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Revista Diálogo Educacional

versión impresa ISSN 1518-3483versión On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.18 no.59 Curitiba oct./dic 2018  Epub 05-Feb-2020

https://doi.org/10.7213/1981-416x.18.059.ds04 

Dossiê

O conceito de paradoxo nos campos da educação, da intervenção social e da formação de professores, especialmente no Brasil

The concept of paradox in the fields of education, social intervention and teacher training, especially in Brazil

El concepto de paradoja en los campos de la educación, de la intervención social y de la formación de profesores, especialmente en Brasil

Valdir Borges[a] 

Roberto Luis Renner[b]  *

[a]Pontifícia Universidade Católica (PUCPR), Curitiba, PR, Brasil

[b]Faculdade Educacional da Lapa (FAEL), Lapa, PR, Brasil


Resumo

O presente artigo almeja enfatizar os diferentes paradoxos da educação brasileira. Impulsionados nesta investigação por dois grandes renomados educadores, um da educação libertária, Ivan Illich e outro da educação libertadora, Paulo Freire, que desde os anos 1960 e 1970 apontam paradoxos relacionados à educação mundial e brasileira. Educadores audaciosos, pois colocam em questão aquilo que jamais a sociedade pensou em questionar, a Escola e a Educação. Ivan llich destaca que o primeiro e maior paradoxo é a crença em uma educação universal, aberta e igualitária, que objetiva o atendimento a todos, independentemente de classe social, no entanto, a escola é seletiva e legitimadora da hierarquia social, quem não teve a oportunidade de frequentá-la já está desclassificado. Outra importante questão salientada por Illich é que a gestão escolar democrática é construída no decorrer do processo, contemplando a participação e engajamento de toda comunidade escolar, porém, paradoxalmente, o que ainda vemos são ranços de autoritarismo. Paulo Freire apresenta três grandes conceitos do seu referencial teórico: a conscientização, a práxis e a autonomia, trazendo-nos o entendimento desses e nos apresentando os paradoxos. Freire nos conduz à reflexão acerca do hodierno cenário mundial da geopolítica capitalista, que norteia as transformações sociais, políticas, econômicas, que produz uma estrutura educacional engessada que não desenvolve autonomia do sujeito e muito menos o conscientiza. Para Freire, a autonomia é fruto de uma escola libertadora que auxilia na capacidade crítica do indivíduo, contribuindo para uma educação reflexiva, crítica, autônoma e conscientizadora, sempre aberta ao inédito viável.

Palavras-chave: Paradoxo; Educação; Ivan Illich; Paulo Freire; Intervenção social

Abstract

This article aims to emphasize the different paradoxes of Brazilian education. Stimulated in this research by two great renowned educators. One of libertarian education, Ivan Illich and another of liberating education, Paulo Freire, who since the 1960s and 1970s point out paradoxes related to the world and Brazilian education. Audacious educators, because they called into question what society has never thought to question, the School and Education. Ivan Illich emphasizes that the first and greatest paradox is the belief in a universal, open and egalitarian education, which aims at attending to all, regardless of social class, however, the school is selective and legitimized of the social hierarchy, the one who hasn’t the opportunity to attend it, is already disqualified. Another important point emphasized by Illich is that democratic school management is built in the course of the process contemplating the participation and engagement of every school community, but, paradoxically, what we still see are traces of authoritarianism. Paulo Freire presents three main concepts of his theoretical framework: awareness, práxis, and autonomy, bringing us its understanding and presenting us with paradoxes. Freire leads us to reflect on the current world’s capitalist geopolitics that guides the social, political and economic transformations, which produces an embedded educational structure that does not develop the individual’s autonomy and much less makes him aware. For Freire, autonomy is the fruit of a liberating school that assists the individual on his critical capacity, contributing to a reflexive, critical, autonomous and conscientious education, always open to the unprecedented viable.

Keywords: Paradox; Education; Ivan Illich; Paulo Freire; Social intervention

Resumen

El presente artículo anhela enfatizar las diferentes paradojas de la educación brasileña. En esta investigación, dos grandes renombrados educadores, uno de la educación libertaria, Ivan Illich y, otro de la educación libertadora, Paulo Freire, que desde los años 1960 y 1970 apunta paradojas relacionadas con la educación mundial y brasileña. Educadores audaces, pues ponen en cuestión lo que jamás la sociedad pensó en cuestionar, la Escuela y la Educación. Ivan llich destaca que la primera y mayor paradoja es la creencia en una educación universal, abierta e igualitaria, que objetiva la atención a todos, independientemente de clase social, sin embargo, la escuela es selectiva y legitimadora de la jerarquía social, quien no tuvo la oportunidad de asistirla, ya está descalificado. Otra importante cuestión subrayada por Illich es que la gestión escolar democrática se construye en el transcurso del proceso contemplando la participación y el compromiso de toda comunidad escolar, pero paradójicamente, lo que vemos todavía son rasgos de autoritarismo. Paulo Freire presenta tres grandes conceptos de su referencial teórico: la concientización, la praxis y la autonomía, trayéndonos el entendimiento de esos y presentándonos las paradojas. Freire nos conduce a la reflexión acerca del actual escenario mundial de la geopolítica capitalista, que orienta las transformaciones sociales, políticas, económicas, que produce una estructura educativa enyesada que no desarrolla autonomía del sujeto y mucho menos lo concientiza. Para Freire la autonomía es fruto de una escuela libertadora que auxilia en la capacidad crítica del individuo, contribuyendo a una educación reflexiva, crítica, autónoma y concientizadora, abierta, siempre, al inédito viable.

Palabras clave: Paradoja; Educación; Ivan Illich; Paulo Freire; Intervención social

Introdução

O itinerário que temos percorrido nesta investigação, parte do intento de definir, identificar e superar alguns dos principais paradoxos nos campos da educação, formação de professores e da intervenção social. Fomos impulsionados por renomados educadores de renome mundial, Ivan Illich e Paulo Freire, os denominamos aqui, artífices no apontamento de alguns paradoxos da educação no mundo hodierno, especialmente, no Brasil, bem como, os que se referem à intervenção social e à formação de professores. De um lado, Ivan Illich afirma, categoricamente, que o primeiro e maior paradoxo da Escola é a crença em uma educação universal por ela oferecida, aberta a todos com igualdade de oportunidades, ao contrário, ela monopoliza o conhecimento e legitima a hierarquia social. De outro lado, os grandes conceitos cunhados por Paulo Freire no conjunto de sua obra, como autonomia, práxis e conscientização, ainda estão longe de serem concretizados na Escola atual.

Em seguida intentaremos contrastar os postulados filosóficos e histórico-sociais de Ivan Illich e Paulo Freire com a Escola hodierna, especialmente a do Brasil, no que tange ao discurso subjacente nas entrelinhas da legalidade, dita democrática e participativa. Na realidade, continua hierárquica em sua função, seletiva e legitimadora das funções sociais, plena de ranços de autoritarismo. Finalmente, nos deixaremos guiar pelo inédito viável de Paulo Freire, como pano de fundo para a abertura de novos horizontes de superação destes paradoxos, que infra apresentaremos, na firme esperança da construção de uma nova escola e sociedade.

Paradoxo: um intento de conceituá-lo e a importância de identificá-lo

Primeiramente, necessitamos esclarecer a hermenêutica acerca do significado de paradoxo: “Do latim (paradoxum) e do grego (paradoxos). O prefixo ‘para’ quer dizer contrário a, ou oposto de, e o prefixo ‘doxa’ quer dizer opinião. Muitas vezes o paradoxo depende de uma linguagem falada, visual ou matemática, porque modela a realidade descrita” (FERREIRA, 2009, p. 1488).

É de capital importância identificá-lo para que haja progresso científico e epistemológico em qualquer campo do conhecimento das ciências, pois quando não encontrados ou identificados, pode-se produzir resultados absurdos, ou o fracasso, aquilo que observamos nos campos da educação e da intervenção social em muitos países, especialmente o Brasil. Cremos ser necessário apontar nesta investigação alguns dos fulcrais paradoxos nos campos da educação, da intervenção social e da formação de professores, principalmente no que tange ao Brasil.

Objetivamos com isso aprimorar a melhoria dos resultados e o aprofundamento nos campos citados: educação, intervenção social e na formação de professores, pois ainda detectamos muitas contradições nestes campos, fracasso generalizado, resultados pífios, apesar do empenho de muitos profissionais da educação e pouca eficácia no que tange à intervenção social. Para isso nos valeremos de uma gama de artigos, dissertações, teses e outros documentos bibliográficos para o levantamento destes paradoxos, iniciando por dois grandes educadores do mundo, de renomes mundiais, ambos conhecidos pela radicalidade nos campos da educação e da intervenção social e que influenciaram muito na formação dos professores, especialmente nas décadas de 1960 e 1970, como também nos dias hodiernos, Ivan Illich e Paulo Freire.

Ivan Illich e Paulo Freire: dois artífices no apontamento de alguns paradoxos da educação, da intervenção social e da formação de professores

Ivan Illich e Paulo Freire são praticamente inclassificáveis, considerados “perigosos” por seus posicionamentos radicais no que tange à educação. Os educadores que, nos anos 1960, tiveram a oportunidade de trabalhar em parceria aos supramencionados autores, no Centro Intercultural de Documentación (CIDOC), em Cuernavaca, México, puderam vivenciar a experiência de uma educação revolucionária. Dito Centro Intercultural de documentação dedicou-se a repensar a educação e a intervir socialmente e politicamente na América Latina como proposta de alternativas ao desenvolvimento deste continente, reunindo os mais renomados intelectuais, professores, religiosos e políticos. Nesta esteira, Carlos Alberto Torres esclarece o que era o CIDOC:

este Centro, sob a inspiração de Illich, influenciado pelas ideias de Raymond Everett e com a presença de um sem número de intelectuais radicais, nos quais se incluem Paul Goodman, Erich Fromm, Peter Berger, o bispo de Cuernavaca (vinculado à teologia da libertação), Sérgio Mendez Arceo e o próprio Paulo Freire, que viajou do Chile, converte-se num lugar obrigatório para o estudo e para a prática de educação revolucionária no mundo inteiro (TORRES, 2005, p. 88).

Não é o objetivo dessa investigação expor acerca das atividades do referido Centro e nem tratar da relação e separação de Paulo Freire e Ivan Illich, o que se percebe é que ambos buscaram caminhos diferentes para demonstrar a importância da educação na construção de uma sociedade de seres humanos livres, autônomos, democráticos e justos. Paulo Freire dedica-se à melhoria das maneiras de aprender, alfabetização e da conscientização do Oprimido, enquanto Ivan Illich se interroga acerca de como uma sociedade tenta educar todas as pessoas de um determinado modo. É importante salientar que ambos imprimiram sua marca, Paulo Freire com sua obra prima Pedagogia do Oprimido, 1968 e Ivan Illich com Sociedade sem Escolas, 1971.

Nestas obras expressam a sua radicalidade no que se refere à escola, aprendizagem, educação, educadores e intervenção social. Também, inspiram na atualidade a possibilidade de uma educação libertadora e libertária, rompendo com o atual modelo escolar institucionalizado pelo mercado, que transformou a educação em uma moeda de troca, sem grandes intervenções na sociedade hodierna. Afinal, qual é a função da Escola? Manter o status quo, uma ilha na sociedade, perpetuar e perpetrar a ideologia da classe dominante, reproduzir a ideologia da mesma, conduzir a uma alienação, no que tange à intervenção social, ou possibilitar uma aprendizagem transformadora? Através de uma revisitação às críticas de Ivan Illich e Paulo Freire, intentaremos, com suas críticas à escola, à educação e à aprendizagem, buscar pistas para a reflexão hodierna.

Ivan Illich: um crítico radical do modelo de Escola e inspirador da educação libertária

O primeiro grande paradoxo é crer numa educação universal realizada pela Escola. Ivan Illich esclarece isso já na introdução do seu clássico livro Sociedade sem Escolas:

não é possível uma educação universal através da escola. Seria mais factível se fosse tentada por outras instituições, seguindo o estilo das escolas atuais. Nem as novas atitudes dos professores em relação aos alunos, nem a proliferação de práticas educacionais rígidas ou permissivas (na escola ou no quarto de dormir), nem a tentativa de prolongar a responsabilidade do pedagogo até absorver a própria existência de seus alunos vai conseguir a educação universal. A atual procura de novas saídas educacionais deve virar procura de seu inverso institucional: a teia educacional que aumenta a oportunidade de cada um de transformar todo instante de sua vida num instante de aprendizado, de participação, de cuidado. Esperamos contribuir com conceitos válidos aos que se ocupam dessa pesquisa no campo educacional - e também aos que procuram alternativas para outras indústrias de serviço estabelecidas (ILLICH, 1985, p. 14).

A escola passa a impressão de uma educação universal, aberta igualmente a todas e todos aspirantes, mas na verdade está aberta somente àqueles que renovam constantemente as suas credenciais, ela é seletiva, hierárquica e, por isso, é colocada por Illich no extremo do espectro institucional. Enquanto seletiva e hierárquica não produz intervenções sociais que sejam significativas. A escola aparenta estar fornecendo educação, aprendizagem, mas na realidade está interessada no consumo dos seus serviços. A escola “escolariza” pais, crianças, estudantes e até a própria realidade social, conduzindo à confusão entre ensino e aprendizagem, obtenção de escaladas de graus com educação, diploma com competência e até a fluência no falar com a capacidade de dizer algo novo. Deste modo, perverte a realidade social, hierarquizando funções e funcionando como a legitimadora da hierarquia social. Quem não tem a oportunidade de frequentar a escola já está desclassificado, ou seja, não há igualdade de oportunidades, está condenado ao fracasso, ao insucesso.

No quarto capítulo de Sociedade sem Escolas, Illich se reporta ao espectro institucional, pondo em destaque os falsos serviços públicos, comparando as escolas às rodovias e classificando-as, também, como falsos e espúrios serviços públicos. Enquanto as rodovias dependem dos automóveis particulares, a escola crê que a aprendizagem resulta de um ensino engessado em uma grade curricular (ILLICH, 1985, p. 65-76). A escola tornou-se o critério para legitimar a desigualdade e a hierarquia social, classificando as pessoas e favorecendo a desigualdade de oportunidades para aqueles que por diversas razões não puderam frequentá-la. Por isso, presta um desserviço, é um “falso serviço público”, (ILLICH, 1985, p. 72). Devido a isso, Illich propõe desinstalar, desescolarizar, não só a escola, mas toda a sociedade, pois “a escolaridade não promove nem aprendizagem e nem justiça” (ILLICH, 1985, p. 26), nada mais é que uma introdutora do neófito à carreira desenfreada e sagrada do consumo, tornando assim um crítico radical, não somente da escola, mas de toda e qualquer instituição a serviço do Mercado. Ainda ao expor sobre as razões da desinstalação da escola, o autor agrega que:

muitos estudantes, especialmente os mais pobres, percebem intuitivamente o que a escola faz por eles. Ela os escolariza para confundir processo com substância. Alcançado isto, uma nova lógica entra em jogo: quanto mais longa a escolaridade, melhores os resultados; ou, então, a graduação leva ao sucesso. O aluno é, desse modo, «escolarizado» a confundir ensino com aprendizagem, obtenção de graus com educação, diploma com competência, fluência no falar com capacidade de dizer algo novo. Sua imaginação é «escolarizada» a aceitar serviço em vez de valor (ILLICH, 1985, p. 16).

É muito importante esclarecer que Sociedade sem escolas em Ivan Illich não significa sociedade sem educação, sem estudantes e sem ensino, na verdade é o contrário, para ele é o sistema escolar, a grade curricular e a obrigatoriedade de frequentar a escola que atrapalham a educação, interrompem o ensino, prejudicam os estudantes, violentam os professores e inviabilizam a educação.

Outro paradoxo, em que Illich tece a sua crítica é no caráter autoritário da escola, enquanto se apregoa na maior parte do planeta uma educação e gestão democrática e participativa. É óbvio que Ivan Illich não crê em uma sociedade sem nenhuma instituição, mas o que está interessado é separar aquelas instituições que manipulam o ser humano e aquelas que produzem o sadio convívio. Para ele, o caráter autoritário da instituição, escola, está na monopolização do conhecimento. A escola com o seu aparato hierárquico, burocrático, com seus diretores, gestores, inspetores, corpo administrativo e pedagógico, legitima a hierarquia social, produz a desigualdade de oportunidades e elitiza os saberes e funções e a grande ferramenta de manutenção de uma sociedade hierarquizada e desigual, que não valoriza o autodidata, mas monopoliza e centraliza todo e qualquer conhecimento, somente no professor.

Enquanto o Estado não abolir o monopólio da escola na educação, ela continuará disseminando o preconceito e a discriminação e instituindo categorias diferentes de cidadania, por isso, faz-se urgente desinstalar a escola, pois ao invés de preparar as pessoas para o mundo, ela as afasta do mundo. Além disso, por sua estrutura sistemática e hierarquizada, controladora, escraviza os estudantes, paradoxalmente, deveria proporcionar um conhecimento compartilhado entre os seres humanos de forma livre, democrática e convivial (ILLICH, 1985, p. 16-39). Em seguida enunciaremos outros paradoxos vividos nos dias hodiernos que contradizem a atual conjuntura de escola, segundo outro renomado educador do mundo, um dos mais notáveis educadores, o brasileiro Paulo Freire. Desde o início dos anos 1960 estimula uma educação centrada na autonomia, uma educação como prática da liberdade (1967) e que conduza a partir da práxis, a conscientização. Ficando mundialmente conhecido por sua obra prima, escrita há cinquenta anos: Pedagogia do Oprimido, 1968.

Paulo Freire: inspirador e propagador da educação libertadora, que é um paradoxo na atual conjuntura escolar nos tempos da economia de mercado globalizado

Vivemos tempos difíceis, de uma liquidez, em todos os âmbitos da sociedade, incluso da educação, no sentido empregado pelo sociólogo Zygmunt Bauman, do pensamento fragmentado, das teorias que apregoam uma educação a política, de uma educação que doméstica e não conscientiza, que manipula e controla, em vez de ser prática da liberdade e da autonomia, empregadas por Paulo Freire nos anos 1960 e 1990, respectivamente. Algumas vezes, até distante de uma atitude ética, implicada no próprio ato de educar, alijada da práxis, conforme assevera Borges em sua proposta de reconstrução de uma ética pedagógica libertadora à luz de Paulo Freire:

as lições freireanas no campo ético-educativo são apreendidas e ensinadas quando nos indignamos diante das injustiças que ocorrem em nosso meio. Eis aí o início da atitude ética, a capacidade de indignar-se. Trata-se de uma capacidade, verificada nas ações e protestos contra toda forma de injustiça, nascida de um processo de conscientização e de construção e reconstrução da consciência crítica pelo ato de educar (BORGES, 2013, p. 161).

Fomentar a liberdade, a autonomia, a emancipação, a cidadania é tarefa essencial de uma educação comprometida com a transformação social, mas não é isso que temos visto, por exemplo, na última Base Nacional Curricular Comum (BNCC), promulgada em dezembro de 2017 pelo Ministério da Educação do Brasil, onde o perfil esperado do estudante, futuro trabalhador brasileiro delineado, está longe de incorporar a realidade, o contexto histórico-social do país. As competências propostas relacionadas às Humanidades não permitem uma visão geral da pessoa humana, dado as limitações em relação às disciplinas de Filosofia, Sociologia e Artes, que distorcem a realidade de forma ideológica, sem entrar em problemas candentes da atualidade brasileira, como a discussão de gênero e a diversidade sexual e tantas outras problemáticas relacionadas à sociedade, política e à economia, ou seja, não transforma, não emancipa, mas aliena e não faz do educando um sujeito, uma presença que intervém no seu contexto, como agrega Paulo Freire em uma de suas últimas obras escrita em 1996, Pedagogia da Autonomia:

presença que se pensa a si mesma, que se sabe presença, que intervém, que transforma, que fala do que faz, mas também do que sonha, que constata, compara, avalia, valora, que decide, que rompe. É no domínio da decisão, da avaliação, da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura a necessidade da ética e se impõe a responsabilidade (FREIRE, 2006, p. 18).

Após este breve excurso, tomaremos três grandes conceitos do referencial freireano: Conscientização, práxis e autonomia, elucidando os mesmos como paradoxos, dentro do cenário mundial da geopolítica capitalista, que norteia as transformações sociais, políticas e econômicas. Além disso, interferem nas práticas de formação de professores, nos campos da educação e na intervenção social, dado que a escola é uma das ferramentas de manutenção deste sistema, como supra expusemos. Em breves linhas recordaremos o que Paulo Freire compreende acerca destes três conceitos e depois compararemos com a conjuntura atual adversa ao que apresentaremos.

A conscientização para Paulo Freire se converte em um conhecimento, uma nova posição epistemológica, que gera a tomada de consciência, principalmente pelo processo de educação, assentado na dialogicidade e na politicidade (BORGES, 2013, p. 72-76), como define Paulo Freire: “a conscientização implica, pois que ultrapassemos a esfera espontânea de apreensão da realidade, para chegarmos a uma esfera crítica na qual a realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o homem assume uma posição epistemológica” (FREIRE, 1980, p. 26).

A autonomia é a capacidade de o sujeito orientar-se por suas próprias leis, de se autogovernar, de tomar as suas próprias decisões. Para isso, o sujeito deverá ser exposto a vivências que propiciem experiências de decisão e ao mesmo tempo de se responsabilizar-se pelas consequências que estas implicam. Paulo Freire dedica à sua última obra uma espécie de testamento, em que expõe os saberes fundamentais da prática educativa, estabelece novas relações e condições para a tarefa da educação, sintetizando questões fundamentais para a formação de professores na consolidação e na implementação do diálogo político-pedagógico, onde a autonomia auxilia na capacidade crítica da cultura e dos conhecimentos empíricos uns dos outros (FREIRE, 2006, p. 21-146). Esta autonomia deverá ser permeada de “uma ética universal do ser humano” (FREIRE, 2006, p. 18).

A práxis aparece no conjunto do corpus freireano, especialmente delineada em Pedagogia do Oprimido, escrita há cinquenta anos, que é constituída de duas dimensões, a saber: ação e reflexão. De acordo com Freire:

duas dimensões, ação e reflexão, de tal forma solidárias, em uma interação radical que, sacrificada, ainda que em parte, uma delas, se ressente, imediatamente, a outra. Não há palavra verdadeira que não seja práxis. Daí que dizer a palavra verdadeira seja transformar o mundo. [...] não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão. [...] Práxis que sendo reflexão e ação verdadeiramente transformadora da realidade, é fonte de conhecimento reflexivo e criação. [...]. Na medida em que a conscientização, na e pela “revolução cultural”, se vai aprofundando na práxis criadora da sociedade nova, os homens vão desvelando as razões do permanecer das “sobrevivências” míticas, no fundo, realidades forjadas na velha sociedade (FREIRE, 2017, p. 107-108; 127; 215).

É nesta unidade ação-reflexão que Freire defende a verdadeira práxis, esta “opõe-se às ideias de alienação e domesticação” (ROSSATO, 2010, p. 325), muito comuns no atual sistema escolarizado de educação, que contrariam e subvertem a práxis. Esta é considerada por Freire como um produto histórico-social do ser humano, situado e contextualizado em mundo em contínua transformação, ou seja, um conjunto de práticas que objetivam transformar e modificar a realidade histórico-social em que o ser humano está inserido. Toda a pedagogia libertadora freireana preza pela desconstrução de qualquer “ordem social” injusta, que deverá ser impulsionada pela prática educativa, forjada pela práxis histórico-social.

Os três elementos ou conceitos-chave da Pedagogia freireana: conscientização, autonomia e práxis, por nós expostos, se coadunam e coexistem mutuamente, um não existe sem o outro. Para que haja conscientização necessita-se de autonomia e não pode haver conscientização fora da práxis, como o próprio Freire salienta: “[...] não pode existir fora da práxis, ou melhor, sem o ato ação-reflexão. Esta unidade dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens” (FREIRE, 1980, p. 26). Enquanto a conscientização desvela e revela a realidade, a práxis transforma. Por isso, estamos ainda longe de uma pedagogia da participação, onde todos são incluídos e participam neste processo de conscientização, de uma verdadeira práxis que conduz à transformação, apesar de fomentarmos a gestão democrática escolar e participativa; participação para Freire implica um “estar presente na História e não simplesmente nela estar representados” (FREIRE, 2000, p. 75), referindo-se ao alijamento das classes populares do nível das opções e decisões.

E o lócus concreto da realidade histórico-social da Escola moderna e contemporânea é a economia de mercado globalizada, onde a educação também se transformou em moeda de troca, onde se perpetua a desigualdade, a hierarquização, a elitização, a opressão da condição humana e, cada vez mais, ela se torna uma ilha, alijada do contexto histórico-social, paradoxalmente oposta à pedagogia libertária de Ivan Illich e à pedagogia libertadora de Ivan Illich.

Paradoxos da Escola contemporânea a partir dos postulados filosóficos e histórico-sociais de Ivan Illich e Paulo Freire

Na escola brasileira, a gestão democrática e participativa constitui um paradoxo com raízes históricas. Illich ressalta o caráter autoritário da gestão escolar (ILLICH, 1985, p. 16-39) evidenciando esse paradoxo onipresente na educação brasileira. Apesar de constar de forma expressa na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96, a gestão democrática e participativa não estão incorporadas à práxis escolar, como se destaca no seguinte artigo da referida lei:

os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes (Artigo 14).

Nas referidas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ressalta-se que cabe aos sistemas de ensino a definição das normas norteadoras da gestão democrática na escola, de acordo com suas peculiaridades e princípios estabelecidos, mas o que se observa é que a escola tem servido como aparelho encorajador da reprodução da ideologia dominante. Os instrumentos de conhecimento que se encontram na sociedade, sendo a escola um dos principais, têm contribuído para que os sistemas simbólicos sejam legitimados e com isso mantém a dominação de uma classe sobre outra, conforme destaca Bourdieu:

[...] enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os sistemas simbólicos cumprem a sua função política de instrumentos e imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre a outra (BOURDIEU, 2000, p. 11).

Essa legitimação da dominação neutraliza o poder da escola, tornando-a subserviente e não o agente de transformação e libertação da sociedade. A gestão escolar democrática, que deve ser construída no decorrer do processo, contemplando a participação e engajamento de toda comunidade escolar, nem sempre é compreendida em profundidade e perde sua função de interlocutora ou mediadora na resolução dos problemas postos pela prática pedagógica como assevera Veiga:

a gestão democrática exige a compreensão em profundidade dos problemas postos pela prática pedagógica. Ela visa romper com a separação entre concepção e execução, entre o pensar e o fazer, entre teoria e prática. Busca resgatar o controle do processo e do produto do trabalho pelos educadores. A gestão democrática implica principalmente o repensar da estrutura de poder da escola, tendo em vista sua socialização. A socialização do poder da escola, tendo em vista sua socialização do poder propicia a prática da participação coletiva, que atenua o individualismo: da reciprocidade, que elimina a exploração; da solidariedade, que supera a opressão; da autonomia, que anula a dependência de órgãos intermediários que elaboram políticas educacionais das quais a escola é mera executora (VEIGA, 2003, p. 18).

A compreensão dos diferentes problemas apresentados na prática pedagógica por todos os atores da comunidade escolar contribuirá para uma maior percepção da realidade, fomentando o interesse, o engajamento e o pleno controle do processo educacional para uma real gestão democrática. Veiga também salienta que a gestão democrática na escola conduz ao repensar a estrutura de poder, promovendo a sua socialização do poder e a prática da participação coletiva. Assim, distribuem-se melhor as forças decisórias, encorajando e desalienando os desinteressados ou acomodados.

Um segundo paradoxo, que está bem presente nas diferentes instituições de ensino, é a questão a autonomia. Para Freire, a autonomia auxilia na capacidade crítica da cultura e dos conhecimentos empíricos uns dos outros (FREIRE, 2006, p. 21-146). Para que isso ocorra, o sujeito precisa participar de momentos no interior da escola, estes que proporcionarão condições para o desenvolvimento da capacidade de tomada de decisões, o que torna o indivíduo participante efetivo do processo educacional.

Refletir sobre autonomia, nos conduz ao paradoxo, autonomia versus dependência, aspecto esse presente nas escolas. Para Freire, a autonomia crítica deve ser algo presente no processo educacional por parte dos educadores, “o trabalho de construção de autonomia é o trabalho do professor com os alunos e não do professor consigo mesmo” (FREIRE, 1996, p. 71). Desse modo é de responsabilidade do professor primeiramente respeitar as iniciativas dos alunos, e também de promover essa autonomia, aspecto esse que deve fazer parte do cotidiano escolar. “O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros” (FREIRE, 2006, p. 24). O desrespeito por parte dos professores para com a autonomia do estudante evidencia, principalmente, em relação à curiosidade e na busca pelo diferente, constituindo ato opressor que tolhe a liberdade, conforme afirma Freire:

o professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético, a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente, a sua sintaxe e a sua prosódia; o professor que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que “ele se ponha em seu lugar” ao mais tênue sinal de sua rebeldia legítima, tanto quanto o professor que se exime do cumprimento de seu dever de propor limites à liberdade do aluno, que se furta ao dever de ensinar, de estar respeitosamente presente à experiência formadora do educando, transgride os princípios fundamentalmente éticos de nossa existência. É neste sentido que o professor autoritário, que por isso mesmo afoga a liberdade do educando, amesquinhando o seu direito de estar sendo curioso e inquieto, tanto quanto o professor licencioso rompe com a radicalidade do ser humano - a de sua inconclusão assumida em que se enraíza a eticidade (FREIRE, 2006, p. 25).

É válido destacar alguns aspectos ressaltados por Freire, como o de que o professor que não respeita ou considera a curiosidade do aluno, simplesmente tolhendo algo que faz parte da natureza da criança ou do adolescente, nega a possibilidade do desenvolvimento da sua autonomia, inibe seu potencial criativo e ao invés de formar, deforma o sujeito.

Outro ponto que merece ser considerado é que a partir do momento que o professor toma essa atitude de não oportunizar ao aluno condições para que esse explore suas curiosidades e inquietudes, tal ação irá produzir um adulto com baixa ou nenhuma autonomia. Desse modo, tal sujeito terá poucas condições de ser um indivíduo com papel de agente transformador de sua realidade deformada pelo sistema dominante. Entretanto, a escola deve ser um agente de transformação da sociedade, promovendo o desenvolvimento de indivíduos reflexivos e autônomos, que promovem a dialogicidade verdadeira.

O inédito viável como categoria epistemológica freireana e ferramenta de superação dos paradoxos aqui elencados

Os paradoxos apresentados, tanto a democracia no interior da escola, bem como o respeito à autonomia do educando por parte do professor, são aspectos presentes nas diferentes instituições educacionais. Por isso, discutir o inédito viável apresentado por Paulo Freire é acender a chama que irradiará luz no meio da vasta neblina sobreposta pelas ideias neoliberais presente nas escolas brasileiras. Esta expressão, inédito viável, foi cunhada por Paulo Freire há cinco décadas, exatamente, quando “pintava” a sua obra-prima Pedagogia do Oprimido, reencontrada duas décadas mais tarde em Pedagogia da Esperança. O inédito viável não é apenas um neologismo ou uma nova expressão, mas é uma categoria epistemológica freireana que nos abre novos horizontes, os da crença no sonho possível. É utopia, mas vai além da utopia, pois o inédito viável está impregnado de uma esperança ativa que almeja concretizar-se.

Tornar realidade aquilo que para alguns é mero sonho, fazer real aquilo que é utópico, pode tornar aquilo que parecia inviável claramente em inédito viável, em um “percebido destacado” pelos que pensam utopicamente. Além disso, “poderá materializar o sonho, transformando-o em realidade” (STRECK, 2008, p. 233). O desejo que a escola seja lugar em que a democracia permeia as instâncias deve ultrapassar a esfera do sonho para se tornar realidade concreta. As barreiras e as situações limites necessitam ser rompidas e vencidas, para que nenhum obstáculo possa desestimular os seres humanos a sonharem, pois estes podem tornar-se realidade, esta é a função do inédito viável.

A educação é o campo fértil dos inéditos viáveis, pois quanto mais almejamos, mais eles se apresentam. Pensar que os educandos podem ser sujeitos autônomos transformadores da realidade não é uma utopia, mas, possibilidade. Almejar que a escola não seja um mero aparelho propagador de ideias e legitimador do sistema vigente, mas protagonista de momentos de superação, é acreditar no sujeito e nos seus anseios. O “inédito viável” tem um grande significado, pois é uma palavra “[...] na qual estão intrínsecos o dever e o gosto de mudarmos a nós mesmos dialeticamente mudando o mundo e sendo por ele mudado” (STRECK, 2008, p. 231). Mudar implica não aceitar o status quo por mero comodismo, mas transformar a realidade evitando a estagnação ou a morte decorrente do deixar de sonhar. A transformação coletiva inicia com a transformação pessoal, inerente do Ser. Talvez ainda não tenhamos compreendido o real significado e alcance desta categoria epistemológica freireana, que é o inédito viável.

Considerações finais

O que podemos constatar ao final desta investigação é que se perpetuam os grandes paradoxos nos campos da educação, da intervenção social e da formação de professores no Brasil. Os paradoxos contrapõem-se à formação e ao progresso científico e epistemológico, quando não identificados, produzem resultados absurdos, como temos visto no caso da escola, o fracasso e o insucesso. É o que assistimos diariamente nos campos da educação e formação de professores, no que tange à intervenção social.

Afinal, para que serve a Escola e qual é o seu papel? Se ela tem a função de perpassar e perpetuar a ideologia da classe dominante e para oferecer serviços de consumo, como mais uma instituição do Mercado, exercerá somente uma função reprodutiva em termos de educação, porém, o que se espera é que seu produto, a educação, seja emancipadora e transformadora para a cidadania e democracia. Ivan Illich já apontou em seu clássico Sociedade sem Escolas que o primeiro e maior de todos os paradoxos é crer numa educação universal realizada pela escola (ILLICH, 1985, p. 14). É um paradoxo, pois não está aberta a todos aqueles que a aspiram e, então, não há igualdade de oportunidades, mas é legitimadora da hierarquia social, discriminatória e seletiva.

A Escola se apresenta como um serviço indispensável e de utilidade pública, mas tornou-se presa fácil do Mercado globalizado do Capital. Paradoxalmente, ao invés de reverter ou transformar a realidade social, a reproduz e a perverte. Dessa forma, torna-se um instrumento de legitimação da hierarquia social, desclassificando e condenando ao fracasso e ao insucesso aqueles que nela não conseguiram aceder. Outro paradoxo é que a emancipação e a cidadania, esperadas pela educação escolarizada produz, como apontamos, discriminação, desigualdade de oportunidades e, por suposto, a injustiça social.

Apesar dos trinta anos de redemocratização do país, a Escola no brasil ainda possui muitos ranços de autoritarismo. O discurso é democrático, participativo, de acordo com as premissas contidas na Carta Magna, explicitados nas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, apontadas neste itinerário investigativo, mas a prática caminha em outra direção. Para Ivan Illich, nada mais arbitrário e autoritário do que a monopolização do conhecimento realizada pela escola, o que demonstra mais um paradoxo.

Na mesma esteira de Ivan Illich, segue Paulo Freire ao explicitarmos os três conceitos-chave do conjunto da obra freireana: autonomia, conscientização e práxis, verificaram que os mesmos paradoxos se evidenciam tanto no cenário nacional hodierno e na grande parte do mundo. Sabemos que para Freire em todo ato educativo está implicada uma atitude ética e é da ética que nasce a capacidade de indignar-se diante de qualquer forma de injustiça social. Na grande maioria das Escolas, mais do que proporcionar a autonomia para que o educando seja sujeito do seu processo, paradoxalmente, a escola o transforma em um ser dependente e até o infantiliza. Eximindo-o de sua responsabilidade social e distanciando-o de uma competência capaz de conduzi-lo à intervenção social no contexto histórico-social em que está inserido.

Ao contrário de propiciar a conscientização comprometida com a transformação social, paradoxalmente, a Escola se pauta em uma Base Nacional Curricular Comum, recentemente aprovada, dezembro de 2017, onde o perfil do estudante brasileiro aí delineado está longe de incorporar o contexto histórico-social do país e mais distante de uma visão integral e integradora do ser humano. Por fim, o paradoxo, também, se revela na práxis, pois o discurso da Escola está muito alijado da ação. É necessário renovar a esperança para que estas incongruências expressas nestes paradoxos possam ser sanadas com a insistência na formação de professores. É aí que entra o inédito viável no sentido freireano, a possibilidade de ensaiar aquilo que ainda não foi ensaiado, a possibilidade da construção e reconstrução de um futuro promissor para a Escola, pois muitas vezes nos acomodamos e até nos acostumamos que certas coisas não podem mudar, não podem acontecer e, desta forma, romper com os paradoxos apontados.

Referências

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Recebido: 27 de Agosto de 2018; Aceito: 05 de Outubro de 2018

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VB: Doutor em Educação, e-mail: valdirb@hotmail.com RLR: Mestre em Educação, e-mail: rennergil@uol.com.br

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