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Revista Diálogo Educacional

versión impresa ISSN 1518-3483versión On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.19 no.62 Curitiba jul./sept 2019  Epub 30-Ene-2020

https://doi.org/10.7213/1981-416x.19.062.ap01 

Apresentação

A Cibercultura contada na série Black Mirror: dilemas, fundamentos e provocações para a educação e a formação de professores nos cotidianos

Edméa Oliveira dos Santos1 
http://orcid.org/0000-0003-4978-9818

Tania Lucía Maddalena2 

Alboni Marisa Dudeque Pianovski Vieira3 
http://orcid.org/0000-0003-3759-0377

1Professora Titular-Livre da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Atua no Instituto de Educação e no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEDUC), na linha de pesquisa " Linha 1: Estudos Contemporâneos e Práticas Educativas". Líder do GPDOC - Grupo de Pesquisa Docência e Cibercultura Coordenadora do GT 16 - "Educação e Comunicação" da ANPED - Associação Brasileira de Pesquisa em Educação, vice-presidente da ABCIBER - Associação de Pesquisadores em Cibercultura. Atua na formação inicial e continuada de professores e pesquisadores. E-mail: edmeabaiana@gmail.com

2Professora da Universidade Internacional de La Rioja (UNIR/ Espanha). Atua no “Máster de Formación del Profesorado de Educación Secundaria”. Doutora em Educação pelo Proped/UERJ e Doutoranda em Línguas, Culturas, Literatura e suas aplicações na Universitat Politècnica de València (UPV/Espanha). É Mestre em Educação (UNICAMP), Especialista em Educação e Novas Tecnologias (FLACSO/Argentina) e Bacharel em Ciências da Educação (UNLP/Argentina).

3Professora do curso de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Mestre em Gestão de Instituições de Educação Superior. Mestre e doutora em Educação. Licenciada em Pedagogia e bacharel em Direito. Atua na formação inicial e continuada de professores. Editora da Revista Diálogo Educacional, do PPGE/PUCPR. E-mail: alboni@alboni.com


Há inúmeras séries televisivas que nos deslocam, ampliam nossos entendimentos de si, com o outro e com o mundo e nos possibilitam tecer múltiplas experimentações afetivas, sociais e ética-estética-políticas. Mas não só, as séries também nos ajudam a produzir sentidos e significados na/com a vida cotidiana, a refletir sobre as práticas formativas e deformativas que nos atravessam e nos incentivam a problematizar e tencionar o aqui agora.

Black Mirror ou Espelho Preto é uma dessas séries que nos desloca, sobretudo lá para aqueles (micro)espaços-tempos do pensar-praticar que nos levam a diversos questionamentos, dilemas e implicações sobre a relação humano e não-humano nas ambiências ciberculturais. Essa série televisiva britânica foi criada por Charlie Brooker, transmitida pela primeira vez em 2011 no Reino Unido e atualmente encontra-se na quinta temporada. De acordo com Brooker (2011), Black Mirror é uma metáfora para referir-se às telas de todos os dispositivos tecnológicos que conhecemos hoje, as quais encontramos por todas as partes, inclusive nas palmas de nossas mãos. Elas atuam como um espelho da realidade, da invenção, do desejo, do ódio e dos usos/abusos da tecnologia na contemporaneidade.

As narrativas ficcionais dessa série nos tocam e transformam, cada qual com suas especificidades e singularidades. Uma das caraterísticas mais interessante do Black Mirror é que, na maioria de seus episódios, a lógica narrativa não nos leva para o típico mundo futurista da ciência ficção clássica. Mas sim para um espaço mais próximo, um tempo com caraterísticas conhecidas, nos colocando num lugar incômodo, desconfortável e ao mesmo tempo estranho para nós mesmos. “Cada episódio apresenta um caso diferente, mas todos falam algo sobre a forma em que vivemos hoje e sobre a forma em como poderíamos estar vivendo [...]”, conforme aponta Brooker (2011).

