetivos do professor não ultrapassam a ação pedagógica, mas se encontram totalmente integrados nela, obedecendo, por conseguinte, às suas condições. Desse modo, a pedagogia, enquanto tecnologia interativa que se concretiza através da reflexão e da ação no processo ensino-aprendizagem, corresponde a uma atividade construtiva e interpretativa ao mesmo tempo: os professores precisam interpretar os objetivos, dar-lhes sentido em função das situações concretas de trabalho e, ao mesmo tempo, conceber e construir as situações que possibilitem a sua realização (TARDIF, 2002, p. 128).

Compreendo a pedagogia como uma área do conhecimento que, através da interlocução entre as pesquisas e a prática educacional, busca entender os processos de transformação da sociedade para repensar a educação, métodos educacionais e técnicas coerentes com cada contexto. É uma prática em diálogo constante com a reflexão teórica, em que inúmeros saberes são mobilizados, proporcionando a troca necessária à construção do conhecimento. O ensino é entendido de diferentes maneiras, seja como uma prática humana ou como uma prática social. Esses processos comunicativos são caracterizados por uma significativa intencionalidade pedagógica e são inseparáveis do contexto político-social e cultural em que ocorrem.

Ao incluir a interlocução entre a pesquisa e a prática educacional, destaco a necessidade da conversa com as atividades desenvolvidas em sala de aula. Há um repertório de saberes docentes, por exemplo, que são próprios do ensino, e que quem não conhece uma sala de aula não consegue compreendê-los com precisão. Pesquisas realizadas por pessoas que não conhecem a realidade educacional podem ser aplicáveis, contudo, também podem ser descontextualizadas e contraproducentes, pela falta do conhecimento do cotidiano educacional (SIMÕES; MARTINS, 2019).

Gauthier et al. (2013, p. 79) acreditam que “a determinação de um repertório de conhecimentos específicos ao ensino deve ser feita a partir da análise do trabalho docente”, em uma pesquisa próxima ao cotidiano, à efetividade da prática. Os autores afirmam que o trabalho docente foi um aspecto negligenciado por muito tempo pelas ciências da educação, que a validação de um repertório de saberes específicos contribuiria inclusive para a profissionalização docente, já que muitos acreditam saber ou poder executar, muitas vezes sem ter a formação adequada.

Considero importante situar a concepção que traduz os anseios do que busco aprofundar, de forma a destacar a que pedagogia(s) me refiro. Inspirada em Paulo Freire, compreendo que não existe uma única pedagogia, existem diversas pedagogias, determinadas a partir da intencionalidade e do objetivo com princípios para um processo educativo situado. O termo “pedagogia” é central nos títulos de grande parte dos livros do autor: Pedagogia do oprimido, Pedagogia da esperança, Pedagogia do conflito, Pedagogia da autonomia, Pedagogia do compromisso, Pedagogia da indignação, Pedagogia dos Sonhos Possíveis e Pedagogia da tolerância, entre outros. Esse fato demonstra a pluralidade de situações e concepções pedagógicas possíveis.

Considerando minha experiência enquanto professora e pesquisadora da área educacional, não acredito que haja uma receita de bolo que sirva para todos os contextos e realidades. Inúmeros fatores - como a maturidade e o perfil dos estudantes, a problemática em questão, o entorno social, o componente curricular, a realidade geográfica, o cenário em que se constitui aquela realidade educacional - e assim por diante - nos obrigam a pensar em práticas diferentes para situações diversas. Ao propor uma pedagogia da hipermobilidade pretendo oferecer mais uma pedagogia, mais uma possibilidade entre tantas concepções pedagógicas existentes e complementares.

Não centra a prática educativa, por exemplo, nem no educando, nem no educador, nem no conteúdo, nem nos métodos, mas a compreende nas relações de seus vários componentes, no uso coerente por parte do educador ou da educadora dos materiais, dos métodos, das técnicas (FREIRE, 2003, p. 56).

