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Revista Diálogo Educacional

versão impressa ISSN 1518-3483versão On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.21 no.69 Curitiba abr./jun 2021  Epub 11-Jun-2021

https://doi.org/10.7213/1981-416x.21.069.ao04 

Artigos

Século XXI e desigualdades nas condições de trabalho docente na educação superior

21st century and inequalities in teaching working conditions in higher education

Siglo XXI y desigualdades en las condiciones de trabajo docente en la educación superior

Hustana Maria Vargasa 
http://orcid.org/0000-0002-0477-1246

Carolina Zuccarellib 
http://orcid.org/0000-0001-6734-3284

Gabriela de Souza Honoratoc 
http://orcid.org/0000-0002-8866-8755

aUniversidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil, Doutora em Educação, hustanavargas@id.uff.br.

bUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, Doutora em Sociologia, gabrielahonorato@rocketmail.com.

cUniversidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil, Doutora em Sociologia, carolinazuccarelli@id.uff.br.


Resumo

Fundamental para a expansão do sistema de educação superior, o processo de diversificação institucional tem gerado um interesse cada vez mais amplo dentro dos estudos sobre desigualdades. Nesse quadro, este artigo analisa as políticas educacionais desenvolvidas desde meados da década de 1990 e suas implicações para as condições de trabalho dos professores da educação superior. Foram usados os microdados do Censo da Educação Superior para dimensionar o crescimento do mercado para docência, as mudanças no perfil da qualificação e da contratação docente. Foi possível observar que, mesmo com o crescimento do número de profissionais e melhorias na qualificação, a precarização é uma realidade que estratifica os professores em torno, de um lado, de docentes centrais, mais qualificados e com garantia mais ampla de direitos trabalhistas e, de outro, de docentes periféricos, vinculados a instituições articuladas ao mercado e voltadas (quase exclusivamente) para a atividade de ensino. Tal disposição alerta para consequências de reformas administrativas com viés de mercado que intensificam o estrangulamento do orçamento público, impactam a educação superior e, particularmente, as condições de trabalho docente.

Palavras-chave: Educação superior; Profissão docente; Diferenciação institucional

Abstract

Essential to the expansion of the higher education system, the process of institutional diversification has generated an increasingly interest within studies on inequalities. In this context, this article analyzes the educational policies developed since the mid-1990s and their implications for the working conditions of higher education professors. The microdata from the Higher Education Census were used to measure the growth of the teaching market, the changes in the profile of qualification and the hiring of professors. The results show that, even though the number of professionals have grown and their qualification has been improved, the level of precariousness in working conditions stratifies professors. On the one hand, central professors have greater qualification and stronger guarantee of labor rights and, on the other hand, peripheral professors, who work in private institutions and are more focused (almost exclusively) on teaching activity. This is a warning sign for the consequences of administrative reforms with a market bias, which intensify restrictions on the public budget, impacting higher education and particularly working conditions.

Keywords: Higher education; Teaching staff; Institutional differentiation

Resumen

Fundamental para la expansión del sistema de educación superior, el proceso de diversificación institucional ha generado un interés cada vez más amplio en los estudios sobre desigualdades. En este contexto, este artículo analiza las políticas educativas desarrolladas desde mediados de la década de 1990 y sus implicaciones para las condiciones de trabajo de los docentes de educación superior. Los microdatos del Censo de Educación Superior se utilizaron para medir el crecimiento del mercado de la enseñanza, los cambios en el perfil de calificación y la contratación de docentes. Se descubrió que, incluso con el crecimiento en el número de profesionales y las mejoras en la calificación del personal docente, la precariedad es una realidad que estratifica a los docentes, por un lado, docentes centrales, más calificados y con una garantía más amplia de los derechos laborales y, por otro, docentes periféricos, vinculados a instituciones asociadas con el mercado y centrados (casi exclusivamente) en la actividad de enseñanza. Esta disposición advierte sobre las consecuencias de las reformas administrativas con un sesgo de mercado que intensifican el estrangulamiento del presupuesto público, impactando el sistema de educación superior y, particularmente, las condiciones de trabajo docente.

Palabras clave: Educación superior; Profesión docente; Diferenciación institucional

Introdução

Ainda que temas como formação de professores, saberes e condições de trabalho docente reúnam um volumoso conjunto de estudos no que se refere à atuação na educação básica, quando se trata da educação superior, entretanto, a atenção dos pesquisadores tem sido menor e as investigações mais escassas. Uma parte dessa produção analisa a flexibilização das relações contratuais de trabalho e a forma como o capitalismo aprofunda e intensifica os modos de exploração, promovendo diversificadas formas de precarização1 (OLIVEIRA, 1996; MANCEBO et al., 2020). Outros pesquisadores observam as transformações na rotina do trabalho acadêmico, com destaque para a pressão por produtividade, o direcionamento do fomento para pesquisa a estudos tomados como de potencialidade econômica e a perda da qualidade da produção acadêmica, quando a quantidade passa a ser mais valorizada (BOSI, 2007).

A expansão das oportunidades de acesso à educação superior, iniciada em meados da década de 1990, foi fundamental para alterar o perfil da profissão docente no país. O aumento quantitativo e a diversificação de instituições, cursos, modalidades e matrículas, suscitou questões fundamentais para o exercício da profissão, repercutindo, por exemplo, em mudanças na natureza do regime de trabalho2 e no setor de atuação3. Geralmente, as características de precarização da educação superior e da atividade docente são justificadas pela necessidade de modernização do sistema, o que incluiria deixá-lo maior, mais diversificado e administrado de forma mais racional. Esse processo, no Brasil, teve como uma de suas dimensões a expansão da participação de instituições privadas na oferta de cursos e matrículas, mas também da mercantilização da gestão do sistema e dos estabelecimentos de ensino, levando, por exemplo, a um aumento de professores contratados em regime horista ou parcial.

Este trabalho tem como objetivo analisar as condições de trabalho dos professores das instituições de educação superior (IES) a partir de meados da década de 1990, quando uma série de instrumentos legais possibilitou o mencionado processo de modernização. Parte-se da abordagem do ciclo de políticas4, atentando para dois ciclos em que foram elaboradas. No primeiro, que inicia com a posse de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e vai até o primeiro mandato de Luís Inácio Lula da Silva (PT), houve uma redução do orçamento público e forte ampliação do setor privado, com reflexos imediatos no regime de trabalho docente. No segundo, que inicia no segundo mandato de Lula e vai até a gestão de Dilma Rousseff (PT), embora muitos dos aspectos relacionados à modernização do sistema tenham se mantido, a rede federal se expandiu e teve um alívio em termos do contingenciamento que vinha se mantendo no período anterior. Essa discussão é feita na primeira seção, que apresenta as principais ferramentas legais que instituíram importantes modificações para o sistema de educação superior brasileiro, com desdobramentos reais e diretos para o trabalho docente.

A seção seguinte expõe as mudanças em um conjunto de condições de trabalho docente que podem ser observadas a partir dos microdados dos Censos da Educação Superior de 1995, 2005 e 20155. Foram selecionadas as variáveis possíveis de comparação das características e perfil de atuação docente na série histórica analisada, organizadas em quatro dimensões: (1) evolução do número de professores, (2) qualificação docente, (3) regime de trabalho e (4) distribuição por rede e organização acadêmica.

O exercício empreendido mostra que, a despeito do aumento do número de professores, com maior qualificação, a precarização das condições de trabalho os tem estratificado em, pelo menos, dois grandes grupos: um, com maior garantia de direitos, atuando, fundamentalmente, nas universidades públicas (docentes centrais) e outro, atuantes em faculdades e centros universitários do setor privado com fins lucrativos (docentes periféricos).

Os governos PSDB e PT: moldura legal e político-institucional

As políticas adotadas nos governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e do Partido dos Trabalhadores (PT) foram fundamentais no processo de expansão da educação superior no país. Fernando Henrique Cardoso (FHC) esteve à frente da Presidência da República entre 1995 e 2002, pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Luís Inácio Lula da Silva (Lula), do PT, foi Presidente entre 2003 e 2011, e Dilma Rousseff, também do PT, de 2012 a 2015. As principais ferramentas jurídicas utilizadas nesse período para organizar a educação superior permitem identificar a correlação de forças de diferentes grupos e setores representados por cada gestão, e de que maneira vieram a conformar certas condições de trabalho do professor da educação superior.

Com a posse de FHC em 1995, verificam-se dois conjuntos de políticas que nortearam a educação superior: o do Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado e o do Ministério da Educação (MEC). Em sintonia, aplicaram políticas que redundaram em redução e/ou estagnação de orçamentos, arrocho salarial e paralisação da contratação de docentes do setor público. A justificativa governamental para tais opções referia-se à necessidade de enfrentamento da crise fiscal, e também ao imperativo de inserção do país em um mundo moderno e globalizado. Organismos internacionais como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento passaram a orientar políticas educacionais e a financiar projetos para a América Latina, respaldando a lógica da gestão econômica atrelada aos novos processos de trabalho em vigor (SILVA JÚNIOR; SGUISSARDI, 1999).

Embora essa gestão não tenha produzido uma legislação unificada para a educação superior como a Reforma Universitária de 1968, valeu-se de expedientes pontuais e fragmentados de normatização, que produziram uma nova organização do sistema, com base em princípios como: privatização, diferenciação, flexibilização e centralização do controle sobre as instituições federais de educação superior (IFES). O papel econômico da educação foi exaltado como base do novo estilo de desenvolvimento. O discurso da necessidade de parcerias público-privadas, e entre universidade e indústria, direcionados à gestão e ao financiamento do sistema brasileiro de educação superior, foi daí desdobrado (CUNHA, 2003) e materializado em políticas públicas.

Em 1995 é criado o Conselho Nacional de Educação (CNE) que, justamente pela maior participação de representantes de instituições privadas (BRASIL, 1995), foi fundamental no processo de privatização levado a cabo no período. Com atribuições de reconhecimento de cursos, criação, credenciamento e recredenciamento periódico de IES, a Câmara de Educação Superior do CNE foi palco de embate dos interesses públicos em disputa com os privados. De acordo com Cunha (2003), uma série de novas normas teria facilitado a criação de instituições, a transformação de outras já existentes em universidades e a oferta de cursos, de tal modo que as IES privadas multiplicaram em número e cresceram em tamanho. Teriam, também, aproveitado a demanda por vagas e a fraca expansão da rede pública.

Desde seu texto original de 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) - (BRASIL, 1996) é generalista e lacunosa quanto a educação superior. Percebe-se a economia dessa abordagem desde a nomenclatura utilizada para nomear as instituições de nível superior até a caracterização e atribuição de obrigações e vantagens para um único tipo de instituição - a universidade - embora esse modelo não predominasse, à época de sua promulgação. Atualizações da LDB não supriram tais lacunas6, de modo que a versão vigente em 2020 estabelece unicamente o caráter das universidades, arrolando uma série de obrigações e vantagens para essas instituições. Quanto às obrigações, destacamos: o corpo docente com pelo menos um terço de mestres ou doutores, sendo um terço deles atuando em tempo integral. No artigo 537·, há uma lista de atribuições relacionadas à autonomia das universidades, ressalvando, que “poderão ser estendidas a instituições que comprovem alta qualificação para o ensino ou para a pesquisa, com base em avaliação realizada pelo Poder Público”, o que se aplicou sobretudo aos centros universitários (BRASIL, 1997). Destaca-se que estes não estão obrigados a realizar atividades de pesquisa e extensão indissociáveis ao ensino. E, apesar da exigência de proporção de docentes com mestrado ou doutorado ser a mesma das universidades, quanto ao regime de trabalho é mais flexível. Por suas atribuições de autonomia, também estão autorizados a emitir diplomas.

Continuando a lista de previsões fora dos caputs dos artigos, o artigo 52 da LDB (BRASIL, 1996) facultou, em seu parágrafo único, a criação de universidades especializadas por campo do saber, o que, sem dúvida, beneficiou o setor privado por tratar-se de empreendimentos mais econômicos e simultaneamente dotados de autonomia. Uma das maiores vantagens da autonomia é a possibilidade de criar e extinguir cursos, assim como de determinar seu número de vagas, facilitando a gestão e sintonizando-a com as ondas do mercado.

Um novo desenho para a educação superior emerge. As modalidades de educação e ensino são diversificadas: são criados cursos sequenciais, de curta duração e a distância e as instituições também se diferenciam. O sistema passa a ser subdividido em universidades, centros universitários e faculdades8 , com obrigações que as distanciam e vantagens que as aproximam, conforme indica o quadro abaixo.

Quadro 1 Vantagens e obrigações das IES por organização acadêmica  

Organização acadêmica Autonomia Registro de diploma Integração entre ensino, pesquisa e extensão Proporção mínima de docentes atuando em tempo integral Proporção mínima de mestres ou doutores
Universidades Sim Sim Sim 1/3 1/3
Centros universitários Sim Sim Não 1/5 1/3
Faculdades Não Não Não Não Não

Fonte: Elaboração própria.

* Os diplomas são emitidas pelas IES com atribuição de autonomia. No entanto, decreto estabelece que faculdades com alto coeficiente institucional, tendo em vista algumas restrições, podem emitir diplomas de graduação (BRASIL, 2017).

Outra novidade do primeiro ciclo, que mostrou ser o embrião de uma agressiva internacionalização mercantil e da financeirização da educação superior nas décadas de 2000 e 2010, foi instaurada pelo Decreto 2.306 (BRASIL, 1997), ao dispor que as entidades mantenedoras poderiam assumir quaisquer formas admitidas em direito, de natureza civil e comercial, e quando constituídas como fundações seriam regidas pelo artigo 24 do Código Civil Brasileiro (BRASIL, 2002). Em termos práticos, a possibilidade de opção das instituições pela forma jurídica lucrativa (for profit) foi disciplinada, e assim as mantenedoras passaram a ser classificadas como entidade mantenedora de instituição sem finalidade lucrativa ou entidade mantenedora de instituição particular com finalidade lucrativa. Segundo Fávero e Sguissardi (2012), no período entre 1999 e 2010, o subsetor lucrativo do setor privado cresceu 420% no total de matrículas, e o subsetor não lucrativo, decresceu 32,3%.

A despeito das novas oportunidades de negócio no mercado de educação superior privado, a expansão do setor começou a dar sinais de exaustão, manifestado pelo número de vagas ociosas. O Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) criado em 1999 (BRASIL, 1999), teria dado novo fôlego às instituições privadas.

Em 2001, o Congresso aprovou a Lei que estabelece o Plano Nacional de Educação (PNE), previsto pela Constituição Federal. Este Plano foi aprovado com nove vetos presidenciais, alusivos à ampliação do financiamento para a educação, sendo cinco deles diretamente ligados a educação superior.

Com a eleição de Lula em 2003, fortes expectativas se formaram, no sentido de uma reorientação da política educacional para a educação superior em direção ao cumprimento do PNE e à democratização do sistema, isto é, de participação mais equilibrada neste espaço por diferentes setores da sociedade. Entretanto, o diagnóstico do PT sobre a educação superior no primeiro mandato foi que o setor público estava imerso em crise fiscal e sem investimento do Estado, e o setor privado enfrentava crises de inadimplência e de aumento de vagas não ocupadas nos processos seletivos. Tal diagnóstico motivou a composição, em outubro de 2003, do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) que propôs, entre outros, a reposição do quadro docente, a expansão e ampliação das vagas e o refinanciamento da universidade pública.

Foram numerosas as ações do Estado para a educação superior no primeiro mandato de Lula da Silva: em 2003, o Decreto que dispõe sobre os centros universitários; em 2004, que cria as Parcerias Público-Privadas; o que elevou os Centros Federais de Educação Tecnológica à categoria de IES e o que regulamentou as fundações de apoio privadas no interior das instituições federais; e, a Lei de Inovação Tecnológica; em 2005, a instituição do Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Decreto sobre educação a distância; em 2006, Decreto criando a Universidade Aberta do Brasil e o Decreto estabelecendo o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior. Este prevê que o exercício de atividade docente não se sujeita à inscrição em órgão de regulamentação profissional, fragilizando ainda mais o status profissional docente.

Um balanço do período indica que as políticas de educação superior postas em prática no primeiro mandato do governo Lula fizeram uma “privatização amena” da educação superior. Trópia (2009) considera que interesses de classes dominantes, como os do capital financeiro, foram atendidos, com apoio da burocracia estatal, do MEC, da burguesia nacional industrial, da nova burguesia do setor de serviços, de setores das classes médias e de setores das classes populares.

A partir de 2007, em função das resistências e críticas ao primeiro mandato, algumas políticas voltadas para a educação superior público, particularmente para as universidades federais, foram idealizadas e implementadas, com destaque para o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), que criou novos campi ou aumentou unidades de instituições antigas, ampliando o número de vagas discentes e exigindo a abertura de vagas docentes em volume sem precedentes desde o começo do sistema de educação superior no país. A oferta de educação pública foi ampliada, simultaneamente ao ajuste do modelo das instituições públicas às condições do mercado, pela adoção de otimização de recursos e busca de eficiência.

Em 2012, Dilma Rousseff foi eleita a primeira mulher Presidente da República. Sua eleição apertada prenunciou as dificuldades que se seguiriam nos seus dois mandatos. A oposição, representada sobretudo pelo PSDB, foi incansável na crítica política e econômica dessas gestões, alimentando uma conjuntura de grande instabilidade. A sucessão de Ministros da Educação no período, especialmente a partir de seu 2º mandato, ilustra bem a turbulência das gestões de Rousseff até seu impeachment, em 2016. Muitos autores entendem que o governo Dilma intensificou práticas alinhadas a uma política de estabilidade voltada para o crescimento da economia nacional, por meio de um discurso baseado na sustentabilidade econômica, em detrimento da redistribuição de renda (ZANARDINI; RODRIGUES, 2016). Ferreira (2012, p. 468) assim resume as ênfases das gestões de Rousseff quanto a educação superior: “inovação, empreendedorismo, competitividade, formação e atração de capital humano, mobilidade internacional, universidade como agente de desenvolvimento econômico e social, foco em áreas estratégicas/prioritárias de estudo e de pesquisa, internacionalização da educação superior”. A despeito do alinhamento de Dilma Rousseff a interesses do credo neoliberal, a crise econômica mundial de 2008, com efeitos sentidos na América Latina a partir de 2013, pode ter minado a manutenção do lulismo como estratégia econômica, política e social, levando ao processo de impeachment em 2016, e, posteriormente, a vitória do candidato Jair Bolsonaro, em 2018.

A moldura espelhada e desdobrada no real: condições de trabalho docente

As mudanças e descontinuidades pelas quais vem passando o Censo da Educação Superior desde 1995 não permitem uma análise mais substantiva acerca das características do trabalho docente como, por exemplo, carga horária e número de disciplinas ministradas. Ainda que se observe os avanços do instrumento de coleta de dados das IES entre a primeira e a última edição analisada, para fins de comparação, foram utilizadas quatro variáveis dos microdados do Censo da Educação Superior de 1995, 2005 e 2015: número de funções docentes, escolaridade, formato organizacional de atuação e regime de trabalho. Duas chaves de leitura foram utilizadas para a análise: comparação das redes pública e privada9 e a comparação de eventos segundo organização acadêmica.

A) Trabalho docente nas redes pública e privada

Crescimento do número de docentes na educação superior

Tributária de impulsos governamentais, como vimos, a década de 1990 foi decisiva em termos de mudanças nos formatos institucionais e nas condições de atuação docente na educação superior brasileira. Nela, os setores público e privado ampliaram o número de matrículas e de instituições, criaram novos cursos e percursos formativos. Até então, as IES públicas tinham o maior número de professores, ainda que as matrículas no setor privado tenham ultrapassado o público já na década de 1970. Na virada do século a relação é invertida e passa a ser maior o número de docentes atuando na rede privada, conforme indica a Tabela 1, na qual são apresentados os números absolutos e os termos relativos, adotando-se o índice 100 para 1995.

Tabela 1 Crescimento do número de funções docentes* da educação superior por ano segundo categoria administrativa, Brasil - 1995, 2005 e 2015 (1995 = 100) 

Ano Pública Privada Total
1995 76268 (100) 69022 (100) 292504 (100)
2005 98033 (129) 194471 (282) 383436 (201)
2015 161154 (211) 222282 (322) 383436 (264)

Fonte: Elaboração própria a partir dos Censos da Educação Superior.

* Função docente está sendo considerada como o vínculo do docente com a instituição em que leciona, portanto, cada docente é contado uma única vez.

O período 1995-2005 foi determinante para o crescimento do setor privado. Instrumentos legais (como o decreto de 1997 que regulou a forma jurídica lucrativa), a maior/forte colonização de seus representantes no CNE e a presença dos novos grupos educacionais de capital aberto foram fundamentais para a expansão do setor. Dessa maneira, o primeiro ciclo de políticas trouxe um novo perfil para a profissão docente no país, já que foi no período que, pela primeira vez na história do sistema de educação superior, havia mais professores atuando no setor privado do que no público. Vale lembrar que até bem pouco tempo, a maior parte dos docentes atuava nas universidades federais, como catedráticos, em regime de tempo integral e dedicação exclusiva.

O começo do período seguinte marca a retomada do número de docentes no setor público. É possível observar na série histórica que é a partir de 2006 que o setor retoma discretamente sua participação no número de funções docentes sem, contudo, atingir o nível das décadas anteriores.

Fonte: Elaboração própria a partir dos Censos da Educação Superior.

Gráfico 1 Proporção de funções docentes por categoria administrativa, Brasil - 1995 a 2015 

É justamente no segundo ciclo que é implementado o Reuni, talvez a mais importante e impactante ação quanto à contratação de professores do setor público, na medida em que aumentou o número de vagas discentes, ampliando sua oferta para cursos noturnos. Também criou novos campi ou aumentou unidades de instituições antigas, a fim de atender ao propósito de interiorização. Como consequência, exigiu a abertura de vagas docentes em volume sem precedentes nas últimas décadas. No período entre 2005 e 2015, houve um aumento de 65% no número de docentes atuando em instituições públicas, ao passo que no setor privado o crescimento foi de 14%. Ainda que menor, é possível que uma das razões para o crescimento dos postos de trabalho docente no setor privado esteja relacionada ao ProUni (2005) e à reformulação do FIES.

A relação entre a expansão dos postos de trabalho e o número de matrículas discentes é um indicador central das condições de trabalho dos professores universitários. O período analisado mostrou o aumento dessa relação: no setor público, passou de 9, em 1995, para 11, em 2015 e, no setor privado, de 15 para 22, no mesmo período (BRASIL, 2015). Somado a outras características da atividade, como regime de trabalho, esse é um importante medidor da qualidade de trabalho docente.

Aumento da qualificação docente na educação superior

O mercado para docência não apenas dobrou de tamanho, mas também se tornou mais qualificado. Além de ser um efeito imediato da expansão da oferta de programas de pós-graduação, outro fator a ser considerado é a regulamentação da educação superior desde a LDB (BRASIL, 1996), que deu ênfase à formação em nível de pós-graduação, em programas de mestrado e doutorado. Relembramos que a Lei estipula para as universidades que um terço dos docentes tenham titulação de mestrado ou doutorado e, mais recentemente, que centros universitários apresentem a mesma proporção de docentes com mestrado ou doutorado (BRASIL, 2006). A Tabela 2 apresenta esse crescimento por categoria administrativa. No setor público, é bem expressivo o aumento de doutores atuando como docentes: em 1995 eram 24% do total; em 2005, 40%; e, em 2015, 59%. No setor privado, em comparação com o público, há menor número de doutores, ainda que o crescimento dos docentes com esse nível de qualificação no setor tenha aumentado quase 10 vezes.

Tabela 2 Docentes da educação superior pelo nível de qualificação, segundo categoria administrativa, Brasil - 1995, 2005 e 2015 

Pública Privada
Escolaridade 1995 2005 2015 1995 2005 2015
Sem graduação 536 (1%) 30 (0%) 7 (0%) 294 (0%) 17 (0%) 5 (0%)
Com graduação 15.929 (21%) 13.596 (14%) 6.003 (4%) 18.314 (27%) 23.560 (12%) 475 (0%)
Especialização 20.052 (26%) 18.059 (18%) 15.547 (10%) 32.475 (47%) 68.834 (35%) 68.376 (31%)
Mestrado 21.810 (29%) 27.023 (28%) 44.695 (28%) 13.072 (19%) 78.091 (40%) 107.225 (48%)
Doutorado 17.941 (24%) 39.325 (40%) 94.902 (59%) 4.867 (7%) 23.969 (12%) 46.201 (21%)
Total 76.268 (100%) 98.033 (100%) 161.154 (100%) 69.022 (100%) 194.471 (100%) 222.282 (100%)

Fonte: Elaboração própria a partir dos Censos da Educação Superior.

A expansão observada no setor público, principalmente no número de professores doutores, deve-se não apenas à exigência legal de maior número deles em instituições características do setor público (universidades), mas também ao prêmio salarial pago por titulação. De natureza estatutária, o setor tem plano de carreira com adicionais acrescidos a cada titulação e tempo de serviço. Outro ponto a ser considerado é a exigência legal que, desde 2013, estipula que os concursos públicos para docente tenham como requisito de ingresso o título de doutor na área exigida no concurso10. Professores com especialização vêm se retraindo no setor público e privado, mas neste último ainda têm maior atuação.

Nesse contexto é importante considerar também as características da formação do professor da educação superior no país. A versão original da LDB de 1996 (BRASIL, 1996) previa que a preparação para o exercício do magistério superior se faria em nível de pós-graduação, em programas de mestrado e doutorado, acompanhados da respectiva formação didático-pedagógica, inclusive de modo a capacitar o uso das modernas tecnologias de educação. Já a versão promulgada omitiu, no texto final, o seguinte trecho: “acompanhados da respectiva formação didático-pedagógica, inclusive de modo a capacitar o uso das modernas tecnologias de ensino”, retirando, assim, a ênfase didático-pedagógica. Portanto, na prática, o critério de ingresso para a docência na educação superior tem sido somente o conhecimento específico da área e a titulação acadêmica.

Da mesma forma, o docente da educação superior não se vale de uma norma de “valorização do magistério”, como, muito justamente, a Lei N. 11.738, que trata do piso salarial dos professores da educação básica pública (BRASIL, 2008) o faz, ou de uma política nacional de formação de profissionais do educação superior, como a prevista para a educação básica (BRASIL, 2016). Outro indicativo dessa desprofissionalização, porquanto não previsto para outras carreiras, está exposto no parágrafo único do artigo 66 da LDB, ao indicar que “o notório saber, reconhecido por universidade com curso de doutorado em área afim, poderá suprir a existência de título acadêmico”. Esse quadro certamente desfavorece a carreira docente, sobretudo na educação privada, beneficiando o empresariado da educação superior, na medida em que pode diversificar condições de contratação e de trabalho de seus docentes, com efeitos possíveis de compressão de níveis salariais. Também é um problema a previsão legal da gestão democrática na educação apenas para as instituições públicas.

Regime de trabalho docente

No que se refere ao regime de trabalho para fins de remuneração, este divide-se em tempo integral, parcial e horista. Conforme o regime de trabalho para fins de remuneração, a norma pós-LDB (BRASIL, 1996) é a Portaria Normativa 21 (BRASIL, 2017), que especifica: a) docente em tempo integral: contratado com 40 horas semanais de trabalho na mesma instituição, reservado o tempo de pelo menos 20 horas semanais a estudos, pesquisa, trabalhos de extensão, gestão, planejamento, avaliação e orientação de estudantes; b) docente em tempo parcial: contratado atuando com 12 ou mais horas semanais de trabalho na mesma instituição, reservado pelo menos 25% do tempo para estudos, planejamento, avaliação e orientação de estudantes; e, c) docente horista: contratado pela instituição exclusivamente para ministrar aulas, independentemente da carga horária contratada, ou que não se enquadrem nos regimes de trabalho anteriormente definidos. Nas IES públicas, predomina o docente em tempo integral, e com contrato com adicional de remuneração por titulação e por dedicação exclusiva; nas privadas é bem mais comum o docente em tempo parcial e o horista.

Os profissionais de educação que atuam no sistema público, geralmente, são estatutários, conforme a Constituição Federal (BRASIL, 1988), o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis (BRASIL, 1997) e a LDB (BRASIL, 1996, alterada em BRASIL, 2006; 2017). Para os professores de instituições privadas ou contratados em regime especial pelas instituições de públicas, o regime de trabalho é, via de regra, de natureza contratual, sem plano de carreira, regido pelas regras previstas na Constituição e na LDB.

Em 2015, metade dos professores da educação superior no país atuava no regime de trabalho integral, 27% no regime parcial e 23% no horista. O quadro se diferencia do de 1995, quando não havia o formato de contratação horista e era maior o número de docentes atuando em tempo parcial (56%), conforme indica a Tabela 3.

Tabela 3 Docentes da educação superior por regime de trabalho, segundo categoria administrativa e ano, Brasil - 1995, 2005 e 2015 

Pública Privada
Regime de trabalho 1995 2005 2015 1995 2005 2015
Parcial 22.226 (29%) 18.059 (18%) 18.051 (11%) 59.539 (86%) 48.045 (25%) 84.885 (38%)
Integral 54.042 (71%) 72.438 (74%) 137.164 (85%) 9.483 (14%) 32.224 (17%) 55.337 (25%)
Horista 0 7.536 (8%) 5.939 (4%) 0 114.202 (59%) 82.060 (37%)
Total 76.268 (100%) 98.033 (100%) 161.154 (100%) 60.022 (100%) 194.471 (100%) 222.282 (100%)

Fonte: Elaboração própria a partir dos Censos da Educação Superior.

A categoria administrativa das instituições de ensino é uma variável fundamental na análise do regime de trabalho. Conforme referido, o setor público emprega seus docentes sobretudo no regime integral e é majoritariamente composto por universidades. Por outro lado, as instituições do setor privado, concentradas em faculdades e centros universitários, agrupam seus docentes em regimes de trabalho parcial ou horista.

Um sistema de educação superior diversificado possui uma hierarquia de instituições e de cursos relativamente ampla, estabelecida de acordo com sua natureza institucional. Essa característica fica mais evidente a partir de meados do século XX, quando elementos como a valorização do conhecimento científico, aspirações de mobilidade social por meio do sistema educacional, transformações no conteúdo das profissões, entre outros, aumentaram a demanda pela credencial de educação superior (MARTINS, 2009). O caráter global dessa dinâmica tem também como características, de acordo com Prates e Collares (2014), a ampliação da lógica empresarial como paradigma de gestão e o processo de diversificação das funções institucionais das IES. Essas mudanças tiveram impactos significativos em termos de crescimento e flexibilização da educação superior.

Aumento e diversificação das funções e formatos das IES

Uma das consequências do processo de diferenciação institucional é a estratificação das instituições, que passam a ser marcadas pela distinção entre tipos de organização e tipos de curso, turno, habilitação, entre outros. Esse processo conforma uma forma de desigualdade qualitativa que, mesmo com a expansão da educação superior, mantém chances de acesso discente e docente a caminhos mais ou menos seletivos e prestigiados do sistema, noção que corresponde ao modelo analítico da “desigualdade efetivamente mantida” (LUCAS, 2001). Como visto, desde a LDB de 1996, uma série de medidas facilitou a criação de novos formatos de instituição de educação superior, que, passando por todos os decretos promulgados a partir da Lei, subdividiram-se, sobretudo, em universidades, faculdades e centros universitários. Os novos formatos de organização acadêmica e a maior autonomia permitiram, especialmente no setor privado, a multiplicação de instituições, matrículas, cursos e áreas.

Faculdades são o tipo de organização acadêmica que predominam no sistema de educação superior, com 84% das instituições, seguidas pelas universidades (8%), centros universitários (6%) e Institutos Federais e Cefets (2%). Essa proporção, contudo, praticamente se inverte quando se trata do número de matrículas: a universidade é a forma de organização acadêmica que concentra o maior número de matrículas (53%), seguida por faculdade (28%) e centro universitário (17%) (BRASIL, 2015). São também as universidades que detém o maior número de postos de trabalho docente (54%), seguida pelas faculdades (31%), centros universitários (11%) e Institutos Federais e Cefets (5%). Durante o período analisado, as universidades diminuíram a fatia que ocupavam no sistema de educação superior para dar lugar às faculdades e centros universitários, o que se dá, fundamentalmente, pela atuação do setor privado, conforme indica a Tabela 4.

Tabela 4 Docentes por organização acadêmica, segundo categoria administrativa e ano, Brasil - 1995, 2005 e 2015. 

Pública Privada
Organização acadêmica 1995 2005 2015 1995 2005 2015
Universidade 77.573 (89%) 86.492 (88%) 137.452 (83%) 37.075 (50%) 72.785 (37%) 71.512 (32%)
Faculdades 600 (1%) 6.131 (6%) 9.207 (6%) 12.651 (17%) 85.415 (44%) 110.307 (50%)
Centros Universitários 0 512 (1%) 1.249 (1%) 0 32.118 (17%) 40.463 (18%)
Outros * 8.752 (10%) 4.898 (5%) 17.814 (11%) 24.994 (33%) 4.153 (2%) 0
Total 86.925 (100%) 98.033 (100%) 165.722 (100%) 74.720 (100%) 194.471 (100%) 222.282 (100%)

Fonte: Elaboração própria a partir dos Censos da Educação Superior.

Nota: Em 1995, outros equivale a estabelecimentos isolados; em 2005, a CET/Fat; em 2015, a IF e CEFET.

Em 2015, chega a 83% o percentual de docentes do setor público atuando em universidades. Já o setor privado, que tem boa parte de seus docentes em faculdades, vem diminuindo o quadro nas universidades e ampliando o número de professores em centros universitários, que não apresenta como requisito a pesquisa indissociável ao ensino e à extensão.

O primeiro ciclo de políticas foi determinante para o crescimento do setor privado. Em meio ao processo de reforma da educação superior e de diversificação institucional, o número de professores contratados em estabelecimentos isolados, faculdades e centros universitários cresce acima de 200% no período. O segundo ciclo fortalece a expansão das universidades públicas, com impactos na contratação docente do setor, que cresce 80% no período.

Detentoras de maior prestígio acadêmico, as universidades públicas absorvem o maior número de docentes com doutorado, estimulados a desenvolverem, além da docência, atividades de pesquisas e extensão. Ainda: as universidades de pesquisa se contrapõem em formato e prestígio às universidades de ensino. Faculdades e centros universitários são, guardadas as devidas particularidades, definidas a partir das atividades de ensino.

A diferenciação da organização acadêmica das IES resulta em uma estratificação que coloca no topo da hierarquia as universidades, majoritariamente presentes no setor público e, na outra ponta, faculdades e centros universitários, organizações presentes no setor privado. Uma série de estudos (VARGAS, 2010; PRATES E BARBOSA, 2014; HONORATO et al., 2019) mostra que, a despeito da expansão, as desigualdades permanecem nas chances de acesso aos caminhos mais seletivos e prestigiados do sistema. Aqui, argumenta-se que o mesmo processo acontece com os docentes.

Condições de trabalho docente na educação superior: o que os dados apontam

Do ponto de vista do trabalho docente, toda essa movimentação surte efeitos preocupantes, já retratados pela pesquisa educacional. Por exemplo, pesquisa sobre o trabalho docente realizada em 2013 em uma instituição do maior grupo educacional no país, concluiu que “o avanço do capital na exploração do trabalhador docente despreza a natureza do trabalho pedagógico e as implicações políticas e sociais envolvidas, ao intensificar e precarizar as condições de trabalho” (SANTOS et al., 2013, p. 75). Destacam as autoras, para o caso, que “a instituição não busca um profissional com titulação máxima; ao contrário, as contratações, em quase sua totalidade, priorizam docentes especialistas, pois o valor da hora/aula é menor. A instituição visa, a todo custo, o enxugamento da folha para aumentar os ganhos em escala” (SANTOS et al., 2013, p. 90). O professor, nesse caso horista, estará envolvido com muitas turmas, muitas vezes superlotadas, repetindo inúmeras vezes o mesmo conteúdo, que será mais ou menos padronizado.

Ocorre também de ter que se desdobrar em várias disciplinas. Tudo isso, obviamente, sem condições para desenvolver pesquisa, extensão e maior qualificação, sendo, frequentemente, alvo de pressões mais ou menos explícitas por parte das empregadoras. Cabe a comparação com outras profissões qualificadas, nas quais o profissional não precisa ter mais de dois ou três empregos para obter um salário razoável (SANTOS et al., 2013). Na mesma direção estão os achados de Sebim (2015), analisando o trabalho docente no processo de financeirização do educação superior pelo caso da Kroton no Espírito Santo. Pontua que as IES pertencentes a grandes conglomerados educacionais, reúnem um conjunto de elementos que contribuem para: rebaixamento salarial; exploração docente; separação entre o planejamento e a execução; aumento das demissões e da rotatividade; menor exigência quanto ao nível de formação dos professores; diminuição da carga horária com aumento da quantidade de trabalho.

No que diz respeito a uma mal disfarçada mercantilização da educação pública, preconizando que esta deveria ser encarada como Setor dos Serviços Não-Exclusivos do Estado (BOSI, 2007), passam a ser observados reflexos diretos na condição docente das universidades públicas, verificando-se a adoção de formas mais flexíveis de contratação, por meio de, por exemplo, contratos temporários (de até 24 meses) que ignoram planos de carreira e reduzem a remuneração ao tempo de trabalho de ensino, isto é, somente em sala de aula11. E ainda há, no setor público, a pressão por produtividade (aumento da quantidade de tarefas dentro de uma jornada de 40 horas semanais), o direcionamento do fomento para pesquisa a estudos percebidos como de potencialidade econômica e a perda da qualidade da produção, quando a quantidade passa a ser mais valorizada.

Diante desse cenário é possível apontar que as formas de contrato estratificam a profissão docente, de um lado, em torno de docentes centrais, mais qualificados, vinculados a universidades, com estabilidade ou não, mas com uma garantia mais ampla de direitos trabalhistas (seja como servidor público ou com contrato de trabalho regido pela CLT), e, docentes periféricos e/ou temporários, mais facilmente substituíveis, com menor qualificação, vinculados a instituições mais articuladas ao mercado, voltadas, basicamente, para a atividade de ensino, onde há maior presença de contratos de trabalho em tempo parcial ou mesmo por hora trabalhada em sala de aula. De maneira geral, os dados indicam as desigualdades no exercício da profissão docente na educação superior muito atrelada às características das condições de trabalho nos setores público e privado e, consequentemente, no tipo de organização institucional em que atuam.

Considerações finais

Neste trabalho procurou-se, a partir dos dados disponíveis nos Censos da Educação Superior, analisar as condições de trabalho dos docentes da educação superior partindo do debate acerca da ampliação das funções e formatos atribuídos às IES. Os dados disponíveis foram interpretados à luz das transformações ocorridas no país quanto às políticas para a educação superior nas últimas décadas, onde se destacou a moldura legal dos governos Fernando Henrique Cardoso (FHC/PSDB) e de Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (PT).

O governo de FHC deu início à maior diversificação da oferta e mercantilização do sistema. Foi introduzida nova classificação das instituições que compõem o sistema de educação superior, com maior diversificação funcional entre elas. O setor privado expandiu amplamente em número de matrículas, instituições e cursos. O primeiro mandato de Lula seguiu o processo de privatização do sistema, que agora passa a coexistir com as tentativas de ampliar o sistema de educação superior público. Esse período se destaca pela implementação de um modelo mais gerencial para as IES; pelo menor investimento e tentativa de expansão do setor público sem aumento de custos e de pessoal; pelo estabelecimento de um sistema centralizado de avaliação da educação superior; e pelo fortalecimento do setor privado pelo Conselho Nacional de Educação. As legislações para abertura e credenciamento de instituições e cursos foram determinantes para o aumento de postos de trabalho no setor privado. Os novos formatos institucionais permitiram que diversas instituições usufruíssem das prerrogativas da autonomia universitária, mas sem estarem obrigadas a cumprir seus pressupostos legais, especialmente no que se refere à pesquisa científica. Sem precisar investir em atividades de pesquisa, faculdades e centros universitários se tornaram verdadeiras empresas de ensino. As IES privadas passaram a concentrar o maior número de professores e grande parte deles passou a ser contratada em regime de tempo parcial ou como horista, dando novo perfil à profissão docente no Brasil.

No período seguinte, que vai do segundo mandato de Lula até a gestão de Dilma Rousseff, embora muitos dos aspectos relacionados à modernização e, com efeito, da mercantilização do sistema tenham se mantido, houve maior investimento e expansão da rede pública, com destaque para programas como o Reuni. A rede federal se expandiu e teve um alívio em termos do contingenciamento que vinha se mantendo no período anterior. A contratação de professores via concurso público, em regime de trabalho integral e com dedicação exclusiva, acompanhou o crescimento no número de universidades, campi e matrículas, embora a tendência de precarização das condições de trabalho tenha se intensificado, como apontam trabalhos que tratam do tema a partir de dados qualitativos.

O processo de manutenção das desigualdades em determinado segmento de ensino, ainda que dada a expansão do acesso - desigualdade efetivamente mantida - tem impactado não apenas os percursos e trajetórias estudantis, mas também as condições do trabalho docente. No campo da atuação dos docentes de educação superior essas desigualdades se expressam no tipo de instituição que lecionam, o que é fortemente relacionado ao setor que atuam, se público ou privado. A análise indicou a centralidade do formato institucional na conformação das condições de trabalho docente, uma vez que docentes do setor público, atuando em universidades, tem garantia mais ampla de direitos trabalhistas (seja como servidor público ou com contrato de trabalho regido pela CLT) e melhores condições de trabalho enquanto os profissionais do setor privado, atuando em instituições mais modernas e articuladas ao mercado, voltadas, basicamente, para a atividade de ensino, são contratados, majoritariamente, em tempo parcial ou mesmo por hora trabalhada em sala de aula. É por isso que no setor público a maior parte das funções docentes parece se caracterizar como central, onde predomina o trabalho em tempo integral e em universidades. No setor privado, pelo tipo de regime de trabalho e pela natureza das funções institucionais das organizações predominantes no setor - faculdades e centros universitários - a maior parte das funções docentes se caracteriza como periférica. No entanto, os dados mostram que tem havido diminuição da participação dos docentes horistas, isto é, o subgrupo mais precarizado daqueles classificados como docentes periféricos e/ou temporários, com menor status. São necessários maiores estudos que deem conta de explicar as tendências do setor privado, principalmente quanto à diminuição dos horistas.

Além da flexibilização das formas contratuais de trabalho, é importante considerar as alterações na dinâmica da atuação docente a partir do aumento das atividades de ensino, pesquisa e extensão e da intensificação da lógica gerencialista em suas práticas. No setor público, isso se apresenta mais fortemente por conta da implementação de um sistema produtivista imposto pelas agências governamentais (Capes, CNPq e agências estaduais) e pelo direcionamento do fomento de pesquisa a estudos mais vinculados à dinâmica do mercado, o que representaria uma precarização em outros moldes daqueles encontrados nas flexibilizações dos contratos de trabalho. Somam-se a isso as condições físicas e estruturais das universidades que, em tempos de cortes orçamentários, se traduzem na manutenção precária da infraestrutura doscampi.

O desafio está, portanto, em buscar caminhos para a melhoria das condições de trabalho dos docentes que atuam tanto nas instituições de ensino menos prestigiadas quanto nas universidades públicas de maior prestígio, em constante ameaça desde, pelo menos, 2016, quando o cenário de corte de gastos atingiu com força os setores educacionais e de saúde. Por isso é fundamental analisar, a partir da chegada de Michel Temer ao poder em 2016 e de Jair Bolsonaro em 2019, as mudanças na contratação por setor que, possivelmente, aprofundarão a rota de mercantilização observada na série histórica analisada, com destaque para as tentativas de financeirização das IES públicas que, possivelmente, alterarão o regime de trabalho e, consequentemente, as condições de atuação docente.

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1A precarização do trabalho diz respeito a um processo econômico, político e social que tem como características a informalidade, terceirização, flexibilização e desregulamentação trabalhista, perda salarial, instabilidade, adaptabilidade e fragmentação dos movimentos de trabalhadores. As condições de trabalho são relativas às circunstâncias nas quais esse processo ocorre. Para saber mais, ver Harvey, 1992 e Castel, 1998.

2Regime de trabalho é entendido como o tempo que o trabalhador deve prestar o serviço pelo qual foi contratado ou estar à disposição de seu empregador, de acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho brasileira.

3Segundo Siqueira (2006), entre 1960 e 1965, todos os números da educação superior público superavam os da educação privado. Em 1970 o setor privado passa a ter maior número de matrículas e de instituições, mas é só no final da década de 1990 que passa a ter, também, maior número de docentes.

4De forma geral, a abordagem do ciclo de políticas “permite a análise crítica da trajetória de programas e políticas educacionais desde sua formulação inicial até a sua implementação no contexto da prática e seus e efeitos” (MAINARDES, 2006, p. 48).

5O Censo da Educação Superior, realizado anualmente pelo Inep, reúne informações sobre as instituições de educação superior, seus cursos de graduação presencial ou a distância, cursos sequenciais, vagas oferecidas, inscrições, matrículas, ingressantes e concluintes e informações sobre docentes nas diferentes formas de organização acadêmica e categoria administrativa. Os dados são coletados a partir do preenchimento dos questionários, por parte das IES e por importação de dados do Sistema e-MEC. Os microdados se constituem no menor nível de desagregação dos dados recolhidos e estão disponíveis no site do Inep. De modo geral, as variáveis relacionadas aos docentes não permitem análises mais detalhadas da sua atuação, o que incluiria, por exemplo, carga horária e número de turmas e disciplinas ministradas. Essas informações estão disponíveis, a título de comparação, no Censo da Educação Básica, que é mais completo que os dados do Censo da Educação Superior, mesmo o Inep sendo o órgão responsável pelo levantamento das estatísticas educacionais dos dois segmentos de ensino. Um dado fundamental para entender essa diferença está na relação de matrículas entre os setores público e privado. O sistema de ensino básico no Brasil tem quatro em cada cinco alunos estudando em escolas públicas. Na educação superior a relação se inverte, são três em cada quatro estudando em instituições do setor privado.

6Os regulamentos sobre o sistema federal de educação superior, que abarca as instituições federais e as privadas, e as normativas sobre avaliação, supervisão e regulação do sistema, constituirão os documentos legais mais detalhados sobre o sistema.

7Para saber mais sobre o princípio de autonomia, ver artigo 207 da Constituição Federal (BRASIL, 1988) e artigo 53 da LDB (BRASIL, 1996).

8Sucessivamente, legislações vão alterando a nomenclatura e a ordem de apresentação das IES, hoje estabelecidas como I - faculdades; II - centros universitários e III - universidades, pelo Decreto 9235/2017.

9Como os dados para IES lucrativas e não lucrativas só aparecem no Censo em 1999, optou-se por usar a distinção entre setor público e privado, embora seja importante observar as diferenças que marcam as IES, notadamente entre as do setor privado com e sem fins lucrativos.

10Em 2012 foi publicada medida provisória que altera a Lei 12.772, passando a exigir o título de doutor para aprovação em concursos públicos, com exceção para área de conhecimento ou localidade com carência de doutores (BRASIL, 2012).

11No setor público, em 2015, 109.125 (80%) docentes trabalham em regime de dedicação exclusiva, enquanto 28.038 (20%) trabalham sem dedicação exclusiva. Destes sem dedicação exclusiva, 9.240 (33%) eram professores substitutos. Já no setor privado, um em cada quatro professores exercem a profissão no regime integral. No entanto, uma pequena parte dos professores que atua em tempo integral nas instituições privadas são contratados com dedicação exclusiva - apenas 5% (BRASIL, 2015).

Recebido: 01 de Junho de 2020; Aceito: 20 de Janeiro de 2021

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