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Revista Diálogo Educacional

Print version ISSN 1518-3483On-line version ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.20 no.65 Curitiba Apr./June 2020  Epub July 27, 2020

https://doi.org/10.7213/1981-416x.20.065.ds03 

Dossiê

Diálogo: desafios da docência diante do papel social da universidade

Dialogue: teaching challenges facing the university's social role

Diálogo: desafíos de la docencia delante del papel social de la universidad

Marinalva Lopes Ribeiroa 
http://orcid.org/0000-0002-9197-1341

Taiara de Lima Silva Salesb 
http://orcid.org/0000-0001-9947-1555

a Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Feira de Santana, BA, Brasil. Doutora em Educação, e-mail: marinalva_biodanza@hotmail.com

b Colégio Premiium e Colégio Batista, Ipiaú, BA, Brasil. Mestra em Educação, e-mail: thay_tdee@hotmail.com


Resumo

Este estudo apresenta resultados de uma pesquisa qualitativa, realizada em 2019, que teve como objetivo compreender, diante da função social da universidade, os desafios referentes à aprendizagem no exercício da docência, na visão de treze professores da educação superior. No processo de produção dos dados, usamos um questionário composto por três questões abertas. Para a análise dos dados, utilizamos alguns pressupostos da Análise de Conteúdo. As conclusões apontam que a universidade deve primar pela formação integral dos estudantes, de modo a possibilitar que esses interfiram na sua realidade, propondo soluções para seus problemas. O papel social mais importante da universidade é a socialização do saber, particularmente aos grupos marginalizados socialmente. Assim, a docência exige do professor universitário inúmeros saberes, dentre os quais aqueles relacionados aos aspectos pedagógicos e didáticos: como lidar com as novas tecnologias da informação; lidar com os conflitos pessoais, principalmente entre colegas; compreender o processo de aprendizagem dos estudantes e como motivá-los, ficando evidente que a docência é uma profissão complexa para a qual se torna necessário uma formação específica e processos institucionais de desenvolvimento profissional desses sujeitos.

Palavras-chave: Função social da universidade; Desafios da docência; Aprendizagem; Educação Superior

Abstract

This study presents the results of a qualitative research that aimed to understand, facing the university's social function, the challenges related to learning in the exercise of teaching, in the view of thirteen higher education teachers. In the data production process, we used a questionnaire composed of three open questions. For data analysis, we used some assumptions of Content Analysis. The conclusions point out that the university must excel in the integral training of students, in order to enable them to interfere in their reality, proposing solutions to their problems. The university's most important social role is the socialization of knowledge, particularly to socially marginalized groups. Thus, teaching requires from the university professor innumerable knowledge, among which those related to pedagogical and didactic aspects: how to deal with new information technologies; dealing with personal conflicts, especially between colleagues; understand the students' learning process and how to motivate them, making it evident that teaching is a complex profession for which specific training and institutional processes of professional development of these subjects are necessary.

Keywords: Social function of the university; Teaching challenges; Learning; College education

Resumen

Este estudio presenta los resultados de una investigación cualitativa que tuvo como objetivo comprender, mediante la función social de la universidad, los desafíos referentes al aprendizaje en ejercicio de la docencia, en la visión de trece profesores de la educación superior. En el proceso de producción de los datos, utilizamos un cuestionario compuesto por tres preguntas abiertas. Para el análisis de los datos, empleamos algunos presupuestos del Análisis de Contenido Las conclusiones apuntan que la universidad debe esforzarse, particularmente por la formación integral de los estudiantes, para permitirles interactuar con su realidad, proponiendo soluciones para sus problemas. El papel social mas importante de la universidad es la socialización del conocimiento, principalmente para los grupos marginalizados socialmente. Así, la docencia exige del profesor universitario innumerables conocimientos , entre los cuales aquellos relacionados con los aspectos pedagógicos y didácticos; como lidiar con las nuevas tecnologías de la información; lidiar con los conflictos personales, principalmente entre compañeros; comprender el proceso de aprendizaje de los estudiantes y como motivarlos, quedando evidente que la docencia es una profesión compleja para la cual se torna necesario una formación especifica y procesos institucionales de desarrollo profesional de esos sujetos.

Palabras clave: Función social de la universidad; Desafíos de la docencia; Aprendizaje; Educación Superior

Introdução

Este artigo, resultado de uma pesquisa de abordagem qualitativa, desenvolvida em uma universidade pública da Bahia em 2019, teve como objetivo compreender, diante da função social da universidade, os desafios referentes à aprendizagem no exercício da docência, na visão de professores da Educação Superior.

Em todo processo de desenvolvimento das sociedades, a busca pelo conhecimento vem sendo estimulada, no sentido de acompanhar as transformações sociais e econômicas do mundo globalizado, o qual exige dos profissionais de todas as áreas, num tempo veloz, o domínio de novas tecnologias, destrezas e conhecimentos não apenas científicos, mas sociais, culturais, éticos, morais, políticos e humanísticos. Nessa perspectiva, a educação superior se apresenta como uma oportunidade de ampliação almejada pelos sujeitos que não querem estar à margem dos avanços constantes do mundo contemporâneo, particularmente, do mundo do trabalho.

É nesse contexto, que se situa a necessidade de expansão e de interiorização da universidade pública, que tem papel fundamental no processo de acolher cada vez mais a população que, estando à margem desse espaço, tem direito à participação democrática dos saberes que são produzidos no seio de tal instituição.

