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Revista Diálogo Educacional

versão impressa ISSN 1518-3483versão On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.22 no.72 Curitiba jan./mar 2022  Epub 19-Set-2022

https://doi.org/10.7213/1981-416x.22.072.ds11 

Dossiê

Reflexões sobre o movimento na educação infantil e o trabalho pedagógico

Reflections about the movement in Early Childhood Education the of pedagogical work

Reflexiones sobre el movimiento en la educación infantil y el trabajo pedagógico

Debora Luppi Soutoa 
http://orcid.org/0000-0002-0581-9408

Heloisa Toshie Irie Saitob 
http://orcid.org/0000-0003-1061-5933

aUniversidade Estadual de Maringá (UEM), Maringá, PR, Brasil. Mestre em Educação, e-mail: debora_luppi@hotmail.com

bUniversidade Estadual de Maringá (UEM), Maringá, PR, Brasil. Doutora em Educação, e-mail: htisaito@uem.br


Resumo

O movimento é um aspecto fundamental a ser trabalhado com as crianças entre zero e três anos, pois por meio dele os pequenos exploram os objetos, seu corpo e do outro e se expressam de modo a se comunicarem com os sujeitos em seu entorno. Chegamos a esse entendimento tendo como base nossos estudos que ocorreram na graduação em Pedagogia, no mestrado e em nossa atuação com crianças, fatores que impulsionaram a pesquisa do referido tema. Defendemos que, ao ser trabalhado de forma qualitativa nas ações pedagógicas da Educação Infantil, o movimento possibilita aos pequenos estabelecerem relações sociais positivas, apropriando-se da cultura humana de modo a desenvolverem aspectos físicos, afetivos e cognitivos. Tendo tal compreensão, objetivamos nesse artigo trazer um recorte da pesquisa realizada no mestrado de modo a refletir sobre a importância do trabalho com o movimento na creche, defendendo uma ação pedagógica qualitativa com as crianças. Para isso, trazemos alguns aspectos voltados ao desenvolvimento do movimento humano e algumas possibilidades de trabalho qualitativo com o movimento na educação infantil, tendo como respaldo os pressupostos da teoria histórico-cultural. Concluímos que é importante na área educacional, principalmente na educação infantil, a reflexão sobre o movimento e uma ação organizada que o contemple, pois, por meio dele, as crianças exploram o mundo ao seu redor e estabelecem importantes relações sociais, as quais contribuem para uma formação integral.

Palavras-chave: Creche; Movimento corporal; Práticas pedagógicas; Teoria histórico-cultural

Abstract

The movement is a fundamental aspect to be worked with children between zero and three years old, because through it the little ones explore the objects, their body and the other and express themselves in a way to communicate with the subjects in their surroundings. We arrived at this understanding based on our studies that took place in the undergraduate course in Pedagogy, in the master’s degree and in our work with children, factors that boosted the research on that topic. We argue that when it is worked in a qualitative way in the pedagogical actions of Early Childhood Education, the movement allows the little ones to establish positive social relationships, appropriating human culture in order to develop physical, affective and cognitive aspects. Having such an understanding, we aim in this article to bring a snapshot of the research carried out in the master’s degree in order to reflect on the importance of working with the movement in the daycare center, defending a qualitative pedagogical action with the children. For this, we bring some aspects focused on the development of the human movement and some possibilities of qualitative work with the movement in early childhood education, based on the assumptions of historical-cultural theory. We conclude that it is important in the educational area, mainly in early childhood education, to reflect on the movement and an organized action that contemplates it, because, through it, children explore the world around them and establish important social relationships which contribute to an integral training.

Keywords: Daycare; Body movement; Pedagogical practices; Historical-cultural theory

Resumen

El movimiento es un aspecto fundamental a trabajar con niños de cero a tres años, ya que a través de él los más pequeños exploran objetos, su cuerpo y los demás y se expresan para comunicarse con los sujetos de su entorno. A este entendimiento llegamos a partir de nuestros estudios realizados en la carrera de Pedagogía, en el Máster y en nuestro trabajo con los niños, factores que impulsaron la investigación sobre este tema. Argumentamos que, al ser trabajado de manera cualitativa en las acciones pedagógicas de Educación Infantil, el movimiento permite a los más pequeños establecer relaciones sociales positivas, apropiándose de la cultura humana para desarrollar aspectos físicos, afectivos y cognitivos. Con este entendimiento, pretendemos en este artículo traer un extracto de la investigación realizada en el programa de maestría para reflexionar sobre la importancia de trabajar con el movimiento en la guardería, defendiendo una acción pedagógica cualitativa con los niños. Para ello, traemos algunos aspectos orientados al desarrollo del movimiento humano y algunas posibilidades de trabajo cualitativo con el movimiento en la educación infantil, partiendo de los supuestos de la teoría histórico-cultural. Concluimos que es importante en el ámbito educativo, especialmente en la educación infantil, reflexionar sobre el movimiento y una acción organizada que lo contemple, pues a través de él los niños exploran el mundo que los rodea y establecen importantes relaciones sociales que contribuyen a una formación integral.

