Introdução
Transcorridas mais de duas décadas do reconhecimento como modalidade educacional e mais de uma década da sua regulação, a Educação a Distância (EaD) tem transformado a formação superior no Brasil de forma quantitativa (pelas proporções de matrículas e por sua capilaridade) e qualitativa (pelo inevitável fomento ao uso de tecnologias). Ao mesmo passo, incrementou e deu escalas variadas a desafios já enfrentados pelas instituições de ensino superior que ofertam cursos nessa modalidade, em especial a evasão discente.
Estudo feito pelo Instituto Lobo para o Desenvolvimento da Educação, da Ciência e da Tecnologia, com base nos dados do Censo do Ensino Superior, mostra que apenas 49% dos estudantes desse nível de ensino se titularam após quatro anos de curso. As perdas financeiras com a evasão no ensino superior podem chegar a 27% (SILVA FILHO, 2017). Estudos realizados em 2013 na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) apontam que apenas 48% dos estudantes que deveriam se formar em 2012 concluíram seus cursos, confirmando os resultados do Instituto Lobo (PEREIRA, 2013; SALES JUNIOR, 2013).
Outro dado importante, relacionado à eficiência do sistema de ensino superior, é a Taxa de Titulação, que mede o percentual de alunos que se forma em relação ao número de ingressantes nos anos de ingresso correspondentes. No caso brasileiro, dados do Censo do Ensino Superior mostram que a Taxa de Titulação, relacionando os formados de 2015 aos ingressantes de 2011 para os cursos de licenciatura EaD, foi de 51%, significando que apenas aproximadamente metade dos discentes se formaram no período previsto (SILVA FILHO, 2017). A retenção discente, entendida como a não integralização do curso no período recomendado no projeto pedagógico, é um dos fatores que podem levar à evasão discente (PEREIRA et al., 2016).
Segundo Tinto (2012), alunos de renda elevada têm três vezes mais chances de concluir o ensino superior, em comparação àqueles de baixa renda. Assim, quando se amplia o acesso dos estudantes de menor renda ao ensino superior, proporcionalmente em relação a aqueles de mais alta renda, a evasão ganha nova proporção. Ainda segundo Tinto (2012), a despeito da intenção de várias nações de ampliar o acesso de estudantes de baixa renda à universidade, buscando reduzir desigualdades sociais, ainda não é possível ver esse esforço espelhado, nas mesmas proporções, nos índices de conclusão dos cursos superiores.
Esses resultados não podem ser imputados à falta de esforços. Governos de vários países têm investido grandes somas de recursos em programas de apoio e assistência estudantil, visando reduzir a evasão no ensino superior2, grande parte deles voltados especificamente aos estudantes de baixa renda (HESS et al., 2009; MORTENSEN, 2012).
Apesar disso, pesquisas que buscam compreender o fenômeno da evasão discente não têm tido sucesso em apontar soluções para o desenvolvimento e implantação de programas que reduzam a desistência (SALLES JUNIOR., 2013; ALENCAR, 2014; PETRIS, 2014). Segundo Tinto (2012), isso se deve ao fato de essas pesquisas considerarem que o fenômeno da persistência é o inverso do fenômeno da evasão. Supõem que, ao se compreender a evasão discente, automaticamente pelo seu inverso, compreende-se o comportamento de persistência ou de não desistência. Apesar dos fenômenos estarem relacionados, compreender as razões que levam à evasão não necessariamente propicia o desenvolvimento de ações que ajudem os estudantes a persistirem. A persistência parece estar associada a questões singulares do indivíduo, tais como sua personalidade e motivação.
Soma-se a isso o fato de que estudantes tradicionais, que se dedicam em tempo integral ao ensino superior, após concluírem o ensino médio representam menos da metade dos estudantes das universidades. A maioria deles trabalha enquanto cursa o nível superior, especialmente aqueles de baixa renda e mais velhos, que não tiveram oportunidade de cursar o ensino superior logo após completar o ensino médio. Esses estudantes, denominados não tradicionais, são a maioria nos cursos EaD, o que contribui para o agravamento do problema do baixo índice de conclusão dos cursos nessa modalidade educacional (METZNER; BEAN, 1987).
Como um traço psicológico ou característica de personalidade, a persistência pode ser definida como: 1) perseverança ou repetição de uma ação, procedimento ou atividade apesar da cessação do estímulo que a originou; 2) a qualidade ou estado de preservar um caminho de ação ou continuar um trabalho e completá-lo a despeito de forças contrárias ou esforço envolvido3. Assim, persistência é a capacidade de continuar com os esforços mesmo frente a desafios ou dificuldades. É o comportamento de ação contínua, apesar da presença de obstáculos (ROVAI, 2003).
A persistência na aprendizagem tem sido definida como o “estado em que alunos participam continuamente de seus programas educacionais e concluem seus cursos, créditos e graus para chegar a seus objetivos educacionais” (MÜLLER, 2008, p. 2). Lee (2003) identificou que a motivação do aluno é fator importante para a persistência discente; já Chung (2000) afirma que alunos persistentes em cursos EaD apresentam capacidade de motivação intrínseca e participam de forma mais ambiciosa do processo de aprendizagem.
Os adultos optam por participar de programas educacionais para atender às suas metas de aprendizagem ou crescimento profissional, enquanto as crianças, com menor autonomia, participam da escola por causa de requisitos de frequência obrigatória. Consequentemente, as taxas de persistência dos adultos são muitas vezes substancialmente mais baixas do que as de crianças, fortemente relacionadas com a capacidade dos programas educacionais em satisfazer às necessidades desses adultos (ROVAI, 2003).
Durante as últimas décadas, têm surgido vários modelos teóricos sobre persistência discente no ensino superior. As primeiras tentativas de explicar a persistência são baseadas em modelos psicológicos. Fishbein e Ajzen (1975) teorizam que a decisão do aluno de persistir é, em grande medida, baseada em comportamentos anteriores, atitudes e normas que direcionam o seu comportamento para a intenção do aprendizado.
Tipologias mais recentes, fundamentadas em modelos psicológicos, explicam a persistência levando em consideração o estudante, a instituição de ensino e suas variáveis ambientais, tais como a integração social dos alunos na vida no campus. Nessa linha, dois modelos importantes foram desenvolvidos por Tinto (1975; 1987; 1993) e por Bean e Metzner (1985). Tinto (1975; 1987; 1993) teorizou que os principais determinantes da persistência bem-sucedida podem ser divididos em: (i) fatores relacionados a experiências anteriores à entrada no curso/ (ii) características individuais dos estudantes; e (iii) fatores relacionados a experiências na universidade, durante a integralização do curso superior.
Ao analisar estudantes não tradicionais, Bean e Metzner (1985) identificaram quatro fatores que afetam a persistência: (i) variáveis acadêmicas - hábitos de estudo e disponibilidade de tempo para os estudos; (ii) variáveis individuais - idade, objetivos educacionais, etnia e resultados educacionais prévios; (iii) variáveis ambientais - finanças, horas de trabalho, responsabilidades familiares e estímulos exteriores; e (iv) resultados acadêmicos e psicológicos durante o curso. Essas variáveis, muitas das quais estão fora do controle da escola ou da universidade, podem induzir a desistência dos alunos, ao passo que pressionam seu tempo, seus recursos e sua sensação de bem-estar.
Metzner e Bean (1987) descobriram também que variáveis de integração não foram significativas para os estudantes não tradicionais. Para esses alunos, o que afeta a persistência é a percepção de utilidade da educação de nível superior na obtenção de emprego, satisfação pessoal e oportunidade de melhoria de vida. Para Henry e Smith (1993), os estudantes podem abandonar a universidade apesar do bom desempenho acadêmico caso percebam baixos níveis de utilidade do curso, não tenham satisfação ou se vivenciem altos níveis de estresse. Bean (1980) destaca, ainda, um aspecto importante para gestão das universidades ao afirmar que reter um aluno é fundamental para a capacidade de uma instituição realizar sua missão. A elevada taxa de abandono constitui-se uma falha da instituição para atingir o seu objetivo.
Seguindo a mesma linha de investigação sobre características dos estudantes, um desenvolvimento teórico mais recente (MOWEN, 2000; MOWEN; VOSS, 2008) tem possibilitado investigar construtos comportamentais associados a traços de personalidade em uma perspectiva hierárquica, integrando-os e possibilitando melhores índices de validade e confiabilidade. Neste trabalho, foram utilizados como referência os traços de personalidade sugeridos por Mowen (2000) que associa hierarquicamente traços básicos de personalidade a comportamentos que podem ser intersubjetivamente validados.
Sendo assim, o objetivo da presente pesquisa é comparar diferentes características quanto aos traços de personalidade de discentes que persistem em cursos superiores EaD. Consiste em analisar se o comportamento de persistência varia (e com quais correlações) em função dessas características.
Referencial teórico
Entende-se por traço de personalidade “qualquer construto intrapsíquico que pode ser mensurado de forma válida e confiável e que prevê diferenças individuais em sentimentos, pensamentos e comportamentos” (MOWEN, 2000, p. 2). O Modelo Metateórico de Motivação e Personalidade - 3M, proposto por Mowen (2000), é uma metateoria por fundamentar-se nos princípios da Teoria do Controle (CARVER; SCHEIRER, 1990), da Psicologia Evolucionária (BUSS, 1988), da Personalidade Hierárquica (PAUNONEN, 1998) e no Modelo dos Cinco Fatores de Personalidade (McCRAE; COSTA, 1997).
A estrutura hierárquica do Modelo 3M deriva do trabalho de Paunonen (1998) que sugere a organização da personalidade em quatro níveis hierárquicos, segundo níveis crescentes de abstração. O primeiro nível é o mais superficial, no qual se enquadram os comportamentos que podem ser facilmente observados (respostas específicas). O segundo nível reúne tendências comportamentais que podem ser observadas ao longo do tempo (respostas habituais). O terceiro nível congrega as preferências comportamentais (traços comportamentais) que antecedem as tendências comportamentais. O quarto e último nível contém fatores mais abstratos e abrangentes que antecedem os traços comportamentais. A partir dessa estratificação, Mowen (2000) propõe quatro níveis hierárquicos de traços de personalidade no modelo 3M: (i) traços elementares; (ii) traços compostos; (iii) traços situacionais; e (iv) traços superficiais. A hierarquia de personalidade proposta por Mowen, de traços mais abstratos a traços mais concretos, está apresentada de forma invertida em relação à perspectiva adotada por Paunonen (1998).
Os traços elementares são entendidos como construtos unidimensionais subjacentes às preferências e às predisposições individuais que se originam na herança genética e na história de aprendizagem na primeira infância do indivíduo, servindo de ampla referência a atitudes, sentimentos e comportamentos (MOWEN, 2000). Cinco dos traços elementares do modelo 3M originam-se do modelo de cinco fatores da personalidade (McCRAE; COSTA, 1997), a saber: abertura à experiência; conscienciosidade; introversão; amabilidade e instabilidade emocional. Da Psicologia Evolucionária (BUSS, 1988), somaram-se os traços associados a recursos sociais, cognitivos, materiais e corporais que os primatas necessitam para sobreviver. Por último, o Modelo 3M propõe a inclusão do traço de necessidade de excitação, a partir do trabalho de Mehrabian e Russel (1974 apud MOWEN, 2000) e Zuckerman (1979), totalizando os oito traços elementares apresentados no Quadro 1.
