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Revista Diálogo Educacional

versión impresa ISSN 1518-3483versión On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.20 no.65 Curitiba abr./jun 2020  Epub 27-Jul-2020

https://doi.org/10.7213/1981-416x.20.065.ds14 

Dossiê

Trajetórias de formadoras de professores: os desafios do desenvolvimento profissional docente

Teacher trainers trajectories: the challenges of professional development of teachers

Trayectorias de profesores de maestros: los desafíos del desarrollo profesional de los profesores

Maria Helena Padilha Bandeira Moraes Hernandesa 
http://orcid.org/0000-0002-6144-433X

Cristhianny Bento Barreirob 
http://orcid.org/0000-0001-7547-1905

a Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense, Pelotas, RS, Brasil, Mestra em Educação e Tecnologia, e-mail: admmariahernandes@gmail.com

b Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense, Pelotas, RS, Brasil, Doutora em Educação, e-mail: crisbarreiro@pelotas.ifsul.edu.br


Resumo

A temática da formação de professores tem sido bastante pesquisada nas últimas décadas por se reconhecer a relevância do professor na construção de uma educação de qualidade, entendida aqui como aquela capaz de contribuir no desenvolvimento integral dos educandos. Em qualquer campo de atuação, o conhecimento profissional representa o conjunto de saberes que habilita ao exercício da profissão, no entanto, no exercício da docência este conhecimento ultrapassa os saberes acadêmicos possíveis de serem construídos nos bancos universitários. A investigação aqui apresentada foi realizada entre os anos de 2018 e 2019 e teve como principal objetivo compreender o desenvolvimento profissional de formadores de professores de um Curso de Formação Pedagógica, graduação destinada a habilitar para a docência sujeitos que se formam bacharéis e tecnólogos e desejam atuar como professores da Educação Profissional e Tecnológica, especialmente a que está situada no âmbito da educação básica. Como metodologia de pesquisa foi utilizada a pesquisa narrativa, por privilegiar a fala dos professores como fonte, propiciando a articulação das dimensões pessoais e sociais que compõem suas ideias, suas crenças, seus modos de pensar e estar no papel de formadores de professores. Como método de análise, optou-se pela Análise Qualitativa de Conteúdo, pois permite analisar de forma compreensiva e indutiva as formas de comunicação. Os sujeitos da pesquisa são professoras que atuam no curso como orientadoras de estágio. Os resultados apontaram para influência de vivências pessoais enquanto estudante, da formação continuada em educação e de suas trajetórias de vida profissional em seu desenvolvimento profissional. Conclui-se que o desenvolvimento profissional das professoras formadoras teve como uma de suas fontes principais a graduação em pedagogia, ampliando-se através da formação continuada na área da educação e das aprendizagens que advém da relação com outros docentes e com os estudantes. Assim, ressalta-se a importância de pensar em espaços e tempos de formação, inicial e continuada, de professores de ensino superior.

Palavras-chave: Formação; Professor formador; Desenvolvimento profissional; Docência universitária

Abstract

The theme of teacher education has been extensively researched in recent decades because it recognizes the relevance of the teacher in the construction of quality education, understood here as one capable of contributing to the integral development of students. In any field, professional knowledge represents the set of knowledge that enables the exercise of the profession, however in the exercise of teaching this knowledge goes beyond the academic knowledge that can be built in university banks. The research presented here took place in the years of 2018 e 2019 and it aimed to understand the professional development of teacher trainers in a Pedagogical Training Course. As a research methodology, narrative research was used, as it privileges the teachers' speech as a source, providing the articulation of the personal and social dimensions that make up their ideas, their beliefs, their ways of thinking and being in the role of teacher educators. As a method of analysis, Qualitative Content Analysis was chosen, as it allows for a comprehensive and inductive analysis of forms of communication. The research subjects are teachers who work in the course as internship supervisors. The results pointed to the influence of personal experiences as a student, of continuing education training and of his professional life trajectories in his professional development. It is concluded that the professional development of teacher educators had as one of its main sources the degree in pedagogy, expanding through continuing education in the area of education and learning that comes from the relationship with other teachers and students. Thus, the importance of thinking about spaces and times of formation, initial and continued, of higher education teachers is emphasized.

Keywords: Training; Teacher trainer; Professional development; University teaching

Resumen

El tema de la formación del profesorado ha sido ampliamente investigado en las últimas décadas porque reconoce la relevancia del profesor en la construcción de una educación de calidad, entendida como educación capaz de contribuir al desarrollo integral de los estudiantes. En cualquier campo, el conocimiento profesional representa el conjunto de conocimiento que permite el ejercicio de la profesión, sin embargo, en el ejercicio de la enseñanza, este conocimiento va más allá del conocimiento académico que se puede construir en los bancos universitarios. La investigación presentada aquí tuvo lugar en los años 2018 e 2019 y tenía como objetivo comprender el desarrollo profesional de los formadores de docentes en un curso de formación pedagógica. Como metodología de investigación, se utilizó la investigación narrativa, ya que privilegia el discurso de los docentes como fuente, proporcionando la articulación de las dimensiones personales y sociales que conforman sus ideas, sus creencias, sus formas de pensar y estar en el papel de los formadores de docentes. Como método de análisis, se eligió el Análisis de contenido cualitativo, ya que permite un análisis exhaustivo e inductivo de las formas de comunicación. Los sujetos de investigación son maestros que trabajan en el curso como supervisores. Los resultados señalaron la influencia de las experiencias personales como estudiante, de la educación continua y de sus trayectorias de vida en su desarrollo profesional. Se concluye que el desarrollo profesional de los formadores de docentes tuvo como una de sus principales fuentes el título en pedagogía, expandiéndose a través de la educación continua en el área de educación y aprendizaje que proviene de la relación con otros docentes y estudiantes. Así, se enfatiza la importancia de pensar en los espacios y tiempos de formación, inicial y continua, de los docentes de educación superior.

