Introdução
No Brasil há 2,2 milhões de docentes que trabalham na educação básica, representando uma das categorias profissionais que mais empregam trabalhadores e de fundamental importância para o desenvolvimento e estabilidade da sociedade (INEP, 2020; ASSUNÇÃO; ABREU, 2019).
Apesar da relevância dos docentes para a sociedade e as futuras gerações, a precarização das condições de trabalho, juntamente com as reformas ocorridas no sistema educacional nos últimos anos, o isolamento social causado pela pandemia da covid-19 e a sobrecarga de trabalho, tem repercutido negativamente na qualidade de vida dos docentes (UNESCO, 2020; TEMSAH et al., 2020; ZHANG et al., 2020; HALABCHI; AHMADINEJAD; SELK-GHAFFARI, 2020; RODRÍGUEZ-LOUREIRO et al., 2019; NG; VOO; MAAKIP, 2019).
Compreende-se por qualidade de vida a percepção do indivíduo em relação a sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações (WHO, 1998). A qualidade de vida dos professores tem sido objeto de alguns estudos nacionais que têm mostrado uma percepção de insatisfação ou aquém do desejável para o bem-estar físico, social, psicológico e ambiental (DIAS; CHAVEIRO; PORTO, 2018; GROCHOSKA; GOUVEIA, 2020; LEVANDOSKI; ZANNIN, 2022; PEREIRA et al., 2014; PEREIRA; TEIXEIRA; LOPES, 2013; DAVOGLIO; LETTNIN; BALDISSERA, 2015).
O panorama apresentado nas pesquisas dos autores acima mencionados sinaliza a necessidade de pesquisas e um trilhar investigativo acerca da qualidade de vida de professores da educação básica, pois o campo da educação vem sofrendo mudanças com as novas metas do Plano Nacional de Educação (PNE) que iniciou em 2014 e deverá ser concretizado até o final de 2024, e com a própria regulamentação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC - BRASIL, 2018) que impacta diretamente o currículo escolar, o planejamento, o processo ensino-aprendizagem no trabalho docente, e consequentemente pode trazer reflexos na qualidade de vida de professores atuantes na educação básica.
Deste modo, via este trabalho objetiva-se apresentar a revisão de escopo de estudos realizados no período de 2010 a 2020 que avaliaram a qualidade de vida de docentes brasileiros com o instrumento chamado WHOQOL-BREF, seguida de reflexões envolvendo o paradigma da complexidade e a formação continuada como dinamizadores de melhora da qualidade de vida dos professores da educação básica.
É importante destacar que o questionário WHOQOL-BREF do Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde é um dos instrumentos mais utilizados para avaliar a percepção da qualidade de vida dos docentes brasileiros e de diferentes populações, permitindo a compreensão de quatro domínios: o domínio físico refere-se a informações sobre dor e desconforto, energia e fadiga, mobilidade, necessidade de assistência médica etc.; o domínio psicológico diz respeito a afeto, memória, concentração, autoestima, imagem corporal e aparência; o domínio relações sociais investiga as relações interpessoais e redes de apoio social; e o domínio ambiental trata de questões relativas à segurança física, proteção, recursos financeiros, transporte, moradia, entre outros (FLECK et al., 2000; ALMEIDA-BRASIL et al., 2017).
O artigo está estruturado em quatro seções, sendo que a primeira seção apresenta os procedimentos metodológicos do estudo, a segunda apresenta a revisão dos dados, a terceira traz reflexões abrangendo o paradigma da complexidade e a formação continuada como aliados para a melhoria da qualidade de vida e, por fim, a quarta seção apresenta as considerações.
Metodologia
O primeiro passo da pesquisa foi a realização de uma revisão de escopo de estudos que avaliaram a qualidade de vida de docentes brasileiros com o instrumento WHOQOL-BREF. Foram utilizados os procedimentos metodológicos estabelecidos pelo guia do JBI Manual for Evidence Synthesis (THE JOANNA BRIGGS INSTITUTE, 2015).
Para a busca sistemática e as definições dos descritores, optou-se por utilizar os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS). Dessa maneira, os termos encontrados para a realização desta pesquisa foram testados e por fim chegou-se à seguinte combinação nos idiomas português e inglês: “qualidade de vida’’, “docente’’, “professor’’, “educação básica”; “quality of life’’ AND “teacher’’ AND “basic education’’.