Freire apresentava uma contraposição à pedagogia tradicional, propondo uma abordagem educacional descentralizada, dialógica, crítica, reflexiva, estética e ética, que valorizasse os saberes prévios dos estudantes. Conforme afirmou Freire (2013, posição 282), "não há, por isso mesmo, possibilidade de dicotomizar o homem do mundo, pois que não existe um sem o outro". Com base nessa visão, acredito que a construção do conhecimento ocorre de maneira mais efetiva por meio da socialização e das construções colaborativas, evitando a separação entre o estudante e sua realidade. O diálogo e a troca são fundamentais para a educação. Nesse sentido, no presente estudo, proponho uma interligação entre educação, comunicação e tecnologia, reconhecendo a importância desses elementos na sociedade contemporânea e, consequentemente, na vida cotidiana.

O diálogo e a problematização não adormecem a ninguém. Conscientizam. Na dialogicidade, na problematização, educador-educando e educando-educador vão ambos desenvolvendo uma postura crítica da qual resulta a percepção de que este conjunto de saber se encontra em interação. Saber que reflete o mundo e os homens, no mundo e com ele, explicando o mundo, mas sobretudo, tendo de justificar-se na sua transformação (FREIRE, 2013, posição 719).

Freire (2013) enfatiza que o conjunto do saber é construído por meio da interação e da dialogicidade. A teoria do conhecimento desenvolvida por Freire destaca o papel crucial da comunicação nesse processo. Ele defendia que a educação era dialógica e que era a partir da troca que os saberes eram construídos. Segundo Freire, a educação não se trata de uma transferência unilateral de conhecimento, como supõem os princípios da pedagogia tradicional. Em vez disso, a educação é vista como comunicação, um encontro entre sujeitos que estão envolvidos em processos subjetivos e complexos de significação.

Compreendemos a educação on-line e a pedagogia da hipermobilidade como um processo de construção em rede, em que não há um ator em destaque, nem o docente e nem o educando, como algumas teorias preveem, por exemplo: a pedagogia nova, com a educação centrada no aluno e a pedagogia tradicional, centrada no professor. É uma interlocução comunicacional (recíproca, portanto) entre todos os atores envolvidos: estudantes, docentes, dispositivos, planejamentos pedagógicos, ambientes educacionais ou não, materiais didáticos, conexões móveis e ubíquas, cidades e tantas interfaces que tangenciam ou atravessam a educação. Esse processo é recíproco e todos os fatores interferem e são influenciados.

O pensamento é uma das bases fundamentais para a educação e não ocorre sem conexão. Ao pensar, pensamos em algo, somos provocados por alguma coisa e/ou alguém e ao aprender também aprendemos com base em um diálogo com alguém e/ou alguns dos atores mencionados no parágrafo anterior, por exemplo. Não necessariamente entre todos os atores ao mesmo tempo, vale alertar, mas nas relações transformadoras entre os homens e o mundo. Destacamos alguns atores como ilustração, considerando a existência de outros, para acentuar como a comunicação e a educação estão imbricadas. Ao abordar a transformação entre os indivíduos e o mundo, é importante ressaltar que essa ação é bidirecional. Os seres humanos se transformam na medida em que se relacionam com o mundo, e, por sua vez, o mundo é transformado a partir das novas ações desses indivíduos. Em outras palavras, trata-se de um processo recíproco e dialógico em que ambas as partes se transformam mutuamente.

O professor se encontra inserido nesse processo, em um papel fundamental de problematizador entre as pessoas e o mundo, apresentando as opções e não algo acabado. Ao tornar possível que múltiplos olhares sobre os fenômenos sejam lançados, debatidos e dialogados, proporciona uma abertura a diferentes opiniões, independente das suas, podendo ressignificá-las também, já que o professor afeta e é afetado pela problematização.

Pois bem, se a educação é esta relação entre sujeitos cognoscentes, mediatizados pelo objeto cognoscível, na qual o educador reconstrói, permanentemente, seu ato de conhecer, ela é necessariamente, em consequência, um quefazer problematizador. A tarefa do educador, então, é a de problematizar aos educandos o conteúdo que os mediatiza, e não a de dissertar sobre ele, de dá-lo, de estendê-lo, de entregá-lo, como se se tratasse de algo já feito, elaborado, acabado, terminado. Neste ato de problematizar os educandos, ele se encontra igualmente problematizado. A problematização é a tal ponto dialética, que seria impossível alguém estabelecê-la sem comprometer-se com seu processo. Ninguém, na verdade, problematiza algo a alguém e permanece, ao mesmo tempo, como mero espectador da problematização (FREIRE, 2013, posição 1293).