Traço | Definição |
Abertura à Experiência | A necessidade de achar soluções inovadoras, expressar ideias originais e usar a imaginação ao realizar tarefas. |
Conscienciosidade | A necessidade de ser organizado, ordeiro e eficiente ao realizar as tarefas. |
Introversão | A tendência de revelar sentimentos de timidez e acanhamento. |
Amabilidade | A necessidade de expressar solidariedade e simpatia pelos outros. |
Instabilidade Emocional | A tendência de reagir de forma emocional, expressando oscilações de humor, e de ser temperamental. |
Necessidade de Recursos Materiais | A necessidade de obter e possuir bens materiais. |
Necessidade de Excitação | O desejo por estímulos e excitação. |
Necessidades de Recursos Corporais | A necessidade de manter e melhorar o corpo. |
Fonte: Adaptado de Mowen (2000).
No segundo nível da hierarquia, encontram-se os traços compostos que resultam das predisposições primárias (traços elementares), influências culturais e história pessoal de aprendizagem. Segundo a concepção hierárquica do Modelo 3M, os níveis progressivamente se tornam menos abstratos e mais específicos. Inicialmente, Mowen (2000) propõe seis traços compostos, apresentados no Quadro 2.
Traço | Definição |
Necessidade Aprendizado | Tendência de se engajar em desafios intelectuais significativos e apreciá-los. |
Orientação para Tarefas | Disposição de definir um conjunto de atividades e atingir elevados níveis de desempenho ao completar tarefas. |
Necessidade Atividades | Necessidade de gastar energia em atividades corporais e físicas. |
Necessidade de Diversão | Tendência de realizar atividades hedonistas (diversão, fantasia, excitação e estimulação sensorial) sem objetivos produtivos imediatos. |
Competitividade | Propensão de participar em competições interpessoais e o desejo de vencer e ser superior aos outros. |
Autoeficácia | Capacidade intrínseca de organizar e executar ações requeridas de acordo com os recursos pessoais percebidos. |
Fonte: Adaptado de Mowen (2000).
Os traços compostos utilizados nesta pesquisa são: autoeficácia (devido à necessidade de maior autonomia do estudante de cursos a distância), necessidade de aprendizado (por ser característico de quem procura um curso superior) e orientação para tarefas (pela característica de cursos a distância serem baseados em tarefas postadas em ambientes virtuais de aprendizagem com prazos sistematicamente estabelecidos).
Os traços situacionais, construtos de terceiro nível do Modelo 3M, representam tendências de agir em relação a contextos gerais de comportamento. Resultam dos traços elementares e compostos, do contexto social, do tempo e da definição da atividade a ser realizada sendo, portanto, específicos para cada contexto. Como consequência, a variedade dos traços situacionais é naturalmente grande e é esperado que esses traços sejam altamente preditivos dos traços superficiais, em virtude de sua posição hierárquica muito próxima dos comportamentos concretos pesquisados. Os traços situacionais considerados mais relevantes a serem utilizados nessa pesquisa são: satisfação com o curso (LEVY, 2007; PITTENGER; DOERING, 2010; PARK; PERRY; EDWARDS, 2011; JOO; JOUNG; SIM, 2011; JOO; LIM; KIM, 2011); consciência de valor (MOWEN, 2000); aceitação da tecnologia - ou percepção de utilidade e facilidade de uso de tecnologias (HOLDER, 2007; JOO; LIM; KIM, 2011) e interação (SHIN, 2003; FINNEGAN; MORRIS; LEE, 2008; LEE; MORRIS; FINNEGAN, 2008; NISTOR; NEBAUER, 2010).
Satisfação com o curso é a capacidade de o estudante fazer associação positiva entre si e sua experiência educacional (SHIN, 2003). Segundo Rovai (2003), as taxas de persistência dos alunos não tradicionais, típicos de cursos EaD, estão fortemente associadas à capacidade em satisfazer às necessidades destes, que podem chegar a abandonar a universidade, mesmo apresentando bom desempenho acadêmico, se tiverem baixos níveis de satisfação.
Consciência de valor, segundo Mowen (2000), é capacidade dos indivíduos de comparar custos e benefícios, investigar qualidade de produtos e serviços, barganhar e atuar de forma mais racional em relação a recursos já investidos, possivelmente mostrando maior tendência de abandonar projetos cujo retorno é ruim.
Aceitação ou propensão à tecnologia, segundo Mick e Fournier (1998), é a capacidade de um indivíduo de aceitar a tecnologia, que nem sempre é percebida de forma positiva pelos usuários. Ao mesmo tempo em que gera sentimentos positivos de controle, liberdade, novidade, competência, eficiência, satisfação, associação e engajamento, pode também provocar sentimentos negativos de confusão, dependência, obsolescência, incompetência, ineficiência, insatisfação, isolamento e desengajamento. Esses sentimentos negativos podem ensejar mecanismos de defesa por parte dos usuários.
Parasuraman (2000) divide os sentimentos em relação às tecnologias, destacados por Mick e Fournier (1998), em dois aspectos: os estimuladores e os inibidores da prontidão para usar a tecnologia. Esses sentimentos dos usuários podem aumentar (exemplo: percepção da facilidade de uso) ou diminuir (exemplo: percepção de risco) a probabilidade de uso de novas tecnologias. Em cursos EaD, esses sentimentos podem afetar o desempenho do aluno e a sua capacidade de acompanhar as tarefas propostas, geralmente publicadas em ambientes virtuais de aprendizagem que utilizam diferentes ferramentas de interação tais como blogs, chats, fóruns, web conferências entre outros.
A interação está relacionada à capacidade do discente de se envolver nas atividades propostas no curso, síncronas ou assíncronas, geralmente via ambiente virtual de aprendizagem. Alunos que possuem maior propensão à interação e participam ativamente de interações de aprendizagem, especialmente com os professores e com tarefas propostas, são mais propensos a persistirem (MORRIS et al., 2005). Em cursos EaD, é a interação que propicia ao aluno o sentimento de pertencimento e acolhimento.