Palabras clave: Guardería infantil; Movimiento corporal; Prácticas pedagógicas; Teoría histórico-cultural

Introdução

O movimento na educação infantil é um tema que merece destaque quando pensamos no trabalho com crianças de 0 a 3 anos, pois, nesse período, os pequenos comunicam-se e relacionam-se principalmente por meio dos gestos e dos movimentos. Com o desenvolvimento progressivo da linguagem, os movimentos tornam-se menos aparentes mediante a comunicação, mas não deixam de ser importantes e de estarem presentes em todas as ações das crianças que, nessa faixa etária, movimentam-se o tempo todo de modo a conhecer a si, ao mundo e estabelecer relações e, por esse motivo, o movimento deve ser pensado e realizado na prática pedagógica com os pequenos, possibilitando-lhes o desenvolvimento de todas as suas capacidades.

Isso posto, apresentamos, neste artigo, um recorte do resultado de um estudo de mestrado intitulado “O movimento na educação infantil: a especificidade da prática pedagógica com crianças de zero a três anos”. Acreditamos ser importante descrever brevemente a metodologia utilizada em nossa pesquisa de mestrado e as principais conclusões estabelecidas para que o leitor tenha um melhor entendimento das informações tratadas no presente artigo. Nesse sentido, em nosso percurso de mestrado fizemos estudos afetos ao movimento na educação infantil e para isso realizamos uma pesquisa qualitativa, bibliográfica, documental e de campo de modo a analisar como se efetivava, no desenvolvimento da prática pedagógica, o movimento com crianças de zero a três anos, a fim de verificar sua influência no processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianças. Nesse estudo, concluímos que o movimento é um aspecto muito importante no desenvolvimento infantil, pois ele está atrelado a outros aspectos, não menos importantes, de modo a promover o desenvolvimento integral, ou seja o movimento envolve os aspectos físico, afetivo e cognitivo. Ao realizar nossa pesquisa de campo analisamos o discurso e a prática pedagógica com o movimento de algumas professoras que atuavam em uma rede municipal do estado do Paraná. Concluímos que os professores participantes compreendiam a importância de se trabalhar o movimento na educação infantil, no entanto, em muitos momentos, limitaram a explorar esse aspecto apenas em circunstâncias determinadas e em momentos específicos dando o entendimento de que elas consideravam que o movimento é um aspecto que não se encontra presente em todas as ações da criança pequenas. Notamos também certa contradição no desenvolvimento do trabalho pedagógico, pois ao mesmo tempo em que esse movimento era explorado havia a constante prática de contê-lo. Diante disso, em suma, constatamos que as professoras tinham consciência da importância do movimento no desenvolvimento infantil, no entanto, mediante diversos fatores ainda não compreendidos, apresentaram dificuldades ao desenvolver uma prática que contemplasse tal importância.

Tendo como base a pesquisa realizada, nosso objetivo, no presente artigo, é refletir sobre o movimento na educação infantil, precisamente na creche, com crianças de 0 a 3 anos, discutindo sobre a importância de trabalhar com o movimento, propondo um trabalho pedagógico qualitativo com as crianças. Propomos esse objetivo visando contemplar um breve recorte de nosso estudo de mestrado determinado principalmente por nossa pesquisa bibliográfica e de campo.

Para discorrer sobre questões afetas ao movimento, partimos dos princípios defendidos pela Teoria Histórico-Cultural, cujo principal representante foi Vigotski1. Essa teoria é utilizada como referencial teórico em todos os nossos estudos. Dividimos nossa reflexão em dois momentos: no primeiro, discutimos sobre alguns aspectos voltados ao desenvolvimento do movimento humano, ou seja do homem como espécie, e à formação de cada sujeito, destacando a sua importância na formação e no desenvolvimento dos indivíduos; no segundo, elencamos algumas possibilidades de trabalho qualitativo com o movimento na educação infantil. Nosso entendimento de uma proposta adequada com o movimento requer, primeiramente, que o professor tenha consciência de sua importância para o desenvolvimento das crianças, seguido de um planejamento e intencionalidade em suas ações pedagógicas de modo a agir nas dificuldades das crianças, mediando-as para que seja possível a realização dos movimentos humanos mais complexos, promovendo o pleno desenvolvimento das crianças.