Lemos (2018, p. 13) destaca que a série Black Mirror além de discutir as tecnologias digitais em rede, as relações sociais mediadas por dispositivos complexos, a partir de uma perspectiva futurista e distópica, “aborda temas centrais para o debate sobre a relação entre cultura, tecnologia e sociedade hoje”. Redes sociais digitais, dispositivos móveis, realidade aumentada, virtual e mista, games, drones, inteligência artificial, internet das coisas e das pessoas, objetos inteligentes, aplicativos... são algumas das muitas das tecnologias digitais problematizadas na série e que já se encontram presentes em nossos cotidianos, reorganizando e reestruturando nossas práticas e instituições. Estas relações mediadas pelo digital em rede instituem cotidianamente a cibercultura, que desafia sobremaneira a fazer/pensar dispositivos de pesquisa e formação (SANTOS, 2014).

Resgatamos a potência da linguagem audiovisual, uma linguagem que atravessa nossas certezas, nos instiga e questiona. Ao assistir a um filme, em nosso caso uma série, mergulhamos com todos os sentidos no percurso narrativo, no qual personagens, enredos, ficções e técnicas estéticas se entrelaçam para contar a história. O presente dossiê é mais uma evidência de como uma produção cinematográfica, em formato de seriado, atua como um artefato cultural fértil para acionar a reflexão educativa contemporânea. Mais uma vez, de mão dada ao campo do subjuntivo (BRUNER, 2014), à ficção, à invenção, ao que poderia ser “se”, em palavras de Bruner (2014):

A estratégia da ficção de primeira grandeza consiste em tornar estranho aquilo que é familiar e ordinário - como os formalistas russos costumavam dizer, “alienado” o leitor da tirania do terminantemente familiar. Ela oferece mundos alternativos que lançam nova luz sobre o mundo real. O principal instrumento a través do qual a literatura (e o cinema) cria essa mágica, é, obviamente, a linguagem (BRUNER, 2014, p. 19).

Uma linguagem que nos possibilita o conhecimento do outro, das relações tecnológicas, evidenciando outras realidades possíveis. Aqui resulta importante esclarecer que um dos grandes potenciais da narrativa fílmica não é “ensinar” um conteúdo específico (MIGLIORIN, 2010), mas sim provocar, mobilizar saberes, atravessar crises para pensar novas possibilidades e perspectivas de mundo. “A primeira característica de uma imagem cinematográfica é que ela sofre o mundo. Mas o cinema é mais do que isso, claro. O cinema é uma operação de escritura com imagens afetadas pelo real. Ou seja, por um lado ele é mundo, por outro ele é alteração (MIGLIORIN, 2010, p. 109). E aqui habita a potência da nossa opção de trazer essas imagens cinematográficas, narrativas fílmicas que são afetadas pelo real e ao mesmo tempo também o interpelam e afetam, num movimento recíproco. Cabe, então, nos questionar: o que agrega Black Mirror ao nosso trabalho como professores/as-pesquisadores/as da cibercultura? Para responder essas questões, buscamos tecer múltiplos pontos de vista teórico-metodológico-epistemológicos que se desdobram nos seguintes artigos a seguir.

No artigo Por que Black Mirror dá muito o que pensar? Marta Gabriel e Lúcia Santaella apresentam uma síntese de todos os episódios publicados até hoje de Black Mirror, seriado que expõe os impactos insuspeitados que as tecnologias digitais avançadas poderão provocar em nossas vidas futuras. Dado o crescente papel que as tecnologias digitais não cessam de provocar em todas as atividades que desempenhamos, a série obteve uma grande repercussão. De acordo com os especialistas, com os quais as autoras do presente artigo concordam, em seu conjunto, trata-se da melhor obra que desenvolve uma reflexão distópica sobre o assunto. Como o próprio título e sua apresentação insinuam, a proposta do artigo é refletir e colocar o humano tecnológico diante de um espelho negro em que se estilhaça a imagem que tem de si.

