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Revista Diálogo Educacional

versión impresa ISSN 1518-3483versión On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.19 no.63 Curitiba oct./dic 2019  Epub 30-Ene-2020

https://doi.org/10.7213/1981-416x.19.063.ed01 

Apresentação

Protagonismos femininos, cristianismo e História da Educação

Evelyn de Almeida Orlando1 

Helder Manuel Guerra Henriques2 

Alboni Marisa Dudeque Pianovski Vieira (PUCPR)3 

1Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, PR, Brasil.

2Instituto Politécnico de Portalegre/ Ceis20 Universidade de Coimbra.

3Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, PR, Brasil.


O presente dossiê contém 11 artigos que versam sobre a relação entre Protagonismos femininos, cristianismo e História da Educação e conta com trabalhos de pesquisadores de diferentes regiões do Brasil, um de Portugal e um da Itália. Parte dessas pesquisas vêm sendo discutidas no âmbito do projeto Educação, Gênero e Cristianismo, financiado pelo Edital Universal CNPq 2016 e coordenado pela professora Evelyn de Almeida Orlando, o qual reúne pesquisadores do Brasil e de Portugal. Os outros trabalhos, embora não façam parte do referido projeto, estabelecem diálogo estreito pela aproximação com o enfoque temático privilegiado neste dossiê e possibilitam estabelecer pontos de aproximação e distanciamentos em relação às diferentes formas em que essa relação se configurou. Em larga medida, o conjunto dos trabalhos destaca o protagonismo que as mulheres assumiram nos projetos de organização da nação pela educação e pela cultura, pondo em relevo os múltiplos caminhos trilhados e as diversas práticas empreendidas nessa direção.

Não estando necessariamente associados à escola, os textos aqui enfocam, de maneira geral, a educação em seu sentido mais ampliado e consideram os diferentes modos e espaços de educar, indicando estratégias significativas de atuação educacional que ocupam diferentes lugares da cena pública e fazem veicular os saberes, valores e comportamentos esperados por determinados grupos sociais e seu projetos de nação.

A relação com a religião, especialmente o cristianismo, não pode ser desconsiderada, uma vez que foi por essa via que as mulheres, especialmente as burguesas, conseguiram sair da esfera doméstica e ocupar um lugar social na cena pública, que até então lhes era interditado. Politicamente, a relação que as mulheres estabeleceram com as igrejas, especialmente com a Igreja Católica foi significativa para ambos os lados e esteve, sobretudo, vinculada a um projeto civilizador que tinha como elemento central a moralização dos costumes. Os trabalhos aqui reunidos abordam as diferentes experiências praticadas nessa direção e destacam esse protagonismo feminino no âmbito do catolicismo, do protestantismo e de uma experiência sincrética, com recortes que passam privilegiadamente pelo que podemos considerar dois grandes blocos temáticos: “recortes biográficos” e “movimentos associativistas, instituições e imprensa periódica”.

No primeiro bloco - recortes biográficos - o trabalho Hildegard de Bingen: uma intelectual diante da religião - conhecimento e política, de Terezinha Oliveira, analisa a figura de uma das personagens mais importantes do conhecimento ocidental cristão no século XII. Monja beneditina, autora de muitas obras de cunho científico, moral e religioso e de muitas cartas e partituras musicais. Seus escritos foram uma forma de intervenção no mundo mesmo estando confinada a um convento.

O segundo artigo, Marie Rennotte: Educadora ilustrada, feminista revolucionária, médica dos desvalidos, de Peri Mesquida, enfoca a luta no Brasil pela emancipação feminina, pelos direitos básicos da mulher à educação, à igualdade, à liberdade no Brasil, protagonizada pela educadora e médica belga Jeanne Françoise Joséphine Marie Rennotte que se engajou na luta pelos direitos das mulheres e em favor dos desvalidos e das desvalidas por meio da prática da medicina social.