Diante do exposto, levantamos os seguintes questionamentos: qual a função social da universidade na visão de docentes da Educação Superior? Quais os desafios enfrentados na prática pedagógica por docentes universitários? Quais os sentidos de ensinar e apreender atribuídos por tais professores?

A fim de responder tais questões, lançamos mão de uma pesquisa, cujos resultados serão apresentados e discutidos ao longo deste trabalho. Em primeiro lugar, apresentamos a metodologia que guiou a investigação e a discussão sobre a função social da universidade. Posteriormente, tratamos dos desafios da docência na atualidade. Em seguida, abordamos sobre a nova cultura da aprendizagem: do aprender ao processo de apreender. Na sequência, apresentamos os achados da pesquisa e, por fim, as conclusões e as referências.

A metodologia que guiou a investigação

Na pesquisa realizada, optamos pela abordagem qualitativa, que, para a produção dos dados, utilizou um questionário com três questões abertas, enviado de forma aleatória e por e-mail, a cinquenta professores de cursos de licenciatura de várias áreas do conhecimento da Universidade Estadual de Feira de Santana. Dos onze cursos de licenciatura da universidade em estudo, tivemos os seguintes retornos: da Área de Tecnologia e Ciências Exatas, 1 professor de Matemática, 1 de Física, 0 de Química; da Área de Ciências Humanas e Filosofia, tivemos 1 representante de Filosofia, 2 de História, 1 de Geografia e 2 de Psicologia; da Área de Letras e Artes, tivemos 2 de Vernáculas e 0 de Música; da Área de Ciências Naturais e da Saúde, tivemos 1 representante de Ciências Biológicas e 2 de Educação Física, perfazendo um total de treze participantes.

Com os questionários respondidos em mãos, fizemos a categorização dos dados, mediante alguns pressupostos da Análise de Conteúdo de Bardin (2001). Os sujeitos da pesquisa foram identificados mediante letras e números, de modo a manter o anonimato dos participantes, que é um dos critérios éticos no desenvolvimento de pesquisas com seres humanos.

Ressaltamos que outro cuidado ético foi a entrega de um termo de consentimento livre e esclarecido aos participantes juntamente com os questionários, para que fossem lidos e assinados, antes de cederem suas respostas, ficando evidente que a participação era espontânea e não representava qualquer prejuízo para quem se dispusesse a colaborar.

O critério usado na categorização dos dados foi a leitura flutuante das respostas, buscando aproximar os sentidos atribuídos pelos sujeitos à função da universidade, aos desafios encontrados na docência e ao processo de ensinar e aprender.

A função social da universidade

Com a Revolução Francesa caem as ideias hegemônicas da Igreja e ocorrem as transformações conjunturais nas universidades, consagrando a participação do Estado no controle dessa instituição e possibilitando o surgimento de novos modelos de universidades, tais como o modelo Napoleônico (instituição instrumental, sociopolítica e socioeconômica, conservação da ordem social). Esse modelo distanciava os centros de pesquisa das grandes universidades que eram voltadas para o ensino e a formação profissional (SANTOS; ALMEIDA FILHO 2008; OLIVEIRA, 2010).

Outra concepção de universidade é baseada no modelo Humboldt (indissociabilidade entre pesquisa, ensino e formação, defesa da autonomia universitária diante do Estado e da Igreja). Tal modelo concebe a universidade como um instrumento de formação profissional, coletiva, sociopolítica e socioeconômica que produz o conhecimento puro e verdadeiro, independente das influências externas do mercado e do Estado (SANTOS; ALMEIDA FILHO, 2008; OLIVEIRA, 2010).

Por fim, há o modelo Norte-Americano, que dá ênfase à função de ligação entre a sociedade e a universidade e à aproximação entre empresas e universidades, unindo ensino, pesquisa e serviços à produção e à inovação. Também, esse modelo sofreu a influência do modelo Humboldtiano e passou a criticar a natureza elitista da universidade e a manutenção dos valores da religião protestante (SANTOS; ALMEIDA FILHO, 2008; OLIVEIRA, 2010).

Destacamos que as universidades que adotam o modelo neoliberal desprezam os aspectos culturais da população e não aspiram à emancipação social e intelectual dos sujeitos. Ao contrário, buscam o desenvolvimento do aspecto financeiro, da reprodução das elites econômicas e de suas ideologias, generalizam o ensino ao imediatismo e ao instrumentalismo, utilizam mão de obra barata e ofertam uma formação deficiente. Também idealizam um ensino pago e elitizado, afirmando que o papel da universidade é o de apenas formar os estudantes com critérios de excelência, eficácia e alta qualidade (SANTOS; ALMEIDA FILHO, 2008).

Já as universidades que adotam um modelo de gestão e ensino-aprendizagem voltado para a compreensão da complexidade humana, da pesquisa e da extensão garantem um ensino que esteja a serviço das pessoas, desenvolvendo o nível técnico, científico, cultural e afetivo dos sujeitos, de modo a popularizar o acesso aos conhecimentos, à ciência, à cultura independentemente da classe econômica e social a que pertença o sujeito. Além disso, promove a equidade social, tornando a universidade um espaço de múltiplas aprendizagens, na qual o estudante aprende a ter relações interpessoais mais abertas e a ser um formador de ideias (SANTOS; ALMEIDA FILHO, 2008).

