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Revista Diálogo Educacional

versão impressa ISSN 1518-3483versão On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.22 no.72 Curitiba jan./mar 2022  Epub 19-Set-2022

https://doi.org/10.7213/1981-416x.22.072.ds04 

Dossiê

Práticas educativas integradoras e transformadoras em tempo de pandemia: a experiência do projeto “Mundo mágico do CMEI na trilha de descobertas”

Integrating and transforming educational practices during pandemic: the experience of the project “CMEI's magical world a trail of discoveries”

Integrando y transformando las prácticas educativas en tiempos de pandemia: la experiencia del proyecto “El mundo mágico del CMEI tras la pista de los descubrimientos”

Carla Luciane Blum Vestenaa 
http://orcid.org/0000-0002-8655-7840

Ettiène Guériosb 
http://orcid.org/0000-0001-5451-9957

aUniversidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), Guarapuava, PR. Doutor em Educação, e-mail: cvestena@unicentro.br

bUniversidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR. Doutor em Educação, e-mail: ettiene@ufpr.br


Resumo

Trata-se de um estudo analítico-reflexivo acerca da experiência vivenciada por professoras do município de Marquinho/PR, no momento do retorno à atividade presencial em tempo de pandemia. O objetivo foi identificar os reflexos da experiência formativa em práticas integradoras de professoras protagonistas de um projeto criativo ecoformador (PCE), realizado em um Centro de Educação Infantil (CMEI) participante da Rede Internacional de Escolas Criativas (RIEC). As práticas pedagógicas realizadas por professoras em tempo de pandemia no retorno às atividades presenciais nortearam a questão deflagradora do estudo. As categorias de análise foram: ação, emergência, emoção, prontidão. O aporte teórico foi assentado em Morin (2000; 2003), Zwierewicz (2016; 2019) e Maturana (1999; 2000). Os resultados evidenciaram que as professoras desenvolveram expertise em atuar na emergência, integrando razão e emoção em práticas criativas no processo de recepção escolar pós-pandemia.

Palavras-chave: Projeto criativo ecoformador; Pandemia; Práticas integradoras; Complexidade; Prática docente

Abstract

This analytical-reflexive study is about the lived experience of teachers from Marquinho/Paraná, in the moment of regress to presential activities during the Covid pandemic. The objective is to identify formative experience in integrative practices of teachers who are protagonists of a creative eco-training project, carried out in a Child Education Center (CEC) participating in the International Network of Creative Schools (INCS). The pedagogical practices used by teachers along the pandemic, on return to presential activities, guided the main question of the study. The analysis categories are action, emergence, emotion, readiness. The academic support will focus on Morin (2000; 2003), Zwierewicz (2016; 2019) and Maturana (1995; 2000). The results show that the teachers developed expertise in working in the emergency, integrating reason and emotion in creative practices in the school welcoming process after the pandemic.

Keywords: Creative eco-training project; Pandemic; Integrating practices; Complexity; Teaching practice

Resumen

Se trata de un estudio analítico-reflexivo sobre la experiencia vivida por los docentes en la ciudad de Marquinho / PR, al momento de volver a la actividad presencial durante una pandemia. El objetivo es identificar reflejos de la experiencia formativa en práticas integradoras de docentes protagonistas de un proyecto de eco-formación creativa (PCE), realizado en un Centro de Educación Infantil (CEI) participante de la Red Internacional de Escuelas Creativas (RIEC). Las práticas pedagógicas realizadas por los docentes durante la pandemia, al volver a las actividades presenciales, orientaron la pregunta desencadenante del estudio. Las categorías de análisis son acción, emergencia, emoción, preparación. El soporte teórico se basa en Morin (2000; 2003), Zwierewicz (2016; 2019) y Maturana (1995; 2000). Los resultados muestran que los docentes desarrollaron experiencia en el trabajo en la emergencia, integrando la razón y la emoción en las práticas creativas en el proceso de acogida escolar posterior a la pandemia.

Palabras clave: Proyecto creativo de eco-formación; Pandemia; Prácticas integradoras; Complejidad; Práctica docente

Há tantas realidades - todas diferentes, mas igualmente legítimas - quantos domínios de coerências operacionais explicativas, quantos modos de reformular a experiência, quantos domínios cognitivos pudermos trazer à mão (MATURANA, 2000, p. 38).

Introdução

A busca pela autonomia do indivíduo tem marcado de forma especial o campo educacional das crianças com expertises. O esforço em construir uma pedagogia complexa com práticas educativas integradoras tem sido a marca dos muitos caminhos trilhados pelos educadores. Desse modo, busca-se potencializar o protagonismo, o autoconhecimento e a criatividade dessas crianças.

Nesse contexto, é possível que os educadores se sintam divididos entre a impossibilidade de se compreender os processos cognitivos, diante do fato de considerarem a existência de um “cosmo objetivo” que nos forma e, por outra perspectiva, podem se deparar com a desordem e a arbitrariedade da falta de objetividade, onde o possível permeia livremente. A esse respeito, “temos de aprender a seguir o caminho intermediário - andar sobre o fio da navalha” (MATURANA; VARELA, 1995, p. 163). E andar sobre o fio da navalha requer abrir mão de certezas para o acolhimento de novas perguntas. Nisso compreende a necessidade de dar visibilidade aos erros. Pois, nós nem sempre aceitamos as perguntas que nos são formuladas, ainda quando dizemos que as aceitamos. Aceitar uma pergunta significa mergulhar-se na procura de sua resposta (MATURANA, 1999).

A cognição, nesse ponto de vista, só é possível na interação, o que justifica a necessidade de ambientes que permitam a autonomia, de maneira a contemplar a presença do amor e do respeito, a fim de que possamos vivenciar e relacionar nossas sensações de corpo com os processos mentais, deixando-o aberto à aprendizagem (MATURANA, 2006). Na “Teoria da Biologia do Conhecer”, Maturana nos mostra que é preciso entender a vida como sendo um processo de conhecimento. Ele demonstra que o “viver” e o “conhecer” são inseparáveis. No entanto, não se trata, de adquirir conhecimento, já que esse, como fenômeno biológico, ocorre no ser vivo o tempo inteiro. Trata-se, por outro lado, de um processo contínuo de transformação estrutural de um organismo com outro. Em outras palavras, “o conhecimento acontecerá, num domínio de interações de qualquer sistema dinâmico, enquanto opera num acoplamento estrutural com suas circunstâncias” (MATURANA; MPODOZIS, 2000, p. 264).

A premissa da Teoria Autopoiética, de Maturana e Varela (1995), revela que a vida e a cognição não estão separadas e, por isso, a compreensão do processo de construção do conhecimento, da aprendizagem e do desenvolvimento humano perpassam o interligar afetivo, assim como no despertar da consciência acerca do mundo, da vida e da existência humana.

Nesse interligar, percebemo-nos como animais dependentes do amor. Nesse sentido, o amor e a aceitação do outro como sendo um legítimo “outro” na convivência são condições necessárias para os desenvolvimentos físico, comportamental, psíquico, social e espiritual saudáveis da criança, assim como para a conservação de tais condições em se tratando de um adulto. (MATURANA, 1999)

O amor parte de uma atitude epistemológica visada à construção de uma aprendizagem que privilegia a cooperação que acontece na aceitação mútua, ou seja, na aceitação do outro como um legítimo “outro”. Maturana faz a defesa de um modo de vida pautado na cooperação e não na competição, pois o viver pautado no ato de competir evoca a negação do outro, não abrindo espaço para a aceitação mútua.

São as emoções que, para ele, não expressam o mesmo que os sentimentos, como comumente são conotados. Sentimentos, segundo Maturana, são maneiras com as quais nos acostumamos a designar diferentes emoções, como raiva, alegria, tristeza, entre outras. As emoções são componentes legítimos dos sistemas vivos, sendo assim imprescindíveis à vida social. Estão ocultas em todo o fazer e implícitas em todo e qualquer ato humano. Assim, são caracterizadas como sendo um fundamento básico que constitui todas as ações do ser humano. Para Maturana (2000, p. 130), “[…] se queremos compreender qualquer atividade humana, devemos atentar para a emoção que define o domínio de ações no qual aquela atividade acontece e, no processo, aprender a ver quais ações são desejadas naquela emoção”.

Assim, “não há ação humana sem uma emoção que a estabeleça como tal e a torne possível como ato” (MATURANA, 2000, p. 22), pois a emoção fundamenta e libera, enquanto o racional cria a coerência operacional dos “sistemas argumentativos que construímos na linguagem, para defender ou justificar nossas ações” (MATURANA, 1999, p. 18). Desse modo, o ser humano é constituído no entrelaçamento do emocional com o racional na complexidade.

Dado o contexto, o objetivo geral deste artigo é apresentar os reflexos da experiência em práticas integradoras de professoras protagonistas de um projeto criativo ecoformador (PCE), realizado em um Centro de Educação Infantil do município de Marquinho/PR, participante da Rede Internacional de Escolas Criativas (RIEC). Como objetivos específicos, almejamos retratar as práticas pedagógicas realizadas por professoras em tempo de pandemia no retorno das atividades presenciais, de forma a refletir acerca dos relatos coletados de três docentes protagonistas do “Mundo mágico do CMEI uma trilha de descobertas” durante o retorno das crianças às atividades presenciais.

Polinização

Caminho da pesquisa

“Um cientista ou um profissional é sistêmico ou novo-paradigmático, quando vive, vê o mundo e atua nele” (VASCONCELLOS, 2002, p. 148). É com esse sentido que se buscou realizar a presente investigação. Viver, ver e atuar no mundo pressupõe uma educação para a vida a partir da vida, de maneira a encontrar ressonância na perspectiva epistemológica, que tem o conhecimento na interface com a vida, e na consequente articulação contínua entre a teoria e a prática. De modo ousado, afirmamos que tal articulação é a própria vida, com suas ambiguidades e contradições marcadas pela imponderabilidade à mercê de que, conforme defende Guérios (2002), emergem circunstâncias imprevisíveis. Nessa perspectiva, no contexto das escolas criativas participantes da RIEC, tem-se a metodologia dos Projetos Criativos Ecoformadores (PCE) que, nas palavras de Zwierewicz e Torre (2019, p. 52), “nasce como uma das possibilidades para aproximar currículo e realidade, além de articular teoria e prática, mobilizando, conforme afirmam Zwierewicz e Torre (2009), uma educação a partir da vida e para a vida”. Essa metodologia é estruturante na dinamização da proposta das Escolas Criativas, cuja base epistemológica está assentada em pressupostos do paradigma ecossistêmico ou transcomplexo, na transdisciplinaridade e na ecoformação.

Trata-se de um estudo analítico-reflexivo decorrente de investigação de natureza qualitativa. A situação configurada demarcou-se pelo retorno da atividade presencial nos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) após o longo período de mais de um ano de isolamento social, imposto pela pandemia da COVID-19. Os dados foram produzidos por meio de narrativas escritas de professoras, sendo os escritos realizados a partir de duas questões: uma sobre a participação das professoras na elaboração do Projeto Criativo Ecoformador (PCE) relativa ao CMEI em que atua e, uma outra pergunta, em relação à recepção das crianças no retorno à presencialidade.

Recebemos as narrativas das professoras, as quais foram ficticiamente chamadas por Bia, Paty e Cris.

Bia é uma pedagoga de 25 anos. Realizou estágio remunerado na educação infantil por dois anos. Atuou por mais dois anos como professora temporária em um Colégio do Estado do Paraná, por meio do Processo Seletivo Simplificado (PSS). Depois disso, foi professora substituta na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). Tornou-se professora efetiva da APAE em março de 2020.

Paty é uma pedagoga de 32 anos. Atuou como professora substituta na APAE. Exerce as funções de professora e pedagoga desde 2014. Teve experiência em escola do campo.

Cris é uma pedagoga de 40 anos. Concluiu o Curso de Licenciatura em Letras/Libras. Atua na educação básica há 6 anos e no Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI).

As narrativas sobre a primeira questão foram sistematizadas em termos de demandas levantadas junto às crianças pelos docentes, para melhorias do espaço da escola, de modo a torná-las escolas ecoformadoras; de propostas para a constituição de um espaço ecoformador; e das ações que narram terem realizado.

As narrativas sobre a segunda questão foram sistematizadas em torno de categorias de análise, a saber: ação, emergência, prontidão, emoção. A categoria ação refere-se a informações objetivas. Emergência refere-se à percepção ou não de situações inesperadas decorrentes do retorno a presencialidade. Prontidão refere-se ao movimento para a estruturação de ações pedagógicas frente à percepção das situações inesperadas, sendo essa vinculada à criatividade. Emoção refere-se ao componente humano.

Reflexões teórico-analíticas:

A experiência formativa

O despertar para um pensar complexo sobre a realidade escolar para o momento pós-isolamento social deu início por meio da formação de um grupo de professoras do Município de Marquinho/PR. A respeito desse processo, a participação das professoras na escrita do Projeto Criativo Ecoformador (PCE) ocorreu na primeira etapa da disciplina “Didática e Metodologia de Ensino na Educação Básica”, componente do Mestrado Profissional em Educação Básica, ofertada pela Universidade Alto Vale do Rio do Peixe (UNIARP) do Estado de Santa Catarina, em parceria com uma universidade pública estadual do Estado do Paraná, a Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). As integrantes da equipe foram convidadas pela professora da disciplina a participar como alunas ouvintes dessa unidade curricular relacionada aos projetos criativos ecoformadores, ministrada pela professora da outra universidade.

Para Bia, a participação em tal disciplina de pós-graduação do mestrado em Educação da UNIARP possibilitou-lhe ampliar o olhar diante das adversidades provocadas pela pandemia da COVID-19, repensando e ressignificando as práticas docentes. A formação continuada “não se caracteriza apenas por adquirir saberes, mas como processo que promove e provoca no professor indignação, uma vontade de fazer diferente e em conjunto, compartilhando ideias”. Com a formação continuada, o processo de aprendizagem e desenvolvimento do professor é constante e permeia o dia a dia da sala de aula. Dessa forma, o educador tem a oportunidade de refletir e aperfeiçoar as suas práticas pedagógicas e de promover o protagonismo de seus estudantes, potencializando, assim, o processo de ensino-aprendizagem.

Paty refletiu acerca das possibilidades de trocas entre os participantes da disciplina de mestrado durante as apresentações dos projetos criativos ecoformadores, os quais foram elaborados por cada equipe de docentes de diferentes municípios dos estados de Santa Catarina e do Paraná. Segundo seu relato,

Os projetos trouxeram muitas ideias diferentes sobre como montar cenários ecoformadores, partindo do protagonismo das crianças. Isso me fez lembrar que temos que ir além dos conteúdos curriculares, oportunizando conhecimentos e saberes que tenham sentidos reais aos nossos estudantes, transpondo conhecimentos científicos que se relacionem com as realidades socioculturais de cada um, contribuindo para seu desenvolvimento integral (Paty).

Bia e Paty, ao participarem da disciplina, começaram a refletir a respeito dos espaços de suas escolas e as potencialidades contidas neles, ora ainda pouco exploradas. Assim, a formação continuada foi auxiliadora no processo de reflexão das práticas pedagógicas e da integração entre docentes e gestão escolar, a fim de ponderar e melhorar todos os aspectos pedagógicos, propondo estratégias com a finalidade de sanar dificuldades e sugerir mudanças significativas para toda a comunidade escolar.

Conforme pesquisas realizadas por Zwierewicz et al. (2019, p. 96) a respeito do Programa Formação-Ação em Escolas Criativas, dentre as especificidades da escola, destaca-se “a disponibilidade dos docentes participarem tanto da formação, da elaboração e da aplicação do Projeto Criativo Formador (PCE), bem como da pesquisa”, cuja intencionalidade é conhecer a influência desse processo na transformação das práticas pedagógicas. Por ora, as professoras se dispuseram a refletir suas práticas e espaços escolares, segundo notamos em suas palavras.

Em consonância com os resultados encontrados por Zwierewicz et al. (2017), os participantes do Programa desenvolvido em escolas catarinenses, assim como desta pesquisa, apresentaram suas ações na sequência a partir de ajustes realizados para o atendimento de necessidades dos docentes e dos estudantes de cada escola. Portanto, a sistematização das atividades é realizada em duas etapas, evidenciando um movimento de formação-ação e, por isso, muitas das ações são construídas no desenrolar do próprio processo formativo.

A primeira etapa, intitulada “Etapa da conexão e da projeção”, consiste no início do programa e compreende a utilização de estratégias com o intuito de “situar suas práticas, identificando e valorizando as inovações realizadas antes do início da formação, bem como os desafios a serem enfrentados” como exposto por Zwierewicz et al. (2017, p. 15). Portanto, trabalham-se as bases teóricas norteadoras do programa e as possibilidades metodológicas e avaliativas. Notou-se que isso foi oportunizado pela disciplina ofertada aos docentes alvo desta pesquisa.

A segunda, por sua vez, compreende “planejamentos”. Segundo Almeida, et al. (2019, p. 97)., “O objetivo dessa etapa consiste em reduzir a distância entre o realizado e o desejado e, por isso, constitui a etapa da definição dos Projetos Criativos Ecoformadores (PCE)” A respeito da segunda etapa, a disciplina possibilitou aos docentes por nós investigados um espaço para discussão e reflexão de cada etapa de elaboração do PCE.

Para dar início à segunda etapa proposta por Zwierewicz et al. (2017), três docentes escolheram um CMEI do município de Marquinho/PR para desenvolver o PCE. Para isso, elas realizaram perguntas geradoras para a equipe de profissionais da rede municipal que atuam no segmento da educação infantil, com objetivo de levá-los a refletir conjuntamente com as crianças sobre possíveis transformações necessárias a serem realizadas no CMEI, bem como os cenários ecoformadores a serem propostos. Perguntas como “você acha que algo poderia ser transformado no CMEI?”, “O que você transformaria no CMEI?”, “Por que mudaria isso?” e “Que pessoas poderiam ser envolvidas nessa proposta de elaboração deste cenário ecoformador?” foram realizadas. Essa proposta foi expandida para duas escolas da rede municipal do munícipio, porém, neste artigo, analisou-se os dados do PCE desenvolvido no Centro Municipal de Educação infantil (CMEI), o qual foi por nós denominado CMEI Sabiá.

Na sequência, abordou-se as demandas levantadas pelos docentes juntamente com as crianças. Além disso, indicou-se os cenários ecoformadores e as ações realizadas pelos docentes em parceria com as crianças e a comunidade escolar.

As demandas levantadas pelos docentes foram as seguintes (Quadro 1):

Quadro 1 Demandas, espaços ecoformadores e ações realizadas conforme o PCE da instituição de ensino.  

Instituição de ensino* Demandas levantadas Cenários ecoformadores Ações realizadas pelos docentes com protagonismo das crianças e da comunidade escolar
CMEI Sabiá A criação de um espaço para socializar os brinquedos construídos pelas crianças em casa com materiais não estruturados. Túnel sensorial As crianças puderam construir um brinquedo e pendurá-lo. Isso marcou de forma simbólica sua entrada na instituição de ensino, bem como mostrou a importância dessa construção. Isso foi possível porque o brinquedo não foi dado ou comprado pronto, mas sim fabricado pela própria criança. Em seguida, os estudantes deveriam levar questões levantadas em sala para seus familiares responderem, tendo a oportunidade de conhecer a história, as dificuldades e as coisas boas vivenciadas.
A elaboração de um espaço para os estudantes abraçarem seus amigos de pelúcia no dia de volta às atividades presenciais, respeitando o distanciamento social. Abraço do amigo de pelúcia As crianças trouxeram um bicho de pelúcia para abraçar na hora do acolhimento. Devido ao distanciamento, as professoras demarcaram, por meio de bambolês, os espaços onde as crianças deveriam ficar, enquanto ouviam a “música do abraço”. Isso oportunizou aos estudantes o acolhimento depois de quase dois anos sem aulas presenciais. As crianças puderam passar o dia no CMEI com seus bichinhos, sentindo-se seguras e bem acolhidas.

Nota: * A fim de manter o anonimato, adotaram-se nomes fictícios para denominar a instituição de ensino.

Fonte: Adaptando de Zen et al. (2021).

A demanda da criação de um espaço para socializar os brinquedos construídos com materiais não estruturados em casa pelas crianças emergiu devido ao retorno das atividades presenciais. A pesquisa sobre os brinquedos utilizados pelos pais e/ou responsáveis quando eram crianças havia sido proposta para ser realizada em casa, bem como a proposta de elaboração de um brinquedo utilizado por eles e que fosse composto por materiais não estruturados. As docentes aproveitaram a entrega dos brinquedos confeccionados pelas crianças em casa com a ajuda dos pais e/ou responsáveis para idealizar o cenário ecoformador. Dessa forma, as crianças retornariam as atividades presenciais após dois anos em atividades domiciliares, de maneira a serem recepcionadas logo na entrada do CMEI, por meio do Túnel sensorial, o qual continha os brinquedos por eles confeccionados.

A demanda da elaboração de um espaço para os estudantes abraçarem seus amigos de pelúcia na volta às atividades presenciais, respeitando o distanciamento social, surgiu a partir da problemática sobre como acolher as crianças sem poder abraçá-las, devido aos protocolos do distanciamento social. Essa demanda foi levantada pelas docentes durante a formação docente. Ao refletirem sobre estratégias e recursos, teceu-se em conjunto a ideia do cenário ecoformador - abraço do amigo de pelúcia. A atividade consistiu em solicitar as famílias das crianças para que trouxessem um bicho de pelúcia para o CMEI para passar o dia. As docentes elaboraram o cenário ecoformador no pátio coberto e aberto, com bambolês colocados de modo distanciados no chão, dispondo cada criança em um bambolê em posição sentada. Utilizaram a “música do abraço” para as crianças ouvirem, cantarem e abraçarem seus amiguinhos ursos. A atividade consistiu em oportunizar acolhimento e segurança às crianças distanciadas por um longo período em casa.

Em consonância com Moraes e Navas (2010, p. 154), o trabalho dos docentes em formação, por meio de uma abordagem transdisciplinar, ofereceu “subsídios para a compreensão e superação dos desequilíbrios constatados, necessidades apontadas por gestoras e educadoras e dificuldades cotidianas decorrentes da instituição de ensino”.

Concordando com Arnt (2007), ao considerar a transdisciplinariedade “como postura perante o conhecimento, que vai além da disciplina, articulando Ciência, Artes, Filosofia e Tradições”, que “reconhece a multidimensionalidade humana e os múltiplos níveis de realidade, permitindo ao ser a interconexão com a natureza, com o outro, consigo mesmo”, torna-se possível que os docentes ampliem as potencialidades humanas dos estudantes e as suas próprias.

A transdisciplinariedade captava o que era complexo, não apenas a complexidade intrínseca às interações entre os conteúdos disciplinares, mas aquela inerente aos fenômenos da vida, aos fenômenos genuinamente humanos, atendendo, assim, não apenas as dimensões cognitivas, mas também aquelas de natureza emocional, artística e espiritual (MORAES, 2021, p. 62).

A autora relata ter se atentado em construir uma metodologia coerente com os pressupostos iniciais do Paradigma Educacional Emergente, ao mesmo tempo que os ampliava e os desdobrava em novas estratégias pedagógicas não restritas apenas ao desenvolvimento da aprendizagem de fatos e eventos externos ao indivíduo, de forma que também se preocupava com o sujeito aprendente, promovendo o autoconhecimento, a alteridade, o desenvolvimento da sensibilidade, da escuta sensível, do autoconhecimento e da autoestima (MORAES, 2021, p. 62)

De certo modo, buscamos, a partir da adversidade trazida pelas docentes no curso de formação, refletir sobre as estratégias metodológicas para a elaboração dos cenários ecoformadores, levando em consideração os conteúdos curriculares do CMEI, mas de forma a extrapolar para os conteúdos extracurriculares, preocupando-se com o “sujeito aprendente”, exposto por Moraes (2021, p. 62) e por nós resgatado no parágrafo anterior.

A Prática educativa integradora

A prática educativa integradora, entendida como sendo um fenômeno complexo, agrega um conjunto de variáveis/componentes impossíveis de serem enumeradas, devido à multidimensionalidade que lhe é constitutiva e à imprevisibilidade que lhe é característica. Ao falarmos sobre prática educativa integradora, a abordagem está transversalizada por pressupostos da complexidade.

Tomando por princípio esse conceito, nos dispusemos a olhar para as narrativas dos docentes, a fim de elencar categorias de análise. Assim, a segunda questão, sintetizada por meio das categorias de análise, a saber: ação, emergência, prontidão e emoção, engloba os conteúdos expressos pelas participantes desta pesquisa.

Paty revela preocupação com o bem estar das crianças, conforme suas palavras:

Ainda pensando no retorno às aulas, na acolhida dos estudantes após um longo período de distanciamento social, pensamos em fazer um túnel com brinquedos recicláveis, de modo que foi pedido para que os estudantes elaborassem algum brinquedo feito com matérias recicláveis, por meio da ajuda da família, e trouxessem para o primeiro dia de aula. Ademais, pediu-se para que trouxessem um ursinho de pelúcia para que fizessem a dinâmica do abraço (Paty).

Observa-se que houve envolvimento da família e da comunidade com a escola, tornando a perspectiva ecoformadora evidente. Dessa forma, vê-se o quão sensível é a criativa ação estratégica para contornar a tristeza das crianças, desencadeada por não poderem tocar-se em fraterno abraço com a professora e com seus amigos. Então, carregadas de emoção, cada uma das crianças abraçou e foi abraçada pelo seu ursinho, trazido de casa, contornando a dificuldade do distanciamento. Para a professora, o ursinho representa o carinho a ser dado e a ser recebido. Percebe-se a consciência da professora quanto à situação configurada. Mas, ao mesmo tempo, percebe-se a preocupação com o sentir das crianças. Chamamos atenção, também, para o túnel com brinquedos recicláveis. As crianças preparam-se para o retorno à escola, construindo, com a família, um brinquedo a ser trazido para a construção do túnel. Assim, ao chegarem, depararam-se com algo seu pendurado nesse túnel.

Bia estava preocupada com o retorno e considerava um desafio receber as crianças depois de quase dois anos. Sabia que “deveriam transformar suas práticas e métodos, para uma educação remota e totalmente fora da realidade formativa e de experiência já esperada para a educação básica”. Consciente acerca dos efeitos decorrentes da imponderabilidade reinante, afirmou que as professoras do CMEI tinham “a certeza de que a volta dessas crianças para a escola aconteceria de uma forma desafiadora e gradual, de forma que a defasagem estaria ainda mais presente na realidade dos nossos estudantes”.

A certeza de Bia quanto às incertezas, com as quais se deparou até o momento e se deparará de agora em diante, a fez afirmar que teriam que “renovar, mais uma vez, nossas formas de pensar a educação de uma forma mais inclusiva e criativa, pois cada uma voltaria em níveis, histórias e experiências diferentes, tanto pessoais quanto educacionais distintas”. Observa-se que ação, emergência e prontidão são manifestadas em Bia, além da emoção com que envolve seus estudantes em suas práticas pedagógicas que realiza.

Nesse aspecto, em consonância com a Base Nacional Curricular Comum (BNCC), as creches e escolas de Educação Infantil têm como concepção a dissociação entre educar e cuidar no processo educativo, tendo como objetivo “[...] ampliar o universo de experiências, conhecimentos e habilidades dessas crianças, diversificando e consolidando novas aprendizagens, atuando de maneira complementar à educação” (BRASIL, 2017, p. 36). Bia relatou sobre estar ciente da necessidade de mudar sua prática docente para atender às necessidades das crianças distanciadas do ensino presencial.

Os resultados criativos de Bia e Paty estão associados às situações emergentes, conforme explicitam. O isolamento, tendo afastado a todos, e o retorno, que procedeu o período de isolamento, foram processos que se auto-organizaram e que induziram transformações, conforme apontamos de Ribeiro e Moraes (2014). Assim, as professoras se permitiram transformar, conforme percebemos na consciência de suas palavras.

Cris ressaltou o envolvimento das crianças na realização das atividades. Valorizou a necessidade de reforçar os laços de afeto, justificando que “ficamos um grande tempo afastados e, com esse momento, pudemos restabelecer nossa afetividade, intimidade e carinho com todos”. O protagonismo da criança na escola é ressaltado por ela, tanto é que afirma ser “necessário entender que a criança deva ser o centro da preparação, sendo papel ativo na construção de suas aprendizagens, e que, através das experiências e relações cotidianas, se constitui como sujeito”.

Cris age na emergência, mas evidencia que não é um processo fácil. Ela relata as angústias, os medos e a ansiedade pelos novos cenários que a vida lhes vai impingindo. Tanto é que afirma o seguinte:

A minha interação com as crianças foi, no início, com medo e cuidados para manter os protocolos de segurança. Fiquei um pouco apreensiva, mas depois foi possível conversar com eles, nos conhecer e fazer as atividades que havia planejado. Eles ficaram encantados em ver o túnel com os brinquedos realizados por eles. Na biblioteca, ficaram encantados com os livros novos e conseguimos atingir o objetivo que era fazer com que eles tivessem acesso aos livros (Cris).

A preocupação de Cris com as crianças é deflagrada pela incerteza e pela insegurança da COVID-19, uma vez que, “os danos mais severos desta pandemia são de natureza social, sendo que na educação atingiram principalmente as crianças mais vulneráveis, deixando um rastro de violência intelectual e física” (BERG; VESTENA; COSTA-LOBO, 2020, p. 3), sendo necessárias cautela e reflexão para agir e enfrentar o que ainda está por vir. Apesar de toda a adversidade do momento, Cris elabora uma estratégia criativa e sensível de acolhimento às crianças, demonstrando sua capacidade de renovar, reinventar e criar. De acordo com as suas palavras:

A partir da experiência na prática da execução do projeto, foi muito emocionante ver a alegria do rosto das crianças no retorno às aulas. Elas perceberam que a escola estava diferente, bonita e à espera deles. Falamos para os alunos, durante a acolhida, que a escola não tem vida sem eles, de modo que nosso trabalho não tem sentido sem as crianças na escola. Dizemos, também, que nosso trabalho ficou muito difícil quando realizado à distância, de modo que, muitas vezes, nos sentimos limitados e impotentes por não poder ajudá-los na resolução das atividades. Foi aí que uma criança disse: 'Professora, ainda bem que as aulas voltaram, porque eu não consegui aprender em casa! Minha avó não conseguia me ajudar e não temos internet em casa'. Quando fomos colocar os brinquedos no túnel, outra criança disse: 'Professora, meu pai disse que faziam apenas brinquedos de madeira quando ele era criança, porque não tinham dinheiro para comprar um carrinho de verdade'. Quando fomos para o parquinho outra criança, ela disse: 'Agora, vamos ter onde brincar, não é mesmo, professora? Não vamos precisar ir no campo da igreja durante a aula de educação física’. Foi gratificante e emocionante ver a alegria das crianças com o retorno às aulas e as mudanças que foram realizadas (Cris).

Para Gallende (2004), o sujeito não possui, previamente, a capacidade para enfrentar a adversidade. Assim, diante de uma circunstância adversa, cria soluções novas. Dessa forma, a adversidade não é uma ameaça, mas um desafio (BAXTER, 1982). Sendo consistente com os autores, as palavras de Cris demonstram que o ser humano que administra sua própria subjetividade diante das crises se renova como pessoa.

Percebemos que ação, emergência, prontidão e emoção estão visíveis e imbricadas nos extratos apresentados. Podemos ter essas categorias como dimensões na prática pedagógica, se a entendemos como um fenômeno complexo. As adversidades foram inúmeras, sendo representadas pela impotência em ajudá-los, pela avó que não conseguia ajudar e pelo fato de não ter internet em casa. No entanto, Cris as concebe como sendo constitutivas de sua prática.

Acredita-se ser necessário, ao retornar às aulas, (re)conhecer as crianças e os jovens que novamente estarão em sala, questionando-os sobre suas percepções e vivências (BERG; VESTENA; COSTA-LOBO, 2020). De tal modo, é possível traçar planos para reflexões sobre as experiências pandêmicas das crianças, as disciplinas e a educação (VESTENA; VESTENA, 2020).

Para os autores, o trabalho educacional, quando elaborado a partir das experiências reais da vida, torna-se atividade significativa para a aprendizagem, dando vida aos conteúdos, além de despertar o interesse dos estudantes a realizarem novas descobertas (VESTENA; VESTENA, 2020). Assim, a tessitura de um novo pensar compreende elevar o olhar à criatividade, à flexibilidade, à aceitação do imprevisível e à abertura para o inesperado.

A criatividade e a transformação são imbicadas e ramificam o processo educativo, promovendo, nos protagonistas da escola criativa, uma reflexão sobre a ação docente e, consequentemente, sobre a formação de docentes. Tal prática pedagógica integra a proposta da Rede Internacional de Escolas Criativas (RIEC).

A RIEC busca, por meio dos PCEs, polinizar a criatividade e fortalecer o professor, compreendendo a formação docente como aquela que

[... ] desperte a consciência e a capacidade de planejar, atuar, avaliar e redefinir o processo educativo; promova uma forma própria de reformar a instituição e o pensamento, compatível com as necessidades que sente a equipe envolvida, bem como as despertadas em âmbito global; o fortalecimento da resiliência dos gestores, dos docentes e da equipe técnica para que conheçam suas potencialidades em criar uma forma inovadora de reformar, ao mesmo tempo, a instituição e o pensamento dos profissionais que nela atuam; a proposição de um ensino que tenha como ponto de partida e de chegada “a própria vida”; e o envolvimento da equipe em estratégias de polinização para que, além de fortalecer a resiliência ao observar seus próprios avanços, ajude outros profissionais e instituições que também buscam superar o ensino linear (ZWIEREWICZ, 2013, p. 171-172).

Ao inspirar olhares, renovar práticas e conscientizar amplamente sobre a relação entre o que é vivo e o que morre (ZWIEREWICZ et al., 2019, p. 120), os docentes se permitem estimular a religação dos conhecimentos, como enfatiza González Velasco (2017), promovendo o interligar de saberes e o protagonismo das crianças para uma prática integradora, criativa e transformadora.

Dentre os saberes que Morin propõe para a Educação, destacamos o segundo, o qual versa sobre os princípios do conhecimento pertinente. Diz o autor que este saber, o conhecimento pertinente, “é o que é capaz de situar qualquer informação em seu contexto e, se possível, no conjunto em que está inscrita” (MORIN, 2003, p. 15), além de ressaltar a capacidade de contextualizar e englobar que dele emana. Morin nos chama a atenção sobre a necessidade intelectual e, ao mesmo tempo, vital de situarmo-nos no contexto planetário demandado pela atualidade, além de ser enfático em alertar sobre a responsabilidade educacional a ser desenvolvida desde a infância. Diz o autor Morin (2000, p. 39) que:

A educação deve favorecer a aptidão natural da mente em formular e resolver problemas essenciais e, de forma correlata, estimular o uso total da inteligência geral. Este uso total pede o livre exercício da curiosidade, a faculdade mais expandida e a mais viva durante a infância e a adolescência, que com frequência a instrução extingue e que, ao contrário, se trata de estimular ou, caso esteja adormecida, de despertar.

O ato de fazer diferente daquilo que já é feito, mesmo que para outros olhares e para outras realidades já se pareça conhecido, está impregnado de um sentir-pensar que agrega sentimento e razão. Tal como Ribeiro e Moraes (2014, p. 90), reportamo-nos a concepção de Torre (2008, p. 17) sobre criatividade como sendo “um fenômeno que permite à pessoa criativa saber como olhar para onde outros olharam e ver o que estes não viram”.

Conforme expressamos anteriormente, consideramos a prática pedagógica como sendo um fenômeno complexo, sendo-lhe constitutiva a multidimensionalidade e a imprevisibilidade. Indagamos, então, acerca de qual experiência estaremos falando, se objetivarmos a criança que questiona e observa. Por certo, não é uma prática cartesiana e verificacionista que possibilitará o desenvolvimento da criança com estas características.

Em uma perspectiva de complexidade, não há como prever todas as ações a serem desenvolvidas, se questionamentos forem possíveis e colocarmos o viver como sendo a meta. A imprevisibilidade será considerada como o foco de novos fazeres. A experiência será a que transforma, como afirma Larrosa (1996); a que produz sentidos à prática docente, como afirma Guérios (2002); a que integra emoção, viver e conhecer e, ao integrá-los, possibilita a transcendência do pré determinado por matrizes curriculares e planejamentos engessados, como afirma Morin (2003). Nesse sentido, as situações que emergem demandam práticas criativas para comporem um cotidiano que respeite e considere as adversidades da vida.

Se o viver e o conhecer são inseparáveis, ou seja, se a vida e a cognição não estão separadas conforme asseveram Maturana e Varela (1995), sendo perpassados pela afetividade constitutiva da tessitura multidimensional da complexidade humana, então os binômios “razão e emoção” e “pensamento e sentimento” lhes são constitutivos. Se considerados dialógicos e complementares, os binômios se autoalimentam recursivamente, reverberando no desenvolvimento de práticas educativas integradoras e transformadoras como substrato para a configuração de escolas criativas, alicerçadas em princípios da complexidade que vislumbrem a consciência planetária como princípio educativo. Ampliamos essa configuração com o pressuposto de Guérios (2021, p. 100) de que a docência “em uma perspectiva de complexidade, pode colaborar para a promoção da autonomia, da cidadania e da justiça social”.

Em relação às práticas criativas, concordamos com Ribeiro e Moraes (2014), que evocam a concepção de Violant (2006) acerca da criatividade ao afirmarem que, em uma perspectiva complexa,

[...] resultados criativos decorrem de processos auto-organizadores, emergentes e transcendentes, os quais, por sua vez, provocam mudanças internas e externas, instigando o indivíduo para a busca de níveis mais profundos de percepção da realidade, os quais induzem à autotransformação. Esse processo situa a criatividade no contexto das emergências (RIBEIRO; MORAES, 2014, p. 90).

Agregamos ao exposto o neologismo “sentipensar”, criado por Moraes e Torre (2004), e definido como sendo um “processo mediante o qual se colocam para trabalhar conjuntamente o sentimento e o pensamento, a emoção e a razão, evidenciando, assim, o quanto nossas estruturas cognitivas são irrigadas pelos nossos componentes emocionais, pelos nossos sentimentos e crenças” (Moraes; Torre, 2004, p. 63). Ao desenvolverem estudos sob esta definição, Ribeiro e Moraes (2014, p. 45) explicam que:

Trata-se de um processo que busca, antes de tudo, resgatar a dimensão emocional como fator preponderante nos processos e ambientes de construção do conhecimento, porém numa perspectiva diferente do modo convencional de conceber as implicações emocionais na aprendizagem. Nesse sentido, a emoção não se restringe à ideia de sentimentalismo, mas age como um elemento que, assim como o sentimento, se torna propulsor da ação. Maturana e Varela (1995) expõem esses três elementos como integrantes de nossa corporeidade, agindo na capacidade de autopoiese.

Se o viver e o conhecer são inseparáveis, ou seja, se a vida e a cognição não estão separadas conforme asseveram Maturana e Varela (1995), sendo perpassados pela afetividade constitutiva da tessitura multidimensional da complexidade humana (MORIN, 2000), então as práticas educativas integradoras e transformadoras são substratos para a configuração de escolas criativas, alicerçadas em princípios da complexidade (MORIN, 2003), que vislumbrem a consciência planetária como princípio educativo (GUÉRIOS, 2021).

Assim como em Guérios (2021, p. 115), “criatividade, flexibilidade, aceitação do imprevisível e abertura para o inesperado” foram vetores para uma escola criativa e transformadora, decorrentes da artriculação entre as categorias ação, emergência e prontidão, permeadas pela emoção. Ademais, fora exposta a inseparabilidade entre o viver e o conhecer, ainda, vida e cognição, conforme asseverado por Maturana e Varela (1995).

Considerações finais

Ao analisar a experiência formativa em práticas integradoras de docentes protagonistas de um projeto criativo ecoformador (PCE) foi possível perceber as manifestações de criatividade identificadas nas narrativas das docentes do CMEI. Dessa maneira, notou-se que suas experiências na Educação Infantil estão impregnadas deste saber. Verificou-se a preocupação em contornar os efeitos do afastamento da convivência pelo delongado tempo em que as crianças estiveram afastadas do convívio social, do espaço escolar, da companhia dos adultos e das outras crianças. O afeto foi materializado pelas docentes nessa preocupação.

De modo criativo, as docentes criaram dinâmicas para que as crianças se sentissem abraçadas emocionalmente, sem que precisassem abraçar fisicamente. A Criatividade se manifestou na ação que transforma, que decorre do desenvolvimento de um pensamento estratégico para agir no habitual do cotidiano e na emergência decorrente do isolamento a que, imperiosamente, todos foram submetidos.

Por fim, considera-se que a formação continuada de docentes da rede municipal de educação do Município de Marquinho-PR, em parceria com a UNICENTRO e a UNIARP, contribuiu no processo de elaboração de PCE, permitindo, assim, com que os educadores agregassem mais conhecimentos capazes de gerar transformações e impactos nos contextos profissional e escolar, pensando em uma educação de qualidade para nossos estudantes.

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Recebido: 31 de Outubro de 2021; Aceito: 01 de Fevereiro de 2022

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