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Revista Diálogo Educacional

versión impresa ISSN 1518-3483versión On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.19 no.60 Curitiba ene./marzo 2019  Epub 04-Feb-2020

https://doi.org/10.7213/1981-416x.19.060.ao03 

Artigos

O modelo de accountability e a política de avaliação da Educação Superior no Brasil

The model of accountability and the policy of evaluation of higher education in Brazil

Alisson Slider do Nascimento de Paula[a] 

Frederico Jorge Ferreira Costa[a] 

Kátia Regina Rodrigues Lima[b]  *

[a]Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil

[b]Universidade Regional do Cariri, Crato, CE, Brasil


Resumo

O presente texto busca a articulação da racionalidade neoliberal que se expressa na avaliação, da lógica da regulação como accountability e dos mecanismos que constituem a lógica da avaliação da educação superior, bem como definem os padrões de sua qualidade. Para trato metodológico, recorreu-se à utilização da abordagem qualitativa. Trata-se de uma pesquisa de tipo bibliográfica e documental. Constatou-se que o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior utiliza diversos mecanismos para operacionalizar a avaliação, com sua centralidade calcada no exame por desempenho como base dos processos regulatórios das Instituições de Educação Superior, além da utilização de indicadores classificatórios, comparativos e escalonais para a sistematização de dados para a constituição de rankings entre as instituições.

Palavras-chave: Accountability; SINAES; Qualidade; Educação Superior

Abstract

The present text seeks the articulation of the neoliberal rationality expressed in the evaluation, the logic of regulation as accountability and the mechanisms that constitute the logic of the evaluation of higher education, as well as define the standards of its quality. For methodological treatment, we used the qualitative approach. This is a bibliographical and documentary research. It was verified that the National System of Evaluation of Higher Education uses several mechanisms to operationalize the evaluation, with its centrality based on the performance exam as basis of the regulatory processes of the Institutions of Higher Education, besides the use of classificatory, comparative and classificatory indicators for the systematization of data for the establishment of rankings between institutions.

Keywords: Accountability; SINAES; Quality; Higher education

Introdução

Uma onda conservadora, em meados da década de 1990, ganhou relevância no discurso oficial em função das redefinições do papel do aparelho do Estado sob a racionalidade neoliberal, além de suas metamorfoses sob o viés da Terceira Via. É lícito ressaltar que o tipo de avaliação que surgia calcava-se numa lógica de accountability já bastante utilizada pelos países centrais e que tinha sua própria irradiação pelo espaço global dos Estados-nações já apregoada pelos organismos internacionais.

A educação superior não escapa dessa racionalidade, e no contexto nacional uma miríade de políticas e mecanismos são incorporados junto ao Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) com o intento de definir e avaliar a qualidade da educação superior brasileira em todas as suas categorias administrativas. Nessa acepção, a noção de avaliação baseada numa racionalidade de accountability estaria disposta a efetuar um processo comprometido com os interesses públicos? A racionalidade técnica em ascensão, em especial a partir da década de 19901, apropria-se do processo de regulação e supervisão da educação superior? Em que medida essa racionalidade estaria afinada com os interesses públicos ou privados/mercantis?

Responder esses questionamentos põe-se na ordem do dia. Contudo, não se trata de uma tarefa das mais simples. A avaliação da educação superior na história recente do Brasil vivenciou e vivencia diversas metamorfoses, expondo avanços e recuos do ponto de vista operacional.

O objetivo deste texto centra-se na análise da articulação da racionalidade neoliberal que se expressa na avaliação, da lógica da regulação como accountability e dos mecanismos que constituem a lógica da avaliação da educação superior, bem como definem os padrões de sua qualidade. Nas páginas que seguem, algumas considerações serão expostas acerca da noção de accountability educacional e dos impasses na definição de qualidade para a educação superior, além do próprio aparato político-jurídico orquestrado para efetuar a processualidade avaliativa hodierna que se expressa através do SINAES.

O horizonte técnico/contábil da reforma administrativa do Estado-avaliador e a ascensão da noção de accountability educacional

A emergência de concepções neoconservadoras e neoliberais a partir da crise estrutural do capital na década de 1970 implicou alterações significativas nas engrenagens do sistema de organização social. As reformas empreendidas pelos governos britânicos Thatcher (1979-1990) e Major (1990-1997) efetuaram a descentralização dos serviços voltados ao aspecto social e áreas como saúde e educação foram caracterizadas como dispendiosas, nesse contexto. Nessa acepção, ajustes econômicos foram implementados tendo em vista a nova racionalidade que se irradiava numa escala global. Em acréscimo, a noção do New Labour é engendrada na gestão de Blair (1997-2000); o sentido de participação popular como um dos princípios de fomento do terceiro setor, que se apresentava como alternativa às privatizações operadas no início da noção neoliberal, tornava-se central em seu discurso. A Terceira Via2 surgia com intuito de superar as crises do Estado através do fortalecimento na relação entre as instituições da sociedade civil.