Finalmente, o último nível do Modelo 3M, o mais concreto, inclui os traços superficiais que representam comportamentos altamente singulares, resultantes dos efeitos dos traços elementares, compostos e situacionais, bem como da pressão do contexto específico do ambiente. Os traços superficiais mostram diretamente a resposta a estímulos específicos ou à frequência de realização de comportamentos em um dado contexto. Na pesquisa, o traço superficial de interesse é a persistência discente.
Em síntese, o Modelo 3M propõe a combinação de traços dos diferentes níveis da hierarquia para influenciar, direta e/ou indiretamente, os resultados de um comportamento - no caso, nos interessa o comportamento de persistência em cursos superiores em EaD.
Metodologia de pesquisa
Para atingir o objetivo da pesquisa (qual seja, comparar traços de personalidade associados à persistência discente), foi utilizada a técnica delineamentos quase-experimentais, atribuindo-se indivíduos aos diferentes grupos, conforme suas características demográficas (renda, gênero, curso) e características dos cursos que frequentam (grau e área do conhecimento). Dados dos quase-experimentos foram analisados pela técnica estatística ANOVA (análise de variância), conforme sugestão de Mowen, Harris e Bone (2004).
A primeira etapa da pesquisa consistiu em uma pesquisa bibliográfica para identificar escalas de operacionalização dos traços de personalidade. Incluiu a tradução de escalas e sua adaptação. A segunda etapa da pesquisa foi um estudo transversal, realizado por meio de levantamentos, baseado na aplicação de questionários, autopreenchidos em amostra representativa de discentes matriculados em cursos de nível superior de licenciatura e de especialização EaD da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), cujo banco de dados foi colocado à disposição dos pesquisadores.
O projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comité de Ética em Pesquisa da UFES. Foram tomados cuidados associados, tais como: obtenção de consentimento livre e esclarecido dos respondentes e sujeitos experimentais, respeito por sua privacidade e eventual decisão de não completar sua participação e esclarecimento aos participantes sobre a pesquisa realizada.
Os traços de personalidade selecionados e as escalas de mensuração são apresentados no Anexo I. Para todos os itens foram utilizadas escalas do tipo Likert, variando de 1 (“raramente”) a 7 (“sempre”) para os traços elementares, e de 1 (“discordo totalmente”) a 7 (“concordo totalmente”) para os demais traços. Por se tratar de indicadores de traços de personalidade e de construtos psicológicos correlatos, questões correspondentes no instrumento de pesquisa utilizam escalas forçadas (sem a opção “não sei”) e equilibradas (com ponto central de neutralidade).
Os construtos foram operacionalizados por meio de múltiplos indicadores, escolhidos com base em aplicações anteriores do Modelo 3M (LEMOS, 2017, SOPRANI, 2017, BENTO, 2016, MONTEIRO, 2006, 2010; MOWEN, 2000) e escalas disponíveis na literatura especializada sobre o tema (LIECHTENSTEIN; NETEMEYER; BURTON, 1990; SHIN, 2003; DUNCAN; MCKEACHIE, 2005; JAIN, 2013 e BLAZEVIC et al, 2014). Em função do grande número de construtos a serem mensurados simultaneamente, sua operacionalização deu-se a partir de escalas com poucos itens, conforme prática bem-sucedida nos estudos do Modelo 3M (MOWEN, 2000, MONTEIRO, 2010; MONTEIRO; VEIGA, 2006) em que as escalas utilizadas apresentam boas propriedades psicométricas.
Apresentação e análise dos resultados
Foram realizados dois estudos transversais de natureza quantitativa, sendo o primeiro com discentes de sete cursos de licenciatura e o segundo com discentes de quatro cursos de pós-graduação lato sensu (especialização), ambos na modalidade EaD oferecidos pela UFES no âmbito do Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Os dois estudos foram levantamentos baseados na aplicação de questionários autopreenchidos pelos respondentes (em ambos, utilizou-se o mesmo formulário). A coleta de dados foi realizada pela internet, utilizando versão equivalente do questionário, postada nos ambientes virtuais de aprendizagem (AVA) dos cursos analisados, acessados diariamente pelos estudantes. A Tabela 1 faz o comparativo entre a população dos cursos analisados e amostra utilizada na pesquisa.
Nível de Curso | Curso | Matriculas (M) | Cursando (C) | % Persistência (C/M) | Amostra (A) | % (A/M) | % (A/C) |
Licenciatura | História | 330 | 188 | 57,0% | 110 | 33,33 | 58,51 |
Artes Visuais | 313 | 172 | 55,0% | 96 | 30,67 | 55,81 | |
Pedagogia | 438 | 357 | 81,5% | 89 | 20,32 | 24,93 | |
Filosofia | 317 | 179 | 56,5% | 81 | 25,55 | 45,25 | |
Ciências Biológicas | 192 | 115 | 59,9% | 73 | 38,02 | 63,48 | |
Física | 147 | 106 | 72,1% | 29 | 19,73 | 27,36 | |
Química | 74 | 27 | 36,5% | 12 | 16,22 | 44,44 | |
Total das Licenciaturas | 1.811 | 1.144 | 63,2% | 490 | 27,06 | 42,83 | |
Especialização | Ensino de Matemática | 240 | 238 | 99,2% | 21 | 8,75 | 8,82 |
Filosofia e Psicanálise | 345 | 320 | 92,8% | 27 | 7,83 | 8,44 | |
Gestão Pública | 300 | 237 | 79,0% | 69 | 23,00 | 29,11 | |
Oratória | 500 | 352 | 70,4% | 165 | 33,00 | 46,88 | |
Total das Especializações | 1.385 | 1.147 | 82,8% | 282 | 20,36 | 24,59 |
Nota: 1) siglas: M = Matriculados no início do curso; C = cursando no momento da pesquisa; A = participantes da amostra.