Ensinar e aprender não são tarefas para espectadores (SILVA, 2021); na comunicação e na educação não há possibilidade de passividade. A pedagogia da hipermobilidade, proposta neste estudo, defende a comunicação, a ação, a conexão, a problematização, a autoria e a dialogicidade de todos os envolvidos em movimento na integração escola/cidade/ciberespaço. Há a adição do digital em rede, eminentemente comunicacional, que possibilita a mobilidade e a ubiquidade, propostas importantes para potencializar as práticas educacionais de problematização pessoas-mundo.

Em diálogo com os tópicos trazidos nessa discussão, Santos (2015) reflete sobre a web 2.0 e a mobilidade, que potencializam as práticas pedagógicas.

Na web 2.0, a dinâmica comunicacional vem potencializar a autoria dos sujeitos, o que favorece práticas educativas interativas. Este texto reconhece que o cenário cibercultural da web 2.0 e da mobilidade ubíqua é favorável à educação democrática; entretanto, chama a atenção para o desafio da inclusão cibercultural do professor. Uma vez que se consolida como ambiência comunicacional favorável a autoria, compartilhamento, conectividade, colaboração e interatividade, a cibercultura, em sua fase atual, potencializa as práticas pedagógicas baseadas em fundamentos valorizados, como autonomia, diversidade, diálogo e democracia. De nada adiantam as potencialidades comunicacionais favoráveis à educação em nosso tempo, se o professor se encontra alheio ao que se passa no atual cenário sociotécnico (SANTOS, 2015, p. 137).

A ambiência comunicacional mencionada pela autora proporciona ações fundamentais para a consolidação de uma educação libertadora, contínua, sem muros ou paredes. A fim de que a educação avance para as perspectivas da conectividade e dos movimentos em rede, será preciso pensar em uma reformulação do espaço-tempo educacional, acompanhando as relações humanas em rede, as ações cotidianas hipermóveis, a volátil digitalização das informações e o acesso ao conteúdo em ubiquidade. A noção de sala de aula precisa ser ampliada com o descarte do conceito rígido das estruturas físicas das escolas. As paredes, as disciplinas, os espaços delimitados se explodem para uma abertura em rede e colaborativa. Tais opções conversam e se relacionam com a concepção de pessoas-mundo mencionada por Freire (2013) para uma educação libertária.

Viver na era do conhecimento e da hipermobilidade, em que a informação é altamente valorizada e recursos estão disponíveis para buscá-la e processá-la, nos leva a repensar a educação. É fundamental refletir sobre os desafios pedagógicos relacionados ao uso da hipermobilidade como parte desse contexto. Fernanda e Wladimir6, praticantes do curso Formação de docentes para a educação on-line, debatem na sala de aula presencial sobre esses desafios.

Fernanda: Nenhuma teoria vai poder ser adaptada para dizer o que a gente faz agora, pois a gente tenta pegar a teoria que já existe e adequar ao que acontece hoje e a teoria não serve, pois é tudo muito novo. É difícil de entender, é um desafio ensinar, aprender e educar da forma como os jovens se apresentam para a gente hoje.

Wladimir: Eu vejo que somando tudo o que já foi produzido sobre pensamento educacional, a hipermobilidade aponta soluções para lacunas que já existiam. É tudo novo, mas na realidade é um complemento de ações que já existiam de maneiras diferentes de fazer e com outros instrumentos. Você oferece ao jovem a possibilidade de ter comunicação, aprendizado e a troca com as relações horizontais da mesma maneira que você dava um giz para o camarada ir ao quadro negro. A diferença é que ele não se expõe fisicamente à turma, mas virtualmente talvez e é até muito mais cobrado. [...] É uma forma de reorganizar como você desenvolve o seu trabalho, mas é uma medida atropelante, que está disposta a ir para todos, para tudo, a todo o momento. Isso assusta, pois você não tem controle. Ele tem que readaptar aquilo que ele acha importante através de diferentes plataformas. Você pode fazer isso de uma maneira mais veloz, produtiva e pela experiência, pois o que se fala, se esquece, mas aquilo que passou não. [...] Existe um processo, tem uma dinâmica, existe uma junção, uma sincronicidade ou não e é preciso que você interaja com isso tudo.