Com efeito, a busca dos governos em obter maior apoio popular propiciou o ensejo para as organizações não governamentais, bem como empresas com interesses de benefício através de sua responsabilidade social, participarem dessa processualidade, decorrendo, destarte, maior aprovação e participação popular. Em verdade, “o novo modelo de administração pública apelava para os slogans da cidadania ativa e do empoderamento das comunidades, conquistando, assim, adesão popular às modificações em curso na sociedade britânica” (SHIROMA; SANTOS, 2014, p. 23).

Até aqui, tratou-se de expor, no campo político, a implementação da noção de terceira via na sociedade britânica. A partir desse movimento, compreende-se o alastramento dessas concepções em diversos locais no globo. No Brasil, a reforma do Estado se deu no interior de um processo complexo, no qual permearam - e ainda permeiam - concepções político-ideológicas diversas e por vezes - no campo da aparência - antagônicas, que na esteira das relações sociais se mostram como verdadeiros obstáculos para os setores populares.

Em 1995, através do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE) a reforma do Estado foi pensada em efetuar a estabilização fiscal juntamente com o crescimento econômico de modo sustentável. Na concepção do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), esta reforma envolve quatro problemas distintos, todavia interdependentes:

[...] (a) um problema econômico-político - a delimitação do tamanho do Estado; (b) um outro também econômico-político, mas que merece tratamento especial - a redefinição do papel regulador do Estado; (c) um econômico-administrativo - a recuperação da governança ou capacidade financeira e administrativa de implementar as decisões políticas tomadas pelo governo; e (d) um político - o aumento da governabilidade ou capacidade política do governo de intermediar interesses, garantir legitimidade, e governar (PEREIRA, 1997, p. 7).

Nesse sentido, na definição do tamanho do Estado, surgiam três pilares que orientariam o processo de reforma do Estado: privatização, publicização e terceirização. No plano econômico, a crise recebeu uma interpretação de crise fiscal em decorrência da ineficiência da gestão e dos serviços públicos. A superação dessa crise foi pautada em estratégias com grande aproximação com os princípios adotados na reforma estatal britânica, a saber: “críticas à burocracia do Estado; proposta de administração pública voltada aos resultados; implementação de uma gestão gerencial baseada na eficiência, descentralização e participação da comunidade” (SHIROMA; SANTOS, 2014, p. 24).

Os reformadores denotaram uma forte crítica à lentidão dos serviços oferecidos pelo Estado em sua estrutura burocratizada e à rigidez do andamento do funcionalismo público, pois foram considerados como obstáculos ao desenvolvimento da nação. Os critérios que foram utilizados para orientar a administração gerencial para combater esses obstáculos foram: eficiência, eficácia, liderança e avaliação de desempenho.

Nesse contexto, o Estado mantém seu protagonismo; contudo, é modificado para garantir uma regulação que torne exequível o controle mediante o elo envolvendo financiamento-fornecimento-regulação (AFONSO, 1999). Com efeito, no que concerne o campo educacional, esse controle estatal se realiza através da inserção de currículos nacionais, bem como testes padronizados.

Compreende-se, deste modo, avaliação como instrumento para aferição de resultados em detrimento da reflexão acerca do processo. Nesse itinerário analítico, surge a ascensão da noção de accountability. Esta noção, consoante Maroy (2013, p. 320), “tende a ser sinônimo de novas formas de regulação baseadas nos resultados que se propõem a substituir ou sobrepor as regulações burocrático-profissionais predominantes até o momento”. Estas novas formas de regulação tratam de dispositivos de avaliação do desempenho das instituições e esta pesquisa tratará das Instituições de Ensino Superior (IES). Este desempenho centra-se nos objetivos curriculares denotados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para formação profissional. Com efeito, este tipo de avaliação possibilita sanções que visam ajustar as IES, bem como suas práticas para qualificarem seus resultados nas avaliações.

A conceituação de accountability pode obter diversos significados em função da noção e contexto sociopolítico no qual esteja sendo traduzida. Em verdade, em virtude dos vários trabalhos que tematizam a accountability, observa-se a dificuldade centrada na sua tradução. Nessa acepção, compreende-se que não há um significado único que represente a accountability. Percebem-se, deste modo, diferentes traduções sobre o termo; contudo, obtêm-se sentidos próximos. Por exemplo, “a palavra accountability tem sido comumente traduzida como ‘responsabilização’” (PINHO; SACRAMENTO, 2009, p. 1345).

Contudo, ressalta-se a fragilidade em torno do conceito de accountability que se expressa em diversas pesquisas acadêmicas que tratam teórica e metodologicamente deste conceito. Para Mulgan (2000), trata-se de um conceito em constante expansão, pois quando é dada ênfase à accountability, pode se estar tratando de sistemas, modelos, políticas, atores que constituem o cotidiano do processo educacional dentro de uma complexa teia de relações.

