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Revista Diálogo Educacional

versão impressa ISSN 1518-3483versão On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.19 no.63 Curitiba out./dez 2019  Epub 30-Jan-2020

https://doi.org/10.7213/1981-416x.19.063.ao08 

Artigos

Concepção de leitura e de leitor de monitores do programa de apoio ao discente iniciante na universidade

Reading and reader notions among tutors from the university program of academic support to entrants

Lectura y diseño de lectores del programa para apoyar al estudiante principiante en la universidad

Dalve Oliveira Batista-Santosa 
http://orcid.org/0000-0002-9133-3446

aUniversidade Federal do Tocantins (UFT), Porto Nacional, TO, Brasil. Doutora em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, e-mail: dalve@uft.edu.br


Resumo

Este artigo tem o objetivo de investigar a concepção de leitura e de leitor trazida pelos monitores do Programa de Apoio ao Discente Iniciante (Padi). Este programa foi criado pela Pró-reitora de Graduação (Prograd) da Universidade Federal do Tocantins com o objetivo de auxiliar os estudantes ingressantes, que estejam matriculados nos primeiro e/ou segundo período(s), e aqueles reprovados nas disciplinas básicas curriculares. A presente pesquisa está alinhada com a Linguística Aplicada contemporânea, na concepção proposta por Moita Lopes (2009), para quem a LA deve ser compreendida de maneira indisciplinar. A fundamentação teórica relaciona-se à epistemologia da leitura, da linguagem e da comunicação numa perspectiva dialógica. Assim, para contemplar o objetivo proposto, utilizou-se o instrumento metodológico entrevista. Os sujeitos da pesquisa foram quatro monitoras do Padi, estudantes do curso de Letras da Universidade Federal do Tocantins. Os dados revelaram que o processo de leitura não é transmitir os saberes sistematizados e sociais, mas oportunizar um agir linguageiro significativo que necessita de conscientização e de apropriação.

Palavras-chave: Concepções de leitura; Leitor Crítico; Universidade

Abstract

This paper aims to investigate the concept of both reading and reader by tutors from the Program of Academic Support to Entrants (Padi in Brazilian Portuguese). This program was designed by the Undergraduate Academic Dean’s office from the Federal University of Tocantins, with the purpose of helping not only early entrants, but also those who have failed in the basic curricular classes. This research is aligned with the field of Applied Linguistics (MOITA LOPES, 2009), which must be viewed through an indisciplinary lens. The theoretical foundation is related to the epistemology of reading, language and communication through a dialogical perspective. Thus, to meet our expectation we took the interview method. The research participants were four PADI tutors, from the Languages undergraduate course of the Federal University of Tocantins. Data revealed the reading process is not about transmitting systematized and social knowledge, but a meaningful linguistic action instead, which needs to be conscious and appropriate.

Keywords: Reading concepts; Critical Reader; University

Resumen

Este artículo tiene como objetivo investigar la concepción de la lectura y el lector traído por los monitores del Programa de Apoyo Estudiantil Novato (Padi). Este programa fue creado por la Pró-reitora de Graduación (Prograd), de la Universidad Federal do Tocantins, con el fin de ayudar a los estudiantes de primer año, que están inscritos en el primer y/o segundo período (s) y los que fallan en las disciplinas currículo básico. Esta investigación está alineada con la linguística aplicada contemporánea, en la concepción propuesta por Moita Lopes (2009), a quien LA debe ser entendido de manera indisciplinada. La base teórica se refiere a la epistemología de la lectura, lenguaje y comunicación en una perspectiva dialogante. Por lo tanto, para contemplar el objetivo propuesto, utilizamos la entrevista de instrumento metodológico. Las asignaturas del estudio fueron cuatro monitores PADI, estudiantes del curso de letras de la Universidad Federal do Tocantins. Los datos revelaron que el proceso de lectura no es transmitir el conocimiento siste y social, sino proporcionar un acto linguístico significativo, Eso necesita conciencia y apropiación.

Palabras clave: lectura de concepciones; Lector crítico; Universidad

Introdução

Alguns estudos, na área da educação, demonstram que determinadas escolas ainda não trabalham significativamente a prática pedagógica nas atividades de leitura, as quais acabam tornando-se “artificiais” ou “passatempo”, como afirma Geraldi et al. (2002). Segundo o referido pesquisador, na prática escolar, a atividade de leitura constitui-se um exercício linguístico artificial, em que o participante assume papéis de “locutor/interlocutor durante o processo, mas não é locutor/interlocutor efetivamente” (GERALDI et al. 2002, p. 88).

Esse exercício artificial torna a interação verbal entre os sujeitos uma prática superficial, porque é patente a simulação. O autor ainda chama a atenção para o fato dele não estar “querendo apontar o seu falseamento [papel de locutor/interlocutor efetivamente], dado que os papeis básicos dessa interlocução estão estaticamente marcados: o professor e a escola ensinam; o aluno aprende (se puder)” (GERALDI et al., 2002, p. 88).

Evidencia-se, nas palavras de Geraldi et al. (2002), uma triste realidade das escolas brasileiras. O processo de ensino e aprendizagem da leitura está sendo malconduzido, o que implica uma não interação entre o texto, leitor e contexto (as vozes sociais) ou não existe um diálogo mais próximo entre professor e aluno, como também a não compreensão do texto lido, atrapalhando o aprendizado significativo.