Fernanda e Wladimir apresentam pontos interessantes, como a novidade dos fenômenos, reorganização do trabalho docente, multiplataformas e as culturas juvenis. Couto, Porto e Santos (2016) afirmam que “as culturas juvenis se organizam e se desenvolvem com o uso de aplicativos”. A hipermobilidade já é incorporada à educação, seja por iniciativa de professores praticantes ou pelos ciberestudantes. É sabido que a presença das tecnologias digitais móveis nas escolas frequentemente ocorre devido às atitudes dos estudantes e professores, impulsionadas pela própria cibercultura, ao invés de serem resultado de iniciativas institucionais por meio de políticas de inclusão cibercultural. De qualquer forma, vivemos um momento em que os espaços-tempos escolares estão acessíveis aos alunos em qualquer lugar onde estejam conectados, por meio de seus celulares ou outros dispositivos móveis.

As novas formas de aprendizagem impõem grandes desafios pedagógicos e os praticantes Fernanda e Wladimir apontaram alguns dilemas. Reconhecemos que a tecnologia em si não é suficiente para resolver tais questões. É fundamental compreender como as pessoas utilizam e incorporam essas tecnologias em seu dia a dia, a fim de desenvolver práticas pedagógicas que sejam coerentes com as preferências dos estudantes (para que sejam prazerosas) e atendam às suas necessidades (para garantir o êxito). A esse respeito, apresentamos os resultados da pesquisa para o desenvolvimento da pedagogia da hipermobilidade.

Reflexões e desenvolvimento da Pedagogia da hipermobilidade

Os dispositivos de pesquisa criados buscaram acionar ambiências formativas com usos de aplicativos em diferentes interfaces da educação on-line. A partir dessas experiências, foi possível compreender que é essencial criar novos espaços formativos nos quais os docentes possam vivenciar experiências, compartilhar suas abordagens pedagógicas e ressignificar práticas durante sua formação.

Para nós, essas ambiências constituem situações de aprendizagem cocriadas nos “espaçostempos” híbridos em que se articulam os ambientes físicos e digitais (sala de aula presencial, ambientes virtuais de aprendizagem e redes sociais); ou seja, representam um complexo enredamento no qual são dinamizadas diversas possibilidades de produção intelectual, de invenção, de constituição de rastros, por um coletivo que assume, explicita e reinventa seu processo de formação (SANTOS; AMARAL, 2020, p. 6).

Após os processos educacionais, muitas narrativas e produções dos praticantes emergiram, transformando-se em dados para os procedimentos de análise, de forma a compreender os fenômenos e dilemas de pesquisa. Essas observações e narrativas são capturadas por meio de mergulhos nos cotidianos da pesquisa, registros nos diários dos praticantes, conversas cotidianas, interações on-line, utilização de aplicativos e realização de oficinas.

Quadro 1 Integração entre algumas ambiências formativas propostas no dispositivo de pesquisa e as noções subsunçoras 