A accountability, na compreensão de Schedler (1999), pode ser compreendida em três aspectos que a constituem: informação, justificação e imposição ou sanção. Afonso (2009, p. 59) compreende que a racionalidade da “prestação de contas” pode ser configurada como pilar dos dois primeiros aspectos destacados. Consoante o autor:

[...] o direito de pedir informações e de exigir justificações - sendo que, para a concretização de ambas, é socialmente esperado que haja a obrigação ou o dever (regulamentados legalmente ou não) de atender ao que é solicitado. Informar e justificar constituem assim duas dimensões da prestação de contas, a qual pode, assim, ser definida, em sentido restrito, como obrigação ou dever de responder a indagações ou solicitações.

Em acréscimo, é mister orientar as respostas das indagações pelas transparências, pois é crucial manter os princípios legais e éticos no direito à informação, isto é, fatos autênticos. Nessa acepção, a prestação de contas, segundo Afonso (2009, p. 59), “tem, portanto, uma dimensão informativa e uma dimensão argumentativa”, possibilitando, desta maneira, ser contemplada como uma “actividade comunicativa ou discursiva porque pressupõe uma relação de diálogo crítico e a possibilidade de desenvolver um debate público aprofundado”. Todavia, é lícito considerar que, quando a prestação de contas incorpora a noção de obrigação de dar respostas (answerability)3, não se trata somente de uma ação comunicativa, circunscrita na informação e justificação. Ela passa a incorporar uma vertente de imposição e sanção, o que configura para o autor supracitado o pilar da responsabilização.

Afonso, em seu trato analítico acerca da precisão conceitual da accountability, assevera que

[...] face à grande variedade de situações existentes, aquelas três dimensões (informação, justificação e sanção) podem não estar sempre presentes, mas, “mesmo na ausência de um ou duas, ainda assim podemos legitimamente falar de actos de accountability”. [...] estes “actos de accountability”, embora tenham sentido isoladamente, só conseguirão ganhar densidade se forem integrados e articulados num modelo mais amplo que se aproxime de algo parecido com aquilo que o próprio Schedler designa como sendo uma “categoria prototípica” de accountability (1999, pp. 17-18). Mas, mesmo nesse caso, talvez possamos ampliar a capacidade heurística de um modelo de accountability se acrescentarmos o pilar da avaliação aos pilares da prestação de contas e da responsabilização, estabelecendo então um espaço mais complexo de novas interacções e interfaces (AFONSO, 2009, p. 59).

Em síntese, quando a prestação de contas se caracteriza como answerability, contempla as vertentes informativa e argumentativa. Contudo, a base da responsabilização consubstancia outras vertentes, não somente as que dizem respeito à atribuição de responsabilidades e à obrigação de sanções desfavoráveis, como também as que Afonso (2009, p. 61) acrescenta, “assunção autónoma de responsabilidades pelos actos praticados; a persuasão; o reconhecimento informal do mérito; a avocação de normas de códigos deontológicos; a atribuição de recompensas materiais ou simbólicas ou outras formas legítimas de responsabilização”. No limite, o pilar da avaliação, conforme o autor supra, concerne ao processo de “recolha e tratamento de informações e dados diversos, teórica e metodologicamente orientado, no sentido de produzir juízos de valor sobre uma determinada realidade ou situação”. Nesse sentido, a avaliação pode localizar-se anterior à prestação de contas, assim como pode localizar-se após, entre as etapas que correspondem à prestação de contas e à responsabilização. Ainda, é lícito ressaltar que a própria avaliação pode se desenvolver de modo autônomo por meio de relatórios e estudos constituídos por agências e entidades, sendo incorporado, dessa forma, como instrumento constituinte da prestação de contas - num modelo de accountability.

Quadro 1 Dimensões de um modelo de accountability 

Accountability Avaliação ex-ante
Prestação de Contas (answerability) • Fornecer informações
• Dar justificações
• Elaborar e publicitar relatórios de avaliação
Avaliação ex-post
• Imputação de responsabilidades e/ou imposição de sanções negativas (enforcement)
Responsabilização • Assunção autónoma de responsabilidades
• Persuasão
• Atribuição de recompensas materiais ou simbólicas
• Avocação de normas de códigos deontológicos
• Outras formas legítimas de responsabilização.

Fonte: Afonso (2009, p. 61).

Com efeito, a implementação de modelos de accountability se tornou um tipo de medicamento que solucionará todos os tipos de defeitos, isto é, transformou-se numa espécie de cura, porquanto há, por parte de setores sociais que depositam crença na suposta capacidade de resolver todas as insuficiências e entraves da qualidade da educação pública, convicção na avaliação, na prestação de contas e na responsabilização.

Para Afonso (2012, p. 472),

Em muitas situações, abstraída do contexto de retração profunda do Estado e do recuo dos direitos sociais, económicos e culturais, esta qualidade - que em vez de ser um “qualidade negociada” [...], é, ao invés, assumida como axiologicamente neutra, despolitizada em termos de princípios e fins educacionais e humanos, e nunca definida na sua complexidade institucional ou organizacional [...] -, traduz-se, no senso comum, de forma redutoramente naturalizada, ao mesmo tempo em que a educação (enquanto bem público) continua a ser ressignificada e redimensionada, no embate com orientações e políticas concretas do conservadorismo neoliberal - o qual, aliás, transformou-se nas últimas décadas numa espécie de vírus [...] que se espalha para além das fronteiras nacionais dos países que o criaram ou fizeram emergir.