Como forma de reverter essa realidade, nas últimas décadas, alguns estudiosos (LEA; STREET, 2014; SANTOS, 2014; BATISTA-SANTOS, 2017; 2018) vêm se debruçando na problemática que envolve o processo de leitura, e alguns deles especificamente na universidade foco desta pesquisa. Tais pesquisas apontam dificuldades por parte dos ingressantes nas atividades de leitura, nessa esfera acadêmica, que, em tese não deveriam ter ultrapassado os limites do ensino médio.

Enquanto coordenadora do Programa de Apoio aos Discentes Ingressantes (Padi) (BATISTA-SANTOS, 2017; 2018), pude constatar que essas dificuldades permeiam práticas de letramento vivenciadas por esses alunos, que quando ingressam na universidade sentem-se angustiados por não dominarem habilidades exigidas nessa nova esfera.

É nesse contexto que este estudo é proposto com o objetivo de investigar a concepção de leitura e de leitor trazida pelos monitores do Programa de Apoio ao Discente Iniciante da Universidade Federal do Tocantins1. O Programa de Apoio ao Discente Ingressante (Padi) é um programa de tutoria criado pela Pró-reitora de Graduação (Prograd) com o objetivo de auxiliar os estudantes ingressantes, especificamente na área de linguagens (leitura e produção de texto), que estejam matriculados nos primeiro e/ou segundo período(s) e aqueles reprovados nas disciplinas básicas curriculares.

O proposito torna-se relevante, pois é a partir da concepção de leitura que o sujeito desenvolverá a compreensão leitora, primeiro passo da construção da leitura crítica. Assim, vinculado ao Grupo de Estudos da Indeterminação e da Metáfora (GEIM/CNPq), este texto discorre, primeiramente, acerca dos modelos de processamento de leitura. Na sequência, evidencia a metodologia e a análise e discussão dos dados.

Modelos cognitivos de leitura

Os mecanismos subjacentes ao processamento da leitura nem sempre são conhecidos ou considerados por aqueles que estão envolvidos com o ensino-aprendizagem da compreensão de textos, ou seja, o professor. Para os pesquisadores Smith (1978) e Goodman (1970) os modelos cognitivos de leitura, da perspectiva da psicologia cognitivista, focalizam os processamentos mentais que realizamos quando lemos.

Assim, ter conhecimento dos mecanismos cognitivos que estão inseridos no processo de leitura é de suma importância na formação do leitor e no auxílio de práticas pedagógicas para as atividades de compreensão leitora. Para tanto, explano as concepções de leitura em uma abordagem cognitiva e metacognitiva (SOLÉ, 1998; KATO, 2002; KLEIMAN, 2004, 2013; CORACINI, 2010), evidenciando aspectos que diferenciam tais concepções e sua relação na formação do leitor.

Dessa forma, apresento, a seguir, os processos cognitivos da leitura, levando em consideração Kato (2002) e Kleiman (2004, 2013) que se fundamentaram em pesquisadores relevantes que se dedicaram à pesquisa e processos mentais que ocorrem quando lemos, dentre eles, Smith (1978), Goodman (1970) e Gough (1976).

O modelo de processamento linear: a leitura ascendente (bottom-up)

A leitura na perspectiva ascendente (bottom-up) é aquela cujo foco está no texto. O processo bottom-up, defendido por Gough (1976), significa, em sua tradução literal, “de baixo para cima”, isto é, o processo ocorre, espacialmente, a partir do texto em direção à cabeça/mente do leitor. O processo da leitura é concebido em sentido ascendente, que vai progressivamente das unidades menores (letras e conjuntos de letras) até as mais amplas e globais (palavras, frases) presentes no texto até a construção do sentido. Nesse processo, o leitor

[...] é aquele que constrói o significado com base nos dados do texto, fazendo poucas leituras das entrelinhas, que apreende detalhes detectando até erros de ortografia […], mas que não tira conclusões apressadas. É, porém, vagaroso e pouco fluente e tem dificuldade de sintetizar as ideias do texto por não saber distinguir o que é mais importante do que é meramente ilustrativo ou redundante (KATO, 2002, p. 51).

Assim, o leitor utiliza o processo ascendente, construindo o sentido, principalmente, com base nos dados do texto (Frase / Palavra / Sílaba /Letra). Segundo Kato (2002), o leitor, por meio do processo de decodificação, capta as informações presentes no texto de forma mecânica e objetiva, pois sua compreensão está baseada no uso sequencial e literal das informações contidas no texto, não necessitando de esforço, pois se trata de um processo exato, em que não há aproximações. O processo bottom-up acontece à proporção que o sujeito leitor extrai literalmente a informação do texto.

As técnicas que são utilizadas nesse modelo são relevantes e significativas à descrição de processos primários (decodificar o código: letras, sílabas, palavras, frases e o texto) no desenvolvimento da competência leitora. Entretanto, quando o ato de ler fica preso a esse modelo, corremos o risco de formar leitores passivos e manietados ao texto, pois sua compreensão e interpretação são dependentes das informações contidas naquilo que está impresso, por isso a leitura é feita de maneira minuciosa e detalhada.