Exemplo de ambiências formativas desenvolvidas Intencionalidade pedagógica Noções subsunçoras
Fórum de discussão no Moodle sobre “Como podemos pensar as práticas pedagógicas nas cidades?” Apoiamos o processo dialógico para mudar dinâmicas de poder, sistemas sociais, problemas coletivos e desigualdades nas realidades dos educandos. A existência problematizadora que modifica o mundo.
Escrita colaborativa em blog sobre a vivência na Baixada Fluminense e formas de desenvolver um senso de comunidade. Promovemos a compreensão do mundo que cerca os educandos para desenvolver a consciência crítica. Educação-mundo.
Wiki de escrita colaborativa para compreender a noção de pedagogia da hipermobilidade; e Glossário sobre o compartilhamento de aplicativos e práticas pedagógicas desenvolvidas nas redes educativas que os praticantes da pesquisa pertencem. Proporcionamos experiências dialógicas de interlocução comunicacional interativa com os pressupostos da educação on-line, em comunidades de aprendizagem e de construção colaborativa. Educação interativa, inventiva e experiencial.
Curadoria e mapa colaborativo de redes educativas nas comunidades da Baixada Fluminense usando o Google My Maps. Inspiramos a educação emancipatória e reflexiva para construir comunidades de prática. Educação em movimento.
Construção do desenho didático do curso on-line com aplicativos Edmodo, Google Classroom, Moodle, GoConqr, Seesaw Class, Pearltrees e Symbaloo. Buscamos a reflexão sobre elaboração de cursos on-line pelos praticantes, utilizando os dispositivos móveis para avaliar conectividade, usabilidade, responsividade, acesso e êxito dos estudantes. Educação conectada.
Construir narrativas de vida e formação no diário de bordo, contando experiências construídas no curso. Baseamos nossas ações nas experiências prévias, no contexto dos estudantes, em como eles compreendem seus processos de aprendizagem, captura de dados em contexto e preferências de usuários. Educação personalizada e contextualizada.
Intervenção educacional nas cidades da Baixada Fluminense com foco na comunicação, cultura e arte (vivencial e presencial). Motivamos os educandos a serem agentes de mudança e recriar o mundo com um senso de responsabilidade cívica. Esperançar um novo mundo.

Fonte: elaborado pela autora (2023).

Ao propor uma pedagogia da hipermobilidade, fruto de todas as experiências de pesquisa-formação vivenciadas no doutorado, destacamos algumas características fundantes durante a metanálise que originaram as noções subsunçoras a seguir: a existência problematizadora que modifica o mundo, educação-mundo, educação interativa, inventiva e experiencial, educação em movimento, educação conectada, educação personalizada e contextualizada e esperançar um novo mundo. Detalharemos as noções subsunçoras, propondo reflexões que professores-pesquisadores devem considerar para o desenvolvimento da pedagogia da hipermobilidade em seus contextos.

  • Existência problematizadora que modifica o mundo - Atua para o desenvolvimento de conscientização cidadã a respeito do espaço. Importante compreender de onde partimos e para onde vamos, em uma caminhada que promova o desenvolvimento de conscientização cidadã, da problematização e da resistência no território, de forma a agir sobre ele para a proposição de mudanças.

  • Educação-mundo - É preciso uma vila para educar uma criança, já dizia o ditado africano (ARAÚJO, 2019). A pedagogia da hipermobilidade busca maior imersão dos estudantes em suas comunidades, com a aprendizagem móvel integrando as escolas com as cidades. Com a educação-mundo, a noção de sala de aula se explode para qualquer espaço-tempo cotidiano. A docência que respeite os saberes dos educandos está incluída nesse movimento, no sentido de levar em consideração as comunidades e as realidades dos estudantes, proporcionando problematização, tomada de consciência da sua posição no mundo e intervenção nele.

  • Educação interativa, inventiva e experiencial - Proporcionar interlocução comunicacional interativa e dialógica com os pressupostos da educação on-line, em comunidades de aprendizagem, de construção colaborativa, de redes de conhecimento, de experimentação, de expressões criativas e de aprendizagem pela prática. Contra a educação bancária, a pedagogia da hipermobilidade prevê a autoria, inventividade, criação, protagonismo em rede e autonomia.

  • Educação em movimento - Na computação móvel e ubíqua os sistemas interagem constantemente com os usuários, independentemente do local, de forma distribuída, dinâmica e interativa, por meio de uma rede de comunicação sem fio, o que permite a mobilidade entre aparelhos e processos educacionais em deslocamento. Esse tópico se relaciona com a produção de conhecimento em diálogo com as tecnologias móveis. Dessa forma, educação e pesquisa ocorrerem independente de espaços fixos, pois a computação passa a integrar o corpo do usuário, onde quer que ele esteja.