Em Dotando robôs com habilidades socioemocionais: presente, futuro e implicações éticas, Patrícia A. Jaques Maillard busca discutir os impactos de robôs (em software ou hardware) dotados de habilidades socioemocionais. Para isso, usa como cenário ilustrativo o episódio Volto Já, da segunda temporada da série de televisão Black Mirror. Nesse episódio, Martha compra um robô que simula a personalidade do seu falecido marido, aprendida através das interações dele em redes sociais. O episódio trata das relações de afeto com robôs, justamente o tema que a autora pretende abordar, focando nas emoções. Para tanto, primeiramente, apresenta o estado da arte nas pesquisas em Computação Afetiva que envolvem robôs que são capazes de detectar emoções de diversas formas e responder a essas emoções para interagir de maneira mais antropomórfica. Posteriormente, aborda potenciais impactos desse tipo de tecnologia na vida de humanos e no seu bem-estar e possíveis implicações éticas. Finaliza o artigo discutindo sobre como as tecnologias podem ser empregadas para aprendermos mais sobre nossos afetos.

No trabalho USS Callister: universos de ficción y aprendizaje de lenguas, Tania Lucía Maddalena e Ana Sevilla-Pavón apresentam uma reflexão teórica inspirada no capítulo USS Callister, da quarta temporada do seriado. A partir do episódio, as autoras pretendem compreender as possibilidades educativas de criar universos de ficção com o uso da metodologia da Digital Storytelling no aprendizado de línguas. Apresenta-se uma experiência pedagógica na qual 40 alunos da Graduação em Engenharia Aeroespacial da Universitat Potècnica de València, Espanha, criaram narrativas digitais nas aulas de inglês técnico ao longo de um semestre. A escrita criativa, as habilidades linguísticas, interpessoais e digitais foram alguns dos principais letramentos e competências desenvolvidas pelos estudantes do projeto. O resultado foram autorias criativas em formato de narrativas digitais de até 4 minutos de duração, nos quais o universo, naves espaciais e missões intergalácticas foram a motivação para o aprendizado do inglês técnico, USS Callister atuou como reflexão sobre a potência de criar universos de ficção nas práticas de ensino-aprendizagem.

O artigo As tecnologias computacionais contemporâneas e a educação: contribuições do ciborgue e dos objetos inteligentes de Thiago Marcondes Santos, Denise Filippo e Edméa Oliveira dos Santos apresentam uma sólida discussão sobre as tecnologias computacionais ubíquas e seus desdobramentos para a sociedade na área da educação. Ao longo do texto são apresentadas as implicações provocadas na educação através da possibilidade de novas práticas pedagógicas no processo de aprendizagem na escola do século XXI. Diversos episódios da série Black Mirror são resgatados para enriquecer o debate sobre a aprendizagem em tempos em que os conceitos de objetos inteligentes e ciborgues já estão presentes.

No artigo Redes que tejen conocimientos: hipermediando la enseñanza en la universidad, María Mercedes Martín reflete sobre as potencialidades da inclusão de redes sociais no ensino universitário, inspirada numa análise das relações sociais na cultura digital a partir do episódio Nosedive (Queda Livre). A autora pensa as redes sociais e os vínculos das mesmas a partir de uma perspectiva mais crítica e esperançosa, trazendo experiências pedagógicas da disciplina Tecnologia Educativa da Universidade Nacional de La Plata, Argentina. Ao longo do texto são expostas diversas tessituras pedagógicas realizadas na rede social Twitter, relações mediadas e hipermediadas, vinculações de pessoas, grupos, conhecimentos, interesses. Como reflexão final, o artigo apresenta cenários e experiências pedagógicas potentes no ensino universitário que possibilitem, nas palavras de Paulo Freire “sonhos possíveis”, exigentes de descobertas e utopias históricas na sociedade contemporânea.

Já no artigo Tecnologias digitais, espetáculo e violência na escola: uma análise de Urso Branco, Ana Lara Casagrande, Aliana França Camargo Costa e Terezinha Fernandes analisam as práticas de violência mediadas por aparatos tecnológicos no ambiente escolar, a partir do episódio intitulado Urso Branco. Neste, há uma narrativa que se desenvolve em meio a um contexto de sadismo coletivo acerca da punição da personagem central, registrado pelos aparelhos celulares. Nesse sentido, as autoras partem do pressuposto de que a relação com a câmera é fundamental para a compreensão do registro passivo da violência e seu compartilhamento em redes. A abordagem deste texto é qualitativa e tem como eixos de desenvolvimento: o cenário mediado pelas tecnologias digitais; episódios de violências escolares; discussão sobre violência e conflito; o papel da escola e dos letramentos digitais em uma perspectiva social e abordagem crítica na educação.

No artigo Narrativas tecnofóbicas na cibercultura: representações da ciência e tecnologia a partir da série Black Mirror, Kaio Eduardo Oliveira e Cristiane de Magalhães Porto discutem como a representação da ciência e tecnologia é problematizada pelos espectadores da série Black Mirror em redes sociais digitais. Posto que, mesmo não sendo a divulgação científica o principal foco, a série pode contribuir para o debate sobre o tema a partir de questões que envolvem ciência e, principalmente, tecnologia em alguns episódios. Portanto, por meio de uma pesquisa qualitativa, com observação direta no Facebook e coleta de dados com caráter exploratório descritivo, este artigo evidencia que o debate sobre ciência e tecnologia percorre um sentido de fobia e aversão à ciência e a tecnologia, a partir da expressão das subjetividades dos fãs, no debate articulada a partir do seriado em comentários no Facebook. Com isso, conclui-se que embora problematize nossa relação com as tecnologias, o seriado Black Mirror constrói uma representação de ciência e tecnologia como vilãs das práticas sociais humanas.

Telma Brito Rocha, a partir do episódio Manda quem pode, em seu artigo intitulado “Manda quem pode”, a violência como ressonância do crime de pedofilia, argumenta que os crimes praticados no ciberespaço, entre eles, a pedofilia, ganham relevância significativa no momento em que vivemos a amplitude e a intensificação de interações on-line. O texto tem como objetivo analisar o episódio, que produz um pensamento crítico sobre a violência, a cultura, o social e o politico na contemporaneidade. Através dessa história ficcional, Rocha analisa a pedofilia on-line, e a ressonância da violência virtual, bem como, os cuidados on-line que devemos ter com a navegação de crianças e adolescentes na rede internet. Os discursos sobre a violência apresentados no episódio revelam com clareza o poder das redes digitais, na disseminação e no aumento da visibilidade de um acontecimento. A proposta de desenvolvimento do trabalho foi apoiada na abordagem qualitativa, por meio de um estudo de caso, dos personagens, seus discursos, situações, a violência e a pedofilia no episódio.

No artigo “Black Mirror” e aprendizagens em rede: distopia, retrotopia e utopias em vivências (trans)formadoras na educação, Adriana Rocha Bruno, Judilma Aline Oliveira Silva e Sebastião Gomes de Almeida Júnior apresentam três experiências de pesquisa desenvolvidas pelo Grupo de Pesquisa Aprendizagem em Rede, fomentadas com episódios da série. Tendo como objetivo os estudos da cultura e educação digitais, a primeira vivência (trans)formativa se deu no interior do grupo de estudos, seguida de outra que envolveu o grupo e estudantes da Faculdade de Educação e uma última, com jovens que cumprem medidas sócioeducativas em regime semi-aberto. Sob o viés teórico de estudos recentes da cibercultura, destacam-se conceitos tratados por Pierre Lévy (2014) e por André Lemos (2018), em diálogo com conceitos de distopia (JACOBY, 2001), retrotopia (BAUMAN, 2017) e utopia (FREIRE, 2006). A análise, em meio a pesquisa narrativa (CLANDININ e CONNELLY, 2011), considerou que no mundo atual coexistem movimentos de distopia, retrotopia e utopia e que os episódios da série refletem a função social que as tecnologias digitais assumem na vida contemporânea.

O artigo Uso do seriado Black Mirror no ambiente acadêmico de Patrícia Torres, Leonardo Gonçalves e Danielle Baron tem como objetivo apresentar o resultado de uma pesquisa, desenvolvida por pesquisadores do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação de uma universidade privada do Estado do Paraná. Considerando a crescente busca por inovações no ambiente educacional, foi realizado em sala de aula uma atividade utilizando a série televisiva, provocando uma reflexão crítica sobre o uso da tecnologia e comportamento da sociedade. Foi realizada uma discussão reflexiva em relação ao episódio Queda Livre, e posteriormente um roteiro de análise fílmico com perguntas sobre os aspectos técnicos, impacto na formação e contribuição para a disciplina. Os resultados obtidos demonstram o interesse na dinâmica e que a inserção desse tipo de mídia em sala de aula permitiu, além da absorção do conteúdo, o envolvimento do estudante como sujeito crítico, capaz de compreender e refletir sobre as informações e mensagens contidas nos conteúdos midiáticos disponíveis.

Dilton Ribeiro Couto Junior, Rosemary dos Santos e Luciana Velloso buscam tecer reflexões em torno de práticas sociais mediadas pelo digital em rede retratadas no episódio intitulado Queda Livre, a partir do artigo Rede social e comunicação ubíqua: o que podemos aprender com Black Mirror? A proposta é discutir a relação entre interconectividade, popularidade e visibilidade na era da comunicação ubíqua com a intenção de ressignificar nossa própria experiência humana que vem sendo cada vez mais mediada pelos processos comunicacionais digitais. Buscar inspiração na ficção de Black Mirror pode se constituir como um caminho potente para refletirmos sobre nossa humanização, numa era marcada pelo intensa produção e compartilhamento de dados entre usuárias/os geograficamente dispersas/os. Para além do caráter ficcional da série e das situações expressas no episódio, há ali um alerta para os extremos que o uso dos dispositivos digitais podem nos levar, fazendo-nos refletir sobre a importância de se colocar em prática uma educação que amplie nossa visão sobre o potencial da interconectividade e seus desdobramentos.

Nas problematizações do artigo Black Mirror e o espetáculo revisitado: um estado da arte e algumas reflexões, Monica Fantin, Jose Douglas Alves dos Santos e Karine Joulie Martins apresentam um estado da arte da série de televisão britânica , com enfoque nas áreas da Educação e Comunicação. O intuito foi realizar um mapeamento das produções acadêmicas sobre esta série no Brasil até o momento, a partir das seguintes fontes pesquisadas: o Portal brasileiro de publicações científicas em acesso aberto (oasisbr); o Portal de Livre Acesso à Produção em Ciências da Comunicação (Portcom); o Repositório Institucional da Universidade Federal de Santa Catarina (RI/UFSC); a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD); e o Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES. A análise dos dados sugere que a série vem ganhando destaque no cenário acadêmico brasileiro, e a partir da ideia de espetáculo, o texto tece algumas considerações sobre temas recorrentes acerca dos usos das novas tecnologias digitais e das relações sociais mediadas por dispositivos complexos no contemporâneo.

Embora não diretamente vinculados à série Black Mirror, mas relacionados às novas tecnologias e suas implicações educacionais, dois outros artigos integram o dossiê. Patrícia Brandalise Scherer Bassani apresenta o estudo Realidade aumentada na escola: experiências de aprendizagem em espaços híbridos, com o objetivo de compartilhar práticas educativas em realidade aumentada, desenvolvidas no contexto escolar, e também de refletir sobre o envolvimento e a participação dos alunos na criação desses espaços híbridos. O estudo, de natureza aplicada e abordagem qualitativa, utiliza o método da cartografia e se vale de nove práticas educativas desenvolvidas com o uso dos aplicativos Quiver e HP_Reveal, as quais foram analisadas à luz de três categorias de participação: passiva, ativa e perceptiva. Os resultados obtidos demonstraram que as experiências de aprendizagem em realidade aumentada possibilitaram a imersão do aluno no espaço híbrido, por meio de práticas de participação ativa e perceptiva.

Facebook Dating: discussões sobre impactos sociais do novo recurso tecnológico do Facebook, de autoria de Pollyana Ferrari Teixeira e de Mariana Leonhardt Hallage, tem por objetivo analisar impactos sociais que alguns recursos tecnológicos exercem sobre o contexto contemporâneo, no caso específico, o Facebook Dating, dedicado a incentivar relacionamentos afetivos entre usuários da rede que possuam afinidade, conforme os dados constantes da plataforma. As autoras discutem alguns pontos cruciais dessa interação, tendo como pano de fundo a tecnologia ubíqua, que permeia o cotidiano de pessoas interconectadas e com acesso a dispositivos móveis inteligentes. Entre esses pontos, considerando a problemática do Facebook deter um enorme banco de dados sobre usuários, estão a participação desses usuários, o condicionamento de suas imagens pessoais para serem parte dessa rede, o monitoramento via geolocalização demandado pelo aplicativo, a hiperexposição e a obscenidade das imagens, características de uma sociedade transparente.

A segunda parte desta edição da Diálogo Educacional, reservada à demanda contínua, traz cinco artigos, igualmente instigadores de reflexões, que apresentamos a seguir.

O primeiro artigo, intitulado Por uma didática decolonial: aproximações teóricas e elementos categoriais, é de autoria de Alder Dias e de Waldir Ferreira de Abreu. Esse artigo tematiza a didática, como campo do conhecimento da Pedagogia e espaço importante de estudo e discussão do pensamento decolonial, com o objetivo de explicitar elementos teóricos que contribuam para a construção de uma didática decolonial. Em pesquisa bibliográfica, os autores retomam o pensamento de Candau, da década de 1980, fazendo o percurso até os dias atuais, momento em que defendem uma didática crítica intercultural. Para tanto, elementos históricos e conceituais que demarcam o pensamento decolonial, a pedagogia decolonial e a didática crítica intercultural são tratados, na perspectiva de desvelar as realidades invisibilizadas e as relações de colonialidade formadas nos movimentos hegemônicos mundiais, a partir da conquista das Américas. Como resultado, é proposta uma prática didática decolonial, que assuma a alteridade como pressuposto ético-político educativo e que considere os sujeitos historicamente marginalizados, oprimidos e subalternizados da sociedade e do sistema educacional.

Na sequência, Anastassis Kozanitis apresenta o estudo Análisis de las dimensiones del compromisso cognitivo a nível postsecundario desde uma perspectiva socio-cognitivista. O artigo discute o impacto do compromisso acadêmico como fator importante no processo de aprendizagem e de êxito acadêmico. Explica que estudantes não comprometidos com o curso são menos atentos, não assistem às aulas ou não realizam as tarefas solicitadas. Não obstante se dedicarem pouco ao tratamento dos conteúdos, conseguem ser aprovados em algumas disciplinas. As consequências são, então, um domínio insuficiente da matéria e um baixo índice de êxito. Já os estudantes comprometidos, acrescenta, são capazes de apresentar um melhor rendimento escolar e maior êxito na carreira. Kozanitis menciona que, em relação a isso, a literatura científica atual reconhece três componentes: comportamental, afetivo e cognitivo. Os dois primeiros componentes foram amplamente estudados, o que não ocorreu com o compromisso cognitivo. A pesquisa, assim, teve por objetivo explorar a relação entre as dimensões que constituem o conceito de compromisso cognitivo, por meio de uma análise estatística exploratória, a partir de uma perspectiva sócio-cognitivista. Os principais resultados da investigação mostraram relações significativas entre o conjunto de constructos que compõem o compromisso cognitivo.

O terceiro artigo que compõe a demanda contínua, intitulado Sobre Dewey, jogos digitais e ensino de História, é de autoria de Stella Maria Peixoto de Azevedo Pedrosa e Kauan Pessanha Soares e busca associar a filosofia progressista de John Dewey às concepções de jogos digitais e ao processo ensino e aprendizagem da História. A partir de um enfoque deweyiano, em que se busca integrar a vida real com as atividades escolares, discute-se de que forma os jogos digitais podem colaborar para que as narrativas históricas possam se relacionar ao processo de ensino e aprendizagem. Conclui-se que é possível reavaliar as formas de ensino que ocorrem no Brasil, constituindo o jogo uma possibilidade para a aprendizagem da História.

As pesquisadoras Cecília Silvano Batalha e Giseli Barreto da Cruz contribuem com o artigo Ensino de dança na escola: desafios e perspectivas na visão de professores, resultante de pesquisa cujo objetivo foi compreender como professores com formação superior em dança, que atuaram ou estão atuando na educação básica pública, concebem o ensino de dança e, além disso, o que fazem (se o fazem) a favor de sua inserção no currículo escolar. Nele, são considerados os aspectos referentes à inserção da dança no currículo escolar, a partir de quatro eixos analíticos: produção do conhecimento por meio do corpo; possibilidade de trabalhar questões sociais e humanas; questões multiculturais presentes na inserção da dança no currículo e dificuldades estruturais para o ensino de dança na escola. Os resultados da pesquisa mostraram que a inserção da dança no currículo é um desafio evidente para os professores, ainda que se reconheça que esse ensino possa ser um espaço potente para a produção do conhecimento por meio do corpo, possibilitando uma formação mais abrangente.

Por último, Edivaldo-Cesar Camarotti Martins e Adolfo-Ignacio Calderón em Eficácia escolar: boas práticas à luz de estudos do governo brasileiro e das agências multilaterais, estudam os avanços na produção do conhecimento sobre o tema das boas práticas escolares, a partir de estudos promovidos pelo Ministério da Educação do Brasil, apoiados ou não por agências multilaterais. Nesse sentido, são analisadas as concepções subjacentes, as tendências e as principais abordagens teóricas existentes, com o objetivo de defender, em termos teóricos, uma aproximação conceitual entre boas práticas escolares e estratégias de melhoria da qualidade da educação básica, no campo teórico dos estudos sobre eficácia escolar. Para realização do estudo, de caráter bibliográfico, foram selecionadas, como corpus de análise, dez publicações. Como resultado, verificou-se que no contexto do governo brasileiro há uma nítida tendência de se analisar boas práticas de gestão escolar, com destaque para a liderança pedagógica do diretor em coordenar a formação continuada dos professores e articular a participação das famílias nas atividades da escola. As práticas pedagógicas com foco na aprendizagem dos alunos também foram consideradas fundamentais para que as escolas conseguissem melhorar o desempenho de seus alunos. O clima escolar, embora não tenha sido amplamente mencionado nos estudos analisados, também figurou como uma boa prática essencial para a melhoria da aprendizagem, na medida em que serve de base para o desenvolvimento eficaz das ações de gestão escolar e das práticas pedagógicas.

Agradecemos aos pesquisadores e pesquisadoras, que contribuíram para a concretização deste número da Revista Diálogo Educacional, e também aos colegas pareceristas “ad hoc”, rigorosos em suas avaliações e ciosos da ética em pesquisa, para que possamos manter a qualidade dos artigos que levamos a público. Agradecemos, também, a todos os pesquisadores e pesquisadoras envolvidos com este projeto, em especial a Felipe Silva, membro do GPDOC/PROPED/UERJ (grupo de pesquisa docência e cibercultura) e co-idealizador, do dispositivo de pesquisa que originou este número temático. Obrigada! Que venham as ressonâncias.

Desejamos aos nossos leitores uma excelente leitura!

Referências

BROOKER, C. The dark side of our gadget addiction. In: The Guardian, 2011. Disponível em: <https://www.theguardian.com/technology/2011/dec/01/charlie-brooker-dark-side-gadget-addiction-black-mirror>. Acesso em: 06 set. 2019. [ Links ]

BRUNER, J. Fabricando histórias: direito, literatura, vida. São Paulo: Letra e Voz, 2014. [ Links ]

LEMOS, A. Isso (não) é muito Black Mirror: passado, presente e futuro das tecnologias de comunicação e informação. Salvador: EDUFBA, 2018. [ Links ]

MIGLIORIN, C. Cinema e escola, sob o risco da democracia. Revista Contemporânea de Educação, Rio de Janeiro, v. 5, n. 9, p. 107-113, 2010. [ Links ]

SANTOS, E. Pesquisa-formação na cibercultura. Santo Tirso-PT: White books, 2014. [ Links ]

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