A partir dos descritores acima mencionados, foi realizada a busca de trabalhos publicados na última década, compreendendo o período de 2010 a 2020. O período de publicações estabelecido para esta pesquisa justifica-se pelo fato de que o último estudo de revisão de literatura sobre a qualidade de vida de docentes brasileiros foi realizado de 2000 a 2014 (DAVOGLIO; LETTNIN; BALDISSERA, 2015), portanto é necessária uma atualização das informações.
Para a inclusão dos artigos foram estabelecidos os seguintes critérios: a) Estudos originais; b) A qualidade de vida de docentes brasileiros da educação básica avaliados com o instrumento The World Health Organization Quality of Life (WHOQOL-BREF); c) Idiomas: português e inglês; d) Publicados a partir de janeiro de 2010 até dezembro de 2020. Foram excluídos os estudos de revisão (narrativas sistemáticas e/ou metanálises), dissertações, teses, relatórios e monografias. Os pesquisadores realizaram de maneira independente cada etapa do processo de revisão e, caso houvesse divergência no processo de inclusão e exclusão, foi realizada uma reunião de consenso entre os pesquisadores. O processo de seleção comparece sistematizado na figura 1 que segue.
Todos os títulos selecionados nas bases de dados (n= 501) foram inicialmente transferidos para o software EndNote (versão X9), com a finalidade de gerenciar e organizar as referências, sendo utilizado na detecção de títulos repetidos. Desta forma, foram excluídos 12 títulos repetidos, totalizando 489 estudos encontrados.
O processo de revisão foi composto por quatro fases: A primeira fase consistiu na leitura dos títulos, sendo que dos 489 títulos encontrados, 464 artigos foram excluídos por não apresentarem relação com o tema, estarem publicados em outra língua e constituírem outros documentos, como monografias e dissertações; na segunda fase foi realizada a leitura dos resumos (n= 25), e destes 13 artigos foram excluídos por serem qualitativos, publicados por docentes de outras nacionalidades e que trabalhavam no ensino técnico e superior; finalmente, na terceira fase foi realizada a leitura na íntegra dos artigos restantes e 8 artigos atenderam aos critérios empregados, tendo sido selecionados para a revisão.
Revisão sistemática dos dados: resultados
No universo dos oito artigos analisados tivemos um total de 2.702 (dois mil, setecentos e dois) professores da educação básica como participantes no interstício 2010 a 2020, sendo a maioria do contingente do sexo feminino (2158 - dois mil, cento e cinquenta e oito), os quais em sua maioria são docentes na rede pública de ensino da região sul do Brasil (Tabela 1).
Autor/Ano | Amostra | Região | Rede de ensino |
---|---|---|---|
Santos et al. (2020) | 326 professores do ensino fundamental Masculino = 66; Feminino = 260 |
Centro -Oeste | Pública |
Rocha et al., 2017 | 298 professores dos ensinos infantil e fundamental Masculino = 33; Feminino = 265 |
Sul | Pública |
Rocha et al., 2016 | 20 professores dos ensinos infantil e fundamental Masculino = 12; Feminino = 08 |
Sul | Pública |
Pereira et al. (2014) | 349 professores do ensino básico Masculino = 58; Feminino = 291 |
Sul | Pública |
Pereira et al. (2013) | 349 professores do ensino básico Masculino = 58; Feminino = 291 |
Sul | Pública |
Damásio et al. (2013) | 517 professores dos ensinos fundamental I e II e médio Masculino = 174; Feminino = 343 |
Nordeste | Pública e Privada |
Tabeleão et al. (2011) | 601 professores dos ensinos médio e fundamental Masculino = 92; Feminino = 503 |
Sul | Pública |
Fernandes et al. (2011) | 242 professores dos ensinos infantil e fundamental Masculino = 45; Feminino = 197 |
Nordeste | Pública |
Fonte: Organização dos autores.
Com relação aos domínios da qualidade de vida do instrumento WHOQOL-BREF, o domínio físico e meio ambiente apresentaram os menores escores, enquanto os domínios relações sociais e psicológico tiveram os maiores escores (Tabela 2). A percepção da qualidade de vida geral pelos professores da educação básica mostrou que o menor escore obtido foi de 62,6 e o maior de 75,0, o que de modo geral não é tão ruim.