Nos discursos com fortes tendências ideopolíticas, a accountability denota um tipo de forma “hierárquico-burocrática ou tecnocrática e gerencialista de prestação de contas que, pelo menos implicitamente, contém e dá ênfase a consequências ou imputações negativas e estigmatizantes”, que, por seu turno, raramente “consubstanciam formas autoritárias de responsabilização das instituições, organizações e indivíduos”. (AFONSO, 2012, p. 473).

Utilizando como referência alguns estudiosos sobre a relação accountability e educação (MAROY, 2006; 2013; BROADFOOT, 2000; CARNOY; LOEBB, 2002), a accountability educacional pode ser compreendida em dois movimentos: 1) diagnóstico e; 2) contabilização. Esses dois movimentos buscam identificar e contabilizar o desempenho dos sistemas de educação tendo por base os objetivos estabelecidos previamente. Esse processo utiliza-se, também, como mecanismos de controle e reparo das falhas diagnosticadas entre objetivos e resultados. Nesse sentido, a accountability na educação tende a expressar-se como avaliação externa, levando em conta as experiências dos alunos, bem como as práticas educacionais.

A accountability sob a lógica da responsabilização nos remete ao sentido de prestação de contas; assim, a IES deve prestar contas com o Estado, que exerce função de regulador, isto é, Estado-avaliador. Nesse sentido, a prestação de contas da IES se realiza através de uma avaliação de desempenho. No limite, accountability na educação se trata de constituir mecanismos de regulação calcados em saberes que possibilitem avaliação de resultados de aprendizagens estabelecidas e previamente denotadas nas diretrizes curriculares, além de garantir o controle do processo que se refere aos padrões de qualidade.

Com efeito, os mecanismos de prestação de contas das IES, isto é, de accountability, participam do regime de regulação pós-burocrático dos sistemas educativos, baseados nos postulados do Estado-avaliador. A accountability é assim uma manifestação do paradigma econômico. Através dos resultados mensuráveis possibilita-se a competição e concorrência entre serviços educacionais, além da escolha dos consumidores. Sendo assim, este cenário se trata de um modelo de responsabilização baseado na lógica do mercado (market accountability).

Essa lógica de avaliação é inerente à noção do Estado avaliador que se efetua no processo de regulação estatal, definindo, assim, políticas educativas para os sistemas de ensino com ênfase no controle das competências introduzidas nos currículos de cursos de nível superior, bem como seus resultados. Estes resultados, por sua vez, são utilizados para orientar onde o mercado educacional deverá agir.

No Brasil, o Estado avaliador está atrelado à ascensão da racionalidade neoliberal a partir dos anos de 1990, bem como na irradiação da noção da Terceira Via pós-década de 1990. No limite, os governos que conduziram seus mandatos desde o início dessa racionalidade seguiram orientações do Consenso de Washington e dos organismos internacionais para efetivarem medidas draconianas de privatização do patrimônio público, desregulação da economia, ajuste fiscal, liberalização financeira, abertura comercial, estabelecimento de parcerias público-privadas e sua consequente diluição da noção público/estatal e privado/mercantil, dentre outros.

A política de avaliação educacional e o impasse na definição da “qualidade”

A política de avaliação educacional se tornou temática de grandes debates na área da educação, decorrendo dela a constituição da avaliação como estratégia política de supervisão e controle do sistema de ensino. É lícito considerar que a temática acerca da política de avaliação educacional permeia um predominante horizonte técnico/contábil e econômico e sua organização reside no afastamento da participação popular e na desconsideração dos saberes culturais históricos e culturalmente constituídos. Destarte, “o que traduziria a avaliação em mero controle contábil ao invés da (auto) regulação e controle social” (SOUZA, 2009, p. 17).

No contexto do Estado avaliador e da accountability educacional a avaliação assume a condição de mecanismo estratégico calcado em três bases indissociáveis para a racionalidade técnica: eficiência, eficácia e avaliação de desempenho. Nessa acepção, a racionalidade neoliberal se expressa via Estado avaliador a partir de uma noção reguladora, isto é, de privatização que, por seu turno, está calcada no predomínio das competências e da superioridade da eficiência do setor privado/mercantil sobre as ações coletivas. Essa racionalidade estende-se à educação, em especial à educação superior, que, a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96 (BRASIL, 1996a) e do Decreto nº 2.207, de 15 de abril de 1997 (BRASIL, 1997), passa a ser compreendida como um negócio a ser tratado no mercado do setor de serviços.

Concernente à educação superior brasileira, é no contexto da reforma desencadeada ainda na década de 1990 que se empreende uma vasta expansão das Instituições Privadas de Educação Superior (IPES); no início dos anos 2000 efetiva-se uma reforma de outra roupagem4. Foi através do discurso do “mercado livre” que houve uma grande intensificação na criação das IPES guiadas pela desregulamentação. Nesse contexto, a falta de supervisão pública possibilitou a oferta de serviços educacionais de qualidade contestável via mercantilização. Esse processo incorre na formulação de uma função reguladora que o Estado assumiu municiando-se de políticas públicas para efetivar o intento de fiscalizar, supervisionar e controlar (ROTHEN; BARREYRO, 2009).

As IPES orientadas, mormente, para o mercado têm seu direcionamento voltado para a massificação; com isso, compreende-se que há uma queda na qualidade quando as noções de vender o pacote/curso de forma mais fácil e que se encaixe na rotina do aluno/cliente, slogans irradiados pelas próprias IPES, ganham prioridade em detrimento da formação profissional em que o ensino, pesquisa e extensão sejam a base indissociável da formação. Nesse contexto, sistemas de garantia de qualidade foram criados para consolidar a lógica da regulação estatal. A garantia de qualidade ficou a cargo das agências para efetivar essa finalidade do Estado.

Nessa acepção, para se definir os níveis mínimos de qualidade, necessita-se definir o que seria essa qualidade. Compreende-se que não se trata de um conceito de fácil definição, em função dos valores subjetivos e conjunturais inerentes a cada contexto social em que se estabelece um padrão de qualidade. No que diz respeito à qualidade da educação superior, Dias Sobrinho (2000, p. 212) compreende esse tipo de qualidade como algo valorativo e constituído socialmente, ou seja, “um atributo ou um conjunto de propriedades que definem uma coisa e a distinguem das demais, de acordo com julgamentos de valores praticados num determinado meio”.

Em acréscimo, para definição dessa noção de qualidade necessita-se de elementos comparativos, pois esse tipo de valor inerente ao sentido de uma qualidade particular não se trata de um valor abstrato selecionado aleatoriamente, mas de um tipo de valor constituído socialmente em que podem haver elementos comparativos. Com efeito, esse tipo de valor deve ser selecionado por cada instituição; dessa forma, poderá ser avaliado pelo setor externo. Nesse processo há um sistema de valor que será mais apreciado que outro em termos comparativos por se tratar de uma tomada de posição, o que implica o meio social que o setor externo representa.

Devido à irradiação da racionalidade neoliberal, grandes consequências foram acarretadas para o processo de regulação, pois os padrões de qualidade que se tornaram referências para as políticas de avaliação condicionaram o modelo da educação superior. Busca-se, na nova organização institucional, reduzir a intervenção regulatória estatal ao máximo através da criação das agências independentes para regular vários serviços que outrora eram regulados pelo Estado.

Questiona-se, nessa acepção: a avaliação está a serviço de quem? Seria do aumento do poder estatal em controlar via regulação? A partir do que já foi exposto, percebe-se que a avaliação não é um instrumento de diagnóstico de problemas e lacunas na formação profissional dos estudantes do ensino superior nem denota soluções para corrigi-las. No limite, a implementação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) determina a questão da qualidade como objeto central (melhoria da qualidade). Sendo assim, faz-se necessário empreender uma análise acerca do marco legal da avaliação da educação superior brasileira buscando desvelar o caráter de sua processualidade e os padrões de qualidade definidos por seu sistema.

O mosaico da política de avaliação da educação superior brasileira

No decurso histórico da avaliação da educação superior brasileira, diversas foram as experiências que se desdobraram. Contudo, a presente análise centra-se a partir do ano de 1993, com a implementação do Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras (PAIUB), por se tratar do primeiro programa que pretendeu avaliar a educação superior em escala nacional, não obstante as experiências anteriores: Programa de Avaliação da Reforma Universitária (PARU), constituído em 1983; o desenvolvimento em 1985 do relatório da Comissão Nacional de Reformulação da Educação Superior; além do próprio relatório do Grupo Executivo para a Reformulação da Educação Superior em 1986 (LACERDA; FERRI; DUARTE, 2016).

A Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996a) e o Decreto nº 2.026/96 (BRASIL, 1996b) implementaram alterações na dinâmica do PAIUB, que se pretendia um programa abrangente, de base sistemática e de processualidade contínua. Em acréscimo, foram estabelecidos indicadores de avaliação de desempenho das IES, bem como dos cursos de graduação e pós-graduação, além do conhecido Provão, que era o Exame Nacional de Cursos (ENC). Os apontamentos a serem observados na avaliação foram explicitados pelo Decreto nº 3.860/01 (BRASIL, 2001). Essa lógica foi completada com a implementação do Censo da Educação Superior.

Em 2002, como proposta 12 para a educação superior do programa de governo de Lula da Silva, surge o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES). Esta proposta busca “rever o atual sistema de avaliação que inclui o Exame Nacional de Cursos - ENC ou Provão - e implantar um sistema nacional de avaliação institucional a partir, entre outras, da experiência do Programa de Avaliação das Universidades Brasileiras (PAIUB)” (PROGRAMA DE GOVERNO DE LULA DA SILVA, 2002).

A constituição do SINAES representou a retomada de experiências, metas e objetivos mais significativos para a educação superior brasileira. Ora, isto se deu em função do SINAES através da Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004 (BRASIL, 2004), que o transformou em política de Estado. Em verdade, a base da experiência denotada para o SINAES baseia-se no PAIUB. O SINAES, no início, incorporou em sua lógica princípios e diretrizes do PAIUB; entre eles, ressaltam Ristoff e Giolo (2006, p. 197), o “compromisso formativo da avaliação, a globalidade, a integração orgânica da auto-avaliação com a avaliação externa, a continuidade, a participação ativa da comunidade acadêmica, o respeito à identidade institucional e o reconhecimento da diversidade do sistema”. Todavia, o SINAES não incorporou o princípio da adesão voluntária. Em função de se tratar de uma política de Estado, todas as IES do país participam dos processos avaliativos que compõem o sistema SINAES. É oportuno ressaltar a necessidade de constituir Comissões Próprias de Avaliação (CPAs), comissões com autonomia na autoavaliação institucional. No limite, os dados dos resultados do SINAES são públicos, em função de sua transparência, estabelecida por lei.

O processo de reorganização da avaliação da educação superior representou engendrar um sistema em que novos mecanismos e critérios fossem destacados para que tornasse exequível suprimir o sistema fragmentado em prol da construção de um sistema orgânico de avaliação, possibilitando, inclusive, estabelecer o elo entre autoavaliação e avaliação externa.

A constituição do SINAES baseia-se na noção de que todas as avaliações da educação superior geridas pelo Ministério da Educação (MEC) estejam sistematizadas e desdobrem doravante uma ideia que articule os momentos e metodologias, bem como os instrumentos de avaliação e de informação. Nesse excurso analítico, através do SINAES, toda avaliação da educação superior, com exceção da pós-graduação stricto sensu regida pelo modelo CAPES de avaliação, ficou sob tutela do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Anísio Teixeira (INEP), orientada pelos apontamentos da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES) e servindo como base para diversos órgãos do MEC efetivarem suas funções regulatórias. Com o SINAES, buscou-se separar a avaliação da regulação, apesar de uma ser o fundamento da outra.

O SINAES instituiu a avaliação em três instâncias: instituição, curso e estudantes. Para que as informações fossem mais explícitas, foi previsto por lei que as instâncias não seriam independentes (ROTHEN; BARREYRO, 2009). Para ressaltar a missão da educação superior, foi declarado que a finalidade da avaliação seria a melhoria da qualidade (BRASIL, 2004). Como mencionado acima, a questão da qualidade, na proposta do SINAES, trata-se de um objetivo central.

O Sinaes tem por finalidades a melhoria da qualidade da educação superior, a orientação da expansão da sua oferta, o aumento permanente da sua eficácia institucional e efetividade acadêmica e social e, especialmente, a promoção do aprofundamento dos compromissos e responsabilidades sociais das instituições de educação superior, por meio da valorização de sua missão pública, da promoção dos valores democráticos, do respeito à diferença e à diversidade, da afirmação da autonomia e da identidade institucional (BRASIL, 2004).

No limite, o SINAES constitui-se por três componentes essenciais: avaliação das instituições, dos cursos e do desempenho dos estudantes. Ainda, sua avaliação permeia a responsabilidade social da IES, a gestão institucional, a infraestrutura, o corpo docente, o desempenho do estudo, além de outros aspectos que envolvem ensino, pesquisa e extensão.

Canan e Eloy (2016) refletem sobre as implicações dos resultados para traçarem um padrão de qualidade para as IES brasileiras. Isso só se torna exequível em virtude da coordenação e supervisão da CONAES; contudo, a etapa operacional fica sob responsabilidade do INEP. No que concerne à avaliação dos estudantes, o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) é dividido em duas partes: 10 questões de conhecimentos gerais e 30 questões de formação específica. O Conceito ENADE é sistematizado em cinco níveis, além de sua lógica diferir do Provão, uma vez que a quantidade de questões do ENADE segue um padrão único para todas as áreas de formação. O Indicador de Diferença entre os Desempenhos Observados e Esperados (IDD), criado em 2005, objetiva verificar o conhecimento irradiado aos estudantes pelas IES. Para Rothen e Barreyro (2014), esse indicador é a justificativa das IPES em função do desempenho satisfatório de algumas IES, em função de receberem bons alunos.

Em acréscimo, o ciclo do SINAES teve morosidade, incorrendo na edição de várias portarias em função do reconhecimento temporário de cursos, tendo em vista a necessidade de emissão de diplomas para os concluintes. Além disso, o processo de reconhecimento de cursos e credenciamento de instituições viu-se prejudicado em virtude de dois fatores: 1) a reivindicação das IES acerca das taxas pagas ao INEP para a realização desses processos; 2) o veto ao pagamento do prolabore dos professores de IES públicas com dedicação exclusiva que realizavam avaliação in loco, realizado pelo Tribunal de Contas da União. Essa conjuntura exigiu medidas legais que tornassem factível a continuidade do processo de regulação e credenciamento das IES (ROTHEN; BARREYRO, 2014). Nessa acepção, em 2006, realizou-se a edição do Decreto nº 5.773/06 (BRASIL, 2006), definindo, por seu turno, os procedimentos para essa regulação e supervisão, além das atividades encaminhadas a diversos órgãos, enfatizando, deste modo, a fiscalização da educação superior brasileira.

A supervisão da educação superior centrou-se na utilização dos resultados do ENADE como indicadores para a visita in loco de especialistas. Assim, para efetivar a renovação de reconhecimento de cursos, em 2007, foi anunciado um conceito preliminar para tornar possível a efetivação desse processo, que só veio a acontecer em 2008 com a criação do Conceito Preliminar de Curso (CPC), através da edição da Portaria Normativa nº 40/07 (BRASIL, 2007).

O CPC, por sua vez, conforme a Portaria nº 40/07, iria compor-se via resultados do ENADE e dos dados do Censo da Educação Superior. É lícito ressaltar a relevância do ENADE na processualidade da avaliação da educação superior brasileira. O ENADE, conforme Canan e Eloy (2016), configura-se para além somente de um instrumento de avaliação; contudo, seus resultados tornam exequível a organização de rankings entre cursos e IES brasileiras. Este tipo de avaliação em larga escala condiciona a reformulação curricular dos cursos de graduação e influencia a gestão dos cursos a buscar resultados positivos, implicando, deste modo, estratégias para preparação do estudante.

A busca pelo melhor desempenho do aluno no ENADE evidencia o afinamento da política de avaliação da educação superior aos intentos dos organismos internacionais no contexto da globalização e de expansão financeira do capital. De acordo com os autores supra,

Essa cobrança implica resultados numéricos e prioriza a busca pela eficiência e pela qualidade diante das demandas sociais. Desse modo, a avaliação externa, instituída pelo Ministério da Educação, utiliza-se de testes padronizados para medir o nível de conhecimentos dos acadêmicos no final dos cursos, deixando, muitas vezes, de valorizar o processo de ensino-aprendizagem e a produção cultural, científica, tecnológica e de formação cidadã (CANAN; ELOY, 2016, p. 623).

Não obstante uma miríade de elementos e políticas em volta do SINAES, é necessário dar ênfase na dinâmica do ENADE por se tratar de um modelo de avaliação que se afina com a predominância técnica/contábil avaliativa global que permeia as instituições de ensino. O ENADE se trata de um exame de conhecimentos específicos aplicados a estudantes concluintes de todos os cursos que são avaliados no ano em vigência. Através dos resultados do ENADE, o CPC e o Índice Geral de Cursos (IGC)5, os dados são sistematizados para a constituição de rankings pelos meios de comunicação.

A constituição de rankings com as IES que participaram do ENADE através dos conceitos conferidos a elas configura-se como uma política de avaliação já utilizada em escala global, isto é, uma política semelhante ao Programme for International Student Assessment - Programa Internacional de Avaliação de Estudantes - (PISA). A despeito de se tratar de uma avaliação externa, essa lógica se mostra frágil por não apresentar um caráter contínuo com os estudantes em avaliação.

Nessa acepção, apesar de o SINAES buscar constituir todo um sistema que forneça bases para avaliar a IES nos aspectos referentes a pesquisa, extensão, infraestrutura, bem como o próprio processo de avaliação institucional, via criação das CPAs, a criação do CPC e do IGC se evidencia como breve exemplo de um modelo de regulação que vai na contramão dos princípios do SINAES. A constituição e divulgação do ranqueamento das IES brasileiras pela mídia foi vista, pelos especialistas que sistematizaram a lógica da implantação do SINAES como sistema, como uma verdadeira negação da essência do SINAES.

Os índices CPC e IGC oriundos do ENADE implicam uma lógica de comparabilidade e simplificação dos processos avaliativos, sobressaindo, deste modo, a lógica da regulação sobre a avaliação. Em acréscimo, nos índices que são utilizados pelo SINAES, o quesito desempenho expressa grande superioridade diante dos demais, isto é, representa 55% da nota. Este desempenho é expresso através do ENADE e do IDD. Nessa acepção o conceito de qualidade é reduzido à mensuração do desempenho estudantil. Com isso, essa ênfase dada ao desempenho se caracteriza como um processo de accountability, pondo a regulação sobre a avaliação.

No limite, as concepções neopragmáticas impulsionam os mecanismos operacionais da sociedade para uma lógica mercantil em que competição, desempenho, eficiência, eficácia e padrão de qualidade são pilares para seu status quo. Com efeito, a noção de racionalidade técnica imbui o sistema de regulação e supervisão da educação superior brasileira com o subterfúgio de uma provável avaliação de sua qualidade.

Considerações finais

Os mecanismos de operacionalidade do SINAES são elementos do processo de regulação estatal da educação superior brasileira. No entanto, é lícito ressaltar que nem toda regulação está a serviço dos interesses públicos, assim como não está, necessariamente, para a constituição de um mercado competitivo. Ainda assim, os elementos que condicionam a lógica do SINAES, em especial do ENADE, se mostram verdadeiras condicionalidades da regulação para o mercado educacional.

No tocante ao aparato regulatório, Nunes, Ribeiro e Peixoto (2007, p. 5) compreendem que este foi engendrado para solucionar os defeitos do mercado e “pode tornar-se, ele mesmo, uma espécie de mercado onde regulação é ‘comprada’ e ‘vendida’”. Nesse sentido, diversas foram as modificações sofridas, desde sua implantação, pelo SINAES - um programa que se sustentava na concepção de que todas as avaliações no âmbito da educação superior, realizadas pelo MEC, fossem sistematizadas e realizadas dentro de uma concepção que articulasse os momentos, metodologias, os instrumentos de avaliação e os espaços.

Com efeito, a partir do exposto, compreende-se que o SINAES sofreu uma inversão de sua lógica primaz. Quando implementado, a autoavaliação deveria ser o elemento conclusivo para demais modalidades da avaliação, daí seria possível julgar os elementos necessário do processo de avaliação. Todavia, o exame de desempenho obteve centralidade no processo avaliativo além da própria regulação. O destaque dado ao ENADE nos marcos regulatórios que condicionam o modus operandi das IES brasileiras caracteriza-se como um modelo de accountability.

A noção de accountability está imbuída na lógica do SINAES. Não obstante Lacerda, Ferri e Duarte (2016) se contraporem a essa noção, os autores compreendem que esse sistema de avaliação se configura como um modelo futuro de accountability. Eles próprios reconhecem que,

A dimensão de prestação de contas foi reconhecida pela publicação do CPC dos cursos e do IGC das IES, seus ranqueamentos derivados e da justificação da IES em relação a cursos com baixo desempenho [...]. Adicionam-se a isto a distribuição de bolsas do Programa Universidade para Todos - ProUni, do governo federal, para o qual é necessário um conceito de curso (seja ENADE, CPC ou CC) no mínimo de 3 para que possa ser beneficiado (p. 988).

O SINAES se apresenta como um processo complexo dentro de circuitos de períodos temporais em que este sistema sofreu modificações de sua centralidade, inclusive. No atual período, a centralidade do exame de desempenho é base para os marcos regulatórios das IES, e disso decorre a constituição de rankings por meio dos resultados divulgados pelo IGC. Indicadores e parâmetros para a avaliação numa fase classificatória, comparativa e escalonal são elementos que constituem a lógica da avaliação educacional; contudo, o SINAES utiliza esses critérios sem definir precisamente o sentido de qualidade que pretende melhorar. Nessa acepção, compreende-se que é preciso sistematizar bases para questionar a processualidade do SINAES, bem como sua lógica de accountability, e levar a cabo o debate da necessidade de constituir um sistema de avaliação da educação superior em que suas bases sejam construídas pela participação popular, em que se respeite a complexidade das relações humanas, bem como as reflexões, vivências e juízos de valores historicamente acumulados pelos indivíduos.

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1A ênfase dada a partir da década de 1990 se dá em função de atender os intentos neoliberais, sobretudo a partir da irradiação de sua concepção no Brasil nesse período.

2A noção de Terceira Via não ultrapassa os limites do neoliberalismo, essa racionalidade desenvolve um discurso que alcança os setores sociais, contudo, o seu conteúdo ainda está atrelado à racionalidade financeira em que a privatização ganha destaque em detrimento do setor e dos interesses públicos.

3A expressão answerability pode ser traduzida para o português como responsabilidade, ressaltando que, todavia, há “quem refira o conceito de “responsividade que consiste na explicação motivada dos fatos perquiridos. [...] Ser responsivo significa responder às questões formuladas, prestar esclarecimentos” (MOTA, 2006 apud AFONSO, 2009, p. 67, n. 1).

4A reforma da educação superior nos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff, empreendeu-se uma lógica de agradar gregos e troianos, isto é, os setores hegemônicos (financeiro, agronegócio e commodities) e os setores populares. Todavia, para Oliveira (2010), esse movimento, em verdade, empreendeu o fenômeno chamado de hegemonia às avessas, que a despeito das políticas direcionadas para as camadas populares, no limite, havia um conteúdo arraigado com o setor empresarial.

5O Índice Geral de Cursos foi implementado via Portaria Normativa nº 12, de 05/09/2008 (BRASIL, 2008).

Recebido: 07 de Outubro de 2018; Aceito: 26 de Novembro de 2018

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ASNP: Mestre em Educação, e-mail: alisson.slider@yahoo.com FJFC: Doutor em Educação, e-mail: fredericoo@uece.br KRRL: Doutora em Educação, e-mail: kareli2004@yahoo.com

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