O modelo de processamento preditivo: a leitura descendente (top-down)

Tomando direção inversa do modelo anterior (bottom-up), em que a construção do sentido se dá de maneira ascendente, acionada pelos elementos do texto, a concepção descendente (top-down) tem o leitor como o principal eixo na construção de sentidos. Aqui, o leitor constrói sentido do texto, segundo o conhecimento adquirido ao longo de sua vida.

O processo top-down, defendido por Goodman (1970), significa, em sua terminologia, “de cima para baixo” (Leitor / Palavra / Sílaba /Letra). Sob esse prisma, a leitura é desenvolvida em sentido descendente ou da cabeça/mente do leitor para o texto, do geral, das unidades mais globais para as mais discretas. No modelo descendente, Goodman (1970) concebe a leitura como um "jogo psicolinguístico de adivinhações" que alude a um processo contínuo de levantamento e confirmações - pelo movimento ascendente - de hipóteses.

Segundo Kato (2002), o modelo descendente não implica uma perspectiva linear, pois o leitor utiliza, de maneira constante e dedutiva, as unidades não visuais. Além disso, o leitor ativa “pacotes de esquemas”, isto é, aciona conceitos e saberes a partir de suas experiências de vida, os quais são adquiridos anteriormente ao seu contato com o texto.

Esses esquemas conectam-se a outros pacotes de esquemas e ativam uma rede de inter-relações que são acionadas na prática de leitura, produzindo sentidos e significações novas, da mesma maneira que um sujeito-leitor é capaz de compreender e construir sentenças inéditas.

Nesse modelo de leitura, o leitor constrói sínteses rápidas, faz, na maioria das vezes, processos de adivinhações, sem a preocupação de confirmá-las nos dados do texto, levando o processo de leitura a sentidos diversos. Importa dizer, que as leituras realizadas neste processo, segundo Zanotto (2016, p. 135) ocorrem de forma natural mesmo para um leitor experiente - em seu primeiro contato com o texto - o que não deve ser considerado um ‘erro’, mas sim, “parte natural do processo de ler”. Assim, na perspectiva da referida autora, essas leituras devem ser “reconceptualizadas como hipóteses que ocorrem naturalmente mesmo para um leitor maduro” (ZANOTTO, 2016, p. 135), mas que devem ser confirmadas pelo texto.

Sob essa ótica, Zanotto (2016) defende a importância do professor nesse processo. O docente não deve considerar um “erro” essas deduções, mas deve realizar mediações para que o sujeito-leitor avalie se suas deduções são pertinentes ou não em relação ao texto, melhor dizendo, elas não devem ser desconsideradas “pela autoridade interpretativa do professor” (ZANOTTO, 2016, p. 135). Todavia é o sujeito-leitor que deve promover reflexões acerca dessas hipóteses, chegando à conclusão se são coerentes ou não. Além disso, essas reflexões, permitirão ao sujeito-leitor “um importantíssimo exercício de intersubjetividade” que o levará “a um amadurecimento pessoal, ou seja, ele aprende a enxergar o outro” (ZANOTTO, 2016, p. 135).

Diante do exposto, acredito que o modelo descendente, focalizado numa perspectiva social, isto é, numa concepção sociocognitiva, possibilitaria ao professor um novo agir na sala de aula durante as atividades de leitura, pois o professor seria o mediador ou o negociador das múltiplas leituras.

O modelo de processamento interativo

No modelo de processamento interativo, ambos os processos (bottom-up e top-down) interagem, dando espaço para um leitor fluente (descendente) e cuidadoso (ascendente). Esse modelo compreende o “inter-relacionamento, não hierarquizado, dos diversos níveis de conhecimento do sujeito (desde o conhecimento gráfico até o conhecimento de mundo) utilizados pelo leitor” (KLEIMAN, 2004, p. 31).

Acerca do processamento interativo, Solé (1998) assevera que,

[...] quando o leitor se situa perante o texto, os elementos que o compõem geram nele expectativas em diferentes níveis (o das letras, das palavras...), de maneira que a informação que se processa em cada um deles funciona como um input para o nível seguinte; assim, através de um processo ascendente, a informação se propaga para níveis mais elevados. Mas simultaneamente, visto que o texto também gera expectativas em nível semântico, tais expectativas guiam a leitura e buscam sua verificação em indicadores de nível inferior (léxico, sintático, grafo-tônico) através de um processo descendente (SOLÉ, 1998, p. 21, grifos meus).

Na concepção interativa de leitura, existe um processo híbrido das concepções anteriores, ou seja, a atividade de leitura parte do princípio de que tanto texto quanto o leitor são fundamentais para a atividade de leitura, não havendo hierarquia de importância entre eles (um não é melhor que o outro, mas se complementam para ter um resultado satisfatório no processo de compreensão leitora).

Para Kleiman (2004), a maneira de processamento do modelo interativo

corresponde ao uso de dois tipos de estratégias, segundo as exigências da tarefa e as necessidades do leitor: aquelas que vão do conhecimento do mundo para o nível de decodificação da palavra, envolvendo um tipo de processamento, denominado TOP DOWN, ou descendente, conjuntamente com estratégias de processamento BOTTOM UP, ou ascendente, que começam pela verificação de um elemento escrito qualquer para, a partir daí, mobilizar outros conhecimentos (KLEIMAN, 2004, p. 35-36, ênfase no original).