  • Educação conectada - Necessária reflexão sobre conectividade, acesso e êxito dos estudantes; usabilidade, conteúdos leves e responsividade são importantes para manter o uso contínuo e a motivação; a aprendizagem móvel requer propostas de fácil entendimento, dinâmicas e especificas para serem realizadas dos celulares. Uma atividade pedagógica com alto teor de complexidade ou habilidades motoras de trato fino, por exemplo, não são adequadas para serem realizadas nas palmas das mãos.

  • Educação personalizada e contextualizada - Os professores devem aproveitar as experiências prévias e o contexto dos estudantes, como eles compreendem seus processos de aprendizagem, a captura de dados em contexto (localização, câmera, comunicação e outros) para desenvolver atividades pedagógicas situadas e personalizadas. Os sistemas computacionais se configuraram e se adaptam em função das necessidades do usuário, do ambiente em que se encontra, das preferências e dos usos, com a computação ciente de contexto, que atua muitas vezes de forma imperceptível para o usuário e podem ser consideradas nas atividades para uma pedagogia da hipermobilidade.

  • Esperançar um novo mundo - Por fim, é importante lutar com esperança e engajamento, para a transformação dos nossos mundos pela educação. A educação é transformadora. Nós, educadores, podemos contribuir para a liberdade dos cidadãos e para a transformação da sociedade. Essa última concepção agrega todas as outras, pois para alcançar a mudança é preciso a percepção da realidade e reconhecer as diversas lógicas de opressão instauradas. Freire alerta de que não há sonho sem esperança. Dessa forma, concluímos o último movimento contando com um “inédito viável” (FREIRE, 1987) na educação e na sociedade brasileira.

A seguir sistematizo os achados da tese com um mapa mental em que as noções mais importantes para a pedagogia da hipermobilidade são relacionadas.

Fonte: elaborado pela autora (2023).

Figura 3 Mapa mental da pedagogia da hipermobilidade  

Com base nas construções colaborativas em campo e em todos os estudos abordados e descritos ao longo deste artigo, compreendemos a pedagogia da hipermobilidade como a sistematização de processos metodológicos e práticas educativas que fomentam ambiências de aprendizagem e ensino móveis, conectadas e ubíquas, em espaços-tempos diversos das cidades. Essa abordagem parte de saberes variados e busca a emergência de dispositivos de ensino, pesquisa, autoria e produção de conhecimento na era da hipermobilidade.

Josso (2004) alerta para o processo de autoformação que a pesquisa-formação agrega, de forma a caminhar para si e para o outro. Em um processo em que formamos e nos formamos em conjunto. A autora questiona: “Em que a experiência realizada foi formadora para mim e o que eu aprendi com esta experiência?” (JOSSO, 2004, P. 122). Dessa forma, a autora incentiva a reflexão sobre a autoformação inerente à pesquisa-formação e faço o relato do processo. Aprendi sobre como conduzir pesquisas mais humanizadas e com os sentidos atentos para as necessidades e particularidades dos participantes; aprendi a sentir com mais profundidade os cotidianos das pesquisas, dialogando com os praticantes como interlocutores e suas produções como personagens conceituais que provocam conversas; aprendi a desenvolver uma pesquisa-formação em hipermobilidade, investigando minhas salas de aula, criando dispositivos que contribuam para a compreensão das minhas questões de pesquisa, conduzindo a formação de todos os envolvidos em um processo reflexivo, sensível e responsável; intensifiquei meu olhar para os escritos de Paulo Freire, relendo sua obra de forma extensa, ampliando minha atenção para a opressão, a conscientização, como o autor compreende a formação com a vivência da cidade, a libertação e a justiça social; aprendi que ampliar a pedagogia para espaços externos às escolas e integrá-las com as comunidades é fundamental para a compreensão da formação integral do cidadão e uma educação-mundo.

Algumas perspectivas de rotas inacabadas

Buscamos encaminhar os principais achados da tese no presente artigo, apresentando experiências dos dois dispositivos de pesquisa desenvolvidos: App-teaching na escola e App-teaching na cidade. Os dispositivos de pesquisa foram encontros que ocasionaram uma multiplicidade de autorias, posicionamentos, argumentos e formas de fazer, da mesma forma como recorremos aos praticantes da pesquisa para a construção de uma noção em decorrência de construções colaborativas e autorais, originando reflexões que originaram a pedagogia da hipermobilidade.

