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Revista Diálogo Educacional

versión impresa ISSN 1518-3483versión On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.20 no.67 Curitiba oct./dic 2020  Epub 31-Dic-2020

https://doi.org/10.7213/1981-416x.20.067.ds15 

Dossiê

Casamento cigano: tradição ou crime? Processos educativos de constituição de mulheres ciganas

Gypsy wedding: tradition or crime? Educational processes for the constitution of Roma women

Boda gitana: ¿tradición o crimen? Procesos educativos de constitución de mujeres gitanas

Gláucia Siqueira Marcondesa 
http://orcid.org/0000-0001-8317-2032

Anderson Ferrarib 
http://orcid.org/0000-0002-5681-0753

aUniversidade Federal de Juiz de Fora, Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais, Juiz de Fora, MG, Brasil. Mestra em Educação, e-mail: glauciamarianinho@hotmail.com

bUniversidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil. Doutor em Educação, e-mail: aferrari13@globo.com


Resumo

Este artigo é um recorte de uma pesquisa de mestrado em Educação, que tinha como foco a constituição de mulheres a partir de relações de saber, de poder e, sobretudo, relações com o outro. Por meio da perspectiva pós-estruturalista e dos estudos de gênero foram problematizados os modos pelos quais três mulheres ciganas vão se constituindo enquanto mulheres dessa cultura. Essas relações dizem de processos educativos e pedagógicos. Para este artigo, selecionamos um ponto que surgiu nos encontros com essas três mulheres: o casamento cigano. A investigação, que também se inspira nos estudos foucaultianos, propõe-se a pensar como os aparatos de verdade e de poder sobre infância e pedofilia interferem no modo como compreendemos o casamento cigano. Destacamos a legislação, em especial a lei nº 13.811/19, e a comunidade cigana como dispositivos pedagógicos importantes na educação e na constituição dos sujeitos no que tange a essas questões.

Palavras-chave: Infância; Pedofilia; Discurso; Casamento cigano

Abstract

This article is an excerpt from a Master's in Education research, which focused on the constitution of women based on relations of knowledge, power and, above all, relations with the other. Through the post-structuralist perspective and gender studies, the ways in which three Roma women are constituted as women of this culture were questioned. These relationships speak of educational and pedagogical processes. For this article, we selected a point that came up in the meetings with these three women: the gypsy wedding. The investigation, which is also inspired by Foucauldian studies, proposes to think how the apparatus of truth and power over childhood and pedophilia, interfere in the way we understand gypsy marriage. We highlight the legislation, in particular Law 13,811 / 19, and the Roma community as important pedagogical devices in education and in the constitution of subjects regarding these issues.

Keywords: Childhood; Pedophilia; Speech; Gypsy marriage

Resumen

Este artículo es un extracto de una investigación de maestría en Educación, que se centró en la constitución de mujeres a partir de las relaciones de conocimiento, poder y sobre todo, las relaciones con el otro. A través de la perspectiva postestructuralista y los estudios de género, se cuestionaron las formas en las que tres mujeres gitanas se constituyen como mujeres de esta cultura. Relaciones que hablan de procesos educativos y pedagógicos. Para este artículo, seleccionamos un punto que surgió en los encuentros con estas tres mujeres: la boda gitana. La investigación, que también se inspira en los estudios foucaultianos, propone pensar cómo el aparato de la verdad y el poder sobre la infancia y la pedofilia, interfiere en la forma en que entendemos el matrimonio gitano. Destacamos la legislación, en particular la Ley 13.811 / 19, y la comunidad gitana como importantes dispositivos pedagógicos en la educación y en la constitución de sujetos en estos temas.

Palabras clave: Infancia; Pedofilia; Discurso; Matrimonio gitano

Introdução

A pergunta título deste artigo surgiu enquanto fazíamos uma pesquisa em Educação que tinha como preocupação pensar os processos educativos envolvidos na constituição das subjetividades de três mulheres que viviam em uma comunidade cigana localizada na cidade de Juiz de Fora: Esmeralda, Yasmim e Carmelita1. Como as subjetividades de três mulheres ciganas vêm se constituindo na comunidade cigana? Com essa questão a ser investigada construímos como procedimento metodológico as conversas a partir de alguns suportes como fotografias, imagens, textos e reportagens que eram utilizados para que as três mulheres ciganas pudessem pensar seus processos de constituição. Foram realizados 14 encontros em que variados temas surgiram.

O casamento foi um desses temas surgidos das ciganas. A ideia inicial da pesquisa era que as mulheres pudessem discutir o que caracteriza a cultura cigana. Para esse propósito foram apresentadas diversas e diferentes imagens de eventos ciganos. A dinâmica era que elas pudessem escolher a imagem mais representativa da cultura cigana e, em seguida, pudessem falar sobre as motivações da escolha. Neste dia só estavam presentes Esmeralda e Yasmin. Yasmim, rapidamente optou pela imagem do “casamento cigano” enquanto Esmeralda pegou a imagem do “varal com roupas ciganas”. Esmeralda, que tinha escolhido a foto do varal, acabou mudando de opinião, desistindo sob o argumento de que achava muito feio, bagunçado e desorganizado o varal na frente da barraca. Ao final, ambas acabaram decidindo pela foto do casamento. Perguntadas sobre os motivos desta escolha do casamento para melhor representar a cultura cigana, acabaram ficando pensativas e com o olhar preso na imagem, como se buscando uma resposta. A pesquisadora insistiu: “O que vocês gostariam de escrever sobre esta imagem?” Enquanto elas pensavam, o marido de Esmeralda, que estava na barraca, interferiu: “Vocês podem escrever que o casamento cigano é uma festa muito boa que dura três dias”. Ele e as duas ciganas acabaram relatando que o casamento cigano é muito animado, tem muita música, dança e comida gostosa. Esmeralda define o casamento se lembrando de aspectos positivos: “É uma festa muito boa porque reúne a família que mora em outros acampamentos ciganos. A festa cigana é parecida com a dos não ciganos, porém é mais bagunçada, porque não tem aquelas mesas bonitas e bem arrumadas organizando a festa”. Falaram que na festa escutam e dançam músicas parecidas com as nossas. Perguntadas se dançavam funk, Yasmim respondeu: “não, porque mostra muito o corpo, podemos dançar sertanejo e forró com os ciganos da festa, porém precisamos evitar o corpo muito coladinho”.

É importante destacar que são as mulheres ciganas falando sobre o casamento. Neste sentido, ele surge como parte constituinte da cultura da comunidade, uma oportunidade de rever familiares que vivem em outro acampamento, um momento de confraternização em que o decoro em torno do corpo e do que é permitido organiza a festa, um tempo de alegria e comemoração. Em nenhum momento o casamento aparece como crime. Essa vinculação surge do outro. Surge quando falávamos sobre a pesquisa e destacávamos que as três mulheres haviam se casado com 13 anos. A reação das pessoas quase sempre é de estranhamento e susto e não é rara a vinculação de um questionamento sobre a criminalização deste fato: “mas isso não é crime?”.

Essas duas formas de olhar para um mesmo fato, um aspecto que surgiu no campo de pesquisa, nos levou a construir essa questão problematizadora: “Casamento cigano: tradição ou crime?”. Esse tema só se torna uma questão problematizadora para nós, que não fazemos parte da comunidade cigana, de forma que para as ciganas essa não é uma questão em torno do casamento. Isso não significa dizer que não existem preocupações sobre o casamento para essa comunidade e, mais especificamente, para as mulheres. O casamento é uma preocupação, sobretudo para as mulheres, que controlam a idade certa para casar de suas filhas e das meninas da comunidade, de forma geral, que definem com quem será o casamento das mulheres e não dos homens, que tem influência na vida escolar e na permanência na escola. Esses são alguns dos comportamentos que vão se reproduzindo e, assim, mantendo a tradição da comunidade nos seus atravessamentos de gênero.

Na comunidade investigada, as meninas se casam entre os 11 e 14 anos, concretizando acordos entre famílias que são estabelecidos mais cedo ainda, entre os 8 e 9 anos de idade. Uma norma que não atinge os meninos da mesma forma, pois para eles é permitido o casamento somente depois dos 15 anos. Diferente das meninas, para os meninos é esperado e mesmo recomendado que tenha mais maturidade e vivência. Essa diferença tem implicações distintas em meninos e meninas desta comunidade, dentre elas, o abandono dos estudos e da escola. Esse fato incomodava as professoras e os professores da escola que se localizava próxima à comunidade e que atendia as crianças, preocupadas e preocupados, sobretudo porque essa diferença demarca uma desigualdade de gênero que é construída no interior da comunidade. Em função disso, sempre pairou uma dúvida a esse respeito, ou seja, para além de serem ciganas e ciganos, também são brasileiras e brasileiros que estão sob as normas jurídicas que organizam o Estado Nacional, de maneira que essas cerimônias de casamento podem ser entendidas como “crime” uma vez que são meninas menores de idade casando-se, muitas vezes, com homens maiores de 18 anos.

Embora o título possa causar uma expectativa nos leitores e nas leitoras em verem respondida a questão, essa não é nossa intenção. Não pretendemos responder à questão-título e, portanto, escolher uma opção entre ou isso ou aquilo. Fazer essa escolha significaria estabelecer uma relação de verdade com a resposta e com os argumentos. Diferente disso, ao longo do texto, queremos provocar algumas reflexões acerca do modo como pensamos e estabelecemos definições que demarcam os comportamentos, categorizando-os como certo ou errado, normal ou anormal, tradição ou crime. Nossa intenção é ressaltar o quanto essas definições que demarcam os comportamentos estão relacionadas ao contexto sociocultural e histórico e aos processos de educação e constituição dos sujeitos nos seus atravessamentos de gênero e etnia. Cada época histórica constrói certas narrativas e discursos que orientam os modos de pensar e agir, numa tentativa de delimitar o que pode ou não ser dito e o que pode ou não ser praticado pelos sujeitos. Esses limites às possibilidades de enunciação, Foucault denominou de “Regimes de verdade”.

Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral” de verdade: isto é, os tipos de discursos que aceita e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e instâncias que permitem distinguir entre sentenças verdadeiras e falsas, os meios pelos quais cada um deles é sancionado (FOUCAULT, 2006, p. 12).

Nas sociedades influenciadas pela razão moderna, como a nossa, existe uma política geral de verdade, com características históricas importantes. De acordo com Foucault, essa verdade “é centrada na forma do discurso científico e nas instituições que o produzem”; sendo também “produzida e transmitida sob o controle, não exclusivo, mas dominante, de alguns grandes aparelhos políticos e econômicos”, sendo, portanto, “objeto de debate político e de confronto social” (FOUCAULT, 2006, p. 13). Assim, a pesquisa, que tomou como inspiração a perspectiva pós-estruturalista, os estudos de gênero e os estudos foucaultianos, teve como preocupação central questionar “como nos tornamos isso que nós somos, como nos tornamos sujeitos de experiências e como elas nos constituem” (FERRARI, 2012, p. 38). Esse questionamento foi importante para pensar as mulheres ciganas como resultado de discursos e relações de saber e poder, organizados e reproduzidos no interior de uma dada comunidade, mas que está em diálogo o tempo todo com o entorno, com a diferença e com o outro.

Para organizar esse artigo vamos dividir nossas problematizações em quatro partes. Uma primeira em que vamos situar as infâncias como construções discursivas ao longo da história, o que vai ocasionar um outro discurso que é o da pedofilia. Infâncias e pedofilia se misturam para dizer de sujeitos, suas faixas etárias e suas possibilidades de relacionamento afetivo-sexual e passa a ser uma forma de olhar para o que acontece na comunidade cigana. Uma segunda parte dedicada a pensar o casamento nesta comunidade como uma tradição e, seguindo a perspectiva que nos orienta, pensar a tradição como algo inventado e que tem sua força na reprodução e continuidade, mas que guarda a potência da desconstrução. Nas duas últimas partes são as questões que regem a legalidade do casamento no que diz respeito à idade que serão problematizadas para questionar o que estamos chamando de pedofilia e suas relações de gênero.

Infâncias e pedofilia como discursos históricos

A infância, desde a modernidade, é alvo de disputas políticas, econômicas, médicas, pedagógicas, sendo produzida em meio às relações de poder e saber. Muitos elementos que constituem o modo de pensar a infância na contemporaneidade, herdamos da modernidade. De acordo com Maria Isabel Bujes, “fomos constituindo as nossas maneiras de concebê-la numa perspectiva moderna, pensando-a como um dado universal e atemporal realizando-se para todos (as) da mesma maneira [...]” (BUJES, 2005, p. 182). Essa naturalização da infância limita nossas formas de pensar e de problematizar os discursos que a produzem, como também nos dificulta pensar nas múltiplas possibilidades de sua constituição.

Estamos nos afastando dos pressupostos modernos de pensar a infância e nos aproximando de uma perspectiva que a compreende como resultado de processos culturais e históricos. O pensamento pós-estruturalista põe em questão a concepção de infância que nos foi legada da Modernidade, pois aponta “para a inexistência de uma infância referência, deixando em seu lugar a convicção de que tal referência não passa de um ideal de infância: terreno, datado, socialmente construído” (BUJES, 2003, p. 5).

Os significados atribuídos à infância são o resultado de um processo de construção social, dependem de um conjunto de possibilidades que se conjugam em determinado momento da história, são organizados socialmente e sustentados por discursos nem sempre heterogêneos e em perene transformação. São modelados no interior de relações de poder e representam interesses manifestos da Igreja, do Estado, da sociedade civil... Implicam intervenções da filantropia, da religião, da Medicina, da Psicologia, do Serviço Social, das famílias, da Pedagogia, da mídia... Contudo, esses significados não são estáveis, nem únicos e as linguagens que usamos ao mudar constantemente, são indicativos da fluidez e da mutabilidade a que estão sujeitos (BUJES, 2001, p. 26).

É dentro desse entendimento plural, de múltiplos sentidos e significados da infância, que vamos pensar a constituição dos sujeitos. Partimos do pressuposto que as diferentes concepções de infância educam ciganos(as) e não ciganos(as) de maneiras distintas em relação ao casamento. Para os pertencentes da cultura cigana, o ritual matrimonial com meninas de 11 a 14 anos de idade pode não ser crime, mas no olhar do não cigano(a) essa mesma prática pode significar violência e violação dos direitos da criança. Pensar o casamento cigano como tradição ou crime significa, portanto, considerar as relações de saber e poder envolvidas nos discursos que educam os sujeitos de determinados modos, nas diversas culturas e sociedades, nos seus entendimentos de infância e de criminalidade em torno das relações com crianças.

Tanto infância quanto a ideia de criminalização do casamento envolvem uma definição de faixa etária que torna determinados sujeitos autorizados ou não a casarem ou mesmo a se envolverem sexualmente. Definições que são estabelecidas por saberes e suas áreas do conhecimento como a Psicologia e o Direito, por exemplo, que vão defender o limite da idade levando em consideração saberes sobre a composição corporal, a formação emocional, a condição de tomada de decisão. O não cumprimento dessa norma etária aciona outros saberes que vão caracterizar a ação como crime, mais especificamente, no que nos interessa aqui, como pedofilia. O discurso da pedofilia também não é homogêneo. Ao longo da história, sofreu alterações e ganhou novos sentidos e percepções. De acordo com Jane Felipe e Bianca Guizzo:

Apesar de ser concebida nos dias atuais como uma forma de doença por parte de quem exercita tais práticas, na sua origem grega, a pedofilia remetia à idéia de amor às crianças (composta pelo substantivo grego pais = criança e pelo verbo phiJeo = amar. Paidophilos = aquele que ama as crianças; paidophiles = aquele que ama os meninos) (FELIPE; GUIZZO, 2003, p. 122).

A palavra, que na antiguidade significava amor às crianças, passou a designar abuso, violências, comportamentos impróprios do adulto em relação a elas. As autoras acima mencionadas propõem os seguintes questionamentos: “quais foram as condições que possibilitaram tais mudanças, fazendo com que determinadas práticas passassem a ser consideradas impróprias, sendo alvo de controle por parte das autoridades médicas, religiosas e jurídicas?” (FELIPE; GUIZZO, 2003, p. 122). Ambas enfatizam que, “até meados do século XVII, meninos e meninas conviviam com o mundo adulto em todos os seus aspectos. Em outras sociedades, como na Grécia antiga, a relação sexual entre adultos e jovens podia ser entendida como fazendo parte de um processo pedagógico” (FELIPE; GUIZZO, 2003, p. 122). Não estamos defendendo a pedofilia, mas sim chamando atenção para seu entendimento e prática como situados historicamente e com efeitos nos sujeitos. Assumindo uma perspectiva foucaultiana de análise, estamos argumentando que a repressão não se limita a dizer “não”. Ela não é apenas negativa, mas que também traz algo de positivo, de produtivo, no sentido de que esses saberes que se pretendem repressivos produzem conhecimentos e sujeitos atravessados por relações de saber-poder. Portanto, é preciso considerar que esse discurso de pedofilia como algo negativo que remete à ideia de perversão, anormalidade e abjeção foi construído numa história recente, no período da Modernidade, um período fortemente implicado no processo de disciplinarização e docilização dos sujeitos, seus corpos e seus desejos. Essa mudança de compreensão mostra o quanto as sociedades e culturas vão inventando discursos e verdades em relação aos costumes, aos direitos, aos valores, às moralidades, às sexualidades, aos gêneros, dentre outros, categorizando os comportamentos como certo ou errado, normal ou anormal, tradição ou crime.

Os significados atribuídos à infância e a pedofilia são resultados de um processo de construção social, portanto, variam na história e de cultura para cultura. A tentativa de fixar certos sentidos acaba naturalizando as concepções de infância e pedofilia, nos fazendo esquecer o caráter “fabricado” e as relações de poder presentes nesses discursos. Para Michel Foucault, o poder não atua apenas oprimindo ou dominando as subjetividades, mas, principalmente, participando do seu processo de construção. O poder seria algo que constitui e está presente na experiência dos sujeitos, ou seja, o poder é produtivo, produz os sujeitos, nas suas relações com os saberes, com os outros e consigo mesmo (FOUCAULT, 2014).

Por que nosso incômodo com o casamento de meninas ciganas com 11 a 14 anos de idade? Parece-nos que esse tipo de incômodo tem ancoragem num debate mais ampliado que nos remete à universalidade dos direitos humanos, que inclui o combate à pedofilia e outras perdas de direitos que envolvem as meninas como, por exemplo, a evasão escolar. Mas quando falamos na universalidade dos direitos humanos uma outra questão se coloca, aquela que diz dos efeitos dessa universalidade no seu encontro com o relativismo cultural. A universalidade dos direitos humanos é garantida a partir de um entendimento de que vamos construindo um conjunto de valores humanos que devem atingir a todos e todas, independentemente das diversidades culturais que nos constituem. Esse debate parece organizar os posicionamentos em torno do casamento cigano. Por um lado, aqueles que definem o casamento de meninas ciganas como enquadrado na pedofilia e, portanto, num crime, tomando o discurso jurídico advindo de leis construídas com base na universalidade dos direitos humanos. Por outro lado, temos a defesa da tradição, uma vez que essa prática é constituída por práticas que se repetem e que sustentam e garantem a manutenção da cultura, o que mereceria respeito e serviria como argumento em defesa da sua continuidade, com base no relativismo cultural. Independente de um ou outro posicionamento, o que estamos argumentando é que são posições que constituem meninas e meninos ciganos nas suas diferenças de gênero, são saberes atravessados por relações de poder. Mais do que isso, esses saberes também nos constituem nas nossas diferenças.

Casamento cigano: uma “tradição inventada”

O casamento é um ritual presente em diversas culturas, e em cada uma carrega valores diferentes. Portanto, compreendê-lo implica considerar o contexto histórico e cultural em que ele ocorre, não sendo possível generalizar seus sentidos e significados. Para Foucault, “o casamento é precisamente uma situação socialmente definida, uma forma de relacionamento social institucionalizada”, que muda no decorrer da história (FOUCAULT, 2016, p. 83).

Na sociedade antiga, o casamento representava um negócio de família, sendo na Grécia uma “prática destinada a assegurar a permanência do oikos”, isto é, a permanência do domínio privado. Ele consistia em “uma transação privada, um negócio realizado entre dois chefes de família”, não tendo “ligação com a organização política e social” da época (FOUCAULT, 1985, p. 79). Nessa sociedade, eram os pais que cuidavam do casamento dos(as) filhos(as). Tratava-se de um contrato que não visava o prazer, mas atender interesses pessoais e econômicos dos familiares. Para Foucault, “um conjunto de medidas legislativas marca progressivamente o domínio da autoridade pública, sobre a instituição matrimonial”, sendo a “lei de adultériis uma manifestação desse fenômeno” (FOUCAULT, 1985, p. 80).

No decorrer da história, o casamento torna-se mais livre, principalmente para as mulheres. Elas passam a ter mais liberdade para escolher seus esposos e a decidir sobre sua vida conjugal, cada vez mais, sem a interferência paterna. “O casamento aparece cada vez mais como uma união livremente consentida entre dois parceiros cuja desigualdade se atenua até certo ponto sem, contudo, desaparecer”. No mundo helenístico, “o status da mulher ganhou em independência em relação ao que era na época clássica” (FOUCAULT, 1985, p. 82).

Mesmo com as mudanças advindas da atualidade, percebe-se no casamento cigano uma continuidade dos princípios matrimoniais muito próximos daqueles construídos na antiguidade. Esmeralda, Yasmim e Carmelita são ciganas casadas desde os 13 anos de idade, com maridos escolhidos pela família. Elas não tiveram liberdade para decidir suas vidas matrimoniais nem de escolher se queriam ou não casar. Essa interferência familiar é muito presente na comunidade cigana, sendo uma marca dessa cultura. De acordo com a cigana Esmeralda “menina é mais fácil de criar, dá menos trabalho pois casa cedo e passa a ser responsabilidade do marido. O menino dá muita preocupação para as mães, ele demora a casar e sai à noite”. Casar precocemente é uma organização social que influencia na construção e entendimento de gênero.

Casar e ser mãe, entre 11 e 14 anos, é uma tradição desse grupo. Não estamos entendendo tradição a partir de um discurso naturalizado, unificador e autêntico, mas através de uma compreensão de tradição “construída” e “inventada”. A tradição não é algo dado, mas diz de um processo de constante repetição, o que nos aproxima da ideia de “tradição inventada” de Eric Hobsbawm (1997).

Por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente; uma continuidade em relação ao passado. (HOBSBAWM, 1997, p. 9).

Assim, estamos entendendo o casamento de meninas ciganas como essa “tradição inventada” que é uma prática aceita, simbólica e que se repete, mantendo a continuidade da cultura cigana. Essa continuidade não é mera repetição de modelos, mas de recriações, reinvenções da tradição. Esmeralda, Carmelita e Yasmim casaram aos 13 anos, repetindo uma prática de gerações anteriores, no entanto, não viveram esse momento da mesma maneira que as mulheres do passado. O contexto específico de vida e a experiência singular de cada uma dessas mulheres possibilitaram novas relações com o casamento cigano e as questões de gênero. Como afirma Zygmunt Bauman, “toda tradição, pelo menos toda tradição em nosso tipo de sociedade, tem que ser inventada e não pode ser senão inventada” (BAUMAN, 2000, p. 137).

O marido de Esmeralda, em uma das nossas conversas, disse: “Tem cigano que casa com mulher não cigana e muda a tradição. A mulher até aprende os costumes, mas não é a mesma coisa de uma cigana que nasce na cultura”. O cigano parece reconhecer a efemeridade presente na tradição cigana, pois enfatiza a possibilidade de mudança a partir do casamento de homens ciganos com mulheres não ciganas. O inverso não é possível, ou seja, a possibilidade de se casar com um integrante fora da comunidade cigana não é permitido as mulheres. A mulher que nasce na cultura não altera a tradição do casamento. Essa compreensão de tradição está, portanto, relacionada à rigidez, à invariabilidade e à imutabilidade da cultura cigana. Para Stuart Hall, a “tradição é um meio de lidar com o tempo e o espaço, inserindo qualquer atividade ou experiência particular na continuidade do passado, presente e futuro, os quais, por sua vez, são estruturados por práticas sociais recorrentes” (HALL, 2006, p. 14).

Essa repetição do passado não está desprovida dos elementos que constituem os(as) ciganos(as) no presente. Portanto, essa relação com o passado, presente e futuro se mescla e se transforma. Para Foucault, as regularidades presentes na história, são resultados de processos de formação discursiva em que as regras que determinam essa formação apresentam-se como um sistema de relações entre objetos, tipos enunciativos, conceitos e estratégias (FOUCAULT, 2008). Todavia, como ressalta o filósofo,

uma formação discursiva não desempenha, pois, o papel de uma figura que pára o tempo e o congela por décadas ou séculos: ela determina uma regularidade própria de processos temporais; coloca o princípio de articulação entre uma série de acontecimentos discursivos e outras séries de acontecimentos, transformações, mutações e processos. Não se trata de uma forma intemporal, mas de um esquema de correspondência entre diversas séries temporais (FOUCAULT, 2008, p. 83).

A partir desse entendimento de tradição, também vamos compreender as relações de gênero na cultura cigana. A repetição de práticas, valores, rituais e discursos de gênero será entendida como atos performativos, que reiterados constantemente produzem a aparência de algo cristalizado e natural (BUTLER, 2003). Defendendo que o gênero está diretamente vinculado à materialidade do corpo e do sexo, Butler (2019), ancorada nos estudos de Michel Foucault, afirma que vamos nos constituindo como detentores de um gênero em meio a processos normativos, ao ideal regulatório, segundo Foucault (1988). Ser mulher cigana nesta comunidade é resultado dessa prática regulatória, que funciona como uma norma, e que produz os corpos que governam. Não por acaso, há nessas mulheres a preocupação com as filhas, quando essas se aproximam dos dez anos, uma preocupação em arranjar um casamento e manter a tradição. Ensinar as filhas é repetir o processo que vivenciaram, uma forma de manter a tradição, de se reforçarem como mulheres ciganas, como mães com a “obrigação” de governar os corpos de outras mulheres. O processo de constituição dos gêneros ocorre nas relações entre os gêneros (entre mulheres e homens) e no interior do próprio gênero (entre mulheres). Para Butler, a performatividade de gênero “deve ser entendida não como um ‘ato’ singular ou deliberado, mas como uma prática reiterativa e citacional por meio da qual o discurso produz os efeitos daquilo que nomeia” (BUTLER, 2019, p. 16).

A reiteração constante de atos, gestos e signos possibilita a produção e a construção de corpos femininos desejados na cultura cigana, mas não desejados na cultura não cigana. Essa diferenciação em relação aos corpos mostra o quanto o corpo é histórico e cultural. Não é, portanto, algo dado a priori nem mesmo é universal:

o corpo é provisório, mutável e mutante, suscetível a inúmeras intervenções consoante o desenvolvimento científico e tecnológico de cada cultura bem como suas leis, seus códigos morais, as representações que cria sobre os corpos, os discursos que sobre ele produz e reproduz (GOELLNER, 2012, p. 28).

O conjunto de leis e códigos que produzem esses corpos manifesta-se, em cada cultura, através de várias instituições sociais. O casamento é uma dessas instituições que incidem na produção de corpos nas diversas culturas e sociedades. A reiteração constante dos ritos, práticas e valores matrimoniais nas diferentes culturas produz uma aparente universalidade e estabilidade dos discursos em torno do casamento. Pensar o casamento cigano como tradição ou crime diz desses discursos que nos constituem ao longo da vida. Portanto, não tem nada de natural nas afirmativas “casamento cigano é crime” ou “casamento cigano é tradição”. Esses processos que nos educam envolvem estratégias sutis e refinadas de naturalização que precisam ser reconhecidas e problematizadas.

Lei nº 13.811/19: dispositivos pedagógicos na constituição dos sujeitos

Como mencionado anteriormente, o casamento cigano se aproxima daquilo que conhecemos como casamento realizado na antiguidade. Na Grécia clássica, o casamento era um ato privado e exclusivamente centrado nas famílias. De acordo com Foucault, esse casamento “era acordado como transação privada”, e “o poder público nada tinha a ver com ele”. Esse ato privado “tinha efeitos de direito sobre os indivíduos, mas não era em si mesmo um ato jurídico” (FOUCAULT, 2016, p. 183). No decorrer do tempo, as coisas mudaram. O casamento que antes era um ato essencialmente familiar, aos poucos, vai se institucionalizando. Essa institucionalização pública do casamento passa a ser feita por intermédio religioso e posteriormente pelas instituições civis. No entanto, no que diz respeito ao casamento cigano, muitas coisas permaneceram.

Primeiro, o casamento cigano ainda continua sendo um negócio de família. A filha de Carmelita, de 9 anos, já está de casamento arranjado. A menina está prometida para um cigano de outro acampamento, uma escolha feita entre sua família e a família do seu futuro marido. Segundo, o casamento cigano não tem ligação com a organização jurídica da sociedade que circunscreve a cultura cigana, pois é uma cerimônia realizada por regras e acordos próprios, sem interferência do Estado e da legislação brasileira nas decisões dos grupos familiares.

A legislação brasileira (Lei nº 13.811/19) proíbe o casamento de quem não atingiu a idade núbil (16 anos). Entretanto, os(as) ciganos(as) parecem não ser afetados(as) por tal regulamentação, pois continuam a realizar suas cerimônias com quem não atingiu tal idade. Tanto a legislação quanto a comunidade cigana produzem conhecimentos e saberes que educam ciganos(as) e não ciganos(as) em relação ao casamento, funcionando como dispositivos pedagógicos. Segundo Jorge Larrosa (1994), um dispositivo pedagógico é “qualquer lugar no qual se constitui ou se transforma a experiência de si. Qualquer lugar no qual se aprendem ou se modificam as relações que o sujeito estabelece consigo mesmo” (LARROSA, 1994, p. 57). Podemos pensar a legislação brasileira, que veda o casamento de menores de 16 anos, como um dispositivo pedagógico, pois age diretamente na educação e no comportamento dos sujeitos. Age produzindo e regulando as subjetividades, como também possibilitando novas relações e experiências de si.

Essa legislação produz um discurso que é jurídico e abrange todos(as) aqueles(as) que são brasileiros(as) ou vivem em território brasileiro. No entanto, esse caráter institucionalizado da lei parece não ser suficiente para mudar uma tradição, uma cultura milenar, como a cultura cigana. Será que os(as) ciganos(as) conhecem essa lei? O Ministério Público, mediante uma denúncia, seria capaz de proibir o casamento no interior da comunidade cigana? As ciganas relataram visitas de alguns responsáveis do Conselho Tutelar na comunidade que se preocupam, principalmente, com a manutenção das crianças nas escolas. Ao desafiar a norma imposta pela cultura não cigana, os(as) ciganos(as) resistem e mostram a descontinuidade da história e das subjetividades.

A legislação tem a função de padronizar as ações humanas, em torno daquilo que é considerado correto e adequado. Essa norma, construída pela cultura não cigana, passa a ser a referência para o comportamento de todos(as) os(as) brasileiros(as), numa abrangência que, por princípio, desconsidera a pluralidade cultural que constitui o nosso país. Pela lei, haveria apenas um modo adequado, legítimo e normal de casamento, aquele feito a partir dos 16 anos. De acordo com Guacira Lopes Louro, a posição central é:

uma posição não problemática e todas as outras posições de sujeitos estão de algum modo ligadas - e subordinadas - a ela. Tudo ganha sentido no interior desta lógica que estabelece o centro [...] e suas margens. Ao conceito de centro vinculam-se, frequentemente, noções de universalidade, de unidade e de estabilidade (LOURO, 2012, p. 44).

Em coerência com essa lógica estão os discursos de infância e pedofilia. A referência que orienta as legislações brasileiras pauta-se nos discursos de infância e pedofilia herdados da modernidade. Como argumenta Maria Isabel Bujes, a infância do modo como conhecemos não é um dado atemporal, mas uma invenção/fabricação da Modernidade (BUJES, 2001). A posição central dos discursos modernos em relação à infância e à pedofilia acaba jogando para as margens outras posições de sujeitos que não estão relacionadas com esses discursos hegemônicos.

Os sujeitos e as práticas culturais que não ocupam essa posição central passam a ser alvos de discursos pejorativos e preconceituosos. A diretora, a vice-diretora e alguns professores(as) que trabalham na escola pública perto do acampamento cigano disseram dos seus incômodos com as práticas culturais dos(as) ciganos(as). Dentre tantos incômodos, enfatizaram o abandono escolar das meninas ciganas em função dos casamentos, algo que não afeta os meninos ciganos que acabam abandonando a escola numa faixa etária mais avançada e por outros motivos como, por exemplo, a dedicação ao trabalho junto à família. Os professores e professoras da escola acabavam construindo julgamentos negativos em relação a essa cultura, principalmente em relação ao casamento de meninas ciganas com 11 a 14 anos de idade e a evasão escolar. O casamento estaria envolvido em dois “crimes”: um no fato de serem meninas menores de idade casando-se com homens adultos e o outro a evasão escolar. Casamento na idade certa e a continuidade dos estudos são dois valores para nossa sociedade, de maneira que são tomados como parâmetros para julgar a comunidade cigana, num processo de etnocentrismo muito comum quando lidamos com os encontros entre duas culturas distintas. Por outro lado, esse casamento parece seduzir e atrair a curiosidade de muitos profissionais da escola. Mesmo considerando errado, costumam ir nessas festividades a convite das famílias ciganas.

Esses(as) docentes julgam o comportamento dos(as) ciganos(as) a partir sua própria cultura. De acordo com Roque Laraia, vemos o mundo através da nossa cultura e isso “tem como consequência a propensão em considerar o seu modo de vida como o mais correto e mais natural” (LARAIA, 1996, p. 75-76). Os(as) docentes falam do outro tomando como referência os valores, os saberes, os discursos e as práticas que norteiam a sua cultura. O que foge da normalidade hegemônica passa a ser visto como anormal, perigoso, errado e crime. Para Guacira Lopes Louro, “a contínua afirmação e reafirmação deste lugar privilegiado nos faz acreditar em sua universalidade e permanência; nos ajuda a esquecer seu caráter construído e nos leva a lhe conceder a aparência de natural” (LOURO, 2012, p. 44). A autora chama atenção para o caráter construído tanto do centro quanto das margens, enfatizando a importância de problematizar os discursos que regulam e normatizam as identidades. De acordo com a autora, “a universalidade e a estabilidade” do lugar central “resultam de uma história que tem sido constantemente reiterada - e por isso parece tão verdadeira - do mesmo modo que a posição do excêntrico não passa de uma elaboração que integra esta mesma história” (LOURO, 2012, p. 43).

Os(as) ciganos(as) tem historicamente ocupado um lugar periférico, ficando às margens da sociedade e da cultura não cigana. Esse lugar que ocupam também não está isento do caráter construído da história, sendo, portanto, produzido e reiterado constantemente na cultura cigana. Nesse sentido, a comunidade cigana também assume o caráter de um dispositivo pedagógico, ao pôr em marcha discursos - morais, éticos, sociais, familiares, religiosos, de gênero e sexualidade -, ao instituir práticas, ao definir normas que organizam as relações no interior do espaço, ao orientar ações e pensamentos que afetam vidas, modos de ser e estar no mundo. Em seu interior, os(as) ciganos(as) ensinam o lugar que seus(as) filhos(as) devem ocupar (espaço doméstico ou espaço público), a fé que podem professar (no caso das ciganas da pesquisa, a fé cristã), a orientação sexual que podem desejar (baseado na heteronormatividade - heterossexualidade como orientação sexual possível), a família que podem construir (família nuclear e tradicional - pai, mãe e filhos(as)), práticas culturais que precisam aprender (meninas ciganas sabem que, em determinada idade, precisam abandonar a escola, casar, usar a vestimenta cigana, e algumas devem aprender a fazer leitura de mãos).

Esse dispositivo coloca em ação um conjunto de técnicas que, na ordem da repressão e da manipulação, dominam sujeitos. De acordo com Foucault, as técnicas de dominação são aquelas que “nos permitem produzir, transformar e manipular coisas”, aquelas que possibilitam “a dominação dos indivíduos uns sobre os outros” (FOUCAULT, 1993, p. 207). Quando as ciganas falam “casar cedo é uma tradição cigana”, estão reiterando um discurso que, há séculos, domina os(as) ciganos(as). Essa reiteração, ao longo do tempo, produz a aparência de uma substância, de algo natural de ser. O filósofo também chama a atenção para a ação do indivíduo sobre si mesmo, sobre seu próprio corpo, pensamento e conduta. As chamadas tecnologias do eu permitem aos sujeitos reagirem aos mecanismos de controle e dominação de modo a possibilitar a sua transformação. Sendo assim, os homens não apenas “fixam regras de conduta, como também procuram se transformar, modificar-se em seu ser singular e fazer de sua vida uma obra que seja portadora de certos valores estéticos e responda a certos critérios de estilo” (FOUCAULT, 1984, p. 14). A filha da Carmelita, de 9 anos de idade, mesmo com casamento arranjado se posicionou, dizendo que não casaria, de jeito nenhum, se não gostasse da escolha feita pela sua família.

Falar de comunidade cigana é mergulhar nas tramas de um dispositivo que engendra mulheres ciganas a partir de determinadas formas de ser e de se comportar, frutos dos poderes e saberes que lhe são inerentes. Pensar o dispositivo em sua provisoriedade e transformação é considerar que novas relações podem ser construídas no interior dessa comunidade cigana. As mulheres ciganas têm a possibilidade de reagir aos mecanismos de força e dominação a que são submetidas, na medida em que mantêm uma relação reflexiva consigo mesmas. Elas podem, nesse sentido, transformar “os mecanismos nos quais essa relação se produz e se medeia” (LARROSA, 1994, p. 57).

Relações de gênero e discursos de pedofilia no casamento cigano

Estamos ancorados no pensamento que compreende gênero como um “elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos”, sendo uma categoria de análise importante para pensar as desigualdades entre homens e mulheres na sociedade. Essas desigualdades, como ressaltou Scott, não são biologicamente dadas, mas fruto de construções sociais e históricas (SCOTT, 1995). A autora contribui para pensarmos o gênero como um “campo primário no interior do qual, ou por meio do qual, o poder é articulado. [...] uma forma persistente e recorrente de possibilitar a significação do poder” (SCOTT, 1995, p. 88). As relações de gênero, a partir dessa perspectiva, estruturar-se-iam por meio de mecanismos de poder, que agiriam na normatização e naturalização dos corpos.

Os conhecimentos produzidos na comunidade cigana ensinam, desde a tenra idade, como as mulheres ciganas têm que se vestir, falar e se comportar. Aprendem, desde cedo, que precisam usar a vestimenta cigana, casar entre 11 e 14 anos de idade, ser mãe e assumir a responsabilidade dos afazeres domésticos na barraca. Esmeralda, Yasmim e Carmelita não nasceram mulheres ciganas, mas tornaram-se mulheres ciganas através dos processos educativos presentes no interior da comunidade cigana. Muitos dos princípios que orientam as relações de gênero na cultura cigana parecem estar relacionados à moral sexual do cristianismo, principalmente pelo discurso da monogamia, da virgindade, da reprodução da espécie e da castidade. O cristianismo

[...] só o teria aceito no casamento monogâmico e, no interior dessa conjugalidade, lhe teria imposto o princípio de uma finalidade exclusivamente procriadora. [...] o cristianismo, teria atribuído à abstinência rigorosa, à castidade permanente e à virgindade (FOUCAULT, 1984, p. 17).

Michel Foucault, em Subjetividade e Verdade, enfatiza que os princípios da moral sexual, comumente atribuídos ao Cristianismo, remetem a tempos atrás. No entanto, o filósofo não está preocupado em saber a origem de tal moralidade; “o problema talvez seja saber o que devemos fazer de nossa moral, muito mais do que saber de onde ela vem” (FOUCAULT, 2016, p. 17).

A moral sexual presente no casamento cigano pode ser percebida nas falas de Esmeralda, Yasmim e Carmelita, que enfatizam a proibição das relações afetivas e sexuais antes do casamento, considerando tais comportamentos errados e desonrosos. O fato de essas mulheres serem atravessadas pelos mesmos discursos de gênero - “mulheres ciganas não podem namorar antes do casamento” e “mulheres ciganas têm que casar virgem” - não significa que elas foram afetadas pelas mesmas experiências e pelo mesmo modo de constituição. A proibição de namorar antes do casamento, por exemplo, não impossibilitou Esmeralda de beijar escondido seu futuro marido. De acordo com Foucault, as relações de poder não podem existir senão em função de uma multiplicidade de pontos de resistência: “onde há poder há resistência” (FOUCAULT, 1988, p. 91). As forças discursivas são intensas para manter a continuidade das formas históricas pelas quais essas mulheres foram e são subjetivadas, mas a possibilidade do rompimento não está descartada nesse processo de constituição. Como Ferrari (2010) argumenta, os processos subjetivos podem ser desfeitos, dando lugar a outros modos de construção do sujeito.

Em um certo momento, a pesquisadora perguntou: “Vocês podem recusar o marido escolhido pela família?” “Tem algum caso nesta comunidade?”. Todas responderam que podem discordar da escolha, porém, no acampamento, nunca acontecera tal situação. De acordo com as jovens, o sonho de qualquer mulher cigana é casar e ter filhos(as), constituir uma família. Yasmim disse: “Nenhuma cigana quer ficar sozinha”. A maternidade e o casamento parecem ser entendidos como algo natural e desejável por todas as mulheres ciganas. É um pensamento que não considera os processos sociais e as relações de poder envolvidos na constituição dos gêneros na nossa sociedade. Tanto a maternidade quanto o casamento não são experiências desejosas por todas as mulheres. Existem muitas na nossa sociedade que escolhem viver sozinhas, sem maridos e filhos(as). E na comunidade cigana? Não conhecemos todas as mulheres ciganas, de todas as culturas e contextos sociais, para afirmar que todas têm desejo em casar e ter filhos(as). Mesmo que seja uma escolha de todas, pensamos que as relações entre elas e essas questões não acontecem de forma natural e inata, sendo, sim, construídas por relações de poder e saber e por processos discursivos e não discursivos.

Em um dos encontros, as ciganas fizeram o seguinte questionamento para a pesquisadora: “Você namora vinte anos? Não vai casar? Por que você não casa e arruma um bebê para você?”. Os discursos da maternidade, em nossa sociedade, vão constituindo o lugar do feminino de tal maneira que é esperado que as mulheres sejam mães, de preferência mães casadas. Aquelas que ainda não têm filhos(as) ou não desejam tê-los, muitas vezes, são vistas com estranhamento, como se fosse natural vivenciarmos esse momento da vida. É muito forte o processo de naturalização da maternidade entre essas mulheres, no entanto, a possibilidade de rupturas e transgressões também está posta entre elas. A presença da pesquisadora mostrou outros modos de constituição e isso pode contribuir para abalar e incomodar aquilo que elas são e vice-versa.

No decorrer da conversa, apareceu o assunto “sexo e maternidade”. Esmeralda relatou que casara aos 13 anos sem conhecer direito seu futuro marido. Disse ter achado estranho casar, morar e ter relações sexuais com uma pessoa que mal conhecia. Mesmo diante do medo e do desconhecimento, casou-se, aceitando sem questionamentos a escolha feita pela família. De acordo com Esmeralda, faz parte da tradição cigana casar cedo com um marido escolhido pela família. Yasmim falou que as ciganas não podem namorar antes do casamento, abrindo espaço para pensarmos que o casamento garante a virgindade da mulher cigana. A “pureza” da mulher cigana parece ser uma reputação a manter nessa cultura, como se fosse um troféu para o homem receber um corpo sem nunca ter sido tocado e ou desejado. Essa tradição, ensinada de geração em geração, vai constituindo Esmeralda, Yasmim e Carmelita como mulheres de um determinado tipo. Através da repetição de gestos, falas, movimentos, discursos, no decorrer de suas vidas, vão naturalizando o gênero e aprendendo a ser mulher dessa cultura.

Esses atos, gestos e atuações, entendidos em termos gerais, são performativos, no sentido de que a essência ou identidade que por outro lado pretendem expressar são fabricações manufaturadas e sustentadas por signos corpóreos e outros meios discursivos. O fato de o corpo gênero ser marcado pelo performativo sugere que ele não tem status ontológico separado (BUTLER, 2003, p. 194).

Olhar o gênero sob a perspectiva da performatividade requer pensar essa sequência de atos repetitivos como construídos e não naturais. Aprendemos a ser como somos através das relações que estabelecemos uns com os outros na cultura, fazendo de nossa constituição algo social e histórico. Portanto, cabe ressaltar que as repetições de gênero na cultura cigana são fabricadas historicamente através de um conjunto de discursos, regras, valores e relações saber-poder.

Durante a conversa, Esmeralda fez questão de ressaltar seu desconhecimento em relação aos métodos contraceptivos. Relatou que, alguns dias depois do seu casamento, uma cigana passou em frente a sua barraca, entregou uma caixinha de comprimidos e falou: “Você tem que tomar um cada dia”. Começou a tomar sem saber que se tratava de anticoncepcional e enfatizou: “Muitas coisas a gente aprende sozinha”. Ao ouvir, uma mulher não cigana que estava no acampamento interveio: “Você vai conversar com sua filha, né? Não vai querer que ela passe as mesmas dificuldades que você passou”. Esmeralda ouviu e posicionou-se: “Com certeza vou explicar algumas coisas”. A mulher não cigana exigiu outro posicionamento de Esmeralda em relação à educação de sua filha, porém, a cigana não deu muita abertura, respondendo somente que ensinaria algumas coisas. Talvez ela explique para que serve o anticoncepcional e o que seria ter relações sexuais, mas não consiga impedir sua filha de casar aos 13 anos de idade. Em se tratando de casamento com essa idade, problematizamos: E o discurso da pedofilia?

Jane Filipe em seu texto “Erotização dos Corpos Infantis”, diz que a pedofilia é definida pela Organização Mundial de Saúde “como a ocorrência de práticas sexuais entre um indivíduo maior de 16 anos com uma criança na pré-puberdade (13 anos ou menos), classificando como doente a pessoa que as pratica” (FELIPE, 2012, p. 57). Essa concepção associa a pedofilia a características de anormalidade e doença. Mas nem sempre foi assim; na antiguidade a pedofilia tinha um sentido positivo, significava amor pelas crianças, sendo o pedófilo aquele que demonstrava carinho pelas crianças e pelos meninos. Isso quer dizer que o conceito de pedofilia não é fixo e imutável, ele muda no decorrer da história e das culturas, sendo algo construído e inventado. Enquanto na cultura não cigana esse conceito assume um caráter negativo, na cultura cigana essa ideia parece não fazer sentido.

Não queremos, de modo algum, desmerecer as lutas e os enfrentamentos em torno das diversas violências cometidas contra as crianças na contemporaneidade; no entanto, ressaltamos a importância de colocarmos sob suspeita o modo como compreendemos a pedofilia. É preciso entendê-la como construção social e histórica em que discursos e relações de poder e saber estão sempre presentes e interferindo na produção de sujeitos e subjetividades. Assim, consideramos necessário problematizar as verdades, tanto na cultura não cigana quanto na cultura cigana, de modo a problematizar a constituição dos sujeitos em relação à pedofilia. Michel Foucault problematiza a “verdade” como essência em si, buscando relativizá-la em sua própria história. A verdade é deste mundo, “é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder” (FOUCAULT, 1979, p. 12), portanto, torna-se crucial interrogar “sobre seu sentido, suas condições e seus fins” (FOUCAULT, 1984, p. 232).

Considerações finais

O foco central do artigo foi evidenciar que são múltiplas as possibilidades de constituição das mulheres na sociedade. Apesar dessa constatação, foi possível perceber, nos encontros entre mulheres ciganas e não ciganas, que há uma aproximação nos modos de ser mulher, que independe da cultura, que é organizada pelas relações de gênero nos seus atravessamentos com os saberes e os poderes. As relações desiguais construídas ao longo da história afetam tanto as mulheres ciganas quanto as mulheres não ciganas, ambas são afetadas e, muitas vezes, educadas para serem esposas, mães e donas de casa. Essa educação tenta colocar os corpos femininos em uma posição de inferioridade e submissão em relação aos homens. Todo esse processo acaba por definir o casamento como um evento esperado, desejado e comemorado por mulheres. Mas isso não significa que ele seja aceito em todas as condições. Como resultado de saberes, o casamento também estabelece e é estabelecido por regras, dentre elas a faixa etária desejada para homens e mulheres. Um tipo de saber que está definido em leis, mas também no senso comum e na cultura, de maneira que vai variar de cultura para cultura e dentro de uma mesma cultura. Respeitar ou não essa regra define os adjetivos para o casamento. Foi isso que mostramos neste artigo, ou seja, que responder a pergunta se o casamento é tradição ou crime diz dos saberes que acionamos e que nos educam.

Esse investimento educativo é construído desde criança em torno das relações de gênero. As mulheres ensinam e aprendem umas com as outras, com os meninos, com os discursos e práticas que vão construindo entendimentos de si como pertencentes a determinado gênero. Com os brinquedos, por exemplo, aprendem a lavar, passar, cozinhar, limpar, cuidar dos(as) filhos(as) e do marido. As bonecas, as panelinhas e as brincadeiras de mamãe-filhinha vão ensinando que o lugar reservado para mulheres é no espaço doméstico. A reiteração dessas funções ao longo da vida vai naturalizando as relações de gênero em nossa sociedade. É nesse meio familiar que a filha de quatro anos da Esmeralda está recebendo os primeiros ensinamentos de gênero. A criança gosta muito de brincar com meninos; os responsáveis, preocupados com esse comportamento, já investem em estratégias de educação da filha. Vigiam, proíbem e definem regras e punições: “meninas só podem brincar com meninas”, “se você continuar brincando com os meninos você não vai poder sair”, “vou cortar seu cabelo igual de Joãozinho se você continuar brincando com os meninos”. São processos educativos que agem no modo de ser da menina cigana, e incidem fortemente em sua constituição e experiência de si. Em breve tudo será resolvido com o arranjo do seu casamento. Com os meninos, a preocupação é outra. O envolvimento com drogas e brigas é a maior preocupação da mãe. A mãe da Esmeralda chegou a falar que se seu filho fosse para o estudo noturno ficaria na porta da escola até a aula terminar, “não quero correr risco dele ir para outros lugares e se envolver com coisas erradas”. A saída da escola e o casamento também parecem resolver as ameaças que rondam os meninos. O casamento como parte de continuidade para a comunidade está envolvido em momentos muito importantes de ruptura e de transição para toda a comunidade: a constituição de uma nova família, a possibilidade de continuidade através dos filhos e filhas, a passagem para a vida adulta e suas responsabilidades, a saída da menina para viver no acampamento ou família do marido, enfim, momentos que renovam a tradição, que reforçam os saberes e constituem homens e mulheres nas suas diferenças de gênero.

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1Os nomes são fictícios, mantendo o anonimato das três ciganas, seguindo os preceitos éticos da pesquisa.

Recebido: 31 de Agosto de 2020; Aceito: 03 de Outubro de 2020

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