SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.21 número71Interpretações de Nestor dos Santos Lima sobre a docência em instituições profissionais brasileiras e argentinas (1923)A construção de saberes no desenvolvimento profissional docente: narrativas de professores do IFPI índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista Diálogo Educacional

versão impressa ISSN 1518-3483versão On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.21 no.71 Curitiba out./dez. 2021  Epub 26-Jan-2022

https://doi.org/10.7213/1981-416x.21.071.ds10 

Dossiê

Formação continuada crítico-reflexiva: um caminho para profissionalidade do professor técnico

Critical-reflective continuing education: a path to technical teacher professionality

Formación continua crítico-reflexiva: un camino para profesionalidad del profesor técnico

Marta Pastor da Silva Barretoa 
http://orcid.org/0000-0002-0955-1445

Úrsula Cunha Anecletob 
http://orcid.org/0000-0002-3027-9474

aSecretaria de Educação do Estado da Bahia, Valente/BA, Brasil. Mestra em Educação e Diversidade (PPED/UNEB). E-mail: martapastor77@gmail.com.

bUniversidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Feira de Santana, BA, Brasil. Pós-doutoranda em Educação e Contemporaneidade (PPGEDUC/UNEB). E-mail: ucanecleto@uefs.br.


Resumo

Este artigo tem como objeto de estudo o processo de formação continuada para professores técnicos em um Centro de Educação Profissional do Semiárido, no Território de Identidade do Sisal, na Bahia, focalizado a partir de atitude orientada ao consenso, pelo viés de uma racionalidade comunicativa. Esse processo formativo é discutido com interfaces de saberes e práticas pedagógicas buscando contribuir para o desenvolvimento da profissionalidade docente do professor técnico, por meio da reflexão de concepções e de práticas pedagógicas. Assim, este artigo busca compreender como a formação continuada favorece o sobrepujamento do agir estratégico docente para um agir comunicativo na prática de ensino a fim de refletir sobre sua profissionalidade docente. A metodologia está embasada nos conceitos da pesquisa colaborativa, desenvolvida a partir de sessões reflexivas e de entrevistas semiestruturadas com professores técnicos sobre seu fazer docente e sua profissionalidade. Como resultado, para que esses técnicos tenham mais identificação com a docência, aponta-se a importância de processos formativos no espaço escolar, que surjam das próprias realidades educativas locais, de forma dialógica e engajada e contribuam para a ressignificação do trabalho do professor, no sentido de possibilitar uma compreensão colaborativa do seu fazer educacional e uma transmutação nas ações pedagógicas desses professores técnicos.

Palavras-chave: Formação Continuada; Racionalidade Comunicativa; Educação Profissional; Profissionalidade Docente

Abstract

This article has as its object of study the continuing education process for technical teachers in a Professional Education Center in the Semiarid Region, in the Territory Identity of Sisal, in Bahia, focused on from a consensus-oriented attitude, through the bias of a communicative rationality. This training process is discussed with interfaces of knowledge and pedagogical practices seeking to contribute to the development of the professionality of this technical teacher, through the reflection of pedagogical conceptions and of practices. Thus, this article seeks to understand how continuing education favor the overcoming of strategic teaching action for a communicative action in teaching practice in order to reflect on their teaching professionality. The methodology is based on the concepts of collaborative research, developed from reflective sessions and from semi-structured interviews with technical teachers about their teaching activities and their professionality. As a result, for these technicians to have more identification with teaching, the importance of training processes in the school space is pointed out, that arise from their own local educational realities, in a dialogical and engaged way and contribute to the redefinition of the teacher's work, in order to enable a collaborative understanding of their educational work and a transmutation in the pedagogical actions of these technical teachers.

Keywords: Continuing Education; Communicative Rationality; Professional Education; Teaching professionality

Resumen

Este artículo tiene como objeto de estudio el proceso de formación continua para profesores técnicos en un Centro de Educación Profesional del Semiárido, en el Territorio de Identidad de Sisal, Bahía, enfocada desde una actitud orientada al consenso, a través del sesgo de una racionalidad comunicativa. Este proceso formativo es discutido con interfaces de saberes y prácticas pedagógicas buscando contribuir para el desarrollo de la profesionalidad de este profesor técnico, por medio de la reflexión de conceptos y de prácticas pedagógicas. Así, este artículo busca comprender cómo la formación continua permite la superación de la actuación estratégica docente para una acción comunicativa en la práctica de enseñanza para reflexionar sobre su profesionalidad docente. La metodología se basa en los conceptos de la investigación colaborativa, desarrollada a partir de sesiones reflexivas y de entrevistas medio-estructuradas con profesores técnicos sobre su hacer docente y su profesionalidad. Como resultado, para que estos técnicos tengan una mayor identificación con la docencia, se apunta para la importancia de procesos formativos en el espacio escolar, que surjan de las propias realidades educativas locales, de forma dialógica y engajada y contribuyan para la resignificación del trabajo del profesor, en el sentido de posibilitar una comprensión colaborativa de su hacer educacional y una transmutación en las acciones pedagógicas de estos profesores técnicos.