Fávero (1997) vai mais além, quando aponta a necessidade da articulação entre os objetivos pedagógicos e os objetivos sociais, políticos e culturais e a definição do grau de participação e autonomia das instâncias universitárias para que não se tenha uma visão reducionista e simplificada das funções sociais da referida instituição.

Desse modo, a função da universidade é plural e híbrida. Demarca conjunturas conflitivas de construções socioculturais e históricas, conformadas pelos diferentes grupos sociais de estudantes e docentes e, alcançam o controle dos Estados nacionais e ajuntamentos empresariais, ganhando sentidos e definições diversas. Assim, compreende-se o quanto é difícil definir a função social da universidade (SANTOS; ALMEIDA FILHO, 2008).

Destarte, é possível afirmar que o papel principal da universidade é o exercício permanente de pensar a si mesma. Vivemos tempos de defesa de valores e princípios diversos, os quais contribuem para o processo de desumanização e desigualdade social (FERREIRA, 2009; DRÉZE; DEBELLE, 1983 apudPEREIRA, 2009). Diante desse contexto, faz-se necessário que gestores e professores ajudem os estudantes a compreender a história como um processo e não como um modelo e a atuar de forma ativa na transformação da realidade.

Com efeito, compete à universidade contribuir para a formação da cidadania dos sujeitos, possibilitando-lhes o desenvolvimento de novas formas de raciocínio, da criticidade, da criatividade, da sensibilidade, da cooperação e parceria, do respeito à diversidade, diante do mundo globalizado. Em suma, cabe à universidade o papel de formação científica, humanística, ética, política, social, cultural e afetivo-emocional. Quanto à formação, de acordo com Chauí (2003, p. 12), “exige de nós o trabalho da interrogação, da reflexão e da crítica”.

Todavia, parte dos estudantes que tem adentrado a universidade, nos últimos anos, é proveniente de estratos sociais menos favorecidos e de escolas públicas que, na maioria das vezes, não possibilitam aos alunos uma base de conhecimentos necessária ao prosseguimento dos estudos na Educação Superior.

Portanto, Zago (2006, p. 228) tem razão quando afirma que “a expansão quantitativa do ensino superior brasileiro não beneficiou a população de baixa renda, que depende essencialmente do ensino público”. Zago (2006, p. 233) afiança que “As lacunas deixadas na formação precedente marcam implacavelmente a vida acadêmica”. Diante de tal problema, a autora defende que uma efetiva democratização depende do fortalecimento do ensino público em todos os níveis.

Nessa linha, vale destacar que a universidade tem um papel social incontornável em relação à democratização do saber, particularmente, aos estudantes socialmente marginalizados, tanto aqueles provenientes das escolas públicas quanto afrodescendentes, de grupos LGBTQ+, indígenas, dentre outros. Como defende Chauí (2003, p. 5):

A partir das revoluções sociais do século XX e com as lutas sociais e políticas desencadeadas a partir delas, a educação e a cultura passaram a ser concebidas como constitutivas da cidadania e, portanto, como direitos dos cidadãos, fazendo com que, além da vocação republicana, a universidade se tornasse também uma instituição social inseparável da ideia de democracia e de democratização do saber.

Nesse mesma linha, Portes e Sousa (2012) destacam que as ações afirmativas, ainda que possibilitem a entrada na universidade de estudantes oriundos dos estratos mais empobrecidos, se constitui desafio tanto para esses estudantes quanto para as universidades. Será necessário a tais instituições criarem mecanismos para possibilitar aos estudantes assistência estudantil e melhores condições materiais e culturais, de modo que esses sujeitos possam viver a vida universitária, tendo em vista que apresentam necessidades de ordem financeira, necessidades intrínsecas ao Curso e aquelas voltadas para as questões de ordem médica, pedagógica, psiquiátrica e social. Também defendendo a permanência como um direito, Portes e Sousa (2012, p. 13) ressaltam: “a democratização do acesso aos bancos das universidades deve vir acompanhada da democratização do acesso ao conhecimento e do direito à permanência dos estudantes para que possam concluir seus cursos”.

Diante do exposto, ficam evidente os desafios dos docentes na atualidade, que têm os seus papéis ampliados ante a complexa tarefa de possibilitar uma aprendizagem significativa aos estudantes que, incontestavelmente, têm o direito ao saber.

Os desafios da docência na atualidade

É desde tempos mais remotos que o docente representa um símbolo de emancipação para os sujeitos, através do desenvolvimento de competências e habilidades que possibilitam pensar, argumentar, modificando sua realidade.

Como vimos anteriormente, nos deparamos com uma sociedade que está marcada pelos avanços tecnológicos em que as informações são dissipadas de maneira exacerbada e aleatória, tornando o papel do professor fator primordial para a sistematização dessas informações que deverão ser transformadas em conhecimentos.

As mudanças que emergem nesse cenário, ao qual nos referimos, remetem-nos à compreensão de que um dos papéis do professor, na atualidade, constitui-se em utilizar a pesquisa como método de emancipação humana, uma prática que vai possibilitar aos estudantes questionar a realidade, buscar respostas para suas indagações e refletir sobre os dados encontrados. Ou seja, o desafio é ultrapassar um ensino baseado no paradigma tradicional, no qual o professor expõe os conteúdos e o estudante escuta passivamente, anota e dá a devolutiva no dia do exame.

Contrariamente a essa concepção, a pesquisa necessita de tempo para se constituir como instrumento de formação dos estudantes, para a qual se torna imprescindível a reflexão e o exame dos conhecimentos instituídos com abertura à possibilidade de mudança e superação, como defende Chauí (2003). Para a referida autora, mais do que isso, a educação envolve um “movimento de transformação interna daquele que passa de um suposto saber (ou da ignorância) ao saber propriamente dito (ou à compreensão de si, dos outros, da realidade, da cultura acumulada e da cultura no seu presente ou se fazendo)” (CHAUÍ, 2003, p. 11).

Nessa perspectiva, o trabalho do professor tem viés cognitivo e afetivo, porque modifica os indivíduos pelo processo de ensinar e apreender, bem como de fazer pensar e agir, tendo em vista que, em sala de aula, o docente pode estar munido de estratégias que propiciam o desenvolvimento das habilidades cognitivas do aprendiz, como a capacidade de leitura, análise, comparação, síntese, avaliação, investigação, dentre outras que possibilitam aos aprendizes participar ativamente da sociedade e a transformar, caso seja necessário.

Assim, a docência exige do profissional uma dedicação ampla para a consolidação de um trabalho que requer:

[...] conhecimentos específicos, consolidados por meio de formação voltada especialmente para esse fim, bem como atualização constante das abordagens dos conteúdos e das novas maneiras didáticas de ensiná-los. A mediação da prática coloca-se como indispensável, porém em estreita articulação com a teoria e ancorada na reflexão, enquanto processo que busca atribuir sentido àquilo que se pratica. (PIMENTA; ALMEIDA, 2011, p. 27-28)

Todavia, Dias Sobrinho (2009, p. 19) sinaliza que “os docentes não estão preparados para acompanhar a vertiginosa explosão do conhecimento em todos os campos, tanto no que diz respeito à produção quanto ao ensino”, o que requer um programa institucional de desenvolvimento profissional de tais docentes, no qual eles possam refletir sobre suas práticas com os pares e buscar responder coletivamente aos desafios impostos por tal contexto desafiador.

Logo, nota-se a relevância que tem esse profissional, não somente para mediar o conhecimento, mas, principalmente, para formar pessoas pensantes com discernimento e capazes de transferir situações do âmbito teórico para a vida cotidiana. Ou seja, o professor interfere na vida dos sujeitos como um todo, colaborando inclusive para a construção da identidade dos mesmos.

Nessa relação mediadora do conhecimento entre professor e estudante, a aprendizagem se torna um dos principais objetivos da ação docente, passando a ter novos espaços e visibilidade na universidade.

A nova cultura da aprendizagem: do aprender ao processo de apreender

Segundo Pozo (2002), vivemos numa sociedade que busca cada vez mais conhecimentos diversos e a forma como estes são disseminados foge da nossa compreensão e controle. Assim, uma das principais características dessa nova cultura da aprendizagem é a rapidez com que tais conhecimentos são disseminados, bem como a cobrança cada vez mais intensa para que saibamos um pouco de cada coisa, o que pode explicar por que não ocorre a aprendizagem a contento, pois o sujeito acaba se preocupando em estar o tempo todo “aprendendo”, deixando de fazer as assimilações e desconstruções conceituais para que aconteça a tão almejada aprendizagem de qualidade. Isso pode resultar no que Pozo (2002) denominou de “lapso de aprendizagem”, que seria uma aprendizagem temporária, na qual o sujeito aprende determinada coisa num determinado momento, sem se apropriar de maneira inteira desse novo conhecimento.

Assim, para Pozo (2002, p. 29-30),

[...] Devemos aprender a conviver com saberes relativos, parciais, fragmentos de conhecimento, que substituem as verdades absolutas de antigamente e que requerem uma contínua reconstrução ou integração. [...] Na nova cultura da aprendizagem já não se trata tanto de adquirir conhecimentos verdadeiros absolutos, já dados, que restam poucos, quanto de relativizar e integrar esses saberes divididos. Já que ninguém pode nos oferecer um conhecimento verdadeiro, socialmente relevante, que devamos repetir cegamente como aprendizes, teremos de aprender a construir nossas próprias verdades relativas que nos permitam tomar parte ativa da vida social e cultural. (POZO, 2002, p.29-30).

Um dos fatores que contribuíram de maneira direta nessa nova concepção de aprendizagem foi a introdução das novas tecnologias, pois, conforme interagimos com elas, vamos necessitando adquirir habilidades e conhecimentos novos. Segundo Assmann (2007, p. 17), “A profundidade e a rapidez da penetração das TIC’s está transformando muitos aspectos da vida cotidiana. Isso constitui uma das principais marcas do atual período histórico”.

Pozo (2002) traz duas características principais desta nova cultura da aprendizagem: a primeira trata das “Demandas de aprendizagens contínuas e massivas”, ou seja, cobra-se cada vez e muito mais aprendizagem das pessoas; e a segunda constitui-se na multiplicação dos contextos de aprendizagem (POZO, 2002). Nesse sentido, muito mais do que a cobrança de aprender muitas coisas, cobra-se, também, que aprendamos coisas diferentes.

Em contrapartida a essa nova cultura da aprendizagem, um tema que tem sido bastante explorado nos debates acadêmicos é o ato de apreender que, segundo Anastasiou e Alvez (2007), origina-se do latim apprehendere, que significa segurar, prender, pegar, assimilar mentalmente, entender, compreender, agarrar. Para as autoras, o apreender requer o agir, o exercitar-se, o informar-se, tomar para si, apropriar-se.

Depreende-se, portanto, que o processo de apreender envolve muito mais do que a simples aquisição da informação, pois é necessário que esta seja assimilada mentalmente pelo educando de forma abstrata, de modo que, depois de um longo processo de reflexão, a informação adquirida se transforme em conhecimento, ou seja, numa aprendizagem de qualidade.

Enfim, mesmo que estejamos inseridos numa cultura chamada de “sociedade do conhecimento”, que exige, segundo Chauí (2003), o uso intensivo, veloz e competitivo dos conhecimentos, não podemos nos apartar da ideia de formação, que demanda dos estudantes um trabalho de interrogação, reflexão e de crítica.

Os achados da pesquisa

Os dados produzidos nesta pesquisa revelam três aspectos que se articulam entre si:

1. Visão de professores sobre a função social da universidade

Os participantes deste estudo deixam evidente que a universidade tem como função a formação social e política dos sujeitos, tanto no que se refere à formação profissional quanto à formação pessoal e social.

Fica manifesto que essa formação acontece a partir da construção de conhecimentos que possibilitem aos indivíduos intervir na realidade, propondo soluções para os problemas sociais. Essa postura remete à formação de cidadãos críticos, capazes de produzir, gerir, articular e socializar saberes profissionais, humanos e sociais, de forma dialética, em prol do desenvolvimento da nação, nos âmbitos: político, econômico, ético, social, intelectual, entre outros. Nas palavras dos docentes universitários que participaram da pesquisa, estes devem balizar a sua prática no combate às injustiças sociais e políticas e à opressão, à corrupção e à impunidade, de modo a assumir como desafio a transformação da realidade social em prol da justiça e da melhoria das condições de vida da população. Em suas palavras, vejamos o que fala o P4:

[...] ter como elementos balizadores da sua prática, as dimensões: epistemológica, social e política, direcionadas ao avanço científico, aliado ao combate à injustiça, em todos os níveis, à opressão, à corrupção e à impunidade que corroem as nossas estruturas societárias [...], assumir o desafio com a transformação do caos instaurado em prol da justiça e de condições de vida dignas. (P4).

De acordo com tais ideias, Belloni (1992), Goergen (1997), Lampert (1997), Santos e Almeida Filho (2008), Teixeira (1998), Pozo e Monareo (2009) assinalam que a universidade tem por função precípua a formação total, integral dos sujeitos. A proposição indica que os saberes universitários precisam estar comprometidos com o sujeito plural que busca a justiça e a transformação social, bem como a emancipação humana, embasada nos pressupostos epistemológicos e pedagógicos.

Para tanto, faz-se necessária a construção de um currículo, o qual, aliado ao Plano Político Pedagógico Institucional, atenda às demandas do mundo atual em suas variadas dimensões (linguagem, tecnológica, ensino, pesquisa e extensão) de forma micro e macrossocial. Com efeito, Chauí (2003) critica a fragmentação e a superficialidade dos cursos, evidenciando que a universidade pública, para democratizar-se e trabalhar numa perspectiva de formação, deve mudar, dentre outros aspectos, o seu currículo, a fim de proporcionar aos estudantes condições do que chama de “verdadeira formação”, ou seja, aquela que possibilita tempo para a leitura, a reflexão e a pesquisa.

Na perspectiva de que a formação seja de qualidade, cabe à universidade desenvolver a integração dos saberes advindos das diversas áreas do conhecimento, para que se compreendam os fenômenos sociais e se possa intervir na realidade. Como evidencia P2, a universidade deve “Criar elementos de integração entre a cultura e a comunidade, preparando os alunos para enfrentar a realidade, propondo soluções mais humanas para as dificuldades enfrentadas” (P2). Tais ideias evidenciam o papel social e político da universidade que, longe de estar trancada em seus muros, é convocada a estar em contato com os problemas da sociedade, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida do ser humano. Vejamos a narrativa do P5 neste sentido:

[...] mostrar que o aprendizado e a formação constituem-se em um instrumento de transformação da sociedade [...] levados aos nossos familiares e a todos com os quais convivemos. É incentivar os estudantes a acreditarem que o estudo e a formação devem estar a serviço de todos e que, adequadamente aplicados, contribuem para melhorar a qualidade de vida e o respeito ao ser humano.

A extensão faz parte do tripé de sustentação da universidade, por meio da qual integra-se aos outros setores da sociedade, disponibilizando o conhecimento produzido mediante a pesquisa e o ensino, de modo a tornar-se uma das estratégias para a formação de profissionais cidadãos.

Assim, a universidade tem a responsabilidade de promover a relação entre ensino, pesquisa e extensão, como evidencia o P5: “[...] buscar a inserção e o desenvolvimento de trabalhos de pesquisa e extensão, que envolvam a comunidade e tragam melhorias.”

Deus (2018) traz sua contribuição ao nosso diálogo ao afirmar que, por desconhecimento das funções sociais da universidade, ou talvez com a finalidade de desmonte do ensino público e gratuito, as universidades públicas brasileiras têm sido questionadas. Isso posto, cabe à extensão, neste momento de turbulência social e política em que estamos atravessando no país, um papel transformador no sentido de melhorar a vida, como propôs o P5 anteriormente. Deus (2018, p. 630) corrobora com as ideias do P5, ao evidenciar que “pode ser uma das tarefas mais generosas e instigantes: a de ser o local de formação, contribuição e promoção de propostas para melhoria da vida”.

A universidade também tem a função de possibilitar as relações entre as pessoas e destas com o mundo: “[...] função de relações [...] a universidade pode ser muito mais ampla e plural do que é hoje. [...] As pessoas que compõem a universidade precisariam se jogar mais para o mundo, botar a cara no sol” (P6). Com efeito, Chauí deixa claro que a universidade deve incentivar o intercâmbio com distintas regiões e países, a fim de trocar conhecimentos e fazer parcerias em pesquisas.

Por fim, os participantes apontam como função social da universidade a promoção do “desenvolvimento científico-tecnológico comprometido com o desenvolvimento social” (P7).

Diante do exposto, a visão da função social da universidade não pode ser linear, fragmentada e simplificada. A instituição de Educação Superior se caracteriza pela sua produção e disseminação de conhecimentos científicos, tecnológicos e para a vida, bem como para a formação profissional, pessoal e social dos sujeitos.

2. Desafios da Docência

A docência no ensino superior é permeada de particularidades que devem ser consideradas e debatidas amplamente. De acordo com o nosso referencial teórico, ficou evidente que os docentes não estão preparados para a vertiginosa explosão do conhecimento. Tal informação nos faz perceber o quanto se torna complexo o exercício da docência na universidade, onde a circulação de informações exige do professor constante acesso aos mais diversos meios tecnológicos.

Nesse sentido, os participantes da pesquisa apresentam que um dos fatores desafiantes para o exercício da docência na atualidade é a falta de ferramentas tecnológicas e estruturais que deem suporte à sua prática. Nesta linha, Chauí (2003) denuncia a deterioração e desmantelamento das universidades públicas diante do avanço da privatização, fato que é comprovado na atualidade, em que por diversas vezes o próprio ministro da educação, Abraham Weintraub, apresenta um discurso declaradamente contrário a tal instituição.

No que diz respeito à docência, Chauí (2003) insiste na sua revalorização, a qual implica, além de outros fatores, uma formação específica, incluindo os aspectos pedagógicos e didáticos e condições de trabalho dignas. Nessa esteira de discussão, os participantes da pesquisa sinalizam como problemático para a docência na atualidade a “[...] falta de material (computadores atualizados), ausência constante de Internet no nosso espaço [...]” (P1). Outro participante da pesquisa mostra a importância de o professor estar capacitado para lidar com as novas tecnologias, no intuito de possibilitar aulas mais atrativas, ao abordar que é necessário que tal profissional: “[...] aprenda cada vez mais, para trazer os últimos avanços tecnológicos e científicos na área [...] tornar as aulas interessantes, para aulas com 3h de duração; perceber as fragilidades e dificuldades dos alunos para tentar motivá-los ao aprendizado” (P5). Assim, fica explícito: a formação profissional deve incluir também aspectos relacionados à aprendizagem e à motivação dos estudantes.

Esses aspectos sinalizados, desde a falta de instrumentos tecnológicos que deem suporte às aulas, a falta de estrutura adequada, o perfil dos estudantes, tornam a prática docente mais desafiadora.

Além dos desafios esboçados anteriormente, os docentes se veem diante de uma realidade competitiva, individualista, marcada pelo distanciamento entre os sujeitos, de modo que as interações entre professor-aluno, aluno-aluno e objeto do conhecimento ficam prejudicadas. Segundo afirmam os sujeitos colaboradores da pesquisa, as relações entre seus colegas de trabalho estão permeadas de competitividade, como pode ser visto nos seguintes excertos: “[...] Conviver com a competitividade de muitos colegas. A luta por títulos, cargos, estrelismo, tem levado muitos colegas a recusar ricas oportunidades de trabalho conjunto” (P3); “[...] incompreensão de alguns colegas de trabalho com a teoria escolhida para desenvolvimento da pesquisa. [...] Isso me irrita muito. Já que é ‘universal’, as pessoas precisariam assim entender o movimento do mundo - e não somente do jeito que elas escolhem” (P6).

Assim, fica evidente que não são poucos ou simples os desafios enfrentados pelos docentes em seu cotidiano, a exemplo, fazer com que os estudantes tenham consciência da importância das relações interpessoais, bem como encarar o exercício da docência como uma construção colaborativa entre os pares.

Dessa maneira, podemos inferir que os sujeitos que compõem o ambiente acadêmico, de modo geral, ainda não se dão conta de que os indivíduos são construídos nas relações que estabelecem com seus pares e também com o estudante, daí a importância da dimensão afetiva na relação entre os sujeitos. Parece que falta uma formação que contemple não apenas os conteúdos específicos de cada área do conhecimento, mas também a habilidade de gerir conflitos e de trabalhar em grupo, de modo que os professores saiam do isolamento da profissão e possam discutir com seus pares os dilemas da sala de aula, troquem experiências, a fim de que a docência se torne mais leve.

Nos testemunhos dos participantes, notamos, também, a importância de o professor ter compromisso com o processo formativo dos estudantes, como é sinalizado a seguir: “[...] fazer os alunos perceberem a responsabilidade que terão no exercício da profissão que escolheram” (P5); “[...] grande desafio de fazer com que muitos alunos entendam a necessidade de estarem na universidade em busca de uma formação de qualidade, pois muitos alunos estão em busca apenas de um diploma” (P11). Destarte, a docência na universidade não se resume a “passar o conteúdo”, como se acredita no senso comum. Mas, como afirmam Ribeiro e Cruz (2011), o professor universitário, mediante a pesquisa, aprofunda o conhecimento específico da sua área, ensina, orienta e avalia os estudantes sob sua responsabilidade, inova o ensino e comunica as inovações didáticas implementadas, envolve-se em ações, pesquisas e soluções de problemas em equipes de colegas, participa na seleção e promoção na carreira de outros professores, avalia trabalhos produzidos para periódicos e eventos científicos, elabora projetos para obtenção de recursos em instituições de fomento, participa da gestão acadêmica, busca intercâmbios com colegas de outras instituições locais, regionais e internacionais. Enfim, o professor universitário tem uma implicação com o estudante em formação como pessoa e como futuro profissional competente técnica e humanamente.

3. Aprender e ensinar na universidade

A aprendizagem tem sido um dos temas que tem ganhado espaços nas discussões acadêmicas. Para ser considerada de qualidade, a aprendizagem se dá quando os sujeitos envolvidos no processo conseguem dar novos significados aos conhecimentos e os utilizam para as suas vidas. Em consequência, propõe-se que o estudante seja formado em uma perspectiva de tornar-se sujeito autônomo, crítico, reflexivo, capaz de construir e reconstruir conhecimentos, como afirma Behrens (1999).

Essa ideia está em conformidade com as respostas de alguns dos sujeitos desta pesquisa. Para o professor P1, ensinar está relacionado à aprendizagem e esta se dá quando o estudante (re)constrói os sentidos das teorias, conceitos, fatos, etc. para a sua vida: “Ensinar é ajudar o outro a se apropriar de conceitos, fatos, objetos. [...] respaldado em teorias científicas [...] é (re)construção de sentido para o mundo, para as coisas, para as relações” (P1).

Entretanto, para que esse processo aconteça, é necessário que o professor ultrapasse a visão de ensino como mera repetição de conteúdos e contribua para a autonomia do estudante mediante a proposta de “[...] Situações-problema, desafios, desencadear reflexões, estabelecer conexões entre conhecimento adquirido e os novos conceitos” (MORAES, 1999, p. 152).

Por meio de propostas de ensino com pesquisa em que os universitários são orientados para elaborar questionamentos sobre a sua realidade e buscar soluções para tais problemas, é possível que se alcance a autonomia à qual nos remetemos anteriormente. Tal mudança de paradigmas no ensino e aprendizagem não é fácil nem para os estudantes nem para os professores, evidentemente. Mas, se constitui, na visão dos colaboradores desta pesquisa, a “promoção de oportunidades para construção e conhecimentos contextuais [...] de cada componente curricular [...] atrelada ao ensinar, e vice-versa, aprender é exatamente essa construção e aplicabilidade” (P3).

Assim, fica claro que a aprendizagem de conteúdos de qualquer natureza que façam sentido para os universitários deve ser propiciada com atividades que envolvam a realidade dos educandos, de modo que eles possam utilizá-los em outros contextos. Nas palavras de P8, “[...] ensinar tudo que eu puder, não somente a técnica que minha profissão requer, mas ensinamentos para a vida [...] uma troca contínua, mas que exige de mim uma aprendizagem um tanto mais intensa para que meu ensino garanta a aprendizagem” (P8). Assim, um ensino de qualidade - aquele capaz de formar o sujeito histórico, crítico e criativo - exige, também, muito mais estudo por parte do docente e envolvimento dos educandos. Nas palavras de Demo (1994, p. 53),

Para que exista educação é preciso que haja construção e participação. Assim, o contato entre professor e aluno será pedagógico se for construtivo e participativo. Não pode haver mero ensino e mera aprendizagem. O aluno não pode reduzir-se a simples objeto de treinamento. Precisa ser sujeito. Somente educação de qualidade é capaz de promover o sujeito histórico crítico e criativo.

Tal ideia vai dialogar com o P11 quando explicita neste excerto:

“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. O professor, portanto precisa ter uma mediação favorável para que o acadêmico perceba no processo de ensino e aprendizagem a oportunidade de aprimorar suas capacidades intelectuais, filosóficas, epistemológicas, culturais, institucionais, entre outras.

Ora, se “ensinar não é transferir conhecimento”, como afirma o P11, citando Paulo Freire (1998), devemos compreender como se dá o processo de aprendizagem de cada universitário e quais as condições necessárias para que ela se processe de forma mais eficiente. E é Freire (1998, p. 52) quem nos ajuda a pensar em tais condições ao sugerir que sejamos abertos “a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, a suas inibições.” Então, o professor que compreende as palavras de Freire tem uma postura de olhar atento e amorosa, inclusive para aqueles que não falam na sala de aula, porque podem não fazê-lo por inibição.

Vale destacar que, no procedimento de orientação e mediação entre os conteúdos e os estudantes, a figura do professor também se modifica num processo dialógico: “Quem ensina aprende ao ensinar. E quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 1998, p. 25), pois, na perspectiva freiriana, o ensinar se dilui na experiência fundante de aprender.

Portanto, o professor deixa de ser concebido como aquele que detém todo o conhecimento, cujo papel é “depositá-lo” na cabeça dos estudantes. Estes, considerados sujeitos ativos, devem se envolver de forma participativa e responsável com o processo da aprendizagem, o que nos parece ser o desafio na atualidade, pois, se por um lado a instituição de Ensino Superior vê-se refém da compressão do espaço-tempo, fazendo com que os currículos abandonem o núcleo fundamental da universidade, que, segundo Chauí (2003) e Zabalza (2004), é a formação, isto é, a aprendizagem, por outro lado, muitos estudantes que ingressam na vida acadêmica o fazem para conseguir ascensão social, apresentam pouca motivação para estudar, exibem necessidades de concentração, de ler, compreender e criticar o que leem, de organizar o tempo, de conciliar as atividades de trabalho com os estudos, apresentam poucos conhecimentos prévios em relação a cálculos, dentre outros conhecimentos básicos imprescindíveis à vida acadêmica, o que dificulta a aprendizagem e a docência, especificamente nas tarefas de acompanhamento e de motivação de tais graduandos.

Por fim, faz-se necessário que os professores universitários estudem e compreendam os processos que constituem a aprendizagem dos adolescentes e adultos, toda a sua dimensão cognitiva, pessoal e afetiva, posto que a aprendizagem não depende exclusivamente da inteligência, da motivação e do esforço, portanto, da individualidade dos estudantes, mas depende, também, da intervenção do professor que tem como função aprimorar esses processos mediante o uso de estratégias de ensino, especialmente aquelas que envolvam o grupo, pois este, como alude Zabalza (2004), vai contribuir como catalizador das ideias e das experiências de cada indivíduo. Conforme declara Zabalza (2004, p. 190), “o objetivo da docência é melhorar os resultados da aprendizagem dos alunos e otimizar sua formação”. De tal modo, conhecer os processos de aprendizagem dos estudantes e motivá-los faz parte da gama de saberes que os docentes precisam dominar para o exercício da docência.

Considerações finais

Lembramos que este artigo teve por objetivo compreender, diante da função social da universidade, os desafios referentes à aprendizagem no exercício da docência, na visão de treze professores da Educação Superior.

O artigo partiu de uma discussão acerca dos diversos modelos presentes na história da universidade até os dias atuais. Defendemos que o papel social mais importante dessa instituição é a socialização do saber, particularmente aos grupos socialmente marginalizados.

Os professores que participaram da pesquisa, por sua vez, deixaram claro que a universidade deve primar pela formação integral dos sujeitos, tanto no que se refere à formação profissional quanto à formação pessoal e social, de modo a possibilitar que esses interfiram no seu contexto, propondo soluções para os problemas da realidade. Portanto, os professores devem estar atentos à função política da sua prática no sentido de propiciar uma formação de cidadãos atentos ao combate das injustiças sociais e políticas e à opressão, à corrupção e à impunidade, instigando a justiça e a melhoria das condições de vida da população.

No que tange os desafios da docência, os participantes da pesquisa evidenciam que o ato de ensinar está intrinsecamente relacionado à aprendizagem, tendo em vista que esta acontece quando o estudante (re)constrói os sentidos das teorias, conceitos, fatos, etc. para a sua vida pessoal e profissional. O primeiro desafio apontado para o docente é lidar com as novas tecnologias e, consequentemente, com a vertiginosa explosão das informações em curto espaço de tempo, o que faz com que o docente se sinta inseguro.

Em segundo lugar, os participantes apontaram o desafio de lidar com as relações interpessoais, particularmente no mundo competitivo em que se tornou o ambiente acadêmico, fazendo com que os professores se sintam isolados e não tenham com quem partilhar os seus dilemas nem trocar experiências exitosas ou malsucedidas na docência.

Em terceiro lugar, o estudo evidenciou, mediante as narrativas dos professores, a necessidade do desenvolvimento profissional desses sujeitos, para que compreendam como se dá o processo de aprendizagem dos estudantes de modo a mediarem a motivação e a autorregulação dos acadêmicos.

No que concerne ao processo de aprender e ensinar na universidade, o estudo nos faz organizar algumas conclusões: primeiro, que o ato de ensinar está relacionado ao processo de aprendizagem e esse acontece quando o estudante (re)constrói os sentidos das teorias, conceitos, fatos, etc. para a sua vida.

Segundo, que o papel da docência para os participantes da pesquisa é amplo, indo além da técnica que a profissão requer, mas expandindo-se em ensinamentos para a vida.

Terceiro, que o ensino está baseado em um novo paradigma, o qual ultrapassa o paradigma tradicional. Este concebia o ensino como a transferência de conhecimentos. Para os professores que participaram desta pesquisa, o papel do docente é mediar processos cognitivos e afetivos para que os acadêmicos tenham a oportunidade de aprimorar suas capacidades, sejam intelectuais, filosóficas, epistemológicas, culturais, institucionais, dentre outras.

Quarto, ficou claro que a docência exige do professor universitário inúmeros saberes, além daqueles relacionados à sua área específica de formação. Dentre outros, os saberes relacionados aos aspectos pedagógicos e didáticos da profissão de professor: como lidar com as novas tecnologias da informação; como lidar com os conflitos pessoais, principalmente entre colegas; como se dá o processo de aprendizagem dos estudantes e como motivá-los, ficando evidente que a docência é uma profissão complexa para a qual se exige uma formação específica e processos institucionais de desenvolvimento profissional desses sujeitos.

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Recebido: 29 de Fevereiro de 2020; Aceito: 21 de Maio de 2020

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