Palabras clave: Entrenamiento; Formador de maestros; Desarrollo profesional; Docencia universitaria

Introdução

As pesquisas em torno da formação de professores têm sido ampliadas, especialmente nas últimas décadas em que há um reconhecimento crescente da importância do professor para a construção de uma educação de qualidade. Embora o termo educação de qualidade possa se referir a sentidos e significados muito distintos, percebe-se que é quando a concepção de educação avança para além de uma visão puramente tecnicista, de treinamento instrucional, em que a educação centrou-se em encontrar os métodos e técnicas capazes de promover o ensino, para uma compreensão de que o papel da educação é a formação integral dos seres humanos, que há progressivamente um reconhecimento da importância do papel do professor. Portanto, assume-se aqui educação de qualidade como sendo aquela capaz de contribuir com o desenvolvimento integral dos educandos e, para a qual, torna-se indispensável pensar na formação de professores.

O campo da formação vem sofrendo as influências daquilo que se tem como relevante no campo da educação. Assim, se na década de 1970 os estudos sobre formação debruçavam-se sobre os meios de ensino, revelando uma perspectiva tecnicista da época, na década de 1980 o grande tema foi a formação crítica dos professores e, na década de 1990, centralizavam-se na subjetividade e nas vidas dos professores, passando-se por uma diversificação das temáticas após os anos 2000 (DINIZ-PEREIRA, 2013).

Da mesma forma, ao longo das décadas finais do século XX é possível observar um grande volume de estudos focados na formação inicial de professores, que dão lugar, em período subsequente, às investigações relativas à formação continuada de professores e, mais recentemente, ao desenvolvimento profissional dos professores (ROMANOWSKI, 2018). Isso ocorre num movimento de busca por compreender a formação do professor, implicando na necessidade de ampliar os tempos e espaços em que se pesquisa, já que é possível perceber que esta não se inscreve em um período de tempo relativo à graduação, ou nos espaços destinados à formação continuada de professores, mas ocorre ao longo da vida.

O trabalho aqui apresentado parte de inquietações sobre a formação daquele que tem como papel formar os futuros professores. Portanto, insere-se no campo de pensar a formação do professor universitário e, de forma mais específica, os responsáveis por acompanhar os estágios, entendendo-se estes como espaço-tempo privilegiados de articulação da teoria com a prática. Desta maneira, o professor que atua nestas componentes de formação necessita desenvolver um conhecimento profissional que responda à esta tarefa.

A partir da questão “como se deu o desenvolvimento profissional de formadores de professores que acompanham o desenvolvimento de estágios de docência em um curso de Formação Pedagógica?”, a investigação teve por objetivo compreender o desenvolvimento profissional de formadores de professores de um Curso de Formação Pedagógica, graduação destinada a habilitar para a docência sujeitos que se formam bacharéis e tecnólogos e desejam atuar como professores da Educação Profissional e Tecnológica, especialmente àquela situada no âmbito da educação básica. A formação proporcionada pelo curso investigado prevê a apropriação, por parte do futuro professor, não somente de saberes oriundos da prática, mas um conjunto de conhecimentos que lhe permita desenvolver o domínio crítico e reflexivo no campo da educação.

Trata-se de tema relevante, uma vez que provoca a pensar sobre a formação do professor que atua em nível superior e cujo local de formação, segundo a legislação vigente, seria a pós-graduação. No entanto, pode-se afirmar que, de maneira geral, as pós-graduações têm como objetivo precípuo a formação de pesquisadores, não assumindo a formação didático-pedagógica destes.

Nas licenciaturas, há um contingente de professores com habilitação para a docência, mas ainda assim, seus estudos e formação tiveram como objetivo formar para a educação básica. Portanto, pensar sobre onde e como se forma o professor que atua na formação de outros professores é relevante e pode servir como subsídio de constituição de políticas destinadas a esse fim.

A seguir, apresenta-se brevemente o tema formação e desenvolvimento profissional docente, buscando trazer as teorias que sustentam esta investigação, seguida de seção destinada a apresentar a forma como estudo foi conduzido, das análises empreendidas e de algumas palavras finais que buscam sintetizar os resultados e apontar questões importantes que emergem.

Formação e desenvolvimento profissional docentes

A formação docente e o desenvolvimento profissional são dois termos fundamentais para compreender de que forma o professor experimenta teorias e práticas, apropria-se de novos conhecimentos, se faz presente em um espaço apropriado para troca de experiências com outros professores, contribuindo para a reconfiguração da sua prática.

Baptista (2010, p. 49) traz uma explicação que esclarece as diferenças conceituais entre formação e desenvolvimento profissional:

A formação está localizada no tempo, é apresentada ao professor através de um programa de formação previamente construído pelo formador tendo em conta as carências do professor, apresenta-se, preferencialmente, sob a forma de cursos. O professor tem o papel de receptor dos conhecimentos e da informação que lhe são transmitidos. A formação é compartimentada por assuntos ou por disciplinas, parte invariavelmente da teoria e, frequentemente, não chega a sair desta. Pelo contrário, o desenvolvimento profissional tem uma natureza contínua, dá especial atenção às potencialidades do professor, processa-se através de actividades, como reflexões sobre a prática e projectos. O professor tem o papel de gerir os seus conhecimentos e de tomar decisões, é visto como um todo nos seus aspectos cognitivos, afectivos e relacionais e interliga a teoria e a prática. Nesta perspectiva, o desenvolvimento profissional pressupõe uma aprendizagem ao longo de toda a carreira, com a finalidade dos professores irem ao encontro das necessidades e interesses de cada aluno, contribuindo para uma melhoria das instituições educativas (BAPTISTA, 2010, p. 49).

Diante disso, compreende-se que a formação deve ocorrer de forma continuada, a partir da existência de problemáticas que vão surgindo ao longo da prática profissional dos professores. Com isso, a formação de modo contínuo pode abastecer o professor de ferramentas para realização de seu trabalho. Portanto, “o aparecimento do conceito desenvolvimento profissional resulta do reconhecimento da necessidade de formação ao longo da vida” (BAPTISTA, 2010, p. 36).

A formação pode estimular o desenvolvimento profissional dos professores, no quadro de uma autonomia contextualizada da profissão docente. Importa valorizar paradigmas de formação que promovam a preparação de professores reflexivos, que assumam a responsabilidade do seu próprio desenvolvimento profissional e que participem como protagonistas na implementação das políticas educativas (NÓVOA, 1992, p. 27).

Desse modo, a formação continuada precisa oferecer situações heterogêneas de formação, uma vez que as necessidades e os desafios dos professores variam de acordo com as etapas de seu desenvolvimento profissional. Diferentes autores apresentam definições para desenvolvimento profissional. Vaillante e Garcia (2012, p. 169) identificam o desenvolvimento profissional “com a aprendizagem; remete ao trabalho; trata de um trajeto; inclui oportunidades ilimitadas para melhorar a prática; relaciona-se com a formação dos docentes e opera sobre as pessoas, não sobre os programas”.

Imbernón (2006) compreende que o desenvolvimento profissional docente reside em uma junção de desenvolvimento pedagógico, conhecimento e compreensão de si mesmo, além de desenvolvimento cognitivo ou teórico, sob uma situação profissional que permite ou que impede o desenvolvimento de uma carreira docente.

Fiorentini (2008, p. 04) admite a multiplicidade de fatores envolvidos no desenvolvimento profissional do professor, ao afirmar que se trata de: [...] processo contínuo que tem início antes de ingressar na licenciatura, estende-se ao longo de toda sua vida profissional e acontece nos múltiplos espaços e momentos da vida de cada um, envolvendo aspectos pessoais, familiares, institucionais e socioculturais”.

Ou seja, há um caráter de continuidade no desenvolvimento profissional, o qual estabelece que não há um tempo específico ou lugar, mas que o mesmo ocorre durante o desenvolvimento da própria história de vida dos professores, antes mesmo destes terem efetuado a escolha pela profissão. Neste mesmo sentido, Day (2001, p. 20) concebe o desenvolvimento profissional como:

[...] processos através do qual os professores, enquanto agentes de mudança, reveem, renovam e ampliam, individualmente ou coletivamente, o seu compromisso com os propósitos morais do ensino, adquirem e desenvolvem, de forma crítica, juntamente com as crianças, jovens e colegas, os conhecimentos, as destrezas e a inteligência emocional, essenciais para uma reflexão, planificação e práticas profissionais eficazes, em cada uma das fases das suas vidas profissionais.

Percebe-se, então, que o desenvolvimento profissional do professor é uma tarefa que envolve diferentes atores, além dele próprio (GARCIA, 1999; DAY, 2001). Assim, para além do individual, realiza-se de forma colaborativa com os colegas (BAPTISTA, 2010; DAY, 2001), necessitando contar com o apoio das instituições em que trabalham (TRALDI JR.; PIRES, 2009).

No que se refere ao apoio das instituições, tem-se as estratégias que ajudam na formação do formador, representadas por encontros para formadores em um espaço de reflexão e troca, em que ele pode estar com seus pares e dimensionar seu trabalho e seu percurso em relação aos demais (GASTALDI, 2013). Do mesmo modo, “o tempo e o espaço garantidos para a formação, bem como os materiais produzidos internamente, os recursos e a organização de pessoal compõem o conjunto de encaminhamentos que tornam a formação possível” (GASTALDI, 2013, p. 91).

Levando isso em consideração, Gastaldi (2013, p. 92) escreve sobre o desenvolvimento profissional do professor formador de professores: “constituir-se formador implica desenvolver um corpo de saberes e competências na prática e partir da reflexão sobre ela, predominantemente em contexto de formação continuada”. Assim, admite-se que o desenvolvimento profissional se aproxima do conceito de continuidade.

Enquanto o conceito de desenvolvimento profissional está ligado ao processo de formação para alguns autores, outros defendem que o desenvolvimento profissional não se trata só de formação: “No entanto, a formação pode contribuir para o desenvolvimento profissional dos professores, desde que represente uma oportunidade para as suas necessidades individuais de aprendizagem” (BAPTISTA, 2010, p. 35).

Por isso, o desenvolvimento profissional do docente não deve ser apontado como condição obrigatória em cursos de formação (PONTE, 1996). Confirmando isto, Day (2001, p. 203), em conceito mais elaborado de desenvolvimento profissional, afirma que o mesmo “[…] não exclui a formação contínua, na forma de cursos, mas situa-a num contexto de aprendizagem mais vasto, enquanto atividade que contribui para o repertório de modos de aprendizagem”.

Para além da formação, Sparks e Loucks-Horsley (1990) já enumeravam modalidades formativas que promovem o desenvolvimento profissional: (1) desenvolvimento profissional autônomo, em que os professores podem adquirir por si próprios novos conhecimentos e desenvolver competências tendo por base as suas experiências; (2) desenvolvimento profissional baseado na reflexão e supervisão, na qual os professores refletem sobre a sua prática aumentando as suas competências. Assim, “a supervisão clínica é uma estratégia para o desenvolvimento profissional baseada nos dados da análise da própria acção como um elemento de reflexão, com a intervenção do professor e de um supervisor” (BAPTISTA, 2010, p. 48); (3) desenvolvimento profissional a partir do desenvolvimento curricular e organizacional, em que os professores aprendem e conseguem melhorar as suas práticas quando resolvem problemas ou questões inerentes ao seu trabalho. Neste sentido, “podem envolver-se em acções referentes a projectos de inovação curricular e de desenvolvimento curricular” (BAPTISTA, 2010, p. 48); (4) desenvolvimento profissional através de cursos de formação. Em que “os professores frequentam cursos de formação que são dados pelos formadores. Pretende-se que os formandos adquiram os conteúdos na formação e que os consigam aplicar na sala de aula” (BAPTISTA, 2010, p. 48); (5) desenvolvimento profissional através da investigação. Os professores envolvem-se em investigações sobre as suas próprias práticas e em processos de reflexão.

Este processo de reflexão carece se desenvolver num ambiente de comunicação e colaboração, uma vez que o trabalho colaborativo é considerado importante para o desenvolvimento profissional dos professores (BAPTISTA, 2010). A reflexão sobre a reflexão na ação pretende ajudar o professor a progredir no seu desenvolvimento profissional (SCHÖN, 1992).

Não somente as práticas reflexivas contribuem para o desenvolvimento profissional. Nas práticas tradicionais, o desenvolvimento profissional ocorre quando as mudanças surgem, porque o professor teve acesso à nova informação. Portanto, “na ausência de espaços formativos dentro das próprias instituições, é comum que os formadores se desenvolvam profissionalmente na prática, mediante o confronto de questões emergentes de seu cotidiano” (CRECCI, 2016, p. 63).

De modo diferente, as práticas reflexivas assumem o desenvolvimento profissional como um processo complexo e, por isso, exigem mudanças derivadas de conhecimentos adquiridos na prática do professor. Baptista (2010, p. 38) elucida que “numa sociedade que está constantemente em mudança, importa que os professores se vejam como aprendizes capazes de se adaptar às constantes alterações que ocorrem na sua sala de aula”. Desse modo, os professores necessitam de novos conhecimentos e competências, também, de mudar os seus comportamentos e concepções para atender às novas demandas.

Portanto, o desenvolvimento profissional, como um processo, é capaz de oportunizar novas formas de pensar a prática e reflexão sobre as experiências de ensino. Mas o processo por si só não garante o desenvolvimento profissional, para que seja assim, os professores precisam estar inseridos em ambientes que favoreçam a sua aprendizagem. Além disso, existe a necessidade da participação plena dos professores, seja por meio da elaboração de práticas concernentes ao próprio desenvolvimento profissional e/ou a partir de demandas identificadas em seus contextos escolares.

Sendo assim, assume-se que a formação tem papel fundamental no desenvolvimento profissional do professor, e que a prática reflexiva trabalha como potencializadora do desenvolvimento profissional. Devido aos conceitos encontrados na literatura, coexistentes sobre o desenvolvimento profissional, essa pesquisa está aberta à existência de diferentes perspectivas.

Percurso Metodológico

A construção da metodologia de uma pesquisa nunca é uma tarefa fácil. Diante de tantos métodos de pesquisa é fundamental dedicar tempo de trabalho para pensar quais os meios adequados para se responder ao problema de pesquisa. Entende-se que episteme e método caminham juntos.

Neste caso específico, em que a questão norteadora foi “Como se deu o desenvolvimento profissional do formador de professores do curso de Formação Pedagógica?”, optou-se por uma metodologia de pesquisa narrativa, em função de privilegiar a fala dos professores e da possibilidade de articulação das dimensões pessoais e sociais que compõem as ideias, as crenças, os modos de pensar e estar no papel de formadores de professores (CLANDININ; CONELLY, 2011).

O lócus da pesquisa foi o curso de formação pedagógica para graduados não licenciados, que tem como objetivo articular os conhecimentos específicos das diferentes áreas de graduação do ingressante, com os saberes pedagógicos que possibilitam que o bacharel se constitua como professor da Educação Básica Técnica e Tecnológica. Assim, todos os ingressantes percorrem um currículo comum relacionado com a área da formação docente, articulando saberes específicos e saberes pedagógicos nas diferentes práticas realizadas ao longo do curso (IFSUL, 2018).

Para ingressar no Curso de Formação Pedagógica para Graduados não Licenciados, os candidatos devem ter concluído cursos superiores de bacharelado ou de tecnologia. Preferencialmente são atendidos professores que estejam em exercício e que não possuam licenciatura em suas áreas de atuação. A carga horária total do curso é de 1410h, incluindo atividades acadêmicas de 840h, Estágio Profissional Supervisionado de 300h e Atividades Complementares de 200h (IFSUL, 2018).

A investigação aqui apresentada foi realizada entre os anos de 2018 e 2019. Para atingir os objetivos propostos, realizou-se entrevistas narrativas relativas às trajetórias de formação das três professoras que atuavam junto à supervisão de estágios dos estudantes em formação. A narrativa como metodologia é fonte referencial de um determinado tempo (trama) e lugar (cenário), em que o professor é autor e narrador dos sentidos atribuídos às suas histórias (FIORENTINI, 2006). Assim, a história de vida é uma fonte de informação rica sobre a prática profissional docente, sem que sejam apresentadas generalizações, mas elementos da história de cada professor formador.

As entrevistas aconteceram no setor de coordenação pedagógica do IFSUL, por meio de uma pergunta ampla que solicitava às informantes que contassem sua trajetória e influência desta em sua formação. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas. A análise das entrevistas deu-se por meio de Análise Qualitativa de Conteúdo, técnica que permite analisar de forma compreensiva e indutiva as formas de comunicação verbal e não verbal. Seguindo as orientações de Poirier e Valladon (1999) e Guerra (2006), como se trata de uma leitura indutiva das narrativas dos formadores, as temáticas e problemáticas são levantadas a partir das falas.

Nesse sentido, a análise de conteúdo tem uma dimensão descritiva que visa dar conta do que nos foi narrado e uma dimensão interpretativa que decorre das interrogações do analista face a um objecto de estudo, com recurso a um sistema de conceitos teórico-analíticos, cuja articulação permite formular as regras de inferência (GUERRA, 2006, p. 62).

Assim, foram descritas situações e interpretações do sentido do que foi dito pelas professoras formadoras acerca de sua trajetória de vida, para que os conhecimentos produzidos pela pesquisa possibilitassem a ampliação da compreensão em torno da questão.

Guerra (2006) apresenta dois movimentos de análise, a construção de sinopses e de temáticas. O primeiro movimento aproxima-se de uma descrição daquilo que foi dito, ficando mais próximo do narrado e, o segundo, busca aproximações do dito com as teorias, permitindo a abstração e a construção de teorizações das narrativas. Estes dois movimentos são brevemente apresentados a seguir.

Durante a construção das sinopses, em que foram descritas as trajetórias das professoras a partir de suas narrativas, foi possível perceber que cada uma das três professoras tinha uma característica bastante marcante. Em decorrência disso, ao invés de pseudônimos ou número que identificassem as entrevistadas, foram utilizados símbolos que remetem à essa característica e que serão apresentados na próxima seção.

Caminhos de formação e desenvolvimento profissional das formadoras

Muitas foram as informações e sentidos atribuídos pelas formadoras às suas trajetórias de formação. O trabalho de escuta possibilitou identificar elementos, oriundos de suas narrativas, que foram utilizados para as identificar. Tais símbolos representam fatores que cada uma das professoras destacou, ao longo das entrevistas, como de grande influência nos processos de ensino e de aprendizagem. A primeira professora formadora foi nomeada de ☺ (sorriso) por representar a uma das principais preocupações do contexto escolar, a relação entre professor e estudante, fundamental para que se estabeleça o processo de ensino-aprendizagem.

A professora ☺ tem formação em Pedagogia, Licenciatura em História, Mestrado e Doutorado em Educação. Para ela, realizar outras atividades, para além de frequentar as aulas, foi importante para a sua constituição como docente, tais como atuação em monitoria, pesquisa e como militante do movimento estudantil. Durante o Mestrado e o Doutorado, a professora participava, com apresentações de trabalho, em eventos da área, e diz que isso está relacionado à valorização que sua formação dava a essa participação, e lamenta que nem todos os estudantes tenham a mesma oportunidade, já que muitos trabalham enquanto estudam, o que dificulta estes tipos de atividades.

Sua participação como docente no curso de formação pedagógica do IFSUL aconteceu logo que ingressou na instituição, através de um convite da coordenação. Ela conta que trabalhava na orientação educacional, mas que seu concurso é também para docente, então quando surgiu a oportunidade, ela aceitou, pois é isso que ela gosta de fazer. Quando estava somente no trabalho de orientação educacional, por vezes mais burocrático, a professora ☺ se estranhava e relata que não se sentia plenamente realizada profissionalmente.

A segunda professora foi nomeada de ☼ (sol) por representar a luz, o conhecimento, que ilumina uma trajetória de formação. Ela formou-se no Magistério, em seguida fez concurso para a Prefeitura de Pelotas e atuou como professora dos anos iniciais. Enquanto trabalhava durante o dia, cursou Pedagogia à noite; foi então que começou a trabalhar com anos iniciais do Ensino Fundamental ao mesmo tempo em que trabalhou com o curso Magistério, sendo esta, então, sua primeira atuação com formação de professores. Coordenou o currículo dos anos iniciais e o curso de Magistério. Mais tarde, cursou Especialização em Educação. Após isso, prestou concurso para o então CEFET-RS, e começou atuando na supervisão pedagógica. Neste espaço, atuou na oferta dos projetos de formação continuada para novos professores, mas isso foi se perdendo com o tempo. Além da Especialização, a professora ☼ fez Mestrado e Doutorado em Educação.

Seu ingresso como docente no curso de Formação Pedagógica aconteceu através de um convite para atuar na supervisão/observação dos estágios docência. A professora lembra que era muito difícil o ingresso para o corpo docente de professores do curso de formação da instituição, e foi convidada para “quebrar um galho” em determinado momento. Ela conta que questionava sua atuação com o estágio sem ter participado das demais etapas de formação dos estudantes, pois acredita que é preciso acompanhar os professores em formação durante todo o processo.

A terceira professora foi nomeada de ♥ (coração), que representa as emoções que guiam e transformam todo processo de aprendizagem. Trabalhou com anos iniciais em escola particular e municipal e como coordenadora pedagógica. Cursou Pedagogia e Mestrado em Educação. Seu trabalho no IFSUL inclui o serviço de supervisão pedagógica e docência.

A escolha da profissão geralmente vem carregada por uma preocupação sobre o futuro, o que não parece ser o caso das professoras formadoras, pois todas mostraram certeza da escolha pela profissão docente desde cedo. Como mostra a fala da professora ☺: “eu sempre quis ser professora, uma coisa que estava muito bem resolvida na minha vida”. Lembrou com alegria de quando cursava pré-vestibular e, apesar de não querer, acabou fazendo um teste vocacional que resultou em aptidão para o trabalho docente em diferentes níveis.

No mesmo sentido, a professora ☼ relatou: “Eu penso que estava projetado em mim este desejo de ser professora [...] eu não me vejo fazendo outra coisa que não o magistério, na educação, em estar na escola”. A fala vem carregada por uma intensidade, uma aspiração pela profissão.

Além disso, a professora ☼ teve pessoas na sua vida que influenciaram sua escolha profissional, a começar por duas tias que eram professoras alfabetizadoras e uma prima pedagoga, além de seus pais, sem escolarização superior, que incentivavam para que seguisse a carreira docente das tias. Tardif (2013, p. 73) esclarece que “[...] a vida escolar e as pessoas significativas na família aparecem como uma fonte de influência muito importante que modela a postura da pessoa toda em relação ao ensino”.

Nesse aspecto, Stamberg e Nehring (2018) enfatizam que na prática profissional, o docente carrega os seus professores como exemplo e, como formador, ele desenvolve a sua prática com base nas próprias compreensões, calçadas em vivências pessoais enquanto estudante.

Assim como a professora ☼, a professora ♥ traz muitas recordações que acredita terem influenciado sua escolha profissional:

Minha professora da segunda série, é tempo. [nome de uma professora], lembro até o nome dela. Ela era uma fofa, era afetuosa, era carinhosa, era firme, acho que isso influenciou muito em mim [...] Depois da quarta série era uma professora com personalidade forte, carinhosa, mas firme, exigente com a gente [...] Depois no ginásio me lembro de uma que me chamava muito a atenção também, e eu tentava copiar os trejeitos, as coisas destes professores que me chamavam a atenção. Me lembro de uma professora de português do ginásio, me lembro da professora de inglês do ginásio. Me lembro da professora de desenho no ginásio, vários deles no transcorrer (Professora ♥).

De forma diferente, a professora ☺ não traz recordações de pessoas que possam ter influenciado sua escolha profissional:

Como eu desde muito cedo sempre quis ser professora eu não consigo lembrar, ter memórias de referência. Eu brincava de professora, mas todas as crianças do mundo brincam de professor, então isso não quer dizer muito, né. Mas desde muito cedo eu me defini na minha escolha profissional, com 15 anos eu já sabia que eu queria fazer uma licenciatura (Professora).

Portanto, os fatores de influência da escolha profissional docente não são unânimes, e por isso, a individualidade de cada professora deve ser considerada. Nesse aspecto, Barreiro (2009, p. 79) diz que:

A história de vida dos sujeitos apresenta diferentes registros que parecem influenciar na definição das pessoas e profissionais que hoje são, sendo as diferentes experiências formais e informais responsáveis por nos formar professores e professoras, pessoas singulares que buscam no encontro com a cultura e com a ciência a definição de papéis sociais pré-determinados que, no entanto, serão exercidos com os matizes de cada um.

Contudo, Silva (2015) diz que ao contar suas histórias de vida, os sujeitos narram reminiscências acadêmicas e não acadêmicas num processo (auto) reflexivo sobre suas trajetórias de formação, que vão ao encontro e dão sentido à escolha profissional pela docência. Por isso, é importante conhecer o que as professoras têm a dizer sobre o ser formador.

Assumindo a descrição de professor formador apresentada por Mizukami (2006), a professora ♥ diz que a função do formador é “amar a profissão, ter empatia com o estudante, domínio do conteúdo e formação continuada”. Com isso, a prática do formador, torna-se parâmetro de constituição da prática profissional do futuro professor (CRUZ; ANDRE, 2014). Stamberg e Nehring (2018) reforçam esta ideia ao afirmarem que o professor formador tem significativa importância na constituição da profissionalidade dos futuros docentes.

Para Lauxen e Del Pino (2017, p. 546) “a prática não se constitui como lugar de aplicação de um conhecimento científico e pedagógico, mas como espaço de criação e reflexão, em que novos saberes são gerados e modificados constantemente”. Seguindo essa linha, a professora ☺ diz que o trabalho com a formação de professores acontece a partir de discussões relacionadas à prática, sendo prazeroso ao permitir que se compreenda os saberes em contexto e, ao mesmo tempo, uma tarefa desafiadora, pois parte da problematização de questões do próprio campo em que se está implicado.

A professora☺ elenca elementos que justificam seu gosto pelo trabalho na formação de professores:

Essa conexão dos alunos com a escola, da compreensão da função social da escola, eu acho isso muito apaixonante. Porque sempre, sempre, não sempre, mas muitas vezes, na maioria das vezes, os alunos sempre têm uma compreensão atravessada da compreensão da função da escola, então quando eles vão se apropriando da função da escola eu acho que isso é um pouco sedutor e das possibilidades e frustações da docência também isso é muito legal, né. Porque eles sabem que têm muito a fazer como docente, ao mesmo tempo eles não podem fazer tudo e esse limite é uma linha tênue, difícil, né, de tu estabelecer; e não é tu que estabelece para o aluno, é o aluno que estabelece na sua prática. Eu acho sempre isso muito sedutor assim, sabe conseguir limitar, conseguir pensar com eles essa, esses limites e possibilidades da docência, isso eu acho muito interessante. E sempre tu vai ter isso na formação de professores (Professora).

Portanto, o professor formador que visa contribuir na formação de futuros professores, necessita dominar muito mais que os conhecimentos relativos à sua disciplina de ofício, também necessita problematizar o processo de ensino e aprendizagem para que essa contribuição seja efetiva (LAUXEN; DEL PINO, 2017).

Neste sentido, as vivências como aprendiz em determinado modelo de formação oportunizam que o professor possua um repertório de atuação e a prática de seus próprios professores como referência (CUNHA, 1992). Além disso, a existência de um parceiro-formador, com quem pode refletir sobre as práticas, parece ser importante para a continuidade do desenvolvimento profissional deste professor.

As falas das entrevistadas abordam também os desafios de ser professor formador. A professora ☼ declara que o mais difícil em se trabalhar com a formação pedagógica é formar colegas:

É bastante desafiador, tem uma resistência muito grande, tem um certo preconceito. [...] E então a gente precisa ter muito cuidado. Quando você vai discutir a educação, dependendo das temáticas, das disciplinas que você vai trabalhar e que você vai problematizar o fazer docente, você vai pensar as concepções que fundamentam aquelas ações, você toca na prática das pessoas. E aí o que é que acontece, nós nos enxergamos, porque nós somos colegas. Então isso cria um constrangimento e uma resistência também, e então acaba que as vezes existe muita resistência nas coisas que se discute. Tem até disputa, tensionamento e tal. Então é mais desafiador, você tem que estar mais firme enquanto autoridade pedagógica. [...] Às vezes nós temos situações de pessoas que a gente percebe que não conseguem lidar com esta questão do que é ser professor, do que é este processo de ensino e aprendizagem e então quando a pessoa insiste em querer ser professor, mas a pessoa não consegue transpor isso, isso é super angustiante. A gente já viveu situações assim e não é fácil, é um processo bem desgastante (Professora).

De acordo Baptista (2010), para que ocorra o desenvolvimento profissional do professor, existem quatro elementos essenciais: os objetivos do professor; o professor enquanto pessoa; o contexto real em que cada professor trabalha; a cultura de ensino, nomeadamente a relação que o professor estabelece com os seus colegas, dentro e fora da escola. Portanto, trabalhar com colegas professores no curso de formação é fator que promove o desenvolvimento profissional da professora formadora, além da formação do estudante.

Os desafios da profissão de formador podem ser muitos, e a professora ☺ fala de uma desvalorização do fazer pedagógico diante do conhecimento técnico:

Só que tem toda uma jogada institucional, discursiva aí, que isso não é importante, perfeito, e a gente rema contra a maré tentando criar essa valorização desse espaço de fazer docente e ser professor na verdade. [...] É isso que a gente faz na formação, valoriza o fazer pedagógico (Professora).

A professora ☺ relata que “[...] a gente tem uma sobrecarga de trabalho também. Tem uma intensificação de trabalho que tu tens que administrar”. Tal situação acaba sendo agravada pelas condições de trabalho: “A instituição pública, ela é muito precária nas condições de trabalho. E a gente tem que tá sempre brigando com isso, seja nos municípios, no estado, em nível federal, a gente tem esses problemas né”. Há uma certa naturalização com relação às dificuldades encontradas relativas ao trabalho docente em escolas públicas. No entanto, este reconhecimento não é passivo, mas vem acompanhado de uma militância para que estas condições se modifiquem.

Para a professora ♥ as dificuldades são inerentes ao trabalho docente e ela relata que se orgulha de ter passado por isso: “Imagina, amassei muito barro, amassei barro lá no Lange, amassei no Laranjal, amassei barro no Peçanha. Como diz assim, professor que é professor é aquele que amassa barro”. Existe uma certa romantização na fala da entrevistada, de que o fazer docente se qualifica ao enfrentar dificuldades estruturais. No entanto, é preciso problematizar tal visão, já que as condições básicas de infraestrutura deveriam ser dadas a priori, e as dificuldades que deveriam ser enfrentadas e respondidas pelos docentes deveriam ser aquelas ligadas aos objetivos da profissão. Já que o desenvolvimento profissional do professor formador está relacionado com o que defende Baptista (2010, p. 48): “Os professores aprendem e conseguem melhorar as suas práticas quando resolvem problemas ou questões inerentes ao seu trabalho”.

Por fim, através da fala das professoras formadoras é possível perceber que elas vêm desenvolvendo estratégias próprias para enfrentar os desafios do seu fazer docente, desde o início de suas carreiras. Ao mesmo tempo, suas recordações abastecem um discurso de possibilidades e de esperança em relação ao ensino e a vida profissional de seus estudantes em formação. Com tudo isso, as professoras formadoras se mostraram sujeitos da história, superando desafios e dificuldades durante as suas trajetórias de formação e atuação docentes.

Considerações finais

A escrita desse artigo teve como motivação o interesse pela trajetória de formação de professoras formadoras e em como elas se desenvolveram profissionalmente, já que não há um espaço ou tempo cujo objetivo específico seja formar o professor de professores.

O referencial teórico referiu-se ao formador como aquele que trabalha no ensino superior de licenciaturas. Os diversos autores defendem que o processo de constituição do formador acontece em diferentes momentos: socialização familiar, trajetória escolar, escolha da profissão e trajetória profissional do formador enquanto docente.

O desenvolvimento profissional foi apresentado por Day (2001), Imbernón (2006), Nacarato et al (2006) e Fiorentini (2008) como um processo contínuo que se dá em múltiplos espaços e momentos da vida do sujeito, no qual se busca desenvolver um corpo de saberes e competências da/na prática docente, a partir da reflexão sobre esta.

O desenvolvimento profissional das professoras formadoras perpassou a graduação em Pedagogia e teve continuidade com o investimento de processos formativos na área da educação. Elas relatam ter sido inspiradas por amigos, professores e parentes próximos, confirmando o afirmado pelo referencial teórico, que assegura o desenvolvimento profissional a partir de investimento na escolarização e da influência de imagens modulares.

Os fatores que contribuem para o desenvolvimento profissional das entrevistadas foram enumerados durante suas narrativas: vivências pessoais enquanto estudante, formação continuada em educação, trajetória de vida profissional, saberes mobilizados na docência, reflexão e transformação no processo de aprendizagem, relação estabelecida entre as mesmas e seus colegas e entre elas e seus aprendizes.

Portanto, em diferentes aspectos e desafios, pesquisar sobre o professor formador evidenciou um contexto de mudanças ao longo da trajetória de vida das professoras, das quais fazem parte as transformações ocorridas com o modelo tradicionalmente valorizado de ensino, que agora parece não corresponder às novas demandas educativas. Logo, as professoras formadoras lembram do esforço empreendido para repensar seus saberes e práticas em face dessas novas condições, esbarrando, entretanto, nos obstáculos provocados pelas propostas de formação, pela política institucional e pela cultura docente.

Cabe salientar que os professores de ensino superior, além de não contarem com uma formação pedagógica específica a este nível de ensino, ao se depararem com os inúmeros desafios encontrados no cotidiano, poderiam encontrar suporte ao seu desenvolvimento profissional na institucionalização dos espaços de formação continuada referenciada em suas práticas.

Trata-se de propiciar condições de trabalho que suportem às necessidades encontradas pelos docentes. As práticas de formação continuada, no geral, apresentam-se fragmentadas, pouco institucionalizadas, e não se transformam em políticas, quer sejam elas micropolíticas, em nível das instituições, quer sejam elas macropolíticas, políticas públicas de formação, imbuídas do reconhecimento de que o desenvolvimento profissional docente se dá ao longo da vida.

Finaliza-se afirmando a importância de pensar espaços curriculares e/ou institucionais em que estas trocas, entre os formadores de professores, possam ocorrer de forma mais intensa e sistemática, já que os saberes precisam se encontrar com as vivências em espaços reflexivos e potencializadores de pensamento e de transformação.

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Recebido: 01 de Março de 2020; Aceito: 11 de Maio de 2020

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