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Revista Diálogo Educacional

versão impressa ISSN 1518-3483versão On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.20 no.66 Curitiba jul./set 2020  Epub 01-Out-2020

https://doi.org/10.7213/1981-416x.20.066.ao01 

Artigos

Contribuições formativas do PIBID para a prática de reflexão linguística no ensino de Língua Portuguesa

Formative contributions of PIBID to the practice of linguistic reflection in Portuguese language teaching

Contribuciones formativas de PIBID a la práctica de la reflexión lingüística en la enseñanza de la lengua portuguesa

Fabrício Oliveira da Silvaa 
http://orcid.org/0000-0002-7962-7222

André Luiz Gaspari Madureirab 
http://orcid.org/0000-0001-6709-3617

a Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Feira de Santana, Ba, Brasil. Doutor em Educação e Contemporaneidade, e-mail: fosilva@uefs.br

b Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Salvador, Ba. Brasil. Doutor em Letras e Linguística, e-mail: andreluizmadureira@hotmail.com


Resumo

O trabalho analisa ações desenvolvidas no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência - PIBID para compreender o processo de iniciação à docência no referido Programa, bem como a percepção dos bolsistas no que diz respeito às práticas de reflexão linguística desenvolvidas em escolas. Para isso, é feita uma análise das discussões realizadas sobre o ensino de Língua Portuguesa, através de considerações provenientes do estudo científico da linguagem, mobilizadas no âmbito da Linguística a partir dos trabalhos de Bakhtin (2003); Fiorin (2004); Koch (2006); Possenti (1996). A pesquisa desenvolveu-se inspirada na abordagem (auto)biográfica, elegendo-se as narrativas constantes no memorial como dispositivo de recolha de informações. O trabalho possibilitou depreender contribuições reflexivas do ensino de língua materna, balizadas pela recondução conceitual mediante a apreensão teórica de perspectivas da Linguística. O estudo evidenciou, ainda, como o PIBID se insere como um processo formativo que se logra pela inserção dos estudantes nos contextos reais em que a profissão acontece. O processo de iniciação à docência, vivenciado no Programa, possibilita o conhecimento do cotidiano escolar como elemento que propicia a compreensão de como, e do que se ensina em matéria de gramática na escola, favorecendo o desenvolvimento de reflexões sobre o ensino de língua que permita aos participantes do PIBID a se assenhorar da ideia de estarem sendo autores de um ensino que seja significativo.

Palavras-chave: Iniciação à docência; Reflexões linguísticas; Formação docente; PIBID

Abstract

The work analyzes actions developed in the Institutional Program for Teaching Initiation Scholarships - PIBID to understand the process of teaching initiation in the referred Program, as well as the perception of initiation scholarship students regarding the linguistic reflection practices developed in schools. For this, an analysis is made of the discussions carried out on the teaching of Portuguese Language, through considerations from the scientific study of language, mobilized within the scope of Linguistics from the works of Bakhtin (2003); Fiorin (2004); Koch (2006); Possenti (1996). The research was developed inspired by the autobiographical approach, choosing the narratives contained in the memorial as a device for collecting information. The work made it possible to understand reflective contributions from mother tongue teaching, guided by conceptual renewal through the theoretical apprehension of Linguistics perspectives. The study also showed how PIBID is inserted as a formative process that achieves the insertion of students in the real contexts in which the profession takes place. The process of initiation to teaching, experienced in the Program, allows the knowledge of everyday school life as an element that provides an understanding of how, and what is taught in the matter of grammar at school, favoring the development of reflections on language teaching that allows to PIBID participants to be aware of the idea of being the authors of a teaching that is meaningful.

Keywords: Initiation to teaching; Linguistic reflections; Teacher training; PIBID

Resumen

El trabajo analiza acciones desarrolladas en el Programa Institucional para Becas de Iniciación Docente - PIBID. Tiene por objetivo comprender el proceso de iniciación docente en el referido Programa, así como la percepción de los estudiantes de iniciación con respecto a las prácticas de reflexión lingüística desarrolladas en las escuelas. Para ello, se realiza un análisis de las discusiones llevadas a cabo sobre la enseñanza de la lengua portuguesa, a través de consideraciones del estudio científico de la lengua, movilizado dentro del alcance de la lingüística a partir de los trabajos de Bakhtin (2003); Fiorin (2004); Koch (2006); Possenti (1996). La investigación se desarrolló inspirada en el enfoque autobiográfico, eligiendo las narrativas contenidas en el memorial como un dispositivo para recopilar información. El trabajo permitió comprender las contribuciones reflexivas de la enseñanza de la lengua materna, guiada por la renovación conceptual a través de la comprensión teórica de las perspectivas lingüísticas. El estudio también mostró cómo se inserta PIBID como un proceso formativo que logra la inserción de los estudiantes en los contextos reales en los que se desarrolla la profesión. El proceso de iniciación a la enseñanza, experimentado en el Programa, permite el conocimiento de la vida escolar cotidiana como un elemento que proporciona una comprensión de cómo y qué se enseña en materia de gramática en la escuela, favoreciendo el desarrollo de reflexiones sobre la enseñanza de lengua, lo que permite a los participantes del PIBID para que sean conscientes de la idea de ser los autores de una enseñanza que sea significativa.

Palabras clave: Iniciación a la enseñanza; Reflexiones lingüísticas; Formación del profesorado; PIBID

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Introdução

O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) tem se constituído como um espaço de discussão acerca da prática dos futuros docentes - representados pelos Bolsistas de Iniciação à Docência (ID) - e de formação continuada dos Bolsistas de Supervisão (professores da Rede Pública de Ensino). O Programa também tem colaborado com a Universidade para aproximar, cada vez mais, as reflexões acadêmicas - mobilizadas pelo Bolsista de Coordenação - da realidade da sala de aula.

Como forma de compreender como se dá o reflexo desse ambiente de discussão, reflexão e ação dos trabalhos no PIBID, especialmente no que diz respeito à percepção de licenciandos do Curso de Letras, este trabalho se propõe analisar as reflexões linguísticas em torno do ensino de gramática a partir de ações propostas no Subprojeto Interdisciplinar “Linguística e Prática Pedagógica: o plano interdisciplinar na potencialização do trabalho linguístico na Educação Básica”, implantado na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), campus XVI, na região de Irecê. O recorte que aqui se faz se volta para a reinscrição de conceitos referentes ao trabalho linguístico em sala de aula, como forma de repensar as práticas tradicionais de estudo e de ensino língua materna.

Mediante a construção de memoriais em um ateliê de ideias, parte-se para a reflexão de como tais ações contribuíram para a mudança de perspectiva acerca do trabalho linguístico na percepção da atividade docente. A proposta metodológica ancorou-se na perspectiva (auto)biográfica, elegendo-se os memoriais como disposto central, produzido a partir de um ateliê reflexivo, por meio do qual os estudantes produziram narrativas que integraram o memorial. Nessa direção, a narrativa ganha centralidade, por meio das quais as informações são analisadas, considerando as contribuições que Ricoeur (1999) faz sobre a linguagem, visto que o modelo de análise que foi aplicado se baseia e se estrutura a partir do modelo compreensivo e interpretativo idealizado por este autor. Tal princípio analítico é centrado nos fundamentos de dimensões da produção discursiva que são feitas pelo sujeito na produção e materialização da linguagem.

Segundo Delory-Momberger (2012), a dimensão formativa do método (auto)biográfico evoca algumas questões sobre a natureza das operações que realiza sobre o vivido, e a maneira pela qual o homem integra, em sua experiência biográfica, as situações e os eventos que acontecem com ele ou que a ele são narrados por alguém. No cenário de atuação dos licenciandos no PIBID, as situações de experiência emanadas do vivido integraram as suas narrativas, a partir da condição biográfica que cada sujeito produz no âmbito de sua atuação no cotidiano da escola.

A abordagem (auto)biográfica está diretamente relacionada, às bases de uma fenomenologia existencial, que visa produzir compreensões sobre a fala dos sujeitos, autores de suas histórias e de suas próprias experiências, no caso do trabalho em tela, com relação às aprendizagens sobre a iniciação à docência. Assim, a utilização desta abordagem nas pesquisas em educação, e não foi diferente no caso da pesquisa em tela, visa, dentre outros objetivos, entender a relação entre sujeito, suas experiências formativas no PIBID e o esquema de conceitos que se produziram a partir das narrativas e relatos de experiências pelos quais cada um passa ao longo do seu processo formativo.

A narrativa configura-se, na abordagem (auto)biográfica, como um dispositivo que nos permite depreender os saberes que um sujeito construiu ao longo de uma trajetória de formação. Esses saberes poderão servir como forma de orientação, para que as experiências que cada sujeito vivenciou, ao longo de sua participação no Programa, possam ser descritas e analisadas. Nessa perspectiva, o presente trabalho fundamentou-se a partir da seguinte questão: Como as experiências formativas logradas no PIBID possibilitam a licenciandos de Letras mobilizarem reflexões linguísticas a fim de desenvolverem aprendizagens sobre o ensino de gramática na escola básica?

O estudo envolveu estudantes do curso de Licenciatura em Letras da UNEB, participantes do PIBID. Foram realizados três encontros de duas horas cada, denominados ateliês reflexivos, nos quais os participantes iam apresentando e discutindo suas experiências dobre o PIBID. As sessões foram organizadas em três eixos: a) Experiências formativas no PIBID, b) Reflexões linguísticas sobre ensino de língua materna e c) Aprendizagens da iniciação à docência. Paralelo aos ateliês, os estudantes iam escrevendo o memorial descritivo, narrando suas aprendizagens no âmbito da participação do subprojeto de que participa. As análises foram produzidas considerando as narrativas do memorial, que foram categorizadas a partir dos três eixos desenvolvidos no ateliê.

Mobilizados por esta questão no contexto da metodologia utilizada, foi necessário perceber que os processos de análise de narrativas, na abordagem (auto)biográfica, constituem-se em uma situação comunicativa que leva em consideração sobretudo os sentidos manifestados pelos produtores em suas narrativas. Na análise interpretativa de narrativas pretende-se, pois, identificar o que predomina na compreensão dos conteúdos semânticos, construídos a partir de uma dimensão fenomenológica que faz ecoar as subjetividades do sujeito.

Na próxima seção, aborda-se a problemática em torno das questões linguísticas e gramaticais, em que o ensino de língua materna se assenta. De igual modo, avançamos nas seções posteriores, discutindo como as aprendizagens experienciais da docência no PIBID vão mobilizando os colaboradores a pensarem e a problematizarem o ensino de gramática ne escola, bem como sobre contribuições do PIBID para a formação inicial de professores de língua materna.

A gramática da língua

Durante a vida escolar, normalmente a prática metalinguística ocorre por meio de aulas cuja base teórica se dá principalmente a partir da apresentação de conceitos e atividades presentes em gramáticas e livros didáticos. Nesses compêndios, não raro, há uma tendência de abordagem normativa do ensino de língua, motivada principalmente por questões sócio-históricas.

Como explica Malfacini (2015), com o período de democratização da educação brasileira no século XX, o que propiciou a entrada massiva dos filhos dos trabalhadores nas escolas públicas, houve a necessidade de contratação de mão de obra para atender à demanda de alunos. Nessa conjuntura, muitos docentes tiveram que ministrar aulas para várias turmas, em um contexto de redução do valor do pagamento pela hora aula, o que foi visto como indício de desvalorização da atividade docente no Brasil.

Sem possibilidade de preparação de aulas específicas para atender ao perfil de cada turma, os professores passaram a ter o auxílio dos livros didáticos. As escolhas dos assuntos, por esta razão, deixaram de ser propriamente dos professores, situação que favorece, então, o fato de alguns professores seguirem as sequências de exercícios mecânicos, ancorando-se em didáticas descritas nos referidos manuais que, muitas vezes, eram adotadas para várias classes.

Nesse cenário o ensino normativo da gramática passa a ganhar espaço, tornando-se presente até mesmo no século XXI:

Mesmo no Século XXI, é comum observarmos, nas escolas, uma prática pedagógica de Língua Portuguesa voltada exclusivamente para o ensino da gramática normativa, como um estudo prescritivo. Nele predomina uma visão analítica da língua, sob a qual estudamos as partes segmentadas de um todo chamado Gramática, com ênfase para Fonologia, Morfologia e Sintaxe, por meio de frases soltas, descontextualizadas (MALFACINI, 2015, p. 46).

O reflexo sobre essa abordagem da linguagem pôde ser visto no decorrer das ações iniciais no subprojeto interdisciplinar do PIBID “Linguística e Prática Pedagógica: o plano interdisciplinar na potencialização do trabalho linguístico na Educação Básica”. O ensino de Língua Portuguesa era concebido pelos bolsistas ID como a apresentação de normas para falar bem e escrever bem, sem que houvesse qualquer reflexão a respeito da noção de linguagem subjacente a essa perspectiva, nem do teor (científico?) de tais normas.

A linguagem, pelo viés da gramática normativa, passou, assim, a se constituir como conhecimento prévio sobre o estudo da linguagem para se chegar a percepções que levassem em conta não a prescrição, mas o caráter científico demarcado nos estudos da Linguística.

Deslizamento de conceitos

A tradição normativa de gramática revela uma influência de posições teóricas que consideram a língua um instrumento de comunicação que, como tal, é representado pelo código a partir do qual é revestido o pensamento. Nesse sistema comunicativo, o emissor apresenta ao receptor uma informação codificada e a este encaminhada através de um canal, como descreve Jakobson (2014):

Um processo de comunicação normal opera com um codificador e um decodificador. O decodificador recebe uma mensagem. Conhece o código e opera sobre o mesmo. [...] É a partir do código que o receptor compreende a mensagem (JAKOBSON, 2014, p. 23).

Diante desse sistema, após a decodificação, a mensagem é revelada e, assim, o receptor passa a conhecê-la. Essa posição tem sido alvo de críticas por seu teor mecanicista que toma o sujeito como um ser passivo, uma vez que não é colocado como partícipe do processo de construção de sentidos.

Na concepção de língua como código - portanto, como mero instrumento de comunicação - e de sujeito como (pre)determinado pelo sistema, o texto é visto como simples produto da codificação de um emissor a ser decodificado pelo leitor/ouvinte, bastando a este, para tanto, o conhecimento do código, já que o texto, uma vez codificado, é totalmente explícito. Também nesta concepção o papel do “decodificador” é essencialmente passivo. (KOCH, 2006, p. 16).

Enquanto produto de decodificação, o texto passa a ser concebido, no âmbito escolar, como elemento fechado, restando ser compreendido mediante suas características fonéticas, morfológicas e sintáticas. À luz da gramática normativa, tem-se um ambiente fecundo para abordar a linguagem a partir de frases soltas e desconexas, uma vez que nelas o sentido já se apresentaria estanque, fechado, concluso, bastando apenas decodificar a mensagem para acessá-la.

Essa concepção demarca a perspectiva dos bolsistas ID nas discussões iniciais sobre possíveis ações linguísticas em sala de aula. Para eles, a análise de texto implicava compreender os sentidos preexistentes e a estrutura gramatical, esta responsável por qualificar uma boa ou uma má produção. Com efeito, reduzir a linguagem a um processo de decodificação, concebendo o sujeito em uma posição passiva diante do texto vai ao encontro da ideia de que o saber é algo acabado e que está encapsulado no código linguístico.

Do ponto de vista pedagógico, tomar o texto nessas condições significa conceber a propriedade autônoma da língua, em detrimento das relações ideológicas que a permeiam, como bem adverte Freire (2011):

[...] Tão fingido quanto diz combater o racismo, mas, perguntado se conhece Madalena, diz: “Conheço-a. É negra, mas é competente e decente”. [...] A conjunção mas, aí, implica um juízo falso, ideológico: sendo negra espera-se que Madalena nem seja competente nem decente. [...] Daí o não senso da adversativa. A razão é ideológica, e não gramatical. (FREIRE, 2011, p. 48).

Nesse exemplo, percebe-se que a construção de sentidos muitas vezes transcende a normatividade preconizada pela gramática tradicional, o que demanda uma ação do próprio sujeito, em detrimento da postura passiva que se vincula ao conceito de língua enquanto código. Diante disso, aos bolsistas foi apresentada a concepção interacional de língua:

Já na concepção interacional (dialógica) da língua, na qual os sujeitos são vistos como atores/construtores sociais, o texto passa a ser considerado o próprio lugar de interação e os interlocutores, como sujeitos ativos que - dialogicamente - nele se constroem e são construídos. Desta forma há lugar, no texto, para toda uma gama de implícitos, dos mais variados tipos, somente detectáveis quando se tem, como pano de fundo, o contexto sociocognitivo dos participantes da interação (KOCH, 2006, p. 17).

Na apresentação desse posicionamento, destacou-se que a mudança de perspectiva sobre a língua não implica, em modo algum, desconsiderar a gramática. Pelo contrário, as questões estruturais devem ser levadas em consideração, assim como o ensino da norma padrão. A diferença é a forma de conceber a própria gramática e propor uma abordagem em sala de aula que promova a reflexão por parte de professores e educandos, tornando o ambiente escolar um lugar propício a debates que levem em consideração o conhecimento prévio dos sujeitos partícipes para a construção do saber.

Nas ações do Subprojeto Interdisciplinar, essas discussões permearam ainda a compreensão da própria gramática, enquanto um conjunto de regras. Inicialmente tal conceito demarcou um espaço exclusivo para a prescrição gramatical, do ponto de vista dos bolsistas ID. Isso porque julgavam que tais regras se referiam apenas às que deveriam ser seguidas, sem se darem conta da existência de regras que o falante da língua domina e de regras que são seguidas (cf. POSSENTI, 1996). Em um segundo momento, ao tomar a gramática por objeto de análise, foi possível constatar um espaço muito mais amplo que a reinscreveu em um ambiente múltiplo, no qual a vertente tradicional se apresenta não com exclusividade, mas como uma perspectiva dentre outras mais.

Quando se aborda a língua mediante as regras em que se estrutura, antes mesmo de pensar na prescrição, vem à tona um princípio que rege a formulação da linguagem do ser humano, descrito pelas bases do que em Linguística se intitula Gramática Universal - GU (CHOMSKY, 2010). Diante disso, todos nós possuímos uma GU, responsável pelo princípio que diferencia o homem dos outros animais: o primado da linguagem. Nesse caso, a GU está pautada em regras que o falante domina.

Abordando a GU no âmbito do PIBID, os bolsistas passaram a perceber que há regras responsáveis pela estruturação da fala humana, sem as quais seria impossível estabelecer uma comunicação verbal. Aspectos fonético-fonológicos, morfológicos e sintáticos permeiam a fala e são mobilizados sem que se tenha percepção disso.

Essa abordagem auxiliou a desfazer certos equívocos alicerçados por crenças equivocadas, segundo as quais se destaca a da inexistência de determinados saberes por parte dos educandos. Tais equívocos se materializavam em percepções apresentadas por bolsistas que afirmavam não ter conhecimento dos aspectos gramaticais anteriormente destacados. Uma breve reflexão sobre a GU fez com que percebessem que, sem o conhecimento da fonética, da fonologia, da morfologia, da sintaxe, seria dificultoso haver comunicação. A competência comunicativa revela, portanto, que todos os falantes têm conhecimento desses fatores linguísticos, dado que conseguem estabelecer ações verbais comunicativas.

Além da GU, a gramática descritiva também foi abordada, cuja função é descrever os fatos da língua. Não se trata mais de prescrever o que é certo e o que é errado, e sim, descrever os fenômenos linguísticos enquanto fatos concretos, materializados em diferentes contextos de uso da língua, por diferentes falantes. Nela se materializa a noção de regras que são seguidas (POSSENTI, 1996).

A partir da observação dessa perspectiva nas reuniões do Subprojeto Interdisciplinar, passou-se a repensar a relação entre certo X errado preconizada pelas gramáticas tradicionais. Do ponto de vista científico, conceber um fato como um erro é, no mínimo, um equívoco de abordagem analítica. Uma ocorrência não padrão da língua não implica um erro, mas um fato linguístico, já que faz parte da realidade de uso. Apesar disso, a Linguística não se vale de seu estatuto científico para asseverar que tal ocorrência está correta. De fato, segundo Possenti (1996), não tem a ver com estar certo ou estar errado, e sim com o que é adequado ou inadequado, a depender do evento comunicativo.

Diante da ciência da linguagem, uma ocorrência não padrão pode ser adequada em alguns contextos e inadequada em outros, assim como se dá com uma ocorrência da norma padrão. Um exemplo apresentado aos bolsistas foi a presença, em livros didáticos, de tirinhas nas quais são reproduzidas, nos diálogos entre personagens, formas linguísticas que se distanciam da norma padrão.

Nesse contexto, a avaliação da linguagem pelo viés normativo, mediante a relação dicotômica entre certo X errado, demonstrou uma série de incoerências que vão desde a impossibilidade de ajustar a linguagem para a norma padrão - já que descaracterizaria o contexto situacional das histórias, diminuindo a verossimilhança nas narrativas - até a presença desses materiais em livros didáticos.

A substituição da noção de erro para a perspectiva da in/adequação tornou-se mais apropriada para lidar com as questões linguísticas. Se, por um lado, os fatos da linguagem passam a ser vistos não como erros, por outro, isso não os valida em quaisquer circunstâncias. As variedades não padrão, por exemplo, podem estigmatizar o sujeito em determinadas situações de uso da língua, o que revela a necessidade de avaliação das condições comunicativas.