O terceiro artigo, Educação e religião no projeto de Sofia Cavalletti: um modelo pedagógico e cultural, de Edile Maria Fracaro Rodrigues e Sérgio Rogério Azevedo Junqueira, aborda a concepção pedagógica de Sofia Cavalletti (1917-2011), que com Gianna Gobbi (1920-2002), pedagoga montessoriana, desenvolve a Catequese do Bom Pastor (Catechesis of the Good Shepherd - CGS) baseada no método da pedagoga italiana, fortemente voltada para a educação dos sentidos.

O quarto artigo, No silêncio da clausura: videntes de aparições marianas no Brasil (1928-1937), de Magno Francisco de Jesus Santos, traz à luz as memórias de duas religiosas que testemunharam visões marianas no Brasil ao longo da primeira metade do século XX e as ações de silenciamento e reclusão das videntes no âmbito das clausuras e dos espaços de experiência religiosa visionária, pondo em relevo o que o autor chama de fissuras e polissemias discursivas no processo de afirmação e esquecimento das visões marianas no Brasil da década de 30.

O quinto artigo, Religiosa, imigrante, mulher: irmãs missionárias de São Carlos Borromeo - Scalabrinianas num olhar transnacional (1895-1917), de Terciane Ângela Luchese, Marina Matiello e Alberto Barausse, analisa as transferências culturais e os processos de hibridização que marcam e constituem os primeiros anos da congregação das Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo, Scalabrinianas, em sua chegada ao Brasil, com especial atenção ao Rio Grande do Sul, pondo em relevo uma experiência transnacional que envolveu inventividades e negociações nas dimensões do étnico, das relações de gênero e do próprio catolicismo na emergência de suas escolas.

O sexto artigo deste bloco, Singularidade feminina no catolicismo: práticas formativas em um caminho permeado de “espinhos e rosas”, de Maria José Dantas, lança um olhar sobre as práticas formativas desenvolvidas no interior da Congregação das “Irmãs Teresinhas”, sobretudo no que diz respeito à atuação da Madre Valdelícia, Superiora Geral da referida congregação por mais de trinta anos, que ganhou relevo na sociedade sergipana, a partir de sua intensa atividade educativa.

O sétimo artigo deste bloco, assim como o anterior, se conectam estreitamente com o próximo bloco, na medida em que suas personagens estão fortemente ligadas a determinadas instituições ou movimentos associativistas, no recorte feito pelos autores. Nesta linha, o artigo “A cruz de Cristo” nas fábricas e nas escolas: Amélia de Rezende Martins e a Ação Social Brasileira (ASB), de Amanda Haydn e Mauro Castilho Gonçalves, evidencia a trajetória política e intelectual de Amélia de Rezende Martins, nos âmbitos da educação e da cultura, privilegiadamente entre os anos de 1918 a 1932, período em que publicou suas ideias, veiculou seus projetos e atuou em organismos ligados à educação escolar e à cultura em geral, como as forças capazes de resolver os problemas do país.

Na sequência, mas configurando um segundo bloco - movimentos associativistas, instituições e imprensa periódica - o artigo “O segredo é a oralidade”: práticas educativas na Irmandade da Boa Morte, de Solyane Silveira Lima é uma contribuição original e relevante sobre um tema praticamente inexplorado na historiografia educacional brasileira sobre as práticas educativas da Irmandade da Boa Morte, a partir do uso da história oral, problematizando questões relativas ao comportamento e à conduta das irmãs mais antigas em relação às mais novas, em relação à transmissão dos costumes.

O nono artigo, Semper Parata: catolicismo e bandeirantismo no Brasil, de Evelyn de Almeida Orlando e Alexandra Lima, discute a dimensão religiosa católica presente no Movimento Bandeirante, fundado no Brasil em 1919, a partir da análise do periódico Bandeirantes, criado em 1928 pela Companhia do Coração de Jesus e dirigido por Maria de Lourdes Lima Rocha. As autoras enfatizam a ação de algumas mulheres que se tornaram lideranças expressivas do movimento junto à sociedade e os discursos empreendidos para as moças da época.