Autor/Ano | Resultados | |
---|---|---|
Santos et al. (2020) | Domínios | Mediana |
Físico | 67,86 | |
Psicológico | 70,83 | |
Relações sociais | 66,67 | |
Meio ambiente | 53,13 | |
QV geral | 75,0 | |
Rocha et al. (2017) | Domínios | Média |
Físico | 57,1 | |
Psicológico | 63,8 | |
Relações sociais | 71,2 | |
Meio ambiente | 58,2 | |
QV geral | 62,6 | |
Rocha et al. (2016) |
Domínios | Média |
Físico | 59,8 | |
Psicológico | 69,5 | |
Relações sociais | 75,4 | |
Meio ambiente | 63,6 | |
QV geral | 67,6 | |
Pereira et al. (2014) |
Domínios | Média |
Físico | 65,70 | |
Psicológico | 68,61 | |
Relações sociais | 73,10 | |
Meio ambiente | 53,93 | |
QV geral | 63,75 | |
Pereira et al. (2013) |
Domínios | Média |
Físico | 65,70 | |
Psicológico | 68,61 | |
Relações sociais | 73,10 | |
Meio ambiente | 53,93 | |
Damásio et al. (2013) |
Domínios | Média |
Físico | 69,3 | |
Psicológico | 69,5 | |
Relações sociais | 69,9 | |
Meio ambiente | 54,5 | |
QV geral | 74,5 | |
Tabeleão et al. (2011) |
Domínios | Média |
Físico | 69,2 | |
Psicológico | 70,6 | |
Relações sociais | 72,5 | |
Meio ambiente | 60,7 | |
QV geral | 68,2 | |
Fernandes et al. (2011) |
Domínios | Média |
Físico | 62,68 | |
Psicológico | 67,77 | |
Relações sociais | 68,70 | |
Meio ambiente | 54,02 | |
QV geral | 63,29 |
Fonte: Organização dos autores. Notas: QV - Qualidade de vida.
Desta forma, os achados do presente estudo mostraram que, nas pesquisas com o instrumento WHOQOL-BREF para avaliar a qualidade de vida dos docentes da educação básica, os domínios físico e meio ambiente tiveram os piores escores e consequentemente maior nível de insatisfação. Estes domínios estão relacionados aos aspectos de dor e desconforto, energia e fadiga, mobilidade, necessidade de assistência médica, segurança física, proteção, recursos financeiros, transporte, moradia, clima harmônico, ambientação social e humana, entre outros (ALMEIDA-BRASIL et al., 2017).
Inferimos que a percepção negativa no domínio físico e meio ambiente pode estar relacionada com a desvalorização social e salarial, infraestrutura deficitária, extensiva jornada de trabalho, sentimento de culpa por não darem conta satisfatoriamente das atividades domésticas e familiares, falta de estímulo ao trabalho, relacionamentos desgastados no ambiente laboral, exigências do domínio de temas diferentes e em constante mudança, classes numerosas, falta de tempo para o lazer, baixo incentivo para formação continuada, desenvolvimento pessoal e profissional.
Os melhores escores e maior nível de satisfação dos professores da educação básica observados nos estudos encontram-se nos domínios relações sociais e psicológico. Estes domínios dizem respeito ao afeto, memória, concentração, autoestima, imagem corporal e aparência, as relações interpessoais e redes de apoio social (ALMEIDA-BRASIL et al., 2017). Salientamos que a percepção mais positiva no domínio relações sociais e psicológico pode estar ligada às relações pessoais e sociais com a família e pares implicados com o universo educacional; e aos aspectos cognitivos, como a capacidade de aprendizagem, vínculos afetivos e memória estimulados pela profissão.
Destacamos que todos os domínios correlacionados aos escores de qualidade de vida poderiam ser melhorados. Neste sentido, no tópico a seguir são apresentadas reflexões enfocando o paradigma da complexidade, a formação continuada e a qualidade de vida de professores da educação básica.
Paradigma da complexidade: reflexões com o escopo qualidade de vida
É necessário compreender que “o paradigma inovador, emergente ou da complexidade, propõe uma visão crítica, reflexiva e transformadora na Educação e exige a interconexão de múltiplas abordagens, visões e abrangências” (BEHRENS, 2007, p. 445). Neste enfoque, destaca-se que as questões relacionadas à qualidade de vida permeiam a educação e têm reflexo na qualidade educacional, sendo necessário que o professor busque compreender aspectos relacionados à qualidade de vida e seus respectivos reflexos em sua profissionalidade e ação educativa/laboral.
Ao remeter a qualidade de vida, Pereira, Teixeira e Santos (2012) explicam que existe ainda uma falta de consenso conceitual e destacam que a referida terminologia é considerada como sinônimo de saúde, satisfação pessoal, condições de vida e aspectos relacionados a satisfação com determinados aspectos da vida.
Neste enfoque, o conceito denominado de qualidade de vida é complexo e multidimensional, envolvendo o universo de totalidade e interconexão de diversos domínios como físico, psicológico, relações sociais, meio ambiente e qualidade de vida em geral, que em todos os domínios tem polissemia e plurissignificação.
Salienta-se a necessidade de perceber que a qualidade de vida é conectada com múltiplos fatores, compondo um todo inseparável: homem-meio, natureza-sociedade, corpo-mente, processo ensino-aprendizagem, humanização-socialização, vida privada-vida pública, objetividade-subjetividade, entre outros elementos da vida e do mundo num sistema complexo.
Considerando que a qualidade de vida abrange diversos fatores e interconexões, é possível realizar reflexões que se aproximam da Teoria da Complexidade. Para Behrens (2007, p. 445) “o paradigma da complexidade busca a superação da lógica linear e atende a uma nova concepção que tem como eixo articulador a totalidade e a interconexão”.
No viés do pensamento complexo, Sá (2019, p. 21) explica que “O termo complexo vem do latim (complexus), e significa um conjunto de coisas, fatos, circunstâncias, eventos que apresentam ligação e são interdependentes”. Ainda o autor pontua que são fenômenos que fazem parte de um mesmo processo, os quais mediante interação produzem uma unidade complexa.
As partes interagem, o que segundo Morin (2001, p. 265) “significa um conjunto de relações, ações e retroações que se efetuam e se tecem num sistema”. Deste modo, estabelecendo relação entre os aspectos teóricos e as reflexões sobre a qualidade de vida de professores da educação básica, percebe-se que a percepção negativa nos domínios físico e meio ambiente, bem como os melhores escores nos domínios das relações sociais e psicológico abrangem um conjunto de relações que geram reflexos na qualidade de vida dos respectivos profissionais.
No viés da complexidade Morin (2010, p. 191) evidencia:
E como todas as coisas são causadoras e causadas, ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas, e todas se mantêm por um laço natural e invisível que liga as mais afastadas e as mais diferentes, tenho como impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, bem como conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes.
As colocações do autor supramencionado movem reflexões englobando a qualidade de vida, visto que os dados revelam que o domínio físico e meio ambiente apresentaram os piores resultados e maior nível de insatisfação dos professores. Estes dados sinalizam que, por exemplo, aspectos relacionados a dor e desconforto, fadiga, necessidade de assistência médica, segurança/insegurança entre outros fatores são causados por múltiplos fatores e podem também ser causadores.
O paradigma da complexidade, ao mesmo tempo em que engloba as percepções e as incertezas, busca respostas e interconexão entre múltiplos saberes. Neste sentido, torna-se necessário à luz da complexidade conhecer as partes e o todo e vice-versa. Outrossim, o paradigma da complexidade é oportuno para respaldar a formação continuada de professores da educação básica, uma vez que comporta a abordagem progressista da formação e do conhecimento humano, a visão complexa da educação e do ensino, aspectos subjetivos e objetivos do mundo e da vida, bem como a construção da aprendizagem considerando o ensino com pesquisa.
A discussão sistemática englobando a qualidade de vida de professores da educação básica e o paradigma da complexidade é permeada pelo princípio dialógico definido por Morin et al. (2003, p. 36) como a “[...] associação complexa (complementar/concorrente/ antagônica) de instâncias necessárias, conjuntamente necessárias à existência, ao funcionamento e ao desenvolvimento de um fenômeno organizado”. À luz do pensamento complexo, a compreensão dos fatores que refletem na qualidade de vida dos professores da educação básica aponta para a necessidade de raciocínio recursivo e dialógico.
Neste enfoque, explica-se que o raciocínio recursivo possibilita a repetição infinita e o princípio dialógico contribui para a reflexão, o debate e o diálogo entre compreensões humanas articuladas às teorias. Assim, o princípio dialógico colabora na construção e ressignificação de conhecimentos que possibilitam a compreensão dos fatores que interferem nos domínios correlacionados aos escores de qualidade de vida.
Sobre os domínios de qualidade de vida que apresentaram os menores escores, entre as hipóteses levantadas para explicar esse resultado destacam-se a extensiva jornada de trabalho, exigências do domínio de temas diferentes e em constante mudança e baixo incentivo para formação continuada, as quais poderiam ser amenizadas utilizando-se o princípio dialógico articulado com a formação continuada em serviço, definida por Silva (2011, p. 2) “como uma possibilidade de formação continuada, como sendo aquela que se realiza no próprio local de trabalho do professor [...] ”.
Complementando, Ujiie (2019) explicita que a formação continuada de professores em contexto engloba uma interconexão da realidade imanente, saberes da docência (disciplinares, curriculares e experienciais) e novos conhecimentos.
Sobre as características apresentadas por Torre (2008) no que converge à formação de professores, enfatiza-se que os programas de formação continuada podem ser planejados e desenvolvidos objetivando romper com as convicções preestabelecidas sobre os aspectos que permeiam a qualidade de vida, visto que os fatores que interferem nos escores estão interligados, interconectados e devem ser considerados nas partes e no todo.
Com relação ao Pensamento Complexo, Morin (2003) busca religar os conhecimentos e defende o desenvolvimento de um pensamento não fragmentado. Baseando-nos nas colocações do autor, os pressupostos teóricos do Pensamento Complexo possibilitam novas formas de pensar, considerando as relações dos fenômenos abordados ou estudados.
Deste modo, os pressupostos teóricos do Pensamento Complexo podem colaborar para vislumbrar um novo olhar sobre a configuração e desenvolvimento da formação continuada, englobando a qualidade de vida de professores da educação básica.
Assim, a formação continuada precisa considerar os domínios correlacionados aos escores de qualidade de vida e possibilitar aos envolvidos estabelecer relações dialógicas e interconexões, sendo importante que os profissionais tornem-se protagonistas e participantes das etapas que compõem o processo formativo, priorizando as suas respectivas demandas e necessidades na área.
Considerando os estudos de Dias, Chaveiro e Porto (2018); Levandoski e Zannin (2020); Pereira et al (2014); Pereira, Teixeira e Lopes (2013) e Davoglio, Lettnin e Baldissera (2015), estes demonstraram que muitos estudos enfocam a qualidade de vida dos professores e revelam uma percepção de insatisfação dos respectivos profissionais.
Faz parte da educação a formação continuada, a qual ao englobar os saberes de forma contextualizada, interconectada e voltada para a qualidade de vida oportuniza o desenvolvimento de ações individuais e coletivas que visem à transformação de aspectos que interferem nos domínios físico, psicológico, relações sociais, meio ambiente e a vida em geral.
Um programa de formação para professores que estimula a conexão com a realidade dos docentes participantes e de seus contextos de atuação, priorizando o estímulo ao trabalho colaborativo e a pertinência do ensino, utilizando uma metodologia inovadora em seu desenvolvimento, o protagonismo dos docentes e do envolvimento em situações-problema que valorizam a sua prática formativa local e globalmente, individual e socialmente. Este processo pode melhorar a formação, conhecimento, motivação, autoestima e memória, refletindo positivamente nos aspectos psicológicos, estimulando o bem-estar individual e social dos docentes e, por conseguinte, refletindo na qualidade de vida dos docentes da educação básica.
Estas condições justificam a importância da proposta de programas de formação continuada pautados no paradigma da complexidade para melhorar a qualidade de vida dos docentes. A complexidade fortalece a construção de uma nova epistemologia capaz de entender o todo na parte e a parte no todo, a partir de diversos fatores e de uma ontologia complexa.
Neste contexto, um programa de formação continuada para os docentes que utiliza uma metodologia inovadora e sob a perspectiva da complexidade estimulará o trabalho colaborativo, o diálogo, a interconexão, a religação de saberes, a pertinência do ensino, a resiliência e a valorização do protagonismo dos implicados, contribuindo para a melhoria do bem-estar individual, social e ambiental dos docentes (ZWIEREWICZ et al., 2016).
Considerando que ainda existe um número restrito de pesquisas englobando a qualidade de vida dos docentes, a seguir são sapresentados dados da pesquisa de Rocha, Souza e Vallejo (2020), que teve como objetivo analisar os impactos do programa pautado na perspectiva da complexidade sobre os distúrbios musculoesqueléticos e a qualidade de vida de docentes. A metodologia adotada na referida pesquisa é descritiva e comparativa, com delineamento transversal e abordagem quantitativa.
A pesquisa realizada por Rocha, Souza e Vallejo (2020) foi realizada durante 2 anos com 193 professoras dos ensinos infantil e fundamental de 3 municípios de Santa Catarina, divididas em 2 grupos: um grupo (n=93) participou de um programa de formação continuada, enquanto que o outro grupo (n=100) não participou. Os resultados mostraram que as professoras que participaram da formação continuada apresentaram melhores escores nos domínios físico e meio ambiente comparadas ao grupo de professoras que não participou (ROCHA; SOUZA; VALLEJO, 2020).
Além disso, neste mesmo estudo as professoras que participaram da formação continuada tiveram, nos domínios social e psicológico e na percepção da qualidade de vida geral, melhores escores que as professoras que não participaram da formação continuada (ROCHA; SOUZA; VALLEJO, 2020).
É importante mencionar a pesquisa de Rocha e Blaszko (2022), que objetivou analisar as contribuições da formação continuada na qualidade de vida dos professores da educação básica. A metodologia utilizada é descritiva com abordagem quantitativa.
O trabalho de Rocha e Blaszko (2022) traz dados de outro estudo realizado com 90 (noventa) professores de ambos os sexos, que trabalhavam na rede municipal de educação nos ensinos infantil, fundamental e médio de cinco municípios de Santa Catarina. Também mostrou que os domínios físico, psicológico, social, meio ambiente e a percepção da qualidade de vida geral apresentaram melhores escores e satisfação nos professores que participaram de um programa de formação continuada (n= 48) comparados aos professores que não participaram (n=42) (ROCHA; BLASZKO, 2022).
Os dados apresentados por Rocha, Souza e Vallejo (2020) e Rocha e Blaszko (2022) demonstram que a formação continuada pode repercutir positivamente na mudança das percepções e domínios relacionados à qualidade de vida, aspectos que se aproximam deste estudo, abrangendo a qualidade de vida dos professores da educação básica e reflexões com base no paradigma da complexidade.
Neste sentido, a formação continuada desenvolvida, considerando a complexidade, pode repercutir positivamente para a superação da percepção negativa correlacionada aos domínios da qualidade de vida em geral.
Considerações finais
Conclui-se que a revisão sistemática dos dados no interstício de 2010 a 2020 possibilitou a construção de saberes relacionados aos domínios da qualidade de vida, sendo revelado mediante instrumento WHOQOL-BREF que os domínios físico e meio ambiente apresentaram os menores escores, enquanto os domínios relações sociais e psicológico tiveram os maiores escores. Os dados sinalizam a necessidade de pensar, planejar, organizar, ressignificar e desenvolver formações continuadas que contribuam para a melhoria da qualidade de vida dos professores da educação básica.
Behrens (2007) e Morin (2010) demonstraram mediante embasamento teórico a importância do paradigma da complexidade para conhecer as partes e o todo e vice-versa, que estejam interferindo nos resultados dos escores positivos e negativos envolvendo a qualidade de vida de professores da educação básica.
Com foco no objetivo deste estudo, ao apresentar os resultados estabeleceram-se reflexões articuladas com o paradigma da complexidade, as quais indicam a possibilidade de formações continuadas de professores da educação básica que valorizem as partes e o todo, considerando que existem fatores que causam e são causadores de resultados, os quais podem ser discutidos, refletidos, criticados, ressignificados no decorrer do processo formativo, e são considerados como dinamizadores de melhora de sua qualidade de vida.
Conclui-se que o paradigma da complexidade contribui para repensar, planejar e desenvolver formações continuadas envolvendo o universo de totalidade e interconexão de diversos domínios, como físico, psicológico, meio ambiente, sociais e a qualidade de vida no geral de professores da educação básica.
Os dados e reflexões apresentados no decorrer do artigo demonstram avanços com relação à qualidade de vida dos professores da educação básica em pesquisas cujas bases têm respaldo no paradigma da complexidade.
Assim, espera-se que o estudo provoque inquietações acerca da qualidade de vida de professores da educação básica e contribua para o planejamento, desenvolvimento e a efetivação de formações continuadas à luz do paradigma da complexidade, mobilizando novos estudos dinamizadores na melhoria da qualidade de vida dos professores.