Acreditamos que a realização de ações pedagógicas qualitativas com o movimento na educação infantil seja de suma importância para o desenvolvimento das crianças, pois, ao movimentar-se, a criança está desenvolvendo não apenas os seus aspectos motores, mas também os afetivos e os cognitivos, contribuindo com a sua formação integral. Assim, não basta que o movimento aconteça mecanicamente; é preciso que seja realizado de forma intencional para que ocorram a aprendizagem e o desenvolvimento.

O movimento humano e as suas dimensões

Nessa primeira parte do artigo, conceituaremos o movimento na educação infantil, analisando a sua importância no processo de formação humana. Primeiramente, traremos o significado da palavra movimento. De acordo com o Minidicionário Luft, é a “mudança de um corpo de um lugar para outro ou de uma para outra posição [...] ação, agitação ou esforço organizado para se conseguir um objetivo” (LUFT, 2000, p. 469). Como determinado pelo dicionário, o movimento é constituído de ações e de movimentos corporais que apresentam, em si, uma finalidade. Nesse sentido, ele é intencional e social, construído pelo contato com o outro. Por isso, diante dessa definição é preciso mencionar que no presente artigo não pretendemos estudar os movimentos reflexos que se limitam apenas à estrutura fisiológica do corpo humano, mas sim aqueles movimentos tratados pela Teoria Histórico-Cultural, perspectiva teórica de nossos estudos, como movimentos voluntários, os quais são aprendidos socialmente e desenvolvidos. Acreditamos ser importante caracterizar a Teoria Histórico-Cultural:

Essa teoria defende que o homem é concebido como um ser social que produz suas condições de vida por meio de instrumentos que configuram a realidade objetiva da mesma forma que é transformado pelas condições materiais de existência. Isso significa que o modo de desenvolvimento da sociedade influencia na construção da consciência e na conduta do homem, o que justifica considerar a historicidade como algo intrínseco na formação do psiquismo humano, ou seja, o caráter material da existência humana (SAITO, 2019, p. 26).

Essa teoria considera que o aspecto social é indispensável para o desenvolvimento das funções especificamente humanas, dentre elas o movimento. Para discorrer sobre o desenvolvimento desses movimentos que são específicos do homem trataremos sobre o processo de desenvolvimento ontogenético do homem, que vai desde a concepção até a morte, mas nos atentaremos principalmente aos três primeiros anos de vida da criança, ressaltando a importância do movimento nesse processo.

Cabe mencionar que, no desenvolvimento ontogenético, o movimento encontra-se em destaque desde o princípio; é um processo que deriva tanto dos aspectos biológicos quanto - e principalmente - dos sociais.

Sendo assim, os aspectos biológicos são importantes para o desenvolvimento do movimento da criança, mas as condições externas são primordiais e também interferem de forma decisiva nesse aspecto. Para desenvolver-se, o feto parte de um princípio quase que totalmente orgânico; desde a sua concepção, são principalmente as leis orgânicas que promovem a sua desenvoltura, permitindo que ele transforme-se em um bebê. No entanto, no nascimento, esse desenvolvimento se modifica e “o primeiro princípio ‛orgânico’ de existência começa a ser substituído por um segundo princípio - o princípio da realidade externa e, o que é mais importante, social” (VYGOTSKY; LURIA, 1996, p. 156).

Ao nascer, o bebê insere-se em um ambiente novo e muito distinto do útero materno. Por isso, apresenta movimentos que, inicialmente, não têm intencionalidade, são apenas reflexos aos estímulos e às incitações externas; “tais movimentos são chamados de involuntários por serem controlados por vias nervosas subcorticais (cerebelo, vias extrapiramidais, formação reticular e outras), e dependem da quantidade e da qualidade dos estímulos sensoriais que a criança recebe” (KOLYNIAK FILHO, 2010, p. 56-57). O bebê, portanto, realiza os movimentos de forma mecânica, espontânea, pois não há necessidade de direcionamento. Gradualmente, os movimentos reflexos vão dando lugar a movimentos intencionais, que apresentam relação com o sistema nervoso, sendo possíveis apenas mediante o contato social.