O artigo Combates pela formação da normalista católica em Patos de Minas, de Amanda de Lima Carneiro e Giseli Cristina do Vale Gatti, aborda sobre a formação de normalistas no âmbito de instituições católicas, como estratégia de combate da Igreja ao avanço de ideias liberais e das denominações religiosas protestantes na referida cidade, a partir da formação de um sólido corpo docente católico.

Por fim, o último artigo deste dossiê, Discursos no feminino na Imprensa pedagógica de inspiração católica: “Página de Castelo Branco” e “Seiva - Revista de Cultura” (1953-1959), de Helder Henriques e Jussara Santos Pimenta, analisa no contexto da realidade portuguesa os discursos femininos, especialmente das alunas normalistas, publicados em dois periódicos, de inspiração Católica, da Escola Particular do Magistério Primário de Castelo Branco (Portugal) na década de 50 do século XX.

De modo geral, o conjunto de trabalhos aqui reunidos lança luz a diferentes protagonismos femininos que tiveram como ponto comum a centralidade da Igreja como mediadora de suas práticas, curiosamente uma relação pouco explorada na historiografia educacional brasileira. Todavia, atentar para a atuação das mulheres em diferentes espaços educacionais, sob a chancela de suas religiões, permite compreender os diferentes caminhos pelos quais as mulheres se colocaram como produtoras e mediadoras de uma cultura que foi se construindo sob o alicerce da fé. A atualidade da temática é também bastante significativa, pois se ajustarmos as lentes e olharmos em uma perspectiva de longa duração, é possível ver rebatimentos muito fortes dessa construção no tempo presente.

Dando continuidade à apresentação do conteúdo deste número da Revista Diálogo Educacional, trazemos oito artigos, sobre temas atuais e diversificados, vinculados à formação de professores, ao processo de ensino e aprendizagem, à história e às políticas educacionais.

O primeiro artigo, Pesquisa bibliográfica em educação: análise de conteúdo em revisões críticas da produção científica em educação, de autoria de Bruno Cortegoso Prezenszky e de Roseli Rodrigues de Mello, retoma pontos centrais da análise de conteúdo na perspectiva de Laurence Bardin, considerada como caminho para a construção de revisões críticas da produção científica na área de humanas. Explicam que Bardin, embora bastante citada nas produções brasileiras, não é tratada com maior detalhamento em relação aos procedimentos realizados. Em função disso, o artigo traz os passos descritos por Bardin, ilustrando os conceitos pertinentes com exemplos provenientes de pesquisa realizada pelos autores para, ao final, afirmar que a contribuição da autora continua efetiva para propor caminhos rigorosos no desenvolvimento de pesquisa bibliográfica em ciências humanas.

O segundo artigo, A mídia cinemática sob a ótica docente: um estudo sobre o ensino de História na cidade do Rio Grande/RS, é de autoria de Luiz Paulo da Silva Soares e de Vânia Alves Martins Chaigar, e busca compreender as concepções de professores sobre as mídias cinemáticas e os papéis que atribuem no ensino da História. A metodologia utilizada foi de cunho quanti-qualitativo, sendo que os dados foram obtidos por meio de questionários semiestruturados e entrevistas. Os resultados revelaram a compreensão de uma mídia cinemática que se configura como fonte histórica, além de seu caráter educativo e gerador de habilidades cognitivas e de ampliação dos sentidos estéticos dos estudantes.

Na sequência, Elisângela Barbosa Madruga e Paula Corrêa Henning apresentam seu estudo sobre A aprendizagem em tempos de homo œconomicus cyber, no qual discutem o cenário discursivo da atualidade quanto à constituição de sujeitos por meio das tecnologias, em especial os jogos eletrônicos, na educação formal. O objetivo da pesquisa foi identificar e analisar os ditos que são assumidos por professores dos anos iniciais e reproduzidos em planos de aula. Como material de análise, foram escolhidos 13 planos de aula para crianças de 6 a 7 anos, produzidos por professores no jogo eletrônico Minecraft: Education Edition. A análise discursiva indicou a constituição de um sujeito proativo, dinâmico e flexível que se fundamenta num pensamento neoliberal, computacional e científico, para a resolução de situações problema.

O quarto artigo é de autoria de Solange Franci Raimundo Yaegashi, Nathália Fafarão e João Luiz Gasparin, e é intitulado Formação de conceitos matemáticos em uma turma de 1º ano do Ensino Fundamental. Nele, é analisado o processo de apropriação de conceitos matemáticos, a partir da inquietação: como ocorre a mediação pedagógica durante o processo de ensino e aprendizagem da Matemática? Participaram da pesquisa uma professora e 22 alunos, matriculados no 1º ano do Ensino Fundamental, em uma escola privada. O resultado obtido mostrou o valor das práticas educativas de qualidade para a construção de conceitos, alertando, porém, que nem sempre os professores estão preparados para realizar as mediações pedagógicas necessárias, o que aponta para maior investimento na formação continuada dos professores.

Adiante, Jordana Wruck Timm e Tarcia Rita Davoglio apresentam o artigo Necessidades psicológicas básicas na docência stricto sensu: estudo de caso comparado (Brasil - EUA), fundamentado na Self-Determination Theory (SDT), que pressupõe que a motivação autônoma resulta da interação entre demandas internas do self e nutrientes contextuais, permitindo ou não a satisfação das necessidades psicológicas básicas (NPB). Sendo assim, foram comparadas descrições operacionais das NBP de docentes brasileiras e norte-americanas que atuam em Programas de Pós-Graduação stricto sensu em Educação, considerando três categorias: autonomia, competência e pertencimento. A análise das categorias e das subcategorias presentes na pesquisa evidenciou diferenças relevantes que impactam na motivação autônoma entre os dois grupos de docentes, em relação a elementos de ordem pessoal e institucional.

O sexto artigo, Protagonismos encobertos na educação: Salomé Ureña Henríquez y Carvajal e Enriqueta Compte y Riqué, de autoria de Danilo Romeu Streck, Maria Julieta Abba e Leonardo Camargo Lodi, tem por objetivo contribuir para recompor o campo de ausências na história da educação latino-americana e analisa a contribuição de duas mulheres educadores, que viveram em contextos sociais e políticos diferentes, no século XIX, cujo protagonismo foi encoberto e das quais pouco se conhece. A pesquisa se insere no campo da história da educação e se vale de estudos feministas e sobre a (des)colonialidade. Conclui que o movimento das duas mulheres latinas contribuiu para o avanço da igualdade e da conquista dos direitos à educação, compreendida como uma via para a libertação feminina.

O sétimo artigo é de autoria de Maria Elisabeth Blanck Miguel, Políticas públicas de educação, a formação dos professores e a instrução pública no período de 1946-1971: Escola Estadual Dom Orione (Curitiba/PR), que trata da relação entre as políticas públicas de educação, a formação dos professores e a instrução pública, com foco na instituição pesquisada. Para realização da pesquisa, foram levantados documentos escolares do acervo da escola e coletados depoimentos de professores que vivenciaram as propostas, no período. Os resultados obtidos demonstram que houve forte importância da gestão escolar nas adequações vividas pela escola, que passou de orientação confessional para escola pública.

O último artigo que compõe este número, Concepção de leitura e de leitor de monitores do Programa de Apoio ao Discente Iniciante na Universidade, é de autoria de Dalve Oliveira Batista-Santos, e investiga esse programa, criado com o objetivo de auxiliar estudantes ingressantes, matriculados no primeiro e/ou no segundo período do curso, como também os reprovados nas disciplinas básicas curriculares. O instrumento metodológico utilizado foi a entrevista, realizada com monitoras do PADI e estudantes do curso de Letras da instituição pesquisada. Os resultados demonstraram que o processo de leitura não é transmitir os saberes sistematizados e sociais, mas possibilitar um agir linguageiro significativo, para o qual é necessário conscientização e apropriação.

Esperamos que o dossiê sobre Protagonismos femininos, cristianismo e História da Educação e as diferentes temáticas tratadas na parte relativa à demanda contínua proporcionem boa leitura a estudantes, docentes e pesquisadores, suscitando reflexões e inquietações que frutifiquem em prol da educação.

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