O leitor, nesse modelo, deve levar em consideração os sentidos presentes no cotexto e nos conhecimentos constituídos previamente, armazenados em sua memória episódica e memória declarativa (responsável pelo nosso conhecimento e que também faz parte da memória de longo prazo, juntamente com a episódica), utilizando artifícios que o auxiliem no encontro de confirmação ou não de hipóteses anteriores à sua leitura. Ainda esse leitor “é um sujeito ativo que processa o texto e lhe proporciona seus conhecimentos, experiências e esquemas prévios” (SOLÉ, 1998, p. 18). Assim, o entendimento da língua(gem) escrita apoia-se no texto, no plano da forma e do conteúdo, e no leitor, em seus conhecimentos de mundo e suas expectativas.

O modelo interativo, na perspectiva de Eskey e Grabe (1988), assume que

[...] habilidades de todos os níveis estão disponíveis interativamente para processar e interpretar textos [...]. Este modelo incorpora implicações de leitura como um processo interativo - isto é, o uso de conhecimento prévio, expectativas, contexto, entre outros. Ao mesmo tempo, incorpora noções de reconhecimento de característica rápida e acurada de letras e palavras, estendendo a ativação de formas lexicais, e o conceito de automaticidade no processamento dessas formas - isto é, um processamento que não depende do contexto para o primeiro reconhecimento de unidades linguísticas2 (ESKEY; GRABE, 1988, p. 224).

Em síntese, as atividades de leitura embasadas nos modelos cognitivos - ascendente, descendente e interativo - possuem perspectivas diferentes de apreensão.

No modelo bottom-up, a perspectiva recai no processo de decodificação, a apreensão do texto se dá porque o sujeito leitor pode decodificá-lo totalmente, à medida que reconhece letras, sílabas, palavras, estruturas sintáticas e proposições de forma linear.

No modelo top-down, a perspectiva recai na apreensão geral das palavras em um processo de dedução. No modelo interativo a leitura é um processo que organiza as informações por meio da interação entre os saberes linguísticos (modelo ascendente - texto) e os conhecimentos prévios dos leitores (modelo descendente - leitor), isto é, nesse modelo o foco recai na “necessidade de que os alunos aprendam a processar o texto e seus diferentes elementos, assim como as estratégias que tornarão possível sua compreensão” (SOLÉ, 1998, p. 23-24).

Os modelos de processamentos ascendente e descendente se concretizam por meio de estratégias de leitura, como o skimming, o scanning que implicam em uma leitura minuciosa, seletiva, autoavaliativa e preditiva. O skimming é uma estratégia que configura uma observação rápida em relação ao texto, para detectar o assunto geral, sem se preocupar com detalhes. Para tanto, é fundamental que o leitor observe com atenção a configuração do texto (layout), título, subtítulos, figuras, gráficos e os primeiros e últimos parágrafos. Já o scanning, configura-se em uma técnica que o leitor ao pegar um texto, passa rapidamente os olhos por ele com intuito de localizar a informação desejada.

Vale ressaltar que, como postula Kleiman (2004), não podemos confundir o conceito de processamento interativo com o modelo interacionista. Baseada em Kleiman (2004), a pesquisadora Santos (2014) diferencia esses dois tipos, demonstrando que o modelo interativo tem raízes na área da Psicologia Cognitiva e o modelo interacionista dialoga com a área da Pragmática.

Nas palavras de Santos (2014):

Na área da psicologia cognitiva - o ‘desvendamento’ do texto se dá simultaneamente através da percepção de diversos níveis ou fonte de informações que interagem entre si (interação dos níveis de processamento de escrita); Na área da pragmática - a relação do locutor e do interlocutor através do texto e a determinação de ambos pelo contexto são essenciais num processo que se institui na leitura (SANTOS, 2014, p. 32, grifos meus).

Como apresentado, o modelo interativo de leitura propõe uma inter-relação equilibrada entre os saberes trazidos pelo leitor (top-down) e as informações disponibilizadas no texto (bottom-up), sem considerar o contexto no qual a prática de leitura é realizada. Já no modelo interacionista, propõe-se uma interação entre leitor, autor e contexto mediada pelo texto (KLEIMAN, 2004). Nesse último modelo, o leitor é “capaz de reconstruir quadros complexos envolvendo personagens, eventos, ações, intenções, para assim chegar à compreensão do texto” (KLEIMAN, 2013, p. 65).

Importa dizer que segundo Zanotto (2016), enquanto os Novos Estudos de Letramentos desconsideram os modelos de processamento ascendente, descendente e interativo, por não darem ênfase em sua dimensão social, nas pesquisas realizadas pelos pesquisadores do Grupo de Estudos da Indeterminação e da Metáfora (GEIM/CNPq), constatamos que tais modelos de processamentos se realizam de maneira natural para os leitores nas práticas do Pensar Alto em Grupo.

Assim, compreender tais modelos em sua dimensão social e interacionista é fundamental para a formação do leitor, pois a atividade de leitura é cercada por várias estratégias (conhecimentos linguísticos, conhecimento de mundo, contexto social etc.) para se chegar à compreensão e construção do sentido a partir das relações dialógicas na interação verbal. Além disso, focalizar os processos cognitivos na sua dimensão social contribui para “uso de recursos mediacionais mais produtivos por parte do professor” (ZANOTTO, 2016, p. 141).