Essas condições são concretizadas nos gêneros textuais, concebidos por Marcuschi (2007, p. 19) como “entidades sócio-discursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa”. O uso da linguagem e a percepção de adequação perpassam pela observação das características de cada gênero e da materialidade linguística que o compreende. Nas discussões em grupo, houve a preocupação em não deixar dúvidas de que considerar os eventos linguísticos a partir da relação adequado X inadequado não significa legitimar o uso de qualquer manifestação linguística, independentemente de suas condições de instauração. Longe disso, as reflexões perpassaram pelas circunstâncias em que a norma padrão se impõe mediante condições externas ao texto, as quais inscrevem o risco de estigmatização social.

Sob esse ponto de vista, os bolsistas perceberam os benefícios da mudança de uma perspectiva de abordagem da linguagem pautada na observação de frases soltas e desconexas para considerar as peculiaridades que singularizam cada gênero textual nas diferentes situações comunicativas. Falar em gramática passou a ser sinônimo de conceber um elemento que tem uma autonomia relativa, dada a existência de outros fatores (sociais, ideológicos, históricos, situacionais) a serem considerados.

A partir daí, a discussão envolvendo conceitos permeou a reflexão sobre a prática docente em sala de aula. A mudança de perspectiva conceitual visou não somente a instituir uma relação mais reflexiva sobre o objeto de estudo, no âmbito da formação dos educandos (bolsistas ID). Mais que isso, propôs uma mudança de ação acerca do desenvolvimento de práticas educativas que possibilitem aos estudantes à construção de um saber que se pretende crítico, reflexivo, dialógico, para todos os sujeitos envolvidos no Subprojeto Interdisciplinar. Tratou-se, portanto, de (re)inscrever a teoria na prática efetiva da atividade docente.

Iniciação à docência em língua portuguesa

Como forma de compreender os efeitos do trabalho de reinscrição conceitual das noções de linguagem, sujeito, gramática nos licenciandos de Letras envolvidos no Subprojeto Interdisciplinar, desenvolveu-se, ancorado no método (auto)biográfico um ateliê de ideias, por meio do qual estimulou-se os licenciandos a produzirem memoriais em que os bolsistas ID apresentaram reflexões sobre o processo de formação para aprendizagens inerentes ao profissional que ensina língua materna.

Desse modo, ao analisar o lugar da Linguística em sua formação, Jonas1 faz no memorial uma reflexão sobre o Subprojeto Interdisciplinar, do qual participa, voltando atenção para a sua dinâmica organizacional e de objetivos que primam por transitar em reflexões sobre o ensino de língua materna no âmbito das discussões pedagógicas. Cria um ponto de tensão entre os saberes pedagógicos e a função do professor no que concerne o trabalho com a linguagem. Assim diz:

Intitulado “Linguística e Prática Pedagógica: o plano interdisciplinar na potencialização do trabalho linguístico na Educação Básica” este subprojeto busca a inserção dos bolsistas do PIBID no campo de saber da ciência da linguagem, bem como das estratégias didático-pedagógicas articuladas na disseminação de saberes acerca da linguagem. A proposta de aliar a linguística com a pedagogia busca atender a uma demanda presente na formação dos professores do território de Irecê. Há uma série de lacunas no que diz respeito à formação linguística dos futuros professores que precisam entender os mecanismos de funcionamento da linguagem humana. Por outro lado, percebe-se também uma carência de discussões no âmbito de práticas pedagógicas eficazes no desenvolvimento metodológico das aulas. No contexto do ensino da língua portuguesa, o presente subprojeto configura-se como uma importante iniciativa que pode melhorar tanto as condições de formação dos professores quanto a situação das aulas de língua portuguesa nas escolas de educação básica (Jonas, memorial de formação, 2016).

O processo de reflexão que o bolsista desenvolve sobre a formação o faz assumir uma análise em terceira pessoa, por meio da qual tece considerações de valoração sobre a essência formativa que contém o Subprojeto. Desta maneira, o licenciando se propõe a assumir uma compreensão que demanda a forma pessoal de conceber o modo como o Subprojeto é voltado para trabalhar as questões pedagógicas sobre a linguagem, mas o que se evidencia é a defesa sobre o trabalho com a linguagem, que ganha destaque e aceitação no olhar do estudante. Dentre os objetivos do Subprojeto sobre o qual discorre, trata do que evidencia como meta a inserção dos bolsistas do PIBID no campo de saber da ciência da linguagem, bem como de estratégias pedagógicas que se articulem à disseminação de saberes a respeito da linguagem.

Nesta compreensão, o bolsista evidencia uma simpatia pela condição de aprendizagem, e de desenvolvimento, na escola básica, dos saberes linguísticos como forma identitária de um docente da área de Letras. Assim, o que se coloca como ponto de reflexão de sua formação no referido Programa é o de aprender a construir conhecimentos sobre as questões da linguagem que é adquirido na formação universitária. O PIBID é, nesse aspecto, visto pelo licenciando como porta de entrada para uma formação reflexiva, tanto sobre as questões linguísticas, como sobre a operacionalização pedagógica destas. Isso implica uma compreensão de interdisciplinaridade que, para o bolsista, se concretiza pela condição facultada pela sua participação no Subprojeto, consequentemente do PIBID, de poder provocar reflexões sobre a formação pedagógica para lidar com as questões de linguagem na sala de aula da escola básica.

Neste sentido, se põe em evidência o saber interdisciplinar em diferentes áreas do conhecimento, momento em que, no processo de formação, os sujeitos se colocam no desafio de transitar em diferentes saberes para a resolução de casos ligados à profissão. No caso do em análise, a interdisciplinaridade está voltada a questões da formação de professores, entendendo que a prática educativa do professor pode ser potencializada pelo viés da compreensão de que um estudante de Letras pode desenvolver estratégias para o ensino de língua se considerar o saber da Pedagogia.

Segundo um estudioso da área da linguagem,

[...] é a partir de sólidos conhecimentos num domínio específico do conhecimento que se pode abrir para as íntimas relações dos diversos campos do saber. [...] A interdisciplinaridade estabelece-se como exigência do trabalho disciplinar, quando se verifica que um problema pode ser tratado sob diferentes óticas e perspectivas. [...] A interdisciplinaridade não é dada como pré-condição, mas surge como exigência interna ao trabalho que está sendo realizado (FIORIN, 2004 p. 20).

Pelo plano da interdisciplinaridade proposto, vê-se que a inter-relação entre diferentes áreas do conhecimento pode se constituir como ponto de partida do estudo dos saberes da docência, evidenciando como esses saberes são produzidos no cotidiano escolar.

Para além da interdisciplinaridade, estar inserido na dimensão da escola com diferentes perspectivas formativas, a de Letras e a de Pedagogia, faz aflorar discussões no âmbito da dinâmica do PIBID, que permite aos licenciandos em Letras compreenderem os saberes pedagógicos necessários ao ensino de língua portuguesa, bem como à sua formação profissional, enquanto futuros docentes que atuarão com questões específicas do ensino de língua.

O reconhecimento do bolsista, de haver “lacunas” na formação linguística, aponta para uma valorização do trabalho com esta disciplina como forma de subsidiar a competência que cada professor em formação terá de desenvolver para o trabalho com a linguagem na escola. Apesar de uma visão ingênua sobre a formação linguística como competência para o ensino de língua, o estudante entende que a sua iniciação à docência em língua materna o mobiliza, constantemente, a buscar desenvolver estudos e aprendizagens com vistas a perceber como a Linguística colabora com a formação do professor de língua materna. Essa é a veia de discussão que o bolsista faz, em particular, vez que os demais participantes do estudo não abordam a questão de modo tão acentuado, no que concerne aos estudos da linguagem pelo viés da Linguística.