Os dispositivos criados agregaram dados e experiências sobre como a hipermobilidade pode ser intensificada na educação. Os praticantes forneceram informações que contribuíram de forma fundamental para chegarmos até aqui. Apresentamos um desenho didático hipermóvel e a partir dos sentidos formativos que emergem das narrativas dos praticantes, operamos conceitualmente sobre a pedagogia da hipermobilidade.

Dessa forma, foi possível avaliar a experiência vivenciada, originando sete concepções importantes para o desenvolvimento de uma pedagogia da hipermobilidade: a existência problematizadora que modifica o mundo, a educação-mundo, a educação interativa, inventiva e experiencial, a educação em movimento, a educação conectada, a educação personalizada e contextualizada e esperançar um novo mundo. Agregamos informações sobre tais noções, com opções de atividades possíveis, caso docentes escolham desenvolver a pedagogia da hipermobilidade em seus cotidianos educacionais.

Não pretendendo fornecer uma fórmula pronta para uma educação de qualidade, compartilho sugestões para repensar a lógica atualmente imposta à educação e oferecer inspirações para a pedagogia da hipermobilidade. Cada realidade apresenta desafios distintos, com indivíduos que possuem desejos e processos de subjetivação diversos. Portanto, somente aqueles que vivem em determinada realidade podem pensar em estratégias mais eficazes para esse contexto. No entanto, mantenho a esperança (usando o verbo "esperançar", conforme ensinado por Paulo Freire) de que meus escritos impulsionem outras práticas educacionais. Convido a todos a um diálogo contínuo e à reflexão para a mudança. Vamos "esperançar" juntos?

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1Pesquisa realizada com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 - em decorrência do estágio de doutorado sanduíche com bolsa do Programa Institucional de Internacionalização (Capes-Print). Também recebeu financiamento do Instituto Federal do Rio de Janeiro, por meio do Programa Institucional de Incentivo à Produção Científica, Tecnológica e Artístico-Cultural (PROCIÊNCIA), do Programa Institucional de Incentivo às Atividades de Extensão (Pró-Extensão) e do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica e Tecnológica (PIBICT).

2Faço uso de diferentes flexões de pessoa no discurso ao longo do artigo. Em certos momentos, utilizo a primeira pessoa do singular ao abordar a prática docente, experiências de vida e pesquisa. Em outros momentos, ao mencionar as decisões tomadas por mim, minhas orientadoras ou pelos participantes da pesquisa, opto pela primeira pessoa do plural. Da mesma forma, ao referir-me às escolhas epistemológicas e metodológicas do grupo de pesquisa ao qual pertenço, também utilizo a primeira pessoa do plural.

3“Termo de Certeau (1994) para aquele que vive as práticas/táticas cotidianas.” (ALVES, 2008, p. 10) Utilizaremos o termo para designar os interlocutores (participantes) da presente pesquisa.

4Assumimos o conceito de dispositivo a partir de Ardoino (2003), para quem os dispositivos são modos e meios utilizados pelos sujeitos para expressar noções necessárias ao pesquisador para compreender os fenômenos.

5É uma instituição pública, gratuita, multicampi, pluricurricular e que faz parte da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. Atua na educação de nível técnico e superior, de acordo com o tripé ensino, pesquisa e extensão.

6Os praticantes da pesquisa concordaram em ter seus nomes expostos nos resultados da investigação. Na linha de pesquisa em que realizei o doutorado em educação, buscamos valorizar as criações e as narrativas dos praticantes da pesquisa, identificando os autores com seus nomes, caso eles concordem, ou da forma como preferirem ser denominados. Dessa forma, podemos reconhecer e apreciar sua autoria e as contribuições para a produção do conhecimento desenvolvida no estudo.

Recebido: 04 de Fevereiro de 2023; Aceito: 10 de Abril de 2023

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Doutora em Educação, e-mail: vivian.lopes@ifrj.edu.br

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