Concepção de leitura e de leitor: foco na entrevista dos alunos

Levando em consideração o objetivo geral da presente pesquisa, a coleta de dados foi realizada por meio da técnica entrevista. Os participantes da pesquisa foram quatro monitoras do Programa de Apoio ao Discente Iniciante (Padi), estudantes do curso de Letras da Universidade Federal do Tocantins. O Padi é um programa que busca possibilitar condições de permanência dos alunos de primeiro e segundo semestres na universidade, contribuindo por meio de atividades/incentivos, de forma significativa com o desenvolvimento acadêmico e, principalmente, procurando reduzir os índices de evasão e de reprovação.

A escolha da técnica entrevista deve-se, primeiramente, por se tratar de uma pesquisa qualitativa-interpretativista, pois segundo Santos (2014, p. 94), tal abordagem nos permite a utilização de diversos métodos para coleta de dados, sendo “materiais empíricos que permitem a descrição da situação investigada e os pesquisadores têm em mão uma ampla variedade de práticas interpretativas interligadas”. Para garantir o sigilo em relação aos nomes das participantes, optou-se por nomes fictícios, sendo: Sandra, Daniela, Juliana e Luciana. Vale dizer que todas as participantes eram estudantes do curso de Letras, Língua Portuguesa e respectivas Literaturas, especificamente matriculadas entre o sexto e oitavo período.

Assim, a entrevista foi gravada em áudio e depois transcrita. Ainda a entrevista foi mediada por dois questionamentos, a saber: 1. Para você, o que é leitura? 2. O que é ser um leitor crítico? Optar pela entrevista como uma das técnicas de pesquisa é uma forma significativa de se proporcionar a introspecção e a compreensão dos saberes experienciais dos sujeitos. Como instrumento de investigação, a entrevista demonstra os conhecimentos ou as competências dos indivíduos de outorgar significações múltiplas por intermédio da linguagem. Considerando as respostas das participantes, deu-se início as análises por meio de uma abordagem metodológica qualitativa-interpretativista.

Em relação à importância de tais questionamentos, importa dizer que é fundamental, na prática docente, compreender as concepções de leitura que permeiam as práticas leitoras, para poder identificar e organizar as relações significativas na construção dos múltiplos sentidos durante a leitura de um terminado texto. Assim, busco entender qual a concepção de leitura que as participantes trazem, para poder ampliar, na teoria e na prática, o conhecimento delas acerca da leitura e, assim, capacitá-las para trabalharem com alunos iniciantes.

É pertinente, ainda, que as participantes tenham consciência da concepção de leitura que orienta as práticas situadas de linguagem e leitura, visto que são monitoras - e são preparadas para serem multiplicadoras - de um programa que oportuniza atendimento acerca da leitura e da produção textual, para alunos ingressantes no curso de Letras.

Essa consciência possibilitará uma compreensão teórica e prática acerca da leitura para que elas possam trabalhar significativamente com os alunos ingressantes. Além disso, as participantes desenvolverão um metaconhecimento sobre esse assunto, para poderem atuar de maneira crítica e consciente nos atendimentos aos tutorandos.

Dito isso, a seguir, apresento as concepções de leitura das participantes.

Quadro 1 Respostas à pergunta: “Para você, o que é leitura?” 

Participantes Para você, o que é leitura?3
Sandra Para mim leitura é um processo de decodificação das palavras, ou de determinadas formas de comunicação.
Daniela A leitura é uma interpretação pessoal de um conjunto de informações, é o processo de compreensão do que se lê.
Juliana Leitura para mim é tudo, pois através dela é que nos comunicamos seja na escola, em casa, no trabalho. A leitura nos possibilita ter uma visão ampla do mundo. Pois é através da leitura que adquirimos conhecimentos. Nisso, compreendemos que a leitura acontece quando o leitor interage com o texto.
Luciana [...] leitura é o instrumento que possibilita ao ser humano sair da ignorância na qual ele nasce e assim pode levá-lo a grandes realizações, tomadas de opiniões e comportamentos bons ou ruins para si e para aqueles que o rodeiam. É o que o faz sair das trevas da ignorância para a luz do conhecimento e pode se consagrar como um bem intelectual. A exemplo disso, temos falas como: “Ela/Ele é letrado” ou “Ela/Ele tem leitura sobre esse assunto”, o que prova a valorização social dessa ferramenta formal do campo educacional e que deve transcender esse lócus.

Fonte: a autora.

Na fala de Sandra (“leitura é um processo de decodificação das palavras”), é perceptível uma visão clássica e muito usada no ambiente educacional: a leitura como decodificação, modelo cognitivo ascendente. Essa concepção remete o sujeito a uma leitura linear e à associação de elemento a elemento para a tradução dos grafemas em fonemas. Essa concepção de leitura compreende, também, uma perspectiva que é pautada no texto, ou seja, todas as informações estão exclusivamente no texto, cabendo ao leitor apenas passar o olho, pois as informações se dão por meio de uma ação de “baixo para cima” (bottom-up); essa prática é respaldada pelo monologismo, uma vez que não existe interação entre texto-leitor-autor e as vozes sociais.

Importa dizer que essa concepção implica um ensino pautado na compreensão fonética do sistema linguístico (a soletração é usada como estratégia básica de decifrar o signo linguístico) e um leitor passivo, mero reprodutor. Outras atividades muito usadas por aqueles que têm essa concepção mediando suas práticas são a leitura em voz alta e os exercícios de ortografia e de aplicação das regras de pontuação, que os docentes acreditam que orientam a entonação do leitor (KLEIMAN, 2013).

Já na fala de Daniela, percebemos uma concepção com foco no leitor, pois, para a participante, a leitura é um processo de interpretação pessoal, ou seja, depende de leitor para leitor - “leitura é uma interpretação pessoal de um conjunto de informações”. Essa postura remete às práticas de leitura em que, na maioria das vezes, os docentes, como forma de conhecer o que os alunos entendiam do texto ou tentando atribuir função ativa para o leitor, questionavam: “o que você acha do texto?”; “você concorda ou discorda com as informações do texto?” etc.

Ao considerar a leitura apenas como interpretação individual, corre-se o risco, na atividade de leitura, de haver muitas adivinhações, sem a preocupação de confirmá-las nos dados do texto, resultando em um processo de leitura com várias direções de sentidos. Ainda para Daniela, a leitura é “o processo de compreensão do que se lê”. Ao fazer tal afirmação, a participante restringe o processo de leitura às etapas da decodificação e da compreensão individual, não avançando para as etapas da interpretação, das inferências e da construção de sentidos.

A etapa da compreensão é entendida como uma fase na qual o leitor reconhece à temática e as informações do texto. Já a etapa da interpretação é o momento em que o leitor faz uso de sua capacidade crítica, analisando, refletindo e julgando as informações lidas (dialoga com a concepção de leitura interacionista).

Percebemos restrições nas concepções apresentadas anteriormente (abordagens ascendentes e descendentes), pois ora focam apenas no texto, ora focam no leitor, não possibilitando atitudes interacionistas em suas relações com a linguagem. Contrapondo-se a essas concepções, observam-se, nas falas de Juliana, indícios de uma compreensão de leitura interativa, que buscou recuperar a interação entre os dois processos anteriores (ascendente e descendente), pois, para a participante, a leitura “nos possibilita ter uma visão ampla do mundo. Pois é através da leitura que adquirimos conhecimentos. Nisso, compreendemos que a leitura acontece quando o leitor interage com o texto”.

Já na fala de Luciana, importa dizer que, apesar da participante referir-se à característica da interação com o texto na leitura interacionista, não podemos nos precipitar em dizer que já temos aqui esse tipo de leitura, porém podemos nos arriscar em apontar indícios de tal concepção. Esses indícios ficam mais fortes, quando a participante afirma que a leitura é um instrumento que

[...] possibilita ao ser humano sair da ignorância na qual ele nasce e assim pode levá-lo a grandes realizações, tomadas de opiniões e comportamentos bons ou ruins para si e para aqueles que o rodeiam. É o que o faz sair das trevas da ignorância para a luz do conhecimento e pode se consagrar como um bem intelectual. A exemplo disso, temos falas como: “Ela/Ele é letrado” ou “Ela/Ele tem leitura sobre esse assunto”, o que prova a valorização social dessa ferramenta formal do campo educacional e que deve transcender esse lócus (LUCIANA).

Considerando que as práticas sociais de utilização da linguagem são dialógicas por natureza (BAKHTIN, 2003), Luciana sinaliza compartilhar da concepção interacionista ao expor que a leitura possibilita aos sujeitos-leitores posicionamentos significativos ou não para eles e para os “outros”. Esses posicionamentos permitem aos envolvidos no processo a construção e a apropriação de saberes que potencializam o seu desenvolvimento intelectual (“pode se consagrar como um bem intelectual”). A voz dessa participante (“faz sair das trevas da ignorância para a luz do conhecimento”) é um posicionamento de leitora que transparece compreender o que diz e, de certa forma, indica de certa maneira criticidade. Ainda, na fala de Luciana, inferimos que ela seja crítica, ainda que não tenha uma clara compreensão sobre o que seja leitura, leitura crítica.

Ademais, para Luciana, a leitura é entendida como instrumento de “valorização social”, devendo ultrapassar o campo educacional, uma vez que ela possibilita a mudança do estado ou da condição do sujeito (“Ela/Ele é letrado ou Ela/Ele tem leitura sobre esse assunto”). Essa forma de pensar a leitura dialoga com a concepção de letramento como estado ou condição de quem sabe ler e escrever e também exerce as práticas sociais que usam essa tecnologia - a leitura (SOARES, 2010).

Assim, devemos compreender a leitura como um processo dinâmico e criativo que se encontra no campo linguístico, subjetivo e que permite a transformação do sujeito. Ela é concretizada por um sujeito social e discursivo que expõe uma maneira singular de compreender a realidade, possibilitando o inesgotável diálogo entre os sujeitos sociais.

A partir das representações das participantes, ratificamos que o processo de leitura não é transmitir os saberes sistematizados e sociais, mas oportunizar um agir linguageiro significativo, que necessita de conscientização e de apropriação. Nessa perspectiva, temos a leitura como ferramenta primordial para o crescimento intelectual do sujeito.

Destarte, reiteramos a importância da compreensão das concepções de leitura subjacentes às práticas leitoras e à prática docente, pois foi a partir dessa compreensão que as participantes dessa pesquisa organizaram, planejaram e aplicaram as atividades (leitura) aos tutorandos.

Na sequência, apresento a próxima pergunta que, de certa forma, dialoga com o propósito da primeira.

Quadro 2 Respostas à pergunta: “O que é ser um leitor crítico?” 

Participantes O que é ser um leitor crítico?
Luciana Ser um leitor crítico é ir além da decodificação da língua. É atribuir significado, interpretar o que se lê; compartilhar conhecimentos; discordar, concordar com o que lê; formular novas ideias, ser capaz de integrar o conhecimento sem alienação. Você é um leitor crítico quando sua leitura não é de gaveta ou pdf para os dias de hoje, quando você faz as informações circularem e não posa de sabichão. Quando você utiliza o conhecimento adquirido através das muitas leituras para agregar e não para humilhar, é isso que faz com que um leitor seja crítico.
Juliana Um leitor crítico para mim é aquele que interage com o texto. Ou seja, quando existe uma interação entre texto, leitor e autor. É quando o leitor faz uso do seu conhecimento de mundo que são pertinentes para aquele determinado texto.
Daniela É um leitor que entende que a leitura é uma atividade de conhecimento e reflexão, pois ler é muito mais que decodificar palavras é uma interação de conhecimento entre leitor e texto. Esse leitor, durante o ato de ler, dialoga tanto com seus conhecimentos de mundo, quanto com texto e autor. Sabe selecionar o que é ou não importante no texto, e ler criticamente.
Sandra Acho que sim, pois a partir de uma determinada leitura, consigo dizer qual o tema, a problemática que está sendo trazida para discursão, enfim, consigo contribuir com a leitura que eu faço.

Fonte: A autora.

Ainda pensando no trabalho de monitoria exercido pelas participantes desta pesquisa, busco compreender a concepção de leitor crítico. Tal fato deve-se por acreditar que esse conhecimento influenciará e contribuirá na maneira que as monitoras exercem seu papel nos atendimentos, isto é, qual tipo de leitor elas almejam formar ou possibilitar a formação e o desenvolvimento.

A representação do leitor crítico trazida por Luciana e Juliana não destoa da concepção de leitura trazida por elas no questionamento anterior, todavia a representação de leitor crítico apresentada por Daniela é um pouco diferente, se estende mais em relação à concepção de leitura. Para Luciana, o leitor crítico é aquele que vai além do decodificar o código, ler letra por letra, depois palavra por palavra no ato linear e sequencial. Para ela, esse leitor atribui significação e interpreta o que lê (“Ser um leitor crítico é ir além da decodificação da língua. É atribuir significado, interpretar o que se lê”).

Nesse processo de atribuição de “significado”, segundo Luciana, o sujeito-leitor pode concordar, discordar e compartilhar conhecimentos construídos - princípio do dialogismo. Ele poderá, ainda, reconstruir saberes, sendo capaz de dialogar (concordando, refutando e reformulando) com as informações disponibilizadas de maneira responsiva ou, nas palavras dela, “sem alienação” (“compartilhar conhecimentos; discordar, concordar com o que lê; formular novas ideias, ser capaz de integrar o conhecimento sem alienação”). Assim, múltiplos e diferentes leitores, em contextos díspares de leitura, podem construir sentidos diferenciados para um determinado discurso escrito, tendo total liberdade na exposição e no posicionamento de ideias.

A concepção de leitor trazida por Luciana dialoga com a concepção de leitura que ela apresentou no questionamento anterior. Para a participante a leitura é um “instrumento que possibilita ao ser humano sair da ignorância na qual ele nasce e assim pode levá-lo a grandes realizações, tomadas de opiniões e comportamentos bons ou ruins para si e para aqueles que o rodeiam.”

O ato de ler não se resume na atividade de passar os olhos sobre o escrito; o ato de ler é processo que envolve interação. Nas palavras de Juliana, o leitor crítico é aquele que promove a interação texto-leitor-autor (“Um leitor crítico para mim é aquele que interage com o texto. Ou seja, quando existe uma interação entre texto, leitor e autor”). Essa representação dá indícios de uma perspectiva interacionista, porém a não considerar o contexto social, ela se limita a concepção de leitura interativa (leitor-texto-autor), bem como ratifica a concepção de leitura trazida pela participante na pergunta anterior (“A leitura nos possibilita ter uma visão ampla do mundo. Pois é através da leitura que adquirimos conhecimentos”).

Verifico, na representação de Daniela (não muito diferente das outras participantes), que a competência leitora não ocorre com o simples ato de decodificação, ou melhor, o leitor crítico é aquele que não só decodifica os vocábulos que compõem o discurso escrito, mas também constrói significações considerando os enunciados dos gêneros textuais, mobilizando, para isso, conhecimentos gerais (prévios, linguísticos etc.) que vão além da estrutura e da composição do texto.

Nas palavras de Daniela, esse leitor “entende que a leitura é uma atividade de conhecimento e reflexão, pois ler é muito mais que decodificar palavras é uma interação de conhecimento entre leitor e texto”. Diferente das duas participantes anteriores, Daniela inicia sua fala demonstrando um processo de leitura interativo, atribuindo a interação entre o texto (modelo ascendente) e o leitor (modelo descendente) a construção de sentidos. Mas ela finaliza demonstrando uma concepção interacionista, pois o leitor deve ter atitude ativa ao deparar-se com situações e informações com as quais possa raciocinar criticamente, refletir e progredir cognitivamente (“Esse leitor, durante o ato de ler, dialoga tanto com seus conhecimentos de mundo, quanto com texto e autor”).

Percebo aqui, que a concepção de leitor trazida por Daniela se diferencia da perspectiva de leitura trazida por ela no questionamento anterior (“leitura é uma interpretação pessoal de um conjunto de informações, é o processo de compreensão do que se lê”). Tal fato implica a necessidade de se discutir com os professores em formação tais concepções.

Dessemelhante das outras participantes, Sandra posicionou-se como leitora crítica. Posso inferir que a participante entendeu que a pergunta se destinava ao seu contexto particular. Na sua resposta, é perceptível marcas da concepção de leitura enquanto decodificação, com foco no texto (“a partir de uma determinada leitura, consigo dizer qual o tema, a problemática que está sendo trazida para discursão”). Essa concepção de leitor coincide com a concepção de leitura trazida por ela no questionamento anterior (“Para mim leitura é um processo de decodificação das palavras, ou de determinadas formas de comunicação.” Sandra, Quadro 1).

Constato, a partir das representações das participantes, a importância de pensarmos e repensarmos na formação e no desenvolvimento do leitor crítico, que, por meio da leitura, vai-se constituindo responsivo, norteando seus posicionamentos, compreendendo, interpretando a essência do texto, promovendo relação entre texto, autor, conhecimentos de mundo e múltiplas vozes sociais que emergem dessa interação, preenchendo lacunas que possivelmente surgem no ato de ler.

Ainda, nesse processo, a atividade de leitura não se concretiza somente no texto, como visto na fala de Luciana, nem tão pouco no sujeito-leitor; na verdade, a construção da significação de um determinado discurso escrito ultrapassa a interação, ou seja, pela interlocução recíproca dos saberes dos leitores, do autor e do texto.

Como discutido no desenvolvimento desta pesquisa, apreende-se que é por intermédio da linguagem que os sujeitos se constituem na sociedade na qual estão inseridos. É por ela e por meio dela que o indivíduo pensa, interage com o outro e com o meio, constrói, coconstrói e reconstrói raciocínios e posicionamentos próprios.

Considerações finais

Este artigo teve o objetivo de investigar a concepção de leitura e leitor trazidas pelos monitores do Programa de Apoio ao Discente Iniciante (Padi). Logo, o questionamento que se pretende responder é: qual a concepção de leitura das monitoras do Padi? Esse questionamento foi essencial para compreender a concepção de leitura que mediava às práticas das participantes, com implicações na formação acadêmica e no desempenho delas como futuras docentes. Além disso, essa questão é à base de toda ação pedagógica.

As concepções de leitura variaram entre as participantes, o que demonstra a necessidade de tratar desse conteúdo no ambiente acadêmico. Ainda é marcante, nas atividades de leitura, o processamento ascendente e descendente, que tem como consequência o foco no texto e o foco no leitor. Ficou evidente, em alguns posicionamentos da participante Sandra, a influência que determinada concepção exerceu sobre o seu discurso, de modo que ela passou a conotar, por meio de sua fala, aquela concepção de leitura.

Os dois processos trabalhados isoladamente propiciam a formação de leitores reprodutores e passivos, um leitor “incapaz” de construir sua compreensão a partir das palavras do autor e posicionar com sua contrapalavra. Contrapondo-se a esses dois processos, foi possível também perceber, no discurso das participantes, indício da perspectiva de leitura interacionista. Nas palavras de Freire (1982, p. 11), “a compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto”.

A perspectiva interacionista atribui para a leitura dimensões socioculturais que se entrecruzam em uma dinâmica significativa na construção de conhecimento. As participantes Juliana e Luciana deixaram evidenciado que, ao ler, elas construíram sentidos por intermédio do texto, ativando seus conhecimentos de mundo em um processo interacional, responsivo e dialógico, construindo a leitura crítica ou, nas palavras das referidas, adquirindo conhecimentos. Assim, acredito que possibilitar uma modificação no ensino-aprendizagem da atividade de leitura é uma tarefa desafiadora, principalmente para o professor que necessita se apropriar desse novo instrumento pedagógico e modificar sua maneira de agir.

Portanto a concepção de leitura constituída dialogicamente ultrapassa as barreiras da decodificação, a atividade de leitura é um ato cognitivo-social que alude a um posicionamento responsivo ativo e crítico frente ao “bombardeio” de informações que estão disponíveis diariamente. Na leitura - encontro significativo entre aquele que diz e aquele que ouve, o eu e o tu - o sujeito-leitor interage com o texto de forma interacionista e crítica.

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1Pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa (sob parecer n.º 2.478.352) da Universidade Federal do Tocantins. Este texto é parte das investigações que compõem a tese de doutorado da autora.

2No original: “[…] skills at all levels are interactively available to process and interpret the text […] This model incorporates the implications of reading as an interactive process - that is, the use of background knowledge, expectations, context, and so on. At the same time is also incorporates notions of rapid and accurate featuresrecognition for letters and words, spreading activation of lexical forms - that is, a processing that does not depend on context for primary recognition of linguistics units” (ESKEY; GRABE, 1988, p. 224).

3Destaco que todas as respostas que serão apresentadas a partir de agora foram transcritas literalmente, conforme as participantes responderam. Além disso, a ordem das participantes nos quadros levou em consideração a sequência de falas.

Recebido: 17 de Junho de 2019; Aceito: 22 de Agosto de 2019

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