Ainda na narrativa de Jonas, vê-se uma valorização do Programa, como se o desenvolvimento do Subprojeto garantisse a ação de “melhorar” as condições de formação e de atuação nas aulas de Língua Portuguesa. Talvez movido pela paixão que revela ter pela Linguística, o estudante supervalorize o Programa e atribua a ele a responsabilidade formativa do professor de língua. De fato, o que se evidencia é que no PIBID há uma condição de iniciação à docência mobilizada por produção de experiências formativas, que se originam da possibilidade de inserção do professor em formação no cotidiano escolar em diferentes temporalidades formativas. No caso específico do subprojeto interdisciplinar, as experiências estão centradas na forma como o licenciando busca desenvolver estratégias pedagógicas para trabalhar as questões da linguagem em sala de aula, bem como desenvolver conhecimentos específicos sobre a Linguística e seu potencial educativo.

Assim, a linguagem tem um destaque na compreensão da iniciação à docência de Jonas, pois o estudante concebe uma lógica de trabalho com a linguagem que tem raízes no que já preconizava os PCNs para o ensino de língua portuguesa, quando considera a necessidade do professor de português dominar diferentes linguagens, defendendo que

[...] é pela linguagem que os indivíduos se comunicam, têm acesso a informações e conseguem acompanhar os avanços. O domínio da linguagem, como atividade discursiva e cognitiva, e o domínio da língua, como sistema simbólico utilizado por uma comunidade linguística, são condições de possibilidade de plena participação social [...] (PCN, 1998, p. 19).

Nesta direção, o trabalho com a Linguística para o bolsista assenta-se na condição de que o professor trabalhe a linguagem para potencializar a ação discursiva dos alunos da escola básica, focando nas possibilidades de trabalhar os gêneros textuais que, segundo ele, já se constituem como uma forma de compreender de que modo a Linguística tem avançado e se aproximado das questões do ensino de língua materna. Essa visão implica a compreensão de que o trabalho em sala de aula seja fruto de avanços dos conhecimentos linguísticos. Ao analisar o Subprojeto por este olhar, o licenciando relaciona a Linguística ao ensino de língua, considerando que o trabalho do professor deve levar em consideração o funcionamento da linguagem como mecanismo de comunicação e de interação. Essa é a defesa que ele faz ao evidenciar o modo como a sua iniciação à docência no Programa provoca-o a pensar a contribuição da Linguística para a sua reflexão enquanto futuro docente de língua materna.

Essa compreensão evidencia-se na reflexão que o licenciando desenvolve sobre o lugar da Linguística no ensino de língua materna em seu memorial. Assim ele sinaliza:

Ao apresentar a Linguística como eixo integrador, o subprojeto interdisciplinar contribui para que em sala de aula seja assumida uma concepção de língua pautada nos avanços dos estudos linguísticos. Isso significa que o trabalho com a língua passa a ser visto como um exercício de investigação do funcionamento da linguagem que, enquanto instrumento de comunicação e interação, acontece por meio dos diversos textos que circulam socialmente. Desse modo, o ensino de língua assume os gêneros textuais como únicas entidades em que é possível refletir sobre a linguagem. A antiga ideia de estudo da língua pautado em análises classificatórias de frases isoladas e sem um contexto dá espaço a uma prática de ensino que toma o texto como objeto de análise da linguagem humana, que está sempre em mudança, que é sempre heterogênea e multifacetada. Assumir a concepção de língua como instrumento de interação e comunicação humana significa não apenas trabalhar a língua a partir de textos, mas entender que, assim como os homens evoluem e mudam, as línguas também se transformam ao longo do tempo, ou seja, não ficam sempre da mesma forma. Incorporam-se novos modos de dizer na fala das pessoas que influenciam também no processo de escrita (Jonas, memorial de formação, 2016).

Em sua reflexão há vários desdobramentos sobre o ensino de língua portuguesa, os quais Jonas defende, exatamente pela inclinação que o estudante revela ter com a Linguística, enquanto ciência da linguagem que precisa ser estudada, analisada e muito bem entendida por quem pretende ensinar língua materna. Entre algumas considerações que o bolsista faz, é importante destacar o modo como compreende a funcionalidade do ensino tecida na dinâmica da formação do Subprojeto, logo, do PIBID. Há uma evidência de que sua inserção em toda dinâmica do Programa tem uma relação estreita com o modo como o estudante vai constituindo em si a compreensão, não só do que é ser professor, mas do que significa ser professor de língua materna.

Ao analisar algumas das implicações que estão presentes na ótica de reflexão instaurada pelo bolsista, percebe-se que inicialmente há um reconhecimento de que o ensino tem uma relação com a pesquisa. Ao considerar que há avanços nos estudos linguísticos, o licenciando ratifica que a linguagem deve integrar objeto de estudo e de reflexão para quem deseja ser professor da área. Isso demanda reconhecer que o processo de formação e de atuação profissional deve ser demarcado pela apropriação do conhecimento na área que se dará pela pesquisa. Por esse viés, o ensino precisa acontecer motivado pela pesquisa.

Ademais, surge uma perspectiva de compreensão do trabalho com língua materna que busca respaldo numa perspectiva social, funcional da língua. Entre várias funções do ensino de português na escola, está o de garantir a comunicação e interação que se dá pela heterogeneidade de gêneros textuais. Durante essa reflexão, o bolsista inter-relaciona, por um momento, as duas perspectivas de língua abordadas nas ações do Subprojeto, a saber, a de instrumento e a interacional: Assumir a concepção de língua como instrumento de interação e comunicação humana significa não apenas trabalhar a língua a partir de textos, mas entender que, assim como os homens evoluem e mudam [...]. Percebe-se, então, que a separação desses conceitos não se dá de forma automática, uma vez que a perspectiva instrumental da língua provavelmente tem acompanhado o bolsista durante todo o período de ensino formal por qual passou durante sua formação na Educação Básica. No entanto, a reiteração da percepção interacional através da proposta de abordagem dos gêneros textuais revela um movimento de busca por internalizar a referida perspectiva linguística, de modo a torná-la condutora de sua prática docente. Assim, a lógica é a de compreender que os gêneros ganham uma dimensão de destaque nos estudos da Linguística, bem como no trabalho do professor.

Ao perceber essa questão, o bolsista chama a atenção para o fato de que os gêneros constituem um conteúdo da linguagem, que se caracterizam por descobertas recentes da Linguística numa relação com a interação social. Os gêneros representam uma visão de como a Linguística tem avançado e estudado os diferentes eventos comunicativos, que se voltam para o ensino como elementos importantes para serem trabalhados com os estudantes. A abordagem textual passa a ser significativa, pois demanda que haja o reconhecimento de pesquisas linguísticas que dão conta de uma produção de saber que serve à área de ensino de língua.

O trabalho com os gêneros textuais visa oportunizar ao licenciando em formação experienciar o ensino de língua materna a partir da lógica textual de viabilizar o trabalho didático com textos pela especificidade de cada categoria funcional. A essa ideia, soma-se o fato de se reconhecer na narrativa de Jonas a necessidade que ele tem, enquanto licenciando, de dominar e usar o conceito de gênero nas atividades que primem pela compreensão da organicidade das ideias na produção textual. Essa visão se assenta nos princípios postulados por Bakhtin (2003), defensor da concepção de que

Quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais livremente os empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa individualidade (onde isso é possível e necessário), refletimos de modo mais flexível e sutil a situação singular da comunicação; em suma, realizamos de modo mais acabado o nosso livre projeto de discurso. (BAKHTIN, 2003, p. 285)

É, portanto, uma proposta que sugere haver a necessidade de que o professor em formação possa compreender o lugar do texto, pelo viés da configuração e funcionalidades dos gêneros textuais, em sala de aula, e de como deve ser tratado e ensinado aos alunos da Educação Básica. Há de se lidar com as reais dimensões em que o ensino acontece com vistas a depreender as dificuldades que cada estudante apresenta em se tratando dos domínios da linguagem. Entendendo esse contexto, o licenciando revela uma compreensão de que, em se tratando da iniciação à docência, ele se reconhece no Programa, como um sujeito que busca ter uma formação linguística, mas que centra esforços em desenvolver saberes de ensino e aprendizagem das questões de linguagem, em que pese a necessidade de potencializar a comunicação e a interação dos estudantes da escola básica pelo trabalho com diferentes gêneros textuais.

Nesta seara, a compreensão de Jonas aproxima-se da concepção de ensino dialógico de língua, particularmente o trabalho com texto, que considera a prática de ensino como forma de potencializar a capacidade comunicativa dos estudantes, a partir do conhecimento e uso das especificidades dos gêneros textuais. Pensar assim significa refletir sobre o papel do professor de língua materna no contexto escolar, que precisa desenvolver, em seu processo de formação linguística e pedagógica, a ideia de que a escola deve ensinar a quem de fato precisa aprender. Isso envolve o que ensinar, como ensinar e por que ensinar. Essa discussão está pautada no que sugere Possenti (1996):

O objetivo da escola é ensinar o português padrão, ou, talvez mais exatamente, o de criar condições para que ele seja aprendido. Qualquer outra hipótese é um equívoco político e pedagógico. A tese de que não se deve ensinar ou exigir o domínio do dialeto padrão dos alunos que conhecem e usam dialetos não padrões baseia-se em parte no preconceito segundo o qual seria difícil aprender o padrão. Isto é falso, tanto do ponto de vista da capacidade dos falantes quanto do grau de complexidade de um dialeto padrão. As razões pelas quais não se aprende, ou se aprende mas não se usa um dialeto padrão, são de outra ordem, e têm a ver em grande parte com os valores sociais dominantes e um pouco com estratégias escolares discutíveis (POSSENTI, 1996, p. 13).

O que ensinar e como ensinar está presente na reflexão que Karine produz em seu memorial, provocando em si e nos colegas do ateliê uma conscientização de que o ensino de gramática está determinado por um modelo ou por uma diretriz de conteúdos gramaticais presente nos livros didáticos. Isso não quer dizer que a bolsista discorda do fato de que a escola precisa ensinar a gramática numa perspectiva de ensino de língua padrão. Ela reconhece e entende que o ensino de língua precisa garantir que o aluno aprenda o português padrão, como assevera Possenti (1996). No entanto, alguns outros elementos estão presentes e marcam a iniciação à docência em língua portuguesa para Karine. Em seu memorial ela compreende de que modo o PIBID se concretizou como espaço de confiança e de aprendizagens para o ensino de gramática.

O PIBID me ajudou a ir ganhando confiança no meu lecionar pouco a pouco. As observações foram recorrentes, estávamos ali por um período de tempo bom observando as turmas para posteriormente partirmos para um projeto de intervenção. E já nesse período, os alunos começaram a ganhar confiança com a minha presença e hora ou outra em momentos de atividade vinham até mim tirar alguma dúvida ou explicar novamente algo que não tinha ficado claro. E nesse caminho eu juntamente com meus colegas de grupo do PIBID fomos elaborar nosso projeto de intervenção. Elaborar esse projeto foi ao mesmo tempo difícil e fácil. Difícil porque tratava-se do ensino de gramática e mesmo que debatêssemos em sala as didáticas conservadoras em sala parecia que eu particularmente só conseguia ver essa a forma como possível existente. Mas eu não estava ali para repetir práticas que, em boa parte dos casos não deram certo, por não ser atrativas para o aluno. Pensando nisso comecei a pesquisar sobre outras formas de ensinar gramática de formas menos tradicionais e mais lúdicas. Neste quesito entrou a parte mais fácil. Todo aquele tempo observando permitiu que, de certa forma, eu conhecesse o perfil daquela turma e pudesse compreender o que daria certo, em termos lúdicos, e o que não daria (Karine, memorial de formação, 2016).

O processo de iniciação à docência, explicitado na narrativa da bolsista, constitui-se numa dinâmica em que o PIBID é o lócus formativo em que a temporalidade e o cotidiano permitiram-lhe produzir experiências sobre o ser professor em língua materna, constituindo um processo identitário que é dela e nasce no entrecruzamento reflexivo que produz a partir do contexto específico em que a iniciação acontece. Segundo Silva & Rios (2018), o PIBID tem sido concebido como um espaço/tempo de formação para licenciandos, facultando o desenvolvimento de aprendizagens experienciais da docência, por possibilitar a inserção de professores em formação inicial no cotidiano escolar, gerando condições de aprendizagens que se produzem em diferentes temporalidades. Inserir o estudante no cotidiano escolar, possibilitando a vivência em uma dupla temporalidade, o tempo da escola e o do sujeito, tem gerado condições de aprendizagens da docência que passam pela compreensão de si que o licenciando produz, bem como pela compreensão dos significados momentos dos formativos que o Programa oportuniza.

Buscando tornar esses elementos mais evidentes, é oportuno destacar como a compreensão que a bolsista tem de sua formação ganha sentidos para ela na reflexão que faz ao centrar seu olhar para identificar como o Programa a ajudou a ter confiança, logo a identificar-se com a docência.

Confiança e lecionar são dois atributos que, para Karine, marcam o processo de iniciação à docência. A confiança advém da condição de poder ter mergulhado em sua temporalidade para, respeitando seus ritmos de aprendizagem, poder observar como a docência era constituída pelo professor Supervisor na turma. O tempo longo de observação favoreceu o desenvolvimento do tempo subjetivo em que ela pôde, no seu ritmo próprio, analisar cada ação que se desenvolvia nas turmas e como os estudantes se comportavam. Até chegar à iniciação, a observação deu-lhe pistas de como os estudantes lidavam com o ensino de gramática que lhes era apresentado, bem como das principais estratégias de que o professor lançava mão para ensinar gramática na escola.

É o tempo, ainda, elemento responsável pela constituição de confiança, que se dualiza para Karine. Inicialmente são os estudantes que, ao perceberem sua presença na sala, passam a desenvolver uma confiança nela, exatamente por entenderem que ela estava ali aprendendo a ser professora. Logo, um sujeito que aprende a ser professor, e que está na sala num processo de interação com o regente de sala, passa a ser visto pelos estudantes como alguém que também sabe ensinar, portanto, alguém em quem se pode confiar para isso. Dessa confiança, da percepção de que os alunos estavam confiando nela, a bolsista se sente motivada e mais segura, até mesmo pela temporalidade de seu processo de observação, para lecionar, para iniciar a docência. Essa segunda segurança ancora-se na consciência que ela passa a desenvolver de que o cotidiano da escola e o tempo vivido nela garantem-lhe a possibilidade de aplicar o projeto de intervenção e de produzir experiências sobre o ensino de gramática.

O lecionar surge como denominação que identifica a iniciação à docência, pela aplicação do projeto de intervenção. O uso da expressão mostra que Karine se apropria de uma das principais funções docente, a de lecionar. Isso implica reconhecer que ao intervir, ao poder sentir-se protagonista do processo de ensino e de aprendizagem, a bolsista investe-se de uma identidade docente que lhe permite reconhecer-se como professora naquele momento. E como docente, ela precisava desenvolver um modo seu, uma forma própria de trabalhar o ensino. É nesse momento que a bolsista, junto com os colegas, prepara o projeto de intervenção, para então poder, a seu modo, desenvolver estratégias de ensino de gramática. Não querer repetir as práticas de ensino que vivenciou foi a forma que Karine encontrou de buscar autonomia e de ver em si uma identidade que lhe confere um modo seu, particular de ser docente, logo, de fazer a docência.

Até chegar ao processo de iniciação, em que a intervenção se aplica, outras ações da docência foram sendo tecidas, e que de igual modo vão dando a Karine a consciência identitária do ser professor. Os alunos perguntavam-lhe coisas, dirimiam dúvidas e buscavam informações que para eles não haviam ficado claras. Isso também implica um modo próprio de se pensar como o ensino deve acontecer e como deve garantir a aprendizagem. Essa é também uma forma marcada pelo conhecimento de si e de como proceder no contexto natural de atuação, (cf. JOSSO, 2004). É nesse contexto que a bolsista reúne-se com os demais colegas professores em formação e juntos vão pensar num projeto de intervenção para saber o que e como ensinar gramática aos alunos. Esse como ensinar gramática se assenta numa perspectiva identitária de professor de língua portuguesa, que deve pensar o ensino da gramática, mas não como um acervo de nomenclaturas a ser memorizado pelos estudantes, pois o cotidiano da escola mostra que essa ação não os motiva a aprender. O ensino de língua demanda um ensino de gramática que sirva aos objetivos do entendimento e da construção textual. “A gramática existe em função da compreensão e da produção de textos orais e escritos” (ANTUNES, 2014, p. 92).

É da condição de reflexão do que ensinar e de como ensinar para garantir motivações de aprendizagem que Karine percebe a pesquisa na atividade docente como elemento que subsidiaria a construção de modos de ser e de fazer a docência de gramática na escola. Sem desprezar as diversas formas de ensino com as quais conviveu na escola, a licencianda entende que a ludicidade é uma forma interessante de ensinar, pois o lúdico está associado aos processos de prazer e satisfação pela realização de algo. Essa conclusão vem da pesquisa que ela faz, mas também da observação que produziu em diferentes temporalidades, inserida no cotidiano da escola. Portanto, a compreensão do que daria certo ou não, em termos de ensino de gramática, não incidiu apenas num tipo de conteúdo, mas numa observação que foi produzida em contextos reais e temporais da escola e da formação dos sujeitos.

O diálogo e interação com os alunos é uma das formas que a bolsista encontrou para desenvolver estratégias do ensino de gramática que tenha sentido para os estudantes. Apenas pela inserção no cotidiano da escola e mergulhada numa temporalidade que respeita o tempo da escola, em se tratando do ano letivo, e o tempo do sujeito - e se concebendo os diferentes ritmos de aprendizagem - é que Karine inaugura, em sua iniciação à docência, uma prática de ensino de língua que privilegia os princípios teóricos dos estudos gramaticais, mas que se origina da percepção de como a linguagem funciona a partir das experiências dos estudantes da escola básica. A respeito de uma aula sobre substantivos, a licencianda assim reflete:

Depois de discussão e planejamento entre o grupo, decidimos trabalhar com a perspectiva de propiciar um ambiente dialógico na construção do saber para que os próprios alunos construíssem o conceito de Substantivo. Na proposta, o primeiro passo era o de fazer perguntas aos alunos na forma de que todos participassem e explanassem um pouco dos seus gostos, como lugares que gostariam de conhecer, bandas favoritas, estilos musicais da preferência de cada um, comidas ou bebidas que gostassem, familiares que tinham mais afinidade etc. A ideia era ir sinalizando no quadro a resposta deles, ver quem tinha mais afinidades entre as respostas, criar uma aproximação ao trazermos também nossos gostos para, assim, perguntar o que essas palavras possuíam de comum. Foi uma atividade que parece simples, mas durou duas aulas e ao fim conseguimos o que objetivávamos com essa aula, a construção do conceito de “substantivo”. As aulas que se seguiram nos outros dias procuravam sempre ter uma característica dialógica, mas a ludicidade não foi tanto explorada como fora nessa primeira intervenção. Mas, ainda assim, com base na leitura do livro Gramática Contextualizada de Irandé Antunes tentamos trabalhar a Gramática Normativa a partir de gêneros textuais mais diversos. No caso dos Substantivos utilizamos muito as tirinhas. Procurávamos identificação em conjunto com a interpretação, buscávamos mostrar que a palavra é polissêmica e muda de classe gramatical a partir do contexto. Nesta perspectiva trabalhamos também outra classe Gramatical que é considerada um determinante do “substantivo”, no caso, o “artigo” (Karine, memorial de formação, 2016).

Diálogo e planejamento marcam as ações da iniciação à docência e são determinantes para que se possam desenvolver práticas educativas que contemplem as reais necessidades formativas dos estudantes. A formação docente acontece num processo relacional em que o coletivo deve ser levado em consideração, pois é com o outro que o sujeito se constrói em suas singularidades. Assim, pensar um planejamento num diálogo com os colegas faz fluírem, para a bolsista, as formas dialógicas que devem estar presentes na escola como maneira de garantir que o processo de formação e de iniciação à docência seja compartilhado e determinante dos modos de pensar e fazer de cada um.

Nesta direção, percebe-se que a perspectiva de desenvolvimento da intervenção, de que participa a estudante, leva em consideração o que “eu” penso, o que “o outro” pensa e o que as pesquisas na área dizem a respeito. Daí a motivação para a pesquisa no ensino, que, no caso em tela, se representa pela pesquisa que a bolsista realizou ao analisar a obra Gramática Contextualizada, de Irandé Antunes. A leitura da obra facultou a compreensão de como se trabalha gramática a partir de uma relação com a produção textual em diferentes gêneros. Associar a construção de um texto com os mecanismos gramaticais permitiu, aos bolsistas envolvidos na intervenção, pensarem a partir da realidade escolar na produção de uma aula sobre substantivos que tivesse direta relação com os gêneros textuais que os estudantes da escola básica conheciam.

O processo de iniciação à docência, em que o cotidiano escolar auxilia na compreensão de como e do que se ensina em matéria de gramática na escola, sugere que os bolsistas se apropriem de mecanismos e de reflexões sobre o ensino de língua que lhes permitam se assenhorar da ideia de estarem sendo autores de um ensino que seja significativo para os estudantes e que também seja de fácil compreensão.

Pensar nas formas de como fazer os estudantes se apropriarem do conhecimento gramatical a partir de suas vivências e uso da língua indica que o processo de iniciação à docência no PIBID cria condições para que a reflexão sobre essas experiências faça os licenciandos se verem enquanto autores e atores do desenvolvimento da atividade docente, logo, de já em formação se perceberem num processo de constituição identitária do ser professor (SILVA, 2019). E ser professor de língua portuguesa que precisa saber ensinar os estudantes a analisarem a linguagem na perspectiva gramatical a partir de diferentes gêneros textuais, encontrando formas de, no texto e pelo texto, mapear os diversos sentidos de uma palavra. Isso implica um saber inerente ao profissional da linguagem, que não tem só a preocupação com a interpretação da palavra, mas na explicação e descrição do seu uso em diferentes perspectivas gramaticais.

O professor de língua materna é o sujeito que depreende os modos de como deve fazer para garantir que o aluno aprenda a relacionar ideias com a competência linguística de transitar em diferentes níveis e modalidades do uso de uma norma. Trata-se de um saber que, na iniciação à docência no PIBID, se constitui como um processo identitário do professor de português. No caso de Karine, esta é a condição para ganhar confiança, perdendo o medo e constituindo em si uma identidade de professora de língua que se inicia na formação e vai atravessar todo o exercício profissional que desenvolverá futuramente.

A expressão segurança é representativa do processo de produção identitária do ser professor de língua materna que, para Karine, foi se redimensionando ao longo da temporalidade e das experiências produzidas no PIBID. Assim, ir desenvolvendo segurança, significa ir desenvolvendo experiências a partir da imersão em sua temporalidade formativa, bem como no tempo da escola em que se pode vivenciar o cotidiano do ensino de língua materna. A esse respeito, ela revela, em suas compreensões, que o medo deu lugar à confiança em sua iniciação à docência no PIBID:

É incrível pensar nesses primeiros passos hoje, porque estar no PIBID me fez, realmente, ir conseguindo ganhar confiança no meu potencial e ir perdendo o medo da sala de aula pouco a pouco. Não quero dizer que perdi o medo da sala de aula. Não! Acredito que cada turma tenha suas diferenças, suas potencialidades e suas dificuldades, mas não sei dizer se o que sinto hoje é medo. Acredito que eu não acreditava no meu potencial em estar em sala de aula e por isso atribuía a este estado psicológico a nomenclatura de medo. Estar no PIBID me possibilitou ganhar confiança no que estou proposta a fazer, no caso, ser professora. Digo hoje que a falta de confiança (não é mais medo!) que tinha antes se dissipou bastante. Não sou a toda poderosa preparada para tudo porque ganhou confiança. Não! Agora estou confiante diante das possibilidades futuras de atuação em sala de aula (Karine, memorial de formação, 2016).

Esse trecho do memorial de Karine revela uma série de situações que convergem como demonstração do modo como a bolsista vai se percebendo no processo de sua constituição identitária. Ela recorre a expressões como medo e confiança para evidenciar a negação/afirmação do seu processo identitário com a docência. O medo deu lugar à confiança, mas o medo não é bem o que se pensava dele, assim como confiança revela outro sentido que não só o de confiar em algo ou em alguma coisa. A confiança é representativa dos sentidos que Karine constrói sobre si e sobre a docência. Ter confiança em si é conhecer-se na identidade docente.

A licencianda expressa com satisfação o reconhecimento de como o percurso formativo no Programa a fez aproximar-se da docência, atribuindo-lhe uma nova forma de ver a profissão para além do olhar que construiu durante sua trajetória estudantil. Ter presenciado muita desmotivação e falta de controle de seus professores a fez desenvolver uma certeza de que jamais conseguiria exercer a docência, vez que não entendia como poderia desenvolver estratégias de ensino e de aprendizagem que motivassem os alunos e os fizessem respeitá-la. Durante os ateliês e a observação nas reuniões do Programa, bem como em sua atuação na escola, pôde-se verificar que se trata de uma jovem tímida que se aventurava muito pouco a participar ativamente das aulas. Essa postura foi, de fato, modificando-se com o passar do tempo em que Karine vai percebendo que o seu imaginário de aluno não tinha mais espaço no seu contexto enquanto partícipe do PIBID. A própria dinâmica das propostas de intervenção fazia com que a bolsista tivesse que liderar uma ação e estar plenamente no desenvolvimento da aula.

Ao dizer ser incrível a mudança que ela percebe em si quando analisa sua trajetória no Programa, isso a faz entender como a formação no cotidiano da escola contribuiu para que conseguisse superar o suposto medo de ser professora e buscasse, na dinâmica natural da escola, conhecer as possibilidades de constituição de saberes da docência. Esse movimento reflexivo a empodera e lhe dá um sentimento de pertencimento para exercer a profissão docente, motivada pelo desafio de superação, analisando como ela tem se desenvolvido frente aos desafios da docência e do cotidiano da escola.

Apesar do medo não ser de fato o medo, ele representava o lugar da não identificação com a profissão pelos exemplos de dificuldades que alguns de seus professores da Educação Básica lhe mostraram ao não conseguirem respeito e motivação dos alunos. Nunca ter sentido, de fato, medo, evidencia, na verdade, que ela nunca tinha desenvolvido um processo identitário que lhe desse confiança para a docência. Portanto, foi no PIBID que conseguiu viver o processo de iniciação à docência, podendo conhecer a si mesma e o ambiente escolar em sua dinâmica natural. O que muda é que agora ela é uma professora em formação e passa a ocupar um novo lugar nas relações de ensino e de aprendizagem. Essa situação é nova, e inicialmente a assusta, provoca um suposto medo, mas que aos poucos vai dando lugar à produção de uma identidade docente, representada pela confiança em si mesma e em suas ações frente aos desafios da docência em língua materna.

Considerações finais

Diante dos resultados dessa pesquisa, o PIBID parece responder ao debate que alguns estudiosos, como Arroyo (2007) e Silva (2019) travavam ao considerar que muitos dos problemas vividos pelo professor poderiam ter sido melhor compreendidos se, durante a formação, tivesse havido uma maior preocupação com os contextos em que a docência acontece. Trata-se, portanto, de pensar a formação para a docência a partir dos diversos contextos em que acontece, em diferentes modalidades e níveis para que, de fato, se possa entender como o exercício da profissão demanda orientações para efetivação de uma concepção curricular que atenda às necessidades da docência.

Nesta pesquisa analisou-se como o PIBID se insere como um processo formativo atento aos contextos reais em que a profissão acontece. É do olhar para as práticas efetivas produzidas no cotidiano escolar de ensino nas diferentes modalidades, níveis e áreas do conhecimento que se tem pensado como o Programa torna central a formação dos futuros professores a partir da produção de experiências reais, logo, com foco em como é vivido o trabalho docente. E essa é uma condição criada pelo PIBID, dada a temporalidade do processo de formação, que leva em consideração os diferentes tempos: o da escola e o dos sujeitos que nela estão.

Durante esse percurso, torna-se evidente que as ações realizadas não podem dar conta de preencher lacunas que passaram a se constituir no decorrer de toda uma vida. Apesar disso, o envolvimento dos sujeitos no Subprojeto analisado passa a se constituir como uma ação promissora para rever determinados conceitos e reinscrever práticas docentes, como forma de aprimorar, cada vez mais, a perspectiva de ensino na Educação Básica.

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1Atendendo ao que preconiza comitê de ética em pesquisa com seres humanos e a fim de preservar a identidade dos sujeitos, os nomes dos licenciandos, aqui, são fictícios.

Recebido: 20 de Julho de 2019; Aceito: 11 de Maio de 2020

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