Palabras clave: Formación Continua; Racionalidad Comunicativa; Educación Profesional; Profesionalidad Docente

Introdução

O agir estratégico, em que os sujeitos agem voltados para um fim técnico-instrumental, conforme teoriza Habermas (2012), é fortemente presente nas ações educacionais, e está imbricado em inúmeras atuações docentes da Educação Profissional, por ser focada no mundo do trabalho. Contudo, a discussão por um processo educacional mais voltado para a interação, em que os sujeitos estabelecem uma relação interpessoal através do diálogo, tem sido frequente nos espaços educativos, o que leva a compreensão da importância de processos de formação continuada para professores técnicos da Educação Profissional.

Diferente do pensamento centrado na racionalidade instrumental do agir estratégico, em que os sujeitos buscam seu próprio sucesso individual, na racionalidade comunicativa apresentada pela Teoria do Agir Comunicativo (TAC), as pessoas traçam seus planos de ação individuais buscando respeitar a condição de que estes podem, em algum momento ou contexto, se harmonizar com uma definição comum de situação, consensuada por outros integrantes envolvidos no processo, através de uma comunicação dialógica e interativa (HABERMAS, 2012). Dessa maneira, à medida que o potencial inserido na ação comunicativa é desenvolvido, a racionalidade instrumental começa a se dissolver e abre espaço para “[...] argumentos procedentes e convincentes, em razão de propriedades intrínsecas com que é possível resolver ou refutar pretensões de validade” (HABERMAS, 2012, p. 61).

Por essa perspectiva, este artigo discute sobre a formação continuada de professores técnicos em um Centro de Educação Profissional do Semiárido (CEEP), no interior da Bahia, tendo como fio condutor o uso da linguagem em sua dimensão comunicativa, ou seja, a maneira com que os sujeitos capazes de linguagem e de ação fazem uso do conhecimento (HABERMAS, 2012), o que possibilita a constituição colaborativa entre os docentes. Para tanto, parte da seguinte questão de pesquisa: Como os processos formativos possibilitados pela formação continuada no Centro Estadual de Educação Profissional do Semiárido contribuem para o desenvolvimento da profissionalidade do professor técnico? Assim, objetiva-se compreender como essa formação continuada pode favorecer o sobrepujamento do agir estratégico docente para um agir comunicativo na prática de ensino, a partir de uma visão crítico-reflexiva, para que esses professores técnicos possam analisar suas intenções e atuações pessoais, além de explorar a natureza social e histórica de suas relações enquanto ator nas práticas educativas institucionalizadas, com vistas a alcançar sua profissionalidade docente.

Pensar uma formação continuada a partir dos pressupostos da racionalidade comunicativa, com sujeitos autônomos e emancipados, buscando estabelecer entendimentos mútuos e racionais, segundo Prestes (1996, p. 89), torna-se possível ao organizar critérios e estruturas educativas capazes de

Promover a capacidade discursiva daqueles que aprendem; promover condições favoráveis a uma aprendizagem crítica do próprio conhecimento científico; inocular a semente do debate, considerando os níveis de competência epistêmica dos alunos; promover a discussão pública sobre os critérios de racionalidade subjacentes às ações escolares [...]; estimular os processos de abstração reflexionante [...] e a partir realizar processos de aprendizagem, não só no plano cognitivo, como também político e social; promover a continuidade de conhecimentos e saberes de tradição cultural que garantam os esquemas interpretativos do sujeito e da identidade cultural.

Nesse sentido, um dos principais focos da formação continuada docente, oferecida aos técnicos que atuam como professores, são os processos de interação e de troca coletiva de conhecimentos construídos a partir das argumentações dos próprios docentes, que passam a dialogar entre si e a perceberem a necessidade de uma práxis pedagógica que promova aos estudantes a oportunidade de despertar e de usufruir de um ensino crítico e reflexivo; desenvolver atividades de ensino prático “reflexivas, no sentido de que estão voltadas para ajudar os estudantes a aprenderem a tornar-se proficientes em um tipo de reflexão-na-ação” (SCHÖN, 2000, p. 42).