A amostra teve a participação de 42,83% dos estudantes de licenciatura e 24,59% dos estudantes de especialização vinculados à época da pesquisa (2º semestre de 2017). Nos cursos de licenciatura em Ciências Biológicas, História e Artes Visuais, mais da metade dos discentes participou da pesquisa. Esses percentuais de participação são indicativos da significativa representatividade dos respondentes em relação aos cursos analisados. Ainda assim, generalizações dos resultados devem ser adotadas com cautela, sendo mais bem interpretadas como resultados preliminares, a serem utilizados como hipóteses de trabalho em estudos de maior amplitude e com amostras mais representativas.
As amostras do Estudo 1, com discente de cursos de licenciatura, e do Estudo 2, com alunos de cursos de especialização, tiveram, respectivamente, 490 e 282 questionários respondidos. Nos cursos de licenciatura, observa-se (Tabela 2) uma concentração de discentes na faixa etária entre 30 e 39 anos, confirmando uma característica dos cursos EaD de atraírem alunos não convencionais (com mais idade, que trabalham e que não cursaram o ensino superior logo após a conclusão do ensino médio). Observa-se uma predominância de estudantes do sexo feminino (66,12%), casados ou com união estável (61,02%) e com renda entre R$ 1.021,00 e R$ 2.040,00 (51,84%), isto é, entre 1 e 2,5 salários mínimos, considerada baixa. A maioria dos discentes dos cursos de licenciatura atuam como professores da rede pública ou privada4.
Ainda na Tabela 2, observam-se as características dos 282 participantes dos cursos de especialização voltados para a formação continuada de professores de ensino fundamental e médio e formação de gestores públicos. É possível observar uma concentração de discentes na faixa etária entre 30 e 39 anos (41,49%), do sexo feminino (68,79%), casados ou com união estável (66,31%) e com renda entre R$ 2.041,00 e R$ 5.100,00 (48,94%), uma faixa de renda acima dos discentes da amostra do primeiro estudo. A maior participação foi de discentes do curso de Oratória (46,88% dos alunos matriculados), que iniciou as aulas em maio de 2017, seguido pelo de Gestão Pública (29,11%), que iniciou as aulas em abril de 2017. A baixa participação dos discentes dos cursos de Ensino de Matemática (8,82%) e Filosofia e Psicanálise (8,44%) pode ter ocorrido em função do início recente do curso (agosto e outubro de 2017, respectivamente). Todos os cursos de especialização EaD ofertados pela UFES via Sistema UAB têm 18 meses de duração, 12 dos quais para o curso das disciplinas e os 6 restantes para o Trabalho de Conclusão.
Licenciatura | Especialização | |||
---|---|---|---|---|
Idade | n | % | n | % |
18 a 29 anos | 141 | 28,78 | 38 | 13,48 |
30 a 39 anos | 176 | 35,92 | 117 | 41,49 |
40 a 49 anos | 118 | 24,08 | 79 | 28,01 |
50 a 59 anos | 49 | 10 | 42 | 14,89 |
60 anos ou mais | 6 | 1,22 | 6 | 2,13 |
Total | 490 | 100 | 282 | 100 |
Gênero | n | % | n | % |
Feminino | 324 | 66,12 | 194 | 68,79 |
Masculino | 166 | 33,88 | 88 | 31,21 |
Total | 490 | 100 | 282 | 100 |
Estado Civil | n | % | n | % |
Solteiro | 156 | 31,84 | 70 | 24,82 |
Casado/união estável | 299 | 61,02 | 187 | 66,31 |
Divorciado/Separado | 32 | 6,53 | 23 | 8,16 |
Viúvo | 3 | 0,61 | 2 | 0,71 |
Total | 490 | 100 | 282 | 100 |
Renda | n | % | n | % |
Entre R$ 1.021,00 e R$ 2.040,00 | 254 | 51,84 | 90 | 31,91 |
Entre R$ 2.041,00 e R$ 5.100,00 | 198 | 40,41 | 138 | 48,94 |
Entre R$ 5.101,00 e R$ 10.200,00 | 29 | 5,92 | 44 | 15 |
Acima de R$ 10.201,00 | 9 | 1,84 | 10 | 3,55 |
Total | 490 | 100 | 282 | 100 |
Curso | n | % | n | % |
História | 110 | 22,45 | ||
Artes Visuais | 96 | 19,59 | ||
Pedagogia | 89 | 18,16 | ||
Filosofia | 81 | 16,53 | ||
Biologia | 73 | 14,9 | ||
Física | 29 | 5,92 | ||
Química | 12 | 2,45 | ||
Oratória | 165 | 58,51 | ||
Gestão Pública | 69 | 24,47 | ||
Filosofia e Psicanálise | 27 | 9,57 | ||
Ensino de Matemática | 21 | 7,45 | ||
Total | 490 | 100 | 282 | 100 |
Fonte: Elaboração própria (2017).
Todos os cursos de licenciatura iniciaram no segundo semestre letivo do ano de 2014. Os cursos EaD da UFES são ofertados em turmas únicas - uma nova turma somente inicia após a conclusão da turma anterior. Os cursos analisados na presente pesquisa, no momento da coleta dos dados, ofertavam o 7º semestre letivo (aproximadamente metade do curso). Todos os cursos de especialização EaD desta pesquisa iniciaram em 2017. Foram ofertadas vagas nos polos de apoio presencial da região metropolitana de Vitória (Vila Velha e Vitória), onde há maior demanda por vagas. Há encontros presenciais quinzenais obrigatórios nos polos.
Após a descrição da amostra, na sequência, procedeu-se a análise fatorial confirmatória para testar a confiabilidade dos constructos que representam os traços de personalidade analisados. A Tabela 3 mostra que, para melhorar a confiabilidade dos constructos, foram excluídos 25 indicadores. Após ajustes, é possível verificar que todos os constructos atendem ao critério mínimo estabelecido por Hair et al. (2010), qual seja, o coeficiente Alpha de Crombach acima de 0,7.
Traços | Alfa de Cronbach | N.o de indicadores escala original | N.o de indicadores após ajustes |
---|---|---|---|
Abertura à Experiência (AE) | 0,754 | 4 | 3 |
Instabilidade Emocional (IE) | 0,821 | 5 | 4 |
Conscienciosidade (C) | 0,735 | 5 | 4 |
Introversão (I) | 0,726 | 5 | 4 |
Amabilidade (A) | 0,752 | 4 | 3 |
Necessidade de Recursos Materiais (NRM) | 0,833 | 4 | 3 |
Necessidade de Excitação (NEXC) | 0,802 | 5 | 5 |
Necessidades de Recursos Corporais (NRC) | 0,825 | 4 | 3 |
Autoeficácia (AF) | 0,816 | 4 | 2 |
Necessidade de Aprendizado (NA) | 0,729 | 4 | 3 |
Orientação para Tarefas (OT) | 0,743 | 4 | 2 |
Satisfação (S) | 0,877 | 8 | 5 |
Interação (IT) | 0,879 | 8 | 7 |
Consciência de Valor (CV) | 0,856 | 7 | 5 |
Aceitação Tecnologia (AT) | 0,701 | 10 | 5 |
Persistência Discente (PD) | 0,827 | 6 | 4 |
Fonte: Elaboração própria (2017).
Buscou-se, na sequência, identificar a heterogeneidade das amostras, analisando as diferenças de médias de grupos formados a partir de características demográficas dos participantes. Analisou-se, com procedimento ANOVA do SPSS®, as diferenças de médias de cada um dos traços elementares, compostos, situacionais e superficial do modelo proposto.
A primeira análise comparou a diferença de médias para os grupos Gênero (feminino ou masculino), Estado Civil (solteiro, casado ou separado), Renda (menos de R$ 2 mil, entre R$ 2 mil e R$ 5 mil e acima de R$ 5 mil), Grau do Curso (licenciatura ou especialização), Área de Conhecimento do Curso (Humanidades e Ciências Sociais ou Ciências Exatas e Biológicas). Os resultados estão apresentados na Tabela 4. Foi considerado intervalo de confiança de 95%.
A primeira análise comparou os traços de personalidade de grupos com diferenças pessoais (gênero, estado civil e renda). Os traços abertura à experiência, instabilidade emocional e interação não apresentaram diferença de médias estatisticamente significativas para qualquer dos grupos analisados, indicando não haver diferenças internas desses traços.
Traços | Gênero | Estado civil | Renda | |||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
FEM | MASC | Sig. | SOLT | CAS | SEP | Sig. | < 2 mil | Entre 2 e 5 mil | > 5 mil | Sig. | ||||
(n=518) | (n=254) | (n=226) | (n=486) | (n=60) | (n=344) | (n=336) | (n=66) | |||||||
Abertura Experiência | 5,21 | 5,18 | 0,669 | 5,23 | 5,20 | 5,18 | 0,914 | 5,18 | 5,21 | 5,28 | 0,632 | |||
Instabilidade Emocional | 3,40 | 3,29 | 0,288 | 3,48 | 3,30 | 3,42 | 0,249 | 3,38 | 3,34 | 3,37 | 0,937 | |||
Conscienciosidade | 5,58 | 5,41 | 0,010 | * | 5,51 | 5,54 | 5,40 | 0,467 | 5,51 | 5,53 | 5,51 | 0,928 | ||
Introversão | 4,70 | 4,81 | 0,243 | 4,82 | 4,70 | 4,71 | 0,468 | 4,87 | 4,69 | 4,41 | 0,001 | * | ||
Amabilidade | 6,20 | 6,02 | 0,001 | * | 6,10 | 6,18 | 6,00 | 0,109 | 6,22 | 6,07 | 6,14 | 0,020 | * | |
Necessidade Rec. Materiais | 2,57 | 2,57 | 0,989 | 2,58 | 2,57 | 2,57 | 0,999 | 2,45 | 2,59 | 2,99 | 0,002 | * | ||
Necessidade Excitação | 3,62 | 3,91 | 0,002 | * | 3,88 | 3,62 | 3,89 | 0,017 | * | 3,67 | 3,74 | 3,82 | 0,568 | |
Necessidade Rec. Corporais | 4,27 | 4,27 | 0,945 | 4,42 | 4,22 | 4,12 | 0,187 | 4,24 | 4,14 | 4,82 | 0,001 | * | ||
Autoeficácia no Aprendizado | 6,29 | 6,15 | 0,030 | * | 6,24 | 6,25 | 6,23 | 0,955 | 6,24 | 6,25 | 6,26 | 0,984 | ||
Necessidade de Aprendizado | 6,19 | 6,00 | 0,001 | * | 6,18 | 6,12 | 5,99 | 0,193 | 6,14 | 6,08 | 6,24 | 0,192 | ||
Orientação para Tarefas | 4,97 | 5,10 | 0,152 | 5,06 | 5,01 | 4,83 | 0,390 | 4,90 | 5,07 | 5,22 | 0,033 | * | ||
Satisfação | 6,31 | 6,15 | 0,017 | * | 6,19 | 6,30 | 6,16 | 0,177 | 6,30 | 6,25 | 6,12 | 0,174 | ||
Interação | 4,59 | 4,71 | 0,195 | 4,65 | 4,62 | 4,61 | 0,947 | 4,69 | 4,60 | 4,50 | 0,368 | |||
Consciência Valor | 5,82 | 5,63 | 0,018 | * | 5,61 | 5,82 | 5,77 | 0,039 | * | 5,77 | 5,78 | 5,60 | 0,301 | |
Aceitação Tecnologia | 4,78 | 4,84 | 0,520 | 4,86 | 4,80 | 4,52 | 0,085 | 4,72 | 4,84 | 4,97 | 0,091 | |||
Persistência Discente | 6,54 | 6,35 | 0,005 | 6,40 | 6,51 | 6,49 | 0,326 | 6,51 | 6,49 | 6,30 | 0,098 |
Nota 1) Siglas: FEM = Feminino; MASC = Masculino; SOLT = Solteiro; CAS = Casado ou uni]ao estável; SEP = separado ou viúvo; LIC = Licenciatura; ESP = Especialização; HUM SOC = humanidades e ciências sociais; EXA BIO = ciência exatas e biológicas; DES = desistente do curso; CUR = cursando. * significante a 5%.
Comparando os grupos por gênero, estudantes do gênero feminino são significativamente mais amáveis, mais conscienciosas, têm menos necessidade de excitação, mais necessidade de aprendizado, são mais autoeficazes no aprendizado, possuem mais consciência de valor, estão mais satisfeitas com os cursos e são mais persistentes que os discentes do gênero masculino. Esses resultados estão parcialmente alinhados a resultados de pesquisa realizada por South, Jarnecke e Vize (2018) que apontou diferenças em três dos cinco traços de personalidade (instabilidade emocional, amabilidade, consciência), mas não encontrou diferenças estatisticamente significantes nos traços introversão e abertura à experiência. Também se alinham parcialmente aos achados de Kajonius e Johnson (2018) que identificaram que as mulheres pontuam mais alto que os homens em amabilidade e instabilidade emocional, enquanto os homens pontuam um pouco mais do que as mulheres em traços associados ao intelecto como a assertividade.
Comparando os grupos por estado civil, os traços necessidade de excitação e consciência de valor apresentaram diferença estatisticamente significante entre os três grupos - casados possuem maior consciência de valor e menos necessidade de excitação do que solteiros e separados/divorciados/viúvos.
Estudo de Lavner et al. (2018), que investigou traços de personalidade e estado civil usando dados coletados nos primeiros 18 meses de casamento, indicou mudanças significativas na personalidade ao longo do tempo do matrimônio, incluindo declínios em amabilidade para maridos e para esposas, declínios na extroversão para maridos, declínios na abertura e instabilidade emocional para as esposas e aumento da conscienciosidade para os maridos. Os estudos não podem ser comparados, embora os resultados do estudo de Lavner et al. (2018) reforcem a associação dos traços de personalidade com o estado civil.
Na comparação dos grupos por faixa de renda mensal, as diferenças significativas identificadas foram nos traços amabilidade, necessidade de recursos corporais e introversão. Grupos que se situam em faixa de renda intermediária são menos amáveis e possuem menor necessidade de recursos corporais do que os grupos que se situam nos extremos das faixas de renda - menos de R$ 2 mil ou mais de R$ 5 mil. O traço introversão diminui com o aumento da renda. Indivíduos que se encontram na faixa de renda mais baixa apresentam menor necessidade de recursos materiais e são menos orientados a tarefa do que indivíduos classificados nos grupos de maior renda. Quanto maior a renda, maior a necessidade de recursos materiais, maior a orientação para tarefas e menor a introversão.
A Tabela 5 mostra que a maioria dos estudantes dos cursos de licenciatura (51,8%) estão classificados na faixa de mais baixa renda mensal (< R$ 2 mil) e apenas uma minoria (19,1%) está na faixa de mais alta renda (> R% 5 mil). Já nas especializações, a maior parte (48,9%) dos estudantes está na faixa intermediária de renda, embora uma parcela significativa (31,9%) esteja na faixa de mais baixa renda. Esses dados alertam para o perfil desses discentes que, por terem baixa renda, podem apresentar menor orientação para as tarefas e maior introversão, dois traços importantes para o comportamento de persistência em cursos EaD. Esses resultados corroboram com Tinto (2012), que identificou que alunos de renda elevada têm três vezes mais chances de concluir o ensino superior em comparação àqueles de baixa renda.
Renda Mensal/ Curso | Licenciaturas | Especializações | ||
< R$ 2 mil | 254 | 51,8% | 90 | 31,9% |
Entre R$ 2 e R$ 5 mil | 198 | 40,4% | 138 | 48,9% |
> R$ 5 mil | 38 | 7,8% | 54 | 19,1% |
Total | 490 | 100,0% | 282 | 100,0% |
Fonte: Elaboração própria (2017).
A segunda análise comparou a diferença de médias para os grupos: Grau do Curso (licenciatura ou especialização) e Área de Conhecimento do Curso (Humanidades e Ciências Sociais ou Ciências Exatas e Biológicas). Os resultados estão apresentados na Tabela 6. Os traços instabilidade emocional, introversão e interação, necessidade de excitação, autoeficácia no aprendizado, necessidade de aprendizado, orientação para tarefas e satisfação não apresentaram diferença de média estatisticamente significante para quaisquer dos grupos analisados.
Na comparação entre os cursos, discentes de especialização são mais abertos a experiências, mais conscienciosos, possuem mais necessidade de recursos materiais e corporais, são mais interativos, aceitam mais a tecnologia e possuem maior consciência de valor. Não foram encontrados estudos comparando traços de personalidade e escolaridade. Hopwood et al. (2011) analisaram a mudança de traços de personalidade com a idade. Durante a transição para a idade adulta, os indivíduos normalmente se estabelecem em papéis de maior responsabilidade nos relacionamentos e no trabalho. Essa transição envolve mudanças significativas nos traços de personalidade devido às transações com o ambiente social. A tendência, portanto, é de aumento da maturidade da personalidade. Sendo assim, os resultados da presente pesquisa corroboram com os achados de Hopwood et al. (2011).
Traços | Grau do Curso | Área do Curso | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
LIC | ESP | Sig. | HUM SOC | EXA BIO | Sig. | |||
(n=490) | (n=282) | (n=637) | (n=135) | |||||
Abertura Experiência | 5,15 | 5,30 | 0,036 | * | 5,25 | 4,97 | 0,002 | * |
Instabilidade Emocional | 3,42 | 3,27 | 0,136 | 3,35 | 3,43 | 0,516 | ||
Conscienciosidade | 5,47 | 5,62 | 0,018 | * | 5,56 | 5,36 | 0,015 | * |
Introversão | 4,73 | 4,75 | 0,840 | 4,74 | 4,72 | 0,815 | ||
Amabilidade | 6,16 | 6,11 | 0,316 | 6,17 | 6,02 | 0,031 | * | |
Necessidade Recursos Materiais | 2,50 | 2,70 | 0,043 | * | 2,62 | 2,35 | 0,026 | * |
Necessidade de Excitação | 3,68 | 3,78 | 0,309 | 3,68 | 3,87 | 0,099 | ||
Necessidade de Recursos Corporais | 4,16 | 4,46 | 0,008 | * | 4,30 | 4,12 | 0,195 | |
Autoeficácia no Aprendizado | 6,23 | 6,27 | 0,530 | 6,26 | 6,17 | 0,229 | ||
Necessidade de Aprendizado | 6,11 | 6,15 | 0,426 | 6,15 | 6,02 | 0,082 | ||
Orientação para Tarefas | 4,98 | 5,07 | 0,274 | 5,03 | 4,91 | 0,282 | ||
Satisfação | 6,27 | 6,23 | 0,497 | 6,28 | 6,14 | 0,081 | ||
Interação | 4,57 | 4,73 | 0,069 | * | 4,64 | 4,58 | 0,612 | |
Consciência Valor | 5,70 | 5,86 | 0,047 | * | 5,80 | 5,57 | 0,022 | * |
Aceitação Tecnologia | 4,74 | 4,90 | 0,051 | * | 4,80 | 4,79 | 0,926 | |
Persistência Discente | 6,48 | 6,47 | 0,925 | 6,49 | 6,42 | 0,405 |
Nota 1) Siglas: FEM = Feminino; MASC = Masculino; SOLT = Solteiro; CAS = Casado ou uni]ao estável; SEP = separado ou viúvo; LIC = Licenciatura; ESP = Especialização; HUM SOC = humanidades e ciências sociais; EXA BIO = ciência exatas e biológicas; DES = desistente do curso; CUR = cursando. * significante a 5%.
Quando comparados os traços de personalidade pelas áreas de conhecimentos dos cursos em que estão matriculados, discentes de cursos das áreas de Humanidades e Ciências Sociais são mais amáveis, mais abertos a experiências, mais conscienciosos e possuem maior necessidade de recursos materiais e maior consciência de valor quando comparados aos discentes das áreas de Ciências Exatas e Biológicas. Carneiro (2017), em estudo que examinou os traços de personalidade como antecedentes do comportamento de persistência discente em cursos superiores na modalidade a distância, identificou que a amabilidade, a autoeficácia, a necessidade de aprendizado e a satisfação com o curso são os traços que mais bem explicam a persistência discente nessa modalidade de ensino. Sendo assim, os resultados apresentados na Tabela 6 indicam haver maior propensão à persistência em cursos EaD em Humanidades e Ciências Sociais, dado que os traços associados à persistência são maiores nos discentes de cursos destas áreas, para a amostra analisada.
Considerações finais
Apesar de evidências gerais satisfatórias de confiabilidade e validade dos construtos que representam os traços de personalidade analisados, enfatizamos a necessidade de melhorias nos indicadores dos traços autoeficácia, orientação para tarefas e aceitação de tecnologia, para aumentar a consistência interna e validade convergente para estudos relacionados a comportamento de discentes.
Devido ao perfil das amostras dos dois estudos (estudantes de cursos superiores de formação de professores que atuam como professores do ensino fundamental e médio e de profissionais do setor público, matriculados em universidade pública e gratuita), os resultados não podem ser generalizados para outras subpopulações mais representativas da população brasileira (cursos ofertados por instituições privadas, de bacharelado, ou cursos de extensão ou de curtíssima duração). Esse é um perfil importante a ser investigado, com amostras representativas, em estudos futuros.
A presente pesquisa, ao investigar dois diferentes tipos de curso, um mais longo e de formação inicial (licenciaturas) e outro mais curto e de formação mais avançada (especialização), permitiu analisar o grau em que diferentes traços da personalidade são aplicáveis para diferentes situações.
Como aplicação prática dos resultados da pesquisa, estratégias para promover programas de apoio didático e psicológico poderiam enfatizar ações para discentes com baixa amabilidade, baixa autoeficácia, baixa necessidade de aprendizado e insatisfação com o curso. No caso de cursos das áreas de Ciências Exatas e Biológicas, seria recomendável enfocar a baixa interação com professores e colegas de turma. Se os resultados obtidos puderem ser generalizados, incorporar à rotina de orientação discente, por parte de professores, tutores e coordenadores de curso, um programa de acompanhamento particularizado àqueles com baixa pontuação nesses traços de personalidade.
Para cursos de especialização, em que o processo seletivo não se dá por exame de conhecimentos (do tipo exame vestibular), poderia ser incluída uma avaliação prévia do perfil de personalidade dos discentes, para que se pudesse desenvolver uma análise da propensão do discente a permanecer no curso. Essa estratégia seria especialmente relevante em cursos públicos e gratuitos, evitando-se, assim, uma destinação incorreta ou menos apropriada de recursos públicos. Altos níveis de evasão em cursos superiores públicos representam uma alocação ineficiente de recursos escassos destinados à educação; além disso, se contrastam com a função da universidade como instituição social e com a sua missão de formar e de buscar meios de permanência dos estudantes.
A universidade brasileira, em particular a universidade pública, tem sido enfaticamente questionada pela retenção discente. A expansão do ensino superior, em contraste com a má qualidade da formação na educação básica e com o despreparo das universidades, em face disso, impõe desafios cada vez mais constantes à criação de estratégias de combate à evasão e de apoio à permanência dos estudantes.
A esse propósito, estudos como o que aqui apresentamos revestem-se de importância, no mínimo, para parametrizar um debate, ainda difuso e não concertado, mas necessário e estratégico ao (re)desenho institucional da formação superior no País.