Segundo Martins (2012), é por meio dos reflexos que ocorrem de forma involuntária que o bebê inicia a vida extrauterina. Tais reflexos se modificam rapidamente com o contato social e, dessa forma, a criança passa a controlar voluntariamente seus movimentos de forma gradativa. A autora afirma que “o desenvolvimento motor é altamente representativo dos saltos qualitativos que se processam no entrelaçamento dos fatores biológicos (maturacionais orgânicos) e da estimulação social” (MARTINS, 2012, p. 104). Dessa forma, o desenvolvimento humano ocorre mediante a combinação dos aspectos biológicos e sociais, assim como acontece com o desenvolvimento do movimento.

Defendemos que a criança necessita da aprendizagem para desenvolver os seus movimentos, que serão ensinados por um outro e tornar-se-ão cada vez mais humanizados, até chegarem a um nível extremamente complexo. O movimento, além de estar presente na transformação do homem como espécie (filogenética), é encontrado também na ontogênese humana desde a vida intrauterina. Vigotski e Luria (1996) mencionam que o desenvolvimento ontogenético se destaca por “repetir” alguns passos do homem primitivo, no processo filogenético, pois assim como o homem primitivo, a criança vai gradativamente dominando algumas técnicas e desenvolvendo-se.

A criança pequena desconhece a si e tudo aquilo que o homem construiu. Como acontecia com os homens primitivos, vai fazendo descobertas sobre seu o corpo e o mundo ao seu redor. Aos poucos, ela vai explorando o mundo e dominando as relações sociais; isso só é possível devido ao auxílio do adulto. Para explorar e conhecer o mundo, a criança utiliza-se do movimento, relacionando-se com os demais e vivenciando todas as experiências que o âmbito social lhe proporciona. Ao nascer, o bebê encontra-se diante de um “sistema mais evoluído de movimentos” (WALLON, 1968, p. 158) e, por meio do contato social e do conhecimento cultural construído pela humanidade, o movimento dele se desenvolve, tornando-se mais complexo: deixa de ser sem intencionalidade e passa a ser prático e intelectual; “o comportamento natural torna-se comportamento cultural; técnicas externas e signos culturais aprendidos na vida social tornam-se processos internos” (VYGOTSKY; LURIA, 1996, p. 219). Assim, o desenvolvimento da criança dependerá da qualidade de suas relações sociais e de suas aprendizagens, a fim de que as máximas capacidades sejam atingidas.

Vygotski e Luria (2007) destacam que as teorias mais tradicionais consideravam as funções externas distintas das internas, no entanto, defendem que essas funções apresentam grau de importância equivalente. Sendo assim, acreditamos que algumas funções externas, como o movimento, também devem ser determinadas como funções psíquicas superiores, pois, assim como as demais, são específicas do homem e o desenvolvimento delas também ocorre por meio do aspecto sociocultural. Nesse sentido, tanto o aspecto externo quanto o simbólico unem-se no processo interno e são resultado do desenvolvimento sócio-histórico e cultural.

Os autores pontuam que o movimento social, aquele mais superior, construído histórica e socialmente e que se fundamenta na cultura, é também considerado uma função psíquica superior, que atua juntamente com outros processos psíquicos e que possui o mesmo grau de importância no processo de desenvolvimento do sujeito, já que tanto as possibilidades do desenvolvimento filogenético quanto as do ontogenético seriam restritas sem o movimento.

Outros processos se desenvolvem concomitantemente ao desenvolvimento motor, que possibilita o progresso de uma série de habilidades, já que apresenta uma função estritamente diretiva em relação à formação de outros processos, sendo imprescindível o contato social. Como menciona Martins (2012, p. 113), “[...] apesar da aparente naturalidade do desenvolvimento motor, ele é, tanto quanto os demais processos, habituado pelas condições sociais de desenvolvimento da criança”. As operações motoras específicas do homem não se desenvolvem de forma natural, elas são construídas socialmente.

O movimento na educação infantil e algumas possibilidades de trabalho pedagógico

Pensando em uma atuação que possibilite o almejado desenvolvimento integral das crianças, traremos, nessa segunda parte do artigo, questões que abordam a importância do movimento para o desenvolvimento humano. Na sequência, sinalizaremos algumas possibilidades pedagógicas de atuação dos professores no trabalho qualitativo com o movimento.