Assim, a racionalidade comunicativa pode ser “um elemento mediador da prática de ensino, o que implica o aperfeiçoamento das capacidades de falar e agir [...]” (ANECLETO; BRENNAND, 2014, p. 61) dos sujeitos que fazem parte do espaço escolar. Essa racionalidade busca produzir entendimento entre os envolvidos nos processos de formação (professores técnicos, gestores escolares e estaduais, alunos) e proporciona ao professor formar-se como sujeito de uma ação cognitiva, ética e política em um mundo compartilhado com outros sujeitos.

Essa formação continuada procura embasar-se, também, em uma conexão sistemática de pretensões de validade (HABERMAS, 2012), que procura o sucesso nos processos de entendimento entre as pessoas através da linguagem. Pela racionalidade comunicativa, estabelece-se uma relação sujeito-sujeito (professores-formadores), de forma reflexiva, para chegar a um entendimento mútuo, diferente do sujeito-objeto (professores-objeto de formação), como ocorre na racionalidade instrumental.

Desse modo, os professores técnicos podem ampliar o seu processo formativo pela perspectiva da racionalidade comunicativa, através de um mundo da vida compartilhado com outros professores, produzindo, pelas próprias falas, entendimentos, acordos, aprendizagens para o movimento de reflexão sobre seu trajeto pedagógico e profissional, que irá constituir uma profissionalidade docente, entendida como “o conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser professor” (SACRISTÁN, 1999, p. 65).

Nessa perspectiva, este artigo apresenta um recorte de uma pesquisa mais ampla de maneira a ser possível responder à questão aqui apresentada e se subdivide em percurso metodológico, apresentando as escolhas metodológicas para o desenvolvimento da pesquisa, fundamentação teórica imbricada nas análises e discussões das informações construídas e, por fim, as considerações finais.

Percurso Metodológico

Ao pensar o método de pesquisa, buscando evitar simplificações e reducionismos, optou-se pela pesquisa colaborativa (IBIAPINA, 2008) que se desenvolve em diferentes etapas: descrição, informação, confronto e reconstrução. O delinear de uma pesquisa colaborativa perpassa pela ideia de concretização do processo reflexão-ação-reflexão para converter a prática em práxis, em que teoria e prática se transformam e se complementam. Por isso, Ibiapina (2008) considera a pesquisa colaborativa como uma atividade de coprodução de saberes, de formação e de desenvolvimento profissional. Nesse sentido, o ambiente de discussão a ser construído para o desenvolver da pesquisa colaborativa deve ser de autonomia e respeito mútuo. Para a autora, “investigar colaborativamente significa envolvimento entre pesquisadoras e professores em projetos comuns que beneficiem a escola e o desenvolvimento profissional docente” (IBIAPINA, 2008, p. 22).

Nesse processo, os docentes colaboradores não tiveram a obrigatoriedade de participar de todas as tarefas formais da pesquisa, cada qual contribuiu dentro de seu espaço de tempo e disponibilidade, sem cobranças e exigências, já que “colaborar não significa cooperar, nem tampouco participar, significa oportunidade igual e negociação de responsabilidade, em que os participes têm vez e voz em todos os momentos da pesquisa” (IBIAPINA, 2008, p. 33). As pesquisadoras, mediadoras das sessões reflexivas, ao se prepararem para organizar e intercambiar o processo dialógico do grupo, buscavam encorajar a participação dos participantes, no sentido de despertar nos docentes razões que os motivassem a permanecer na pesquisa.

Os princípios da pesquisa colaborativa orientaram os processos reflexivos, consequentemente formativos, que acorreram através da interação com participantes que colaboraram no processo reflexivo com questionamentos críticos que tornaram possíveis transpor em palavras as práticas e as teorias, contribuindo para a participação de sujeitos conscientes das suas ações e das teorias que orientam o agir do professor, bem como das possibilidades de transformá-lo (IBIAPINA, 2007).

A pesquisa foi desenvolvida através do dispositivo sessões reflexivas, que se sustentam nas quatro ações trazidas por Ibiapina (2008) e definidas por Smyth (1989 apudALARCÃO, 2011) como perguntas pedagógicas que se agrupam em quatro tipos fundamentais (descrição, interpretação, confronto e reconstrução) para facilitar o desenvolvimento profissional dos professores técnicos, na perspectiva de construção de emancipação e de criticidade. Segundo o autor,

As perguntas de descrição situam-se ao nível do que os professores fazem ou sentem. As de interpretação vão para mais longe e focalizam-se no significado das ações ou sentimentos. As perguntas do confronto trazem a novidade, e por vezes o incômodo, de outros olhares e podem vir a constituir-se com um rasgar de horizontes e início de mudança, da reconstrução e da inovação (SMYTH,1989 apudALARCÃO, 2011, p. 62).

Para nortear esse trabalho, voltado ao processo de formação dos professores técnicos, utilizou-se alguns desses questionamentos. O primeiro, relacionado à descrição, que leva o docente a refletir sobre o que já fez até aquele determinado momento. Ao se questionar sobre “o que realizei até aqui?”, esse professor técnico se coloca distante de suas ações para as visualizar, sendo possível observar e entender as ações que já realizaram; em segundo, vem a questão associada à informação; são perguntas como “qual o sentido dessas ações?” ou ainda “por que essas ideias são utilizadas?” que os fazem refletir a respeito das suas opções pedagógicas ao planejarem a prática docente; o terceiro é voltado para o confronto, em que se questiona “como cheguei a ser assim?”, “que tipo de aluno está sendo formado?”, em que os técnicos docentes realizam uma reflexão crítica sobre seu fazer pedagógico e o sentido de uma formação docente para o aperfeiçoamento do exercício de sua prática; a quarta questão, centrada na reconstrução, traz a inquietação e o desejo de construir novas ações docentes; são questionamentos sobre “como posso fazer diferente?”, “como poderia mudar minha prática?”. Para a realização dessas ações, organizou-se sessões reflexivas, entendendo-as

[...] como procedimento que motiva os professores a focalizar a atenção na prática docente e nas intenções de ensino e incentiva a criação de espaços de reflexão crítica que auxiliem no desenvolvimento da consciência do trabalho docente [...] (IBIAPINA, 2008, p. 96).

Os encontros foram realizados inicialmente de forma presencial e depois ganharam um formato on-line, através da plataforma Google Meet, em razão da pandemia da COVID-19. Essas sessões produziram encontros com os professores técnicos e possibilitaram conhecer as necessidades formativas desses participantes, suas inquietações e seus anseios relacionados ao exercício da docência.

Tem-se como participantes da pesquisa quatro tecnólogos em informática que atuam como docente no curso Técnico de Informática, com experiência docente de três anos em média, no Centro de Educação Profissional do Semiárido, em uma cidade do Território do Sisal, no estado da Bahia, espaço escolar de porte especial, instituído no âmbito do sistema público estadual de ensino. O Centro oferece cursos em quatro eixos diferentes, com capacidade para 24 turmas em oito cursos distintos e vagas para mais de 500 alunos, conforme dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE)1.

A profissionalidade do professor técnico

Os docentes, durante o exercício de sua profissão, trazem consigo experiências vivenciadas tanto em seus processos formativos e autoformativos quanto da prática escolar. As narrativas que emergiram durante as sessões se constituíram em um potencial reflexivo para o professor, pois esses sujeitos dialogaram com aspectos teóricos e práticos de sua vida profissional, interagindo com elementos do mundo da vida, entendido por Habermas (2012) como o contexto da comunicação linguística, onde acontece a práxis comunicativa do dia-a-dia. Ou seja, o processo de comunicação voltado ao entendimento e à busca de consensos através da fala, composto por instâncias interdependentes: cultura, sociedade e personalidade.

Dessa forma, a profissionalidade envolve condições psicológicas e culturais dos professores a serem consideradas em processos formativos que promovam transformações pedagógicas e levem ao aprimoramento da práxis dos professores técnicos em direção ao desenvolvimento pessoal e profissional, melhorando as condições de aprendizagem e a interrelação entre os atores educacionais em sala de aula, incentivando “a aquisição de uma consciência progressiva sobre a prática, sem desvalorizar a importância dos contributos teóricos” (SACRISTAN, 1999, p. 77).

Nesse contexto, o desenvolvimento profissional docente2 perpassa por uma formação baseada em situações de investigação e de reflexão, através de um trabalho colaborativo, reforçando seus saberes e campos de atuação. Essas condições de que trata a profissionalidade envolve “as condições de trabalho (horário, instalações, etc.) que dificultam um exercício reflexivo da profissão e o desenvolvimento de momentos coletivos de ação e pensamento” (NÓVOA, 2002, p. 46). Os professores técnicos dizem enfrentar essas dificuldades diariamente no seu universo de trabalho. Além disso, esses docentes, por serem de regime de trabalho temporário, se sentem inferiorizados dentro desse contexto, o que fragiliza seus desempenhos em sala de aula.

3Cravo: Quando eu cheguei quando PST, depois que eu passei pra REDA mudou pouca coisa, pouquíssima, mas PST era pior do que é hoje, o REDA na verdade... eu comecei PST, deixa eu te dizer, não lembro exatamente quanto tempo eu passei com PST, se eu não me engano... hummm.... eu acho que eu passei mais de um ano como PST, porque só pra receber foi quase seis meses, e assim, na verdade, no CEEP em si eu até hoje sinto uma espécie de rejeição não só pelo fato de PST ou REDA, mas também do eixo em si, professor de informática, turma de informática, sabe, REDA em si também, você sente, por exemplo, priorizam questão de horários pra determinados professores. E aí você, por exemplo, tem professor que não trabalha sexta, à noite, e a gente vem, eu tenho que vim à noite. Professor X tem que ter tal dia de folga... então tem essas priorizações pra determinadas pessoas que a gente... quando eu era PST, por exemplo, que SE VIRE, se vire pra lá e REDA também continua tendo essas, não tendo os privilégios que os próprios efetivos têm. Diminuiu um pouco, num sei se por eu já está aqui há muito tempo também, talvez já tenha criado um certo vínculo, mas PST realmente tinha uma espécie de rejeição maior do que REDA. (grifo nosso)

Rosa Maria: Em dois mil e dezesseis eu ouvi de um professor falar de boca cheia dizer o seguinte: é muito engraçado a gente tá aqui como professor, aí lá vem os REDAS dos QUINTO dos infernos e quer se botar na escola e ainda quer exigir dia, bem assim, foi o que eu ouvi. Imagina a pessoa chegando, primeira vez que vai entrar em sala de aula e você houve assim, novato não tem vez.

Girassol: Novato não tem vez, foi o que me disseram, eu disse eu vim pra trabalhar, não tenho medo de trabalhar. É um problema que perpassa por situações, falta um olhar humano.

Dália: Eu mesmo me vejo como um professor tapa-buraco, que tapa o buraco de alguém, por assim por exemplo, eu tava na MTC e aí à tarde eu achei que era porque tinha saído a disciplina do semestre, mas aí eu fui olhar... não... eu descobri porque eu saí, eu fui trocada de disciplina porque um professor que só dava aula à noite que veio para durante o dia, então assim como eu só tenho aqui, só trabalho aqui 40 horas eu fico sem dia de folga.

Há um sentimento de desvalorização muito grande por parte desses docentes; eles se sentem desprestigiados por colegas e pela gestão escolar. Apontam que o eixo de informática é esquecido nas ações do CEEP, inclusive financeira, e acreditam que isso ocorre porque os professores do eixo são contratados por determinado período pelo Regime Especial de Direito Administrativo (REDA). Nesse contexto, eles não veem espaço para aperfeiçoar o seu fazer docente porque não se sentem acolhidos por aqueles que poderiam, de alguma maneira, contribuir para seu desenvolvimento profissional docente.

Ademais, isso afeta, diretamente, as vivências em sala de aula por provocar uma instabilidade emocional nos técnicos que já carregam a volubilidade profissional por conta da modalidade contratada: carga horária maior que o efetivo, salários mais baixos, não reconhecimento profissional por parte dos colegas, fragmentação na distribuição das disciplinas e dos horários de aula e temporalidade do serviço. E no atual cenário pandêmico, a constante incerteza de continuar vinculado ao Estado, o medo a cada fim de mês de não receber salário os desmotivam ainda mais. Em um dos encontros on-line, uma participante colocou essa inquietação:

Dália: Estou tão insegura... fragilizada. Todo dia é uma história nos grupos de zap que o Governo vai tirar os REDAS, que a gente num tá trabalhando, que num vamos mais receber. Fico sem saber se procuro os alunos, se faço alguma coisa, se vou poder pagar as contas no fim do mês. Enfim. Tá difícil.

Esse e outros relatos dos participantes da pesquisa nos levam a refletir sobre a importância do desenvolvimento da profissão docente, considerando os aspectos sociais, pessoais e profissionais que fazem parte do mundo da vida dos professores e contribuem para a constituição de sua profissionalidade, pois que esta “não pode deixar de se construir no interior de uma pessoalidade do professor” (NÓVOA, 2009, p. 206, tradução nossa). Para alcançar esse fim, uma formação continuada dentro do próprio CEEP na perspectiva da dialogicidade e colaboração, buscando integrar esses técnicos na coletividade, torna-se um fator fundamental. Dessa forma, intui-se ser

[...] urgente descobrir novos sentidos para a ideia do colectivo na profissão docente, inscrevendo rotinas de funcionamento, modos de decisão e práticas pedagógicas que apelem à co-responsabilização e à partilha profissional. Através desse esforço, é possível colocar os professores em condições de liderarem os processos reorganização das escolas, construindo redes e parcerias que dêem suporte a uma autonomia das escolas que não ponha em causa a sua própria autonomia profissional (NÓVOA, 2002, p. 45).

Nesse ínterim, a partir do conhecimento sobre a profissionalidade dos professores técnicos, que atuam na educação profissional, pela perspectiva habermasiana da racionalidade comunicativa, a formação continuada pode proporcionar a ampliação da visão do professor técnico sobre as possíveis atitudes a serem tomadas frente aos demais sujeitos que fazem parte do processo educacional, partindo de uma reflexividade crítica da prática educativa.

O professor técnico e a formação continuada

Pensar os professores enquanto coletivo para dirimir as distâncias e produzir um ambiente mais acolhedor e afetivo na escola é também papel de uma formação continuada pautada na criticidade e na reflexão, capaz de possibilitar posturas emancipatórias ao fazer pedagógico do professor. Para isso, é importante compreendê-la como o ponto de partida para que o interesse instrumental possa se agregar ao interesse comunicativo, atingindo o interesse principal que é o do entendimento mútuo (HABERMAS, 2012). Ao se entenderem mutuamente, essa coletividade de professores pode melhorar as suas ações, pois serão impulsionados para um movimento de ação-reflexão-ação provocado por um processo dialógico e interativo.

Daí a importância de se ter momentos de reflexão e de diálogo entre os professores do CEEP para fortalecer a interação e a integração entre o grupo e oportunizar um trabalho mais harmônico, participativo e contínuo. Os professores técnicos afirmaram em todos os encontros realizados que gostariam de participar de um processo formativo docente, principalmente voltado para questões particulares e específicas da profissão.

Girassol: Aí onde entra o jogo de cintura do professor pra você pudeeer... Eu acho que deveria ter uma formação aqui na escola enquanto essas práticas, até mesmo essa formação em aproveitamento das disciplinas... como é que a gente deve aproveitar... porque a ementa vem de lá, mas o colégio já tem os cursos.

Verbalizaram espontaneamente que a presença de um momento de formação continuada, voltado principalmente para o entendimento de contextos pedagógicos, no CEEP poderia ajudar a solucionar muitos conflitos. Em relação ao conhecimento técnico, específico, percebe-se nos relatos que trocas e diálogos entre eles, os próprios técnicos, como os encontros promovidos por essa pesquisa, através das sessões reflexivas, poderiam ajudá-los a interagir melhor, reorganizar ementas, conteúdos e, assim, desenvolver aulas mais envolventes e coerentes com o perfil do egresso, abordando melhor assuntos que os alunos necessitam para se tornarem futuros técnicos em informática, sem redundâncias desnecessárias4. São professores que estão na carreira docente (mesmo não sendo professores, por formação), vivenciando o aspecto da sobrevivência, como nos traz Huberman (2013, p. 39):

O aspecto da ‘sobrevivência’ traduz o que se chama vulgarmente o ‘choque com o real’, a confrontação inicial com a complexidade da situação profissional: o tatear constante, a preocupação consigo próprio (‘estou a me aguentar’), a distância entre os ideais e as realizações quotidianas da sala de aula, a fragmentação do trabalho, a dificuldade em fazer face, simultaneamente, à relação pedagógica e à transmissão de conhecimentos, a oscilações entre demasiado intimas e demasiado distantes, dificuldades com alunos que criam problemas, com material didático inadequado, etc.

Esses professores técnicos que experimentam a docência para, quiçá, fazer dela sua profissão, ainda estão construindo sua profissionalidade, principalmente, no aspecto pedagógico5. Encaram desafios constantes que pouco colaboram para se sentirem, de fato, professores. No entanto, nas suas vivências no cotidiano escolar e na sua relação com o CEEP como um todo o ponto que mais incomoda os participantes dessa pesquisa é a falta de manejo pedagógico/metodológico. Esse é um dos maiores entraves no desenvolvimento profissional desses docentes.

A instabilidade profissional em relação aos conteúdos a serem ministrados, acompanhada da desvalorização profissional devido ao regime de trabalho no qual se encontram, desestimula esse professor. Todavia, a ausência desse conhecimento técnico-metodológico que colaboraria com o planejamento e a execução de aulas que proporcionassem aos estudantes o desenvolvimento de competências e de habilidades necessárias para a inserção desses alunos no mercado de trabalho, fragiliza as ações didáticas, inquietando esses professores no exercício de seu fazer pedagógico.

Girassol: Tentei dar as minhas aulas, mas sem embasamento pedagógico e sem até mesmo conhecimento das disciplinas, quais eram as ementas do curso, eu não tinha e isso essa dificuldade reflete e acaba refletindo em nosso desempenho em sala de aula e vai refletir também como Rosa Maria falou na questão dos cursos o curso fica... o professor não está tendo embasamento pedagógico pra poder trabalhar se ele num trabalha bem vai refletir nas práticas em sala de aula que o aluno... ele também vai dizer que não está funcionando... quando eu cheguei aqui me deparei com essa situação de ir pra sala de aula CRU sem nenhuma formação, quando nada uma orientação básica pedagógica.

Cravo: É verdade. Falta esse auxílio.

Rosa Maria: É justamente isso.

Girassol: Eu tô percebendo essa dificuldade, ESSA FALTA de formação, pra que caminho eu devo seguir, qual a forma correta de eu tá trabalhando em sala de aula pra desenvolver ou tentar passar o assunto. Que ferramentas eu utilizo pra poder passar o assunto pro aluno... então falta isso, o nosso olhar, a nossa experiência a gente tenta desenvolver, mas se tivesse uma formação com certeza seria muito mais fácil, a gente saberia que ferramenta utilizar na sala de aula.

Os professores técnicos, por não terem um requisito pedagógico em sua formação acadêmica inicial, sentem a lacuna desse tipo de conhecimento no momento de planejar e desenvolver suas aulas, e desse modo sentem ainda mais o fato de não terem a oportunidade de uma formação continuada no espaço do Centro. Nesse sentido, parece ser crucial a construção e/ou reconstrução da profissionalidade docente, através do conceito de ação-reflexão-ação (SCHÖN, 2000) pelo diálogo reciprocamente reflexivo entre professores-professores, professores-coordenadores, professores-diretores, estabelecendo consensos, pela práxis reflexiva, sobre as diversas situações através de ações comunicativas (HABERMAS, 2012), buscando a participação de todos em um espaço profícuo que possibilite desenvolver posturas mais emancipatórias, mobilizando o potencial da racionalidade comunicativa para avançar, de forma qualitativa, nas interações e alcançar uma práxis comunicativa que coopere para que os sujeitos participantes se expressem de maneira autônoma.

Por essa perspectiva, pensar momentos de partilha e de análise coletiva das práticas pedagógicas; das precariedades da profissão docente, de aspectos do plano de carreira, como progressão de carreira, salários, desvalorização profissional; dos contextos subjetivos que inquietam e angustiam muitos professores; das responsabilidades que pesam sobre si, entre outras questões que englobam o processo de desenvolvimento profissional docente, que podem contribuir para o reconhecimento da profissão por parte dos próprios professores técnicos e fortalecer a identidade docente6 desses profissionais que ainda não se reconhecem integralmente professores.

Para tanto, o professor técnico pode, na dimensão do conhecimento e da ação, numa relação dialógica e participativa, aprofundar-se na ação-reflexão-ação (SCHÖN, 2000), tornando-se o professor reflexivo e, consequentemente, autônomo e crítico, a partir de processos de entendimento mútuo, integração, socialização e afirmação de sua própria identidade.

Considerações finais

A Educação Profissional tem suas especificidades e peculiaridades inerentes à modalidade de ensino, exigindo um olhar cuidadoso para os que atuam em sala de aula, principalmente os professores técnicos. Com a análise das informações construídas, foi possível perceber, nos momentos de interação das sessões realizadas, muitas evidências de que a ausência de um movimento de formação continuada tende a aumentar os conflitos enfrentados pelos professores técnicos, dificultar a construção de uma visão crítico-reflexiva que sobreponha a racionalidade técnica com vistas a uma racionalidade comunicativa e retardar práticas que ampliem a profissionalidade docente desses professores técnicos.

Observou-se a necessidade de se debruçar em um trabalho de formação continuada de professores pautado na Teoria do Agir Comunicativo (HABERMAS, 2012), com o intuito de ampliar a voz dos professores técnicos, tencionando fazê-los reconhecer e superar as possíveis lacunas presentes em sua formação para o exercício da docência, em que a busca do aprimoramento profissional seja concebida no contexto do diálogo e da interação.

As poucas, ou quase nenhuma, possibilidades de formação continuada no cotidiano dos professores técnicos do Centro de Educação Profissional do Semiárido parecem refletir diretamente no entendimento da ação-reflexão-ação no seu fazer pedagógico, o que tende a influenciar no percurso formativo de estudantes, que estão se preparando para o exercício de uma profissão técnica.

Constatou-se também que a construção do desenvolvimento da profissionalidade docente perpassa pelo processo formativo continuado, pois este possibilita um movimento dialógico entre os professores e oportuniza, através de ações estabelecidas comunicativamente, um espaço autoafirmativo de decisões participativas, em que todos são capazes de defender seus pontos de vistas e interesses conjuntos, o que contribui para a integração dos professores técnicos com o coletivo de professores de forma respeitosa e equitativa.

Portanto, para que esses professores técnicos tenham mais identificação com a docência a ponto de se reconhecerem, se identificarem como professores e não apenas como reprodutores de informação técnica, conclui-se ser necessário criar possibilidades e oportunidades de participação em momentos formativos dentro do próprio Centro, no entanto, não como uma situação pontual, imediatista e temporária; mas sim através de um processo com bases mais sólidas, consolidado pelos próprios docentes, que seja parte integrante das ações da escola e reflita, de forma direta e indireta, em todo corpo docente e discente da comunidade escolar.

Referências

ALARCÃO, I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. 8. Ed. São Paulo: Cortez, 2011. [ Links ]

ANECLETO, U.C.; BRENNAND, E. G. G. Ensino Superior e Racionalidades do Sujeito. Revista Temas em Educação, João Pessoa, v. 23, n. 1, p. 58-80, jan.-jun., 2014. [ Links ]

CASTORINA, J. A. et al. Piaget - Vygotsky: novas contribuições para o debate. 6. ed. São Paulo: Ática, 2001. [ Links ]

DAY, C. Desenvolvimento profissional de professores: os desafios da aprendizagem permanente. Porto: Porto Editora, 2001. [ Links ]

HABERMAS, J. Teoria do agir comunicativo: Racionalidade da ação e racionalização social. Vol.1. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012. [ Links ]

HUBERMAN, M. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, A. (Coord.). Vida de professores. 2. Ed. Porto: Porto Editora, 2013. p. 31-61. [ Links ]

IBIAPINA, I. M. L de M. (Org.). Pesquisa colaborativa: investigação, formação e produção de conhecimentos. Brasília: Líder Livro Editora, 2008. [ Links ]

IBIAPINA, I. M. L. M.; RIBEIRO, M. M. G. e FERREIRA, M. S. (Orgs.). Pesquisa em educação: múltiplos olhares. Brasília: Líder Livro Editora, 2007. [ Links ]

MARCUSCHI, L. A. Análise da conversação. São Paulo: Ática, 1986. [ Links ]

MOREIRA, A. F. e CANDAU, V. M. Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. [ Links ]

NÓVOA, A. Para una formación de profesores construida dentro de la profesión. Revista de Educación. España. v. 350. p. 203-218, septiembre-diciembre, 2009. [ Links ]

NÓVOA, A. Formação de professores e trabalho pedagógico. Lisboa-Portugal: Educa, 2002. [ Links ]

PRESTES, N. M. H. Educação e Racionalidade: Conexões e possibilidades de uma razão comunicativa na escola. Porto Alegre: Edipurcrs, 1996. [ Links ]

SACRISTÁN, J. G. Consciência e ação sobre a prática como libertação profissional dos professores. In: NÓVOA, A. Profissão Professor. 2. Ed. Porto-Portugal: Porto Editora, 1999. [ Links ]

SCHÖN, D. A. Educando o professor reflexivo. São Paulo: Artmed, 2000. [ Links ]

2[...] processo através do qual os professores, enquanto agentes de mudança, reveem, renovam e ampliam, individual ou coletivamente, o seu compromisso com os propósitos morais do ensino [...] (DAY, 2001, p. 21).

3As transcrições das entrevistas foram realizadas com base no quadro de normas de transcrição de entrevistas, elaborado por MARCUSCHI, 1986.

4Reconhece-se a necessidade de retomada de conteúdos para se aprender, pois a aprendizagem, a partir da ideia de Vygotsky, é em espiral, de modo que o sujeito pode vir a reviver algumas situações ou experiências, as quais poderão conduzi-lo, devido à ação reflexiva, a um nível mais adiantado de desenvolvimento. No entanto, aqui se está tratando de repetições sem propósitos pedagógicos. Saber mais sobre a teoria de Vygotsky, cf. CASTORINA, 2001.

5O aspecto pedagógico discutido neste artigo se relaciona com a disposição “tacto pedagógico” apresentada por Nóvoa (2009) em que, no processo de ensino, a dimensão profissional se entrelaça com a dimensão pessoal.

6As identidades são construídas por meio de práticas discursivas e esse processo de construção se dá através do conflito entre nossas próprias crenças, muitas vezes divergentes, assim como entre nossas crenças e as de outros sujeitos (MOREIRA; CANDAU, 2013). Para saber mais Cf. MOREIRA, 2013.

Recebido: 31 de Julho de 2021; Aceito: 14 de Outubro de 2021

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons