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Revista Diálogo Educacional

versão impressa ISSN 1518-3483versão On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.18 no.58 Curitiba jul./set 2018  Epub 06-Fev-2020

https://doi.org/10.7213/1981-416x.18.058.ao05 

Artigos

Funcionamento adaptativo, problemas de comportamento e queixas escolares: percepção de professores

Adaptive functioning, behavior problems and school complaints: teachers’ perception

Funcionamiento adaptativo, problemas de comportamiento y quejas escolares: percepción de profesores

Laís Bandeira, Graziela Sapienza1  *

1Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, Paraná, Brasil


Resumo

A percepção do professor acerca do desempenho e do comportamento do aluno em sala de aula influencia em todo o processo de ensino e aprendizagem. O objetivo desta pesquisa foi conhecer as principais queixas para o encaminhamento de escolares à avaliação psicológica e sua relação com aspectos do funcionamento adaptativo e de comportamento em sala de aula, conforme a percepção dos professores. Foram analisados cinquenta prontuários de estudantes encaminhados para um serviço municipal de psicologia. Posteriormente os professores desses alunos responderam ao Teacher Report Form (TRF). Foram identificados três grupos de queixas (G1 - dificuldades de aprendizagem, G2 - problemas de comportamento e G3 - ambas as queixas) que, quando relacionadas aos dados do TRF, mostraram que escolares do G3 são percebidos com mais problemas de comportamento do que os alunos dos outros grupos, principalmente em relação à ansiedade, problemas sociais e isolamento. Esses dados auxiliam o professor na compreensão de aspectos relacionados a cada uma dessas queixas escolares e pode contribuir para a escolha de métodos mais ajustados no processo de ensino e aprendizagem, além de garantir o encaminhamento para um serviço adequado.

Palavras-chave: Queixas escolares; Avaliação psicológica; Problemas de comportamento; Funcionamento adaptativo

Abstract

The teacher’s perception of student performance and behavior in the classroom influences the whole teaching and learning process. The objective of this research was to know the main complaints for the referral of schoolchildren to the psychological evaluation and its relationship with aspects of the adaptive functioning and behavior in the classroom, according to the teacher’s perception. We analyzed fifty psychological records of students sent to a municipal psychology service. Later, the teachers of these students responded to the Teacher Report Form (TRF). Three groups of complaints (G1 - learning difficulties, G2 - behavior problems and G3 - both complaints) were identified, which, when related to TRF data, showed that G3 students are perceived to have more behavior problems than students of other groups, especially in relation to anxiety, social problems and isolation. These data help the teacher in the understanding of aspects related to each of these school complaints and can contribute to the choice of better methods in the teaching and learning process, as well as ensuring a referral for an adequate service.

Keywords: School complaints; Psychological assessment; Behavior problems; Adaptive functioning

Resumen

La percepción del profesor acerca del desempeño y del comportamiento del alumno en el aula influye en todo el proceso de enseñanza y aprendizaje. El objetivo de esta investigación fue conocer las principales quejas para el encaminamiento de escolares a la evaluación psicológica y su relación con aspectos del funcionamiento adaptativo y de comportamiento en el aula, según la percepción de los profesores. Se analizaron 50 prontuarios de estudiantes encaminados a un servicio municipal de psicología. Posteriormente los profesores de estos alumnos respondieron al Teacher Report Form (TRF). Se identificaron tres grupos de quejas (G1 - dificultades de aprendizaje, G2 - problemas de comportamiento y G3 - ambas quejas) que, cuando relacionadas con los datos del TRF, mostraron que los escolares del G3 se percibían con más problemas de comportamiento que los alumnos de los otros grupos, principalmente en relación con la ansiedad, problemas sociales y aislamiento. Estos datos ayudan al profesor en la comprensión de aspectos relacionados con cada una de esas quejas escolares y puede contribuir a la elección de métodos más ajustados en el proceso de enseñanza y aprendizaje, además de garantizar un encaminamiento hacia un servicio adecuado.

Palabras clave: Quejas escolares; Evaluación psicológica; Problemas de comportamiento; Funcionamiento adaptativo

Introdução

A presença de problemas e dificuldades escolares é um tema preocupante para as áreas de Psicologia e Educação, isso porque um desempenho acadêmico abaixo do esperado pode ser um indicador de fracasso nos âmbitos pessoal e profissional. A queixa escolar deve ser tratada como uma produção histórico-social, já que a escola pertence a uma sociedade submersa em desigualdades sociais e econômicas e, assim, o fracasso escolar se apresen­ta como um fracasso social e não somente individual (BRAY; LEONARDO, 2011).

Inúmeras discussões a respeito da temática das queixas escolares estão em efervescência e esse é um movimento que cresce desde as décadas de 1980 e 1990, especialmente com as asserções desenvolvidas por Patto (1997) e Collares e Moysés (1997), que, segundo Nakamura et al. (2008), representaram um marco na compreensão da queixa escolar por confrontarem a visão de agentes envolvidos do processo de ensino e aprendizagem.

O fracasso escolar é muito mais do que uma incapacidade do aluno de assimilar os conteúdos escolares ou uma dificuldade em lidar com problemas nas relações familiares. É essencial considerar aspectos do contexto biopsicossocial em que essa criança está inserida (BRAY; LEONARDO, 2011). Nesse contexto, preocupa o fato de o número de encaminhamentos pelas escolas de crianças para serviços públicos de saúde, em especial para serviços de avaliação psicológica, com queixas escolares ser cada vez maior (CABRAL; SAWAYA, 2001). As crianças costumam ser encaminhadas para esses serviços quando a escola já não tem mais recursos para lidar com as situações que se apresentam; situações estas em geral relacionadas ao fracasso escolar. Muitas vezes, como descrevem Scortegagna e Levandowski (2004), as próprias escolas desconhecem o momento e motivos pelos quais podem encaminhar uma criança para atendimento psicológico.

Entre as principais queixas de encaminhamento para avaliação psicológica de crianças na rede pública de saúde estão dificuldades no aprendizado escolar, problemas de desenvolvimento e problemas de comportamento (CAVALCANTE; AQUINO, 2013). Uma pesquisa realizada por Moura et al. (2008) caracterizou a população infantil pré-escolar que procurou atendimento psicológico em uma clínica-escola no norte do Paraná. Foi utilizado o Child Behavior Checklist (CBCL) (ACHENBACH; RESCORLA, 2001) com 103 mães de crianças em idade pré-escolar (2 a 6 anos) e os resultados indicaram que a maior parte das crianças avaliadas era do sexo masculino (74%) e apresentavam problemas de comportamento (82%), com predomínio de comportamentos externalizantes (11%) sobre internalizantes (9%).

Outro estudo realizado no Paraná identificou que nos primeiros anos de escolarização as queixas mais frequentes são aquelas relacionadas às dificuldades no desenvolvimento na leitura, escrita ou conteúdos matemáticos dentro do tempo esperado para cada ano letivo (CHIODI; FACCI, 2013). Entre os mais velhos são mais evidentes os comportamentos que afetam negativamente os relacionamentos sociais - problemas que costumam surgir na adolescência inicial e média, entre os 11 e 16 anos (VALVERDE et al., 2012).

Ainda sobre queixas de encaminhamento aos serviços de Psicologia, uma pesquisa realizada por Gomes e Pedrero (2015) em Unidades Básicas de Saúde e Centro Integrado de Atenção Psicossocial em um Município do Interior Paulista identificou que entre 52 indivíduos encaminhados, 80% eram do sexo masculino e a faixa etária predominante vai dos sete aos dez anos (57%), com queixas relacionadas tanto a dificuldades de aprendizagem como a problemas de comportamento, sendo que 21,8% foram encaminhados por motivos relacionados a aprendizagem e 12,5 % devido a agressividade.

Essas pesquisas, assim como a de Cabral e Sawaya (2001), indicam um grande número de crianças com queixa escolar necessitando de avaliação e atendimento na área da Psicologia. D’Abreu e Marturano (2010) sugerem que esse fato pode estar relacionado à co-ocorrência de baixo desempenho escolar com demais problemas no funcionamento adaptativo.

O funcionamento adaptativo se refere ao modo como o indivíduo enfrenta efetivamente as exigências do cotidiano e o grau em que experimenta autonomia nesse processo, considerando o grupo etário, bagagem sociocultural e contexto comunitário no qual se insere (ACHENBACH; RESCORLA, 2001). Esse funcionamento é influenciado por vários fatores, incluindo educação, treinamento, características de personalidade, motivação, oportunidades sociais, necessidades práticas e condições médicas gerais. A criança ou adolescente com funcionamento adaptativo ou ajustado ao seu contexto escolar pode absorver o conteúdo acadêmico, obtendo o rendimento esperado e consegue também interagir adequadamente com pares e professores, demonstrando competência social (SAPIENZA; AZNAR-FARIAS; SILVARES, 2009).

A competência social aparece na literatura como um indicador de adaptação positiva, um fator protetor contra problemas de comportamento e transtornos psicológicos (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2005). A competência social é operacionalizada por meio das habilidades sociais, como assertividade, empatia, solução de problemas interpessoais, cooperação e expressividade emocional (PIZATO; MARTURANO; FONTAINE, 2014) e fazem parte desse constructo a valorização de agentes sociais (pais, professores e pares) e a autovalorização, caracterizada pela autoestima e pelo senso de autoeficácia (SAPIENZA; AZNAR-FARIAS; SILVARES, 2009). A criança que não desenvolve uma competência social ajustada pode apresentar problemas de comportamento internalizante (isolamento, medo, ansiedade) ou externalizante (agitação, agressão, impulsividade) que dificultam o acesso da criança a novas contingências relevantes de aprendizagem e de desenvolvimento (BOLSONI-SILVA; MARTURANO; FREIRIA, 2010).

Considerando essas questões, o psicólogo pode auxiliar na implementação e promoção de estratégias psicoeducacionais mais reflexivas e contextualizadas, contribuindo para evitar ou reduzir encaminhamentos ou agravamento das queixas escolares (RODRIGUES; CAMPOS; FERNANDES, 2012).

Assim, o objetivo desta pesquisa foi levantar as principais queixas de escolas para o encaminhamento de crianças e adolescentes a um serviço municipal de avaliação psicológica, identificando relações entre essas queixas, o funcionamento adaptativo e os problemas de comportamento dessas crianças e adolescentes a partir da percepção do professor.

Metodologia

Esta pesquisa foi realizada em um Centro de Avaliação Diagnóstica Psicoeducacional na região metropolitana de Curitiba (PR-Brasil). Foram incluídos no estudo os prontuários de todos os alunos encaminhados ao referido local, com idade entre 6 e 18 anos, de ambos os gêneros, residentes no município e que foram avaliados ou estavam em processo de avaliação psicológica no ano de 2014. Os avaliados nos demais anos ou que estavam na fila de espera para avaliação foram excluídos. Também participaram da pesquisa 21 professores de ambos os gêneros, da rede municipal ou da rede estadual de educação que ministravam aulas a esses alunos e que responderam ao instrumento descrito a seguir.

Os prontuários foram utilizados para coleta de dados de identificação dos participantes (idade, gênero, ano escolar, queixa para encaminhamento).

Também foi utilizado para coleta de dados o Teacher Report Form (TRF), respondido por professores que conheciam o aluno há pelo menos seis meses. O TRF faz parte do conjunto de testes criados por Achenbach e Rescorla (2001) para investigação da competência social e de problemas de comportamento em crianças e adolescentes de 6 a 18 anos de idade. Especificamente, o TRF fornece dados sobre o funcionamento adaptativo e sobre comportamentos do aluno em sala de aula. As respostas do professor são convertidas em T escores de acordo com análises apropriadas para o sexo e a idade da criança ou adolescente e fornecem resultados separados em quatro Escalas Gerais (Funcionamento Adaptativo, Total de Problemas de Comportamento, Problemas de Comportamento Internalizante e Problemas de Comportamento Externalizante). O Funcionamento Adaptativo, por sua vez, é subdividido em Desempenho Acadêmico, Esforço nas Tarefas, Comportamento Ajustado, Aprendizagem e Felicidade, enquanto os Problemas de Comportamento o são em sete escalas: Ansiedade/Depressão, Isolamento, Problemas Somáticos, Problemas Sociais, Problemas de Pensamento, Problemas de Atenção, Violação de Regras e Agressividade.

Nas variáveis relacionadas ao funcionamento adaptativo, escores abaixo de 37 caracterizam indivíduos clínicos ou desajustados, isto é, crianças ou adolescentes que apresentam desempenho acadêmico abaixo do esperado, pouco esforço nas tarefas, comportamento pouco ajustado, aprendem menos do que o esperado ou não são considerados felizes de acordo com a percepção do professor. Escores de 38 ou mais caracterizam os não clínicos ou ajustados. Em total de problemas de comportamento, escala internalizante e escala externalizante, os escores acima de 60 são considerados clínicos e abaixo de 60 os não clínicos. E, finalmente, para as síndromes, os escores acima de 65 indicam comportamento clínico e abaixo de 65, comportamento não clínico.

Após esta pesquisa ter sido aprovada pelo CEP (Comitê de Ética em Pesquisa), foi realizado contato com a Secretaria Municipal de Educação para autorização da coleta de dados. Em seguida foi realizado contato com o centro de avaliação para análise de prontuários e conhecimento das principais queixas escolares.

Posteriormente, identificaram-se os professores dos alunos cujos prontuários tinham sido analisados e os mesmos foram convidados a participar da pesquisa. Aqueles que aceitaram assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e responderam ao TRF.

Foram distribuídos 62 instrumentos para os professores responderem relativos aos 62 prontuários de alunos cujas queixas foram levantadas. Entretanto, apenas cinquenta instrumentos foram devolvidos sem rasura e passíveis de serem utilizados pelo estudo. Dessa forma, foram incluídos nesta pesquisa os prontuários e os TRFs referentes a cinquenta crianças/adolescentes encaminhados ao centro de avaliação psicológica.

Os cinquenta prontuários foram reanalisados e os dados dos TRFs foram cadastrados em software específico, o Assessment Data Manager (ADM) versão 3.20 (ACHENBACH; RESCORLA, 2001). Para comparar estatisticamente os índices de funcionamento adaptativo e de problemas de comportamento, segundo o TRF, com os motivos de encaminhamento dos estudantes foi utilizado o teste estatístico ANOVA sendo processado com auxílio do software SPSS versão 20.0.

Resultados e discussão

As crianças e adolescentes participantes, aqueles que foram encaminhados para atendimento psicológico, foram prioritariamente do gênero masculino, 72% (n=36). Outros estudos com população clínica também indicaram prevalência de encaminhamentos de meninos para serviços de psicologia. Bolsoni-Silva et al. (2013) indicam que as meninas são menos indicadas para avaliação psicológica porque apresentam mais problemas internalizantes, como a timidez, mais dificilmente identificáveis em sala de aula. Já os meninos chamam mais atenção por apresentarem problemas de comportamento externalizantes, como comportamento agressivo, encarado muitas vezes como mais problemático no que se refere ao impacto no ambiente escolar.

Em relação à faixa etária, 14 alunos tinham 10 anos de idade, sendo esta a idade que prevaleceu dentre os encaminhados. Um contato posterior com a equipe pedagógica das escolas esclareceu que é uma escolha da instituição escolar encaminhar as crianças com 10 anos, pois os mesmos estão cursando o 5º ano e necessitam sair da escola municipal e passar a frequentar o colégio estadual com a documentação completa, isto é, muitas vezes com uma avaliação psicológica que justifique seu rendimento acadêmico abaixo do esperado.

A análise dos prontuários permitiu identificar as principais queixas escolares para encaminhamento de alunos para avaliação psicológica no município participante (Figura 1).

Fonte: As autoras.

Figura 1 Índice das principais queixas escolares nos prontuários de Psicologia 

Nos prontuários, os professores tendiam a justificar o encaminhamento com três tipos de queixas: dificuldade de aprendizagem, problemas de comportamento ou ambos. Na maior parte dos prontuários constava a queixa de “dificuldade de aprendizagem” e, conforme indica a literatura, os professores costumam denominar diferentes comportamentos e atitudes em sala de aula relacionados ao processo de ensino e aprendizagem como “dificuldade de aprendizagem” (CARNIO et al., 2013). Com os dados dos TRFs, busca-se um esclarecimento ou possibilidades de especificação para essas denominações de queixas.

A seguir, foram comparadas as principais queixas escolares nos prontuários de Psicologia com os escores do TRF. Os resultados destacam uma média e desvio padrão para cada grupo de principal queixa escolar.

Todas as Síndromes e Escalas avaliadas pelo TRF e relativas aos Problemas de Comportamento, conforme Tabela 1, tiveram médias mais altas e consideradas como clínicos para os indivíduos do grupo 03, isto é, os representantes dos prontuários encaminhados por dificuldades de aprendizagem e por problemas de comportamento concomitantes. Isto é, crianças e adolescentes desse grupo são mais percebidos pelos professores como com dificuldades em adequar seu comportamento às demandas da sala de aula.

Tabela 1 Relação entre queixas escolares e variáveis de problemas de comportamento através do TRF 

Variáveis de Problemas de Comportamento G1 - Dificuldade de Aprendizagem G2 - Problema de Comportamento G3 - Ambas as Queixas Escolares
Média Desvio Padrão Média Desvio Padrão Média Desvio Padrão
Ansiedade/ Depressão 57, 79 6,095 62,67 5,132 66,78 9,602
Isolamento 61,97 8,766 59,67 6,658 68,89 7,656
Problemas Somáticos 58,16 8,156 54,00 6,928 62,33 10,689
Problemas Sociais 61,82 7,597 60,33 11,060 69,11 6,509
Problemas de Pensamento 56,08 7,606 65,00 5,000 66,89 11,731
Problemas de Atenção 60,21 7,271 54,67 4,163 63,11 7,253
Violação de Regras 57,87 6,662 56,67 7,024 64,00 8,718
Agressividade 59,53 8,484 58,33 7,371 68,78 11,355
Escala de Comportamento Internalizante 60,34 8,364 62,00 7,211 70,00 5,937
Escala de Comportamento Externalizante 58,42 9,281 55,33 10,970 67,44 9.914
Total de Problemas de Comportamento 61,42 7,845 60,00 4,359 70,44 7,986

Fonte: As autoras.

Ao analisar os Grupos 1 e 2 os resultados variaram, sendo que as crianças do Grupo 1 (Dificuldade de Aprendizagem), mesmo não caracterizando quadros clínicos, ou seja, apresentando comportamento ajustado às necessidades de sala de aula, foram mais percebidas como emitindo problemas de comportamento, segundo a percepção do professor (média 61,42). Esses resultados foram mais evidentes para problemas como isolamento, problemas de atenção, problemas somáticos, problemas sociais, violação de regras e agressividade. Tiveram destaque, nesse caso, os problemas da escala de comportamento externalizante. Para o Grupo 2 (Problemas de Comportamento), a ansiedade e os problemas de pensamento foram mais percebidos, caracterizando um índice mais alto na escala de problemas de comportamento internalizante.

Considerando a variável funcionamento adaptativo (Tabela 2), mesmo não representando escores clínicos, observou-se que as médias mais baixas abrangem o grupo cujos participantes foram encaminhados à avaliação psicológica por dificuldade de aprendizagem e problemas de comportamento (média 42,11). Os Grupos 1 e 2 apresentaram médias consideradas como não clínicas/adequadas em todas as variáveis; ainda assim, nota-se que no Grupo 1 as principais dificuldades referem-se ao desempenho acadêmico e aprendizagem e já no Grupo 2 as queixas em maior evidência foram relacionadas à felicidade e ao desempenho acadêmico.

Tabela 2 Comparação entre queixas escolares e variáveis de funcionamento adaptativo através do TRF 

Variáveis de Funcionamento Adaptativo G1 - Dificuldade de Aprendizagem G2 - Problema de Comportamento G3 - Ambas as Queixas Escolares
Média Desvio Padrão Média Desvio Padrão Média Desvio Padrão
Desempenho acadêmico 41,50 7,047 49,67 9,504 42,33 7,937
Esforço nas tarefas 44,92 8,467 54,00 3,606 45,44 8,248
Variáveis de Funcionamento Adaptativo G1 - Dificuldade de Aprendizagem G2 - Problema de Comportamento G3 - Ambas as Queixas Escolares
Média Desvio Padrão Média Desvio Padrão Média Desvio Padrão
Comportamento ajustado 47,03 8,442 51, 67 2,517 45,11 10,398
Aprendizagem 42,03 7,179 53,00 4,583 42,11 7,913
Felicidade 46,21 5,287 46,67 11,015 44,22 8,438
Total 43,55 6,911 52,00 0,000 43,00 7,810

Fonte: As autoras.

Os dados aqui apresentados podem ser auxiliadores na organização de propostas de intervenção no contexto escolar ao se considerar que os resultados se tratam da percepção dos professores. A escola se torna um local de possível prevenção para problemas de comportamento e de desempenho escolar, já que ambos costumam aparecer de forma concomitante e, conforme indicam Rohenkohl e Castro (2012), o professor tem o importante papel de identificar os alunos com dificuldades e, assim, de favorecer para que sejam buscadas formas de desenvolvimento de habilidades de interação que podem contribuir para um funcionamento mais ajustado na escola ou fora dela.

Comparando os três grupos de principais queixas escolares com os escores fornecidos pelo TRF observou-se diferença estatisticamente significante entre as médias das queixas 3 (dificuldade de aprendizagem e problemas de comportamento) e 1 (dificuldade de aprendizagem) em diversas variáveis analisadas, como ansiedade, problemas sociais e isolamento.

Em relação à ansiedade e aos problemas sociais, encontrou-se maior média nos escores no grupo de ambas as queixas do que no grupo com apenas a queixa de dificuldade de aprendizagem, indicando que esses problemas são maiores nas crianças do G3. Esse nível mais alto de ansiedade prejudica o aprendizado quando se considera sua atuação como mediadora nas relações interpessoais, frequentes em atividades acadêmicas. A ansiedade pode gerar excessos ou déficits comportamentais durante as interações sociais e, consequentemente, interferir no rendimento durante as atividades acadêmicas (SAPIENZA, 2007).

Neste estudo, a agressividade se mostrou presente, assim como em outras pesquisas sobre as queixas de encaminhamento pelo professor aos serviços de psicologia (SCORTEGAGNA; LEVANDOWSKI, 2004), porém não em nível clínico.

Neste estudo, chamou a atenção a variável de o total de problemas internalizantes aparecerem com escores mais altos do que os problemas de comportamentos externalizantes em todos os grupos de queixas. Segundo a percepção dos professores, as crianças dos três grupos apresentam problemas internalizantes caracterizados como clínicos (desajustados) em nível mais alto do que os problemas de comportamento externalizantes, muito mais percebidos em outros estudos como o de Moura et al. (2008).

O funcionamento adaptativo não indicou diferenças significantes entre os três grupos de queixas, mas é interessante destacar que em todas as variáveis (desempenho acadêmico, esforço nas tarefas, comportamento ajustado, aprendizagem e felicidade) o grupo 02 obteve escores mais altos, isto é, apesar de todas as dificuldades, essas crianças com problemas de comportamento são percebidas como mais adaptadas às demandas do contexto escolar do que as crianças dos outros grupos.

Por outro lado, nos grupos de crianças indicadas por dificuldade de aprendizagem ou por queixas concomitantes, os escores de funcionamento adaptativo foram menores. Outras pesquisas já indicaram que alunos com alguma dificuldade de aprendizagem apresentam também outros sintomas, como tristeza, timidez, baixa iniciativa, agressividade, ansiedade ou dificuldade para se relacionar com os colegas. Nesses casos, muitas vezes o professor não percebe qual é o real problema e acaba diagnosticando o aluno como “um problema” (COLARES; SILVA; FRANÇA, 2013).

Ainda que os encaminhamentos das crianças e adolescentes ao serviço de avaliação psicológica possam ser classificados aqui em três grupos (G1 - dificuldade de aprendizagem, G2 - problema de comportamento e G3 - ambas as queixas escolares), nota-se que a partir do uso do TRF torna-se favorável o detalhamento das variáveis que compõem tais queixas, considerando a percepção dos professores.

Ainda, não se pode deixar de expor que neste estudo o professor é o partícipe respondente em evidência, porém sabe-se que o processo de ensino e aprendizagem é permeado por uma ampla gama de aspectos que podem facilitá-lo ou dificultá-lo. O professor é apenas mais um dos agentes deste processo.

Enfim, alerta-se para a necessidade de atentar-se à complexa rede de relações que compõem as queixas escolares, contemplando os aspectos sociais e institucionais que influem na produção das dificuldades no contexto educacional e escolar. Collares e Moysés (1997) destacam que as queixas escolares são problemas institucionais, políticos e pedagógicos, que só podem ser efetivamente enfrentadas a partir de mudanças institucionais nos campos político e pedagógico, não apenas com medidas individuais centradas na criança. E, segundo Patto (1992), os problemas de escolarização não devem ser compreendidos de forma descontextualizada, fazendo recair sobre os indivíduos um problema que é de cunho também social.

Considerações finais

Esta pesquisa sobre queixas escolares em relação ao funcionamento adaptativo e problemas de comportamento, a partir da percepção de professores, evidenciou a necessidade de compreender o desenvolvimento e o aprendizado como um processo dinâmico envolto por uma ampla gama de variáveis.

Como afirmam Colares et al. (2013) para que a criança obtenha um progresso intelectual, deve estar apta a aprender e para isso deve ter determinadas capacidades e habilidades, além de um ambiente favorecedor, com oportunidades apropriadas para isto. Neste sentido podemos incluir também aqui a necessidade de contemplar as variáveis sociais e políticas que envolvem o processo de ensino e aprendizagem.

Considera-se altamente benéfico que todos aqueles que se encontram envoltos no processo de aprendizagem e desenvolvimento do aluno sejam instrumentalizados no âmbito prático pedagógico a fim de atender efetivamente às peculiaridades apresentadas por cada estudante. Nesse contexto, o psicólogo pode auxiliar os educadores na implementação e na promoção de estratégias psicoeducacionais mais reflexivas e contextualizadas, contribuindo também para evitar encaminhamentos ou agravamento das queixas escolares, assim como defendem Rodrigues, Campos e Fernandes (2012). Há muito ainda a se fazer diante da temática abordada nesta pesquisa.

Agradecimentos

Agradecimentos especiais são dedicados aos professores que aceitaram participar do estudo, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e respondendo ao instrumento TRF e ao profissional que nos auxiliou na realização da análise bioestatística.

Referências

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Recebido: 15 de Março de 2018; Aceito: 18 de Maio de 2018

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LB: Graduada em Psicologia, e-mail: laisbandeira.psicologia@hotmail.com GS: Doutora em Ciências Aplicadas à Pediatria, e-mail: graziela_sapienza@yahoo.com.br

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