É essencial destacar que o período de desenvolvimento das crianças que estão na educação infantil é um dos mais importantes na formação dos sujeitos; é um momento em que elas constituem as estruturas que darão base a futuras formações. Nesse período escolar, a criança inicia seu processo de humanização, superando as suas funções mais elementares, dando lugar às estruturas mais complexas e especificamente humanas, denominadas pela perspectiva Histórico-Cultural como funções psíquicas superiores. Nesse processo de formação, encontra-se o movimento, o qual possibilita o desenvolvimento das funções mais superiores na criança, quando trabalhado de forma qualitativa.

Nesse sentido, o movimento é um importante elemento que deve ser considerado na prática pedagógica dos professores que atuam com crianças desde o nascimento até os 3 anos de idade. Ele deve ser desenvolvido diariamente e trabalhado nos momentos de rotina, na realização de atividades direcionadas e livres, sendo explorado nos diversos espaços da creche, por meio de diferentes recursos. Ao trabalhar com o movimento, o professor deve compreender que “o crescimento físico é favorecido quando a criança participa de contínuas e progressivas atividades motoras” (NISTA-PICCOLO; MOREIRA, 2012, p. 42). Assim, as crianças precisam realizar diversas atividades motoras para se desenvolverem.

Quando a criança se movimenta, ela não está desenvolvendo apenas suas habilidades motoras, pois ao se relacionar o aspecto emocional também é desenvolvido, assim como uma série de outros aspectos, como mencionam Nista-Piccolo e Moreira (2012, p. 44): “também podemos citar a estreita relação da dimensão motora com os aspectos cognitivos, que requerem capacidade de entender e pensar”. Os autores destacam ainda que, por meio do movimento, os pequenos trabalham o aspecto afetivo, o cognitivo e o físico, desenvolvendo as funções motoras de modo a estimular o raciocínio, a criatividade, a memória, a atenção e a concentração. Cabe destacar que o conhecimento do próprio corpo pela criança é de suma importância, para que ela entenda “[...] o corpo como instrumento de ação e relação, é preciso que ele seja bem trabalhado desde os primeiros anos de vida, pois deste trabalho dependem as futuras habilidades de movimento na ação corporal” (NISTA-PICCOLO; MOREIRA, 2012, p. 38-39).

Nessa perspectiva, os movimentos expressam o que a criança pequena está sentindo e, por meio deles, elas dizem quais são suas necessidades, suas angústias, suas alegrias e seus medos. Assim, além de promover o desenvolvimento, o movimento ainda é uma porta para as relações com o mundo social.

Como pontuam Nista-Piccolo e Moreira (2012), as atividades com o movimento com as crianças pequenas devem ser desafiadoras, promotoras de novas experiências e devem trabalhar principalmente os grandes músculos, pois assim possibilitarão o desenvolvimento das crianças em todos os aspectos. Considerando a importância do trabalho com o movimento na educação infantil, ao contemplar tal aspecto na realização das atividades, o professor não deverá privar a criança de ser ativa e dinâmica. Como destaca Rabinovich (2007, p. 34), as crianças desse período exploram o mundo por meio de seus movimentos e “querer reprimir seu ‛entusiasmo’ em nome da educação, exigir imobilidade, silêncio e empobrecimento de atividades lúdicas e espontâneas, significa privar a criança de seu meio de desenvolvimento mais autêntico”.

Acreditamos ser pertinente trazer na sequência, de forma sintetizada, alguns conceitos tratados pela Teoria Histórico-Cultural sobre o desenvolvimento das crianças de zero a três anos. Faremos essa discussão pois defendemos que o trabalho com o movimento na creche deve ser realizado de modo a promover a aprendizagem das crianças e o desenvolvimento de suas potencialidades mais superiores. Diante disso, acreditamos que esse trabalho deva ser pautado considerando os conceitos defendidos pela perspectiva Histórico-Cultural, alguns dos quais trataremos a seguir.

Dois importantes conceitos discutidos pela perspectiva Histórico-Cultural e que merecem ser destacados são os conceitos de aprendizagem e desenvolvimento. Segundo Vigotskii (2016), a aprendizagem do sujeito não deve ser entendida como algo que se inicia na escola, pois desde o nascimento a criança se relaciona com tudo aquilo que se encontra ao seu redor, adquirindo novas experiências e construindo um imenso repertório que determinará o seu desenvolvimento.

A relação entre a aprendizagem e o desenvolvimento é bastante complexa e para compreendê-la é preciso mencionar alguns importantes conceitos determinados por Vigotskii (2016). O primeiro deles é denominado “nível de desenvolvimento efetivo da criança” (VIGOTSKII, 2016, p. 111), e corresponde àquelas funções intelectuais alcançadas que resultaram de certos ciclos já alcançados no desenvolvimento do sujeito. No entanto, esse nível não engloba todo o desenvolvimento do indivíduo, pois nele não se enquadra aquele que ainda se encontra em maturação. O segundo nível de desenvolvimento caracteriza-se por ser aquele que ainda não se completou e que se encontra em seu estágio de maturação. Esse é caracterizado por aquilo que a criança realiza com o auxílio de outrem, denominado “nível das tarefas realizáveis com o auxílio dos adultos” (VIGOTSKII, 2016, p. 112), porque a criança ainda necessita de auxílio para conseguir realizar determinadas tarefas. Cabe mencionar que entre esses dois níveis do desenvolvimento humano há outro importante conceito que é definido com uma área potencial do desenvolvimento e sobre isso o autor esclarece ao mencionar que “a diferença entre os níveis das tarefas realizáveis com o auxílio dos adultos e o nível das tarefas que podem desenvolver-se com uma atividade independente define a área de desenvolvimento potencial da criança” (VIGOTSKII, 2016, p. 112). Nesse sentido, essa área também denominada pelo autor como zona potencial é representada por aquilo que a criança faz com o auxílio de um adulto e, nesse caso, sem a mediação de outra pessoa, com independência, ela não realizará a tarefa.

Ao compreender o desenvolvimento considerando esse conjunto de conceitos, é possível afirmar que não devemos partir daquilo que já foi concluído no decurso do desenvolvimento da criança; pelo contrário, devemos conceber que o desenvolvimento é um processo dinâmico que está sendo estruturado mediante as relações sociais. Assim, como defende Vigotskii (2016), ao desenvolver-se a criança passa por um período de construção, ou seja, aquilo que ela inicialmente faz sob a mediação de outrem em determinado momento será executado de forma autônoma. Nesse sentido, a área potencial determina os futuros aspectos do desenvolvimento da criança. Desse modo, o ensino não deve ficar restrito ao que a criança já adquiriu, ao que já se concretizou em seu desenvolvimento, mas deve se basear naquilo que se encontra em maturação e nas futuras aprendizagens da criança. Isso posto, Vigotskii (2016, p. 114) destaca que “o único bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento”. Assim, a aprendizagem não se resume a ir atrás ou juntamente com o desenvolvimento: ela antecede o mesmo, acionando uma série de processos.

De acordo com a teoria histórico-cultural, no processo de aprendizagem e desenvolvimento, para ser efetivo e qualitativo, há sempre a figura de outrem que diante de seu caráter mediador entre o conhecimento e a criança utiliza signos e instrumentos, fazendo com que todo o processo se realize. Isso significa que por meio da mediação é possível desenvolver no sujeito estruturas especificamente novas que superam as mais elementares e são caracterizadas como aquelas que buscam a satisfação das necessidades mais básicas do sujeito, aquelas que determinam sua sobrevivência. Vygotski e Luria (2007, p. 43-44, grifos dos autores, tradução nossa) defendem que essas estruturas qualitativas são aquelas mais complexas, são funções encontradas somente nos homens e as denominam como “[...] funções psíquicas superiores, ressaltando assim a natureza social de seu surgimento”2.

Assim, essas funções psíquicas superiores se caracterizam por serem produzidas e desenvolvidas historicamente pela humanidade, caracterizando o homem. Vygotski e Luria (2007) apresentam as principais leis que determinam o desenvolvimento de todas as funções psíquicas especificamente humanas, aquelas definidas como superiores. A primeira destaca que o desenvolvimento de todas as funções superiores implica uma intensa mudança no direcionamento do processo de desenvolvimento da criança e o posterior avanço nesse processo gera novas formações; a segunda lei relaciona as funções superiores com as elementares destacando que aquelas mais elementares não desaparecem diante das superiores, mas são introduzidas nos sistemas psíquicos seguindo os novos comandos do sistema novo; a terceira lei menciona que em casos de patologia a desintegração de todas as funções superiores ocorre de forma inversa em relação ao modo como se dá sua construção.

Cabe destacar que as funções psíquicas superiores apresentam entre si uma comunalidade, já que se apresentam interligadas por meio de uma atividade simbólica. Nas palavras de Vygotski e Luria (2007, p. 49, tradução nossa): “[...] as funções superiores de percepção, memória, atenção, movimento e outras têm demonstrado estar ligadas internamente ao desenvolvimento da atividade simbólica”3.

Essa comunalidade que envolve as funções psíquicas superiores encontra-se na atividade simbólica, que é tudo aquilo que o homem construiu historicamente e socialmente e que apresenta seu produto em forma de signos. Segundo Vygotski e Luria (2007), os signos operam de duas maneiras sequenciadas na conduta da criança: a primeira ocorre de forma interpsíquica, pois inicialmente a criança utiliza os signos para se relacionar socialmente, e a segunda ocorre de forma intrapsíquica na qual a criança passa a utilizar os signos para controlar sua própria conduta. Isso mostra que o signo atua de forma a transferir para a personalidade da criança as atividades especificamente sociais.

Outro conceito discutido pela perspectiva Histórico-Cultural que acreditamos ser importante destacar é o conceito da periodização do desenvolvimento humano. A periodização foi determinada pela psicologia e possui como foco os estudos do psiquismo do homem e sua conduta. A periodização refere-se a momentos ou fases que percorrem o desenvolvimento do homem e que se estabelecem desde seu nascimento.

Segundo Vigotski (2010), os períodos de desenvolvimento pelos quais perpassa a evolução do sujeito determinarão a forma como ele se relacionará com tudo e todos que envolvem o seu meio e cada fase envolve uma série de fatores que definirão as futuras aprendizagens do indivíduo. Nesse sentido, é preciso mencionar que a criança é um sujeito social que se encontra constantemente em desenvolvimento e a cada nova aprendizagem, nova relação, ou simplesmente uma ação que ocorre por meio da mediação do adulto há desenvolvimento.

Dessa forma, para desenvolver-se, a criança necessita de momentos ricos em estímulos mediados pelo adulto que promovam a aprendizagem e consequentemente o desenvolvimento. Vygotski (1996) defende que as condições sociais e objetivas nas quais a criança se encontra inserida determinarão o seu desenvolvimento. Assim, em cada novo período, nova idade, novas relações são estabelecidas entre o sujeito e tudo aquilo que se encontra ao seu redor, ou seja, a criança apresenta novas formas de relacionar-se com o meio social. O autor defende ainda que a situação mencionada “Determina plenamente e por completo as formas e a trajetória que permitem à criança adquirir novas propriedades da personalidade, já que a realidade social é a verdadeira fonte de desenvolvimento, a possibilidade de que o social se transforme em individual” (VYGOTSKI, 1996, p. 264, tradução nossa)4.

Essa situação social do desenvolvimento deve ser considerada ao buscar a compreensão de como se dão as relações de determinadas idades da periodização. Sobre a periodização, Martins (2016) destaca que as condições que permeiam a periodização são definidas pelo âmbito social, são as relações sociais e a qualidade das mediações que determinam e potencializam as aprendizagens nesses períodos promovendo o desenvolvimento psíquico.

Nesse sentido, no decurso dos períodos do desenvolvimento deve-se possibilitar ao sujeito uma formação plena que contemple o conhecimento científico. Segundo Vygotski (1996), a estrutura da autêntica periodização consiste em mudanças que ocorrem de forma interna e que são estabelecidas no decurso do desenvolvimento. É importante ressaltar que no desenvolvimento psíquico do sujeito, em seus diferentes estágios, há uma atividade que apresenta domínio e que, segundo Leontiev (2004), apresenta, em determinado momento, grau de importância superior para desenvolvimentos posteriores da personalidade, sendo que na primeira infância essas atividades são as de comunicação emocional direta e atividade objetal manipulatória, dois importantes conceitos da perspectiva Histórico-Cultural que acreditamos que também devem ser discutidos.

No primeiro ano de vida, a atividade principal é a comunicação emocional direta, a qual deve ser contemplada pelo professor em sua prática pedagógica. Assim, essa comunicação acontece de maneira afetiva com o bebê, que é considerado sujeito ativo dessa ação, já que há a participação direta do adulto e da criança. Nesse período, a atividade de comunicação emocional direta deve ser considerada pelo professor como primordial em suas ações com os bebês. Além disso, por meio dela, é possível desenvolver um leque de atividades ao trabalhar com o movimento. Ao considerar tal atividade como guia em seu trabalho pedagógico, o professor interagirá com a criança de forma afetiva e tudo o que for mediado fará sentido a ela, colocando-a verdadeiramente em atividade, promovendo o desenvolvimento do movimento e de outras funções psíquicas superiores que se encontram relacionadas.

Na primeira infância, período estabelecido entre 1 e 3 anos de vida aproximadamente, a atividade principal modifica-se, tornando-se objetal e manipulatória. Nesse período, o professor deve considerá-la primordial em sua prática pedagógica, pois, como salientam Chaves e Franco (2016), a criança volta o seu interesse para os objetos, explorando o mundo ao seu redor. Assim, ao trabalhar com crianças que se encontram nesse período, o professor deve atentar-se a esse aspecto a fim de que a sua prática educativa se torne qualitativa, visando o desenvolvimento das funções psíquicas superiores, incluindo o movimento. Desse modo, o professor que não orienta a sua prática pedagógica seguindo a atividade principal de determinada idade não terá um resultado qualitativo e ficará preso a ações sem significado para a criança, sem permitir que ela entre em atividade efetiva. Geralmente, as ações propostas pelo docente ficam restritas àquilo que a criança já sabe fazer e acabam não potencializando o que está em desenvolvimento, perdendo, consequentemente, o primordial na prática educativa.

Durante o percurso do desenvolvimento, as experiências vividas pela criança são únicas e acabam por proporcionar voltas e diversas reviravoltas estabelecendo uma sólida sustentação que por meio da atividade dominante definirá aqueles períodos fundamentais em que se forma a personalidade do sujeito, denominados de idade. Vygotski (1996, p. 261, tradução nossa) define a periodização das crianças de até três anos da seguinte maneira: “Crise pós-natal: Primeiro ano (dois meses - um ano); Crise de um ano: Primeira infância (um ano - três anos)” (VYGOTSKI, 1996, p. 261, tradução nossa).5

Estabelecidos os períodos do desenvolvimento equivalentes às especificações do presente artigo, é possível destacar que a periodização determina os percursos pelos quais perpassa o desenvolvimento infantil. Cabe mencionar que “no passo de cada nova etapa da idade não só se modificam e desenvolvem os próprios mecanismos da conduta, mas também as suas forças motrizes” (VYGOTSKI, 1996, p. 11, tradução nossa)6. Assim, na transição de cada estágio do desenvolvimento o sujeito desenvolve uma série de mecanismos e dentre eles estão aqueles relacionados ao movimento corporal.

Buscando a qualidade na realização de atividades com o movimento na educação infantil tendo como base os conceitos discutidos até o momento, na sequência, elencamos algumas possibilidades de trabalho com o movimento, de modo a resultar em uma prática pedagógica capaz de promover o desenvolvimento de todas as potencialidades dos pequenos. Em nossos exemplos buscamos tratar de atividades de fato possíveis, de fácil realização nas instituições de ensino e que, realizadas de modo intencional e mediado, terão muito a qualificar no desenvolvimento dos movimentos das crianças pequenas.

Acreditamos que na educação infantil seja necessário trabalhar com o esquema corporal, os movimentos amplos e finos do corpo, a corporeidade, a motricidade, dentre outros aspectos. Traremos na sequência algumas atividades possíveis para o trabalho com o movimento, com o intuito de desenvolver todos os aspectos já citados. Lembramos que essas atividades devem ser realizadas de acordo com o período de desenvolvimento das crianças, tornando-se gradativamente mais complexas à medida que os pequenos vão desenvolvendo-se e realizando as atividades propostas de forma autônoma, sem a necessidade da mediação do professor.

Um exemplo de atividade com o movimento são as brincadeiras com cordas, que são materiais de fácil acesso e que podem ser manipulados de diversas maneiras. As cordas permitem a exploração de inúmeros aspectos da motricidade infantil. O professor pode agir das seguintes maneiras: colocar a corda no chão e fazer uma espécie de percurso com diferentes variações para que as crianças passem por ela; solicitar que pulem de um lado ao outro da corda; pedir para que passem em cima dela; pedir aos pequenos que caminhem sobre a corda cruzando as pernas e saltando. Ressaltamos que as atividades com corda permitem que a criança desenvolva diferentes capacidades motrizes, como coordenação motora ampla, equilíbrio, lateralidade etc. Além disso, os pequenos passam a conhecer as diversas possibilidades de movimento do próprio corpo.

Os bambolês permitem que o movimento seja explorado de diferentes maneiras e, por isso, também podem ser utilizados. Com eles, os professores que trabalham na educação infantil poderão montar circuitos, colocando-os em sequência, em diversas posições para que os pequenos pulem dentro daqueles que estão no chão ou passem por dentro dos que estão pendurados. Por meio dessas atividades o professor explorará todos os aspectos que envolvem o movimento, por exemplo: equilíbrio, coordenação motora ampla, lateralidade, dentre outros.

O trabalho com o movimento não precisa necessariamente ser desenvolvido por meio de algum recurso, pois pode ser realizado simplesmente pela mediação do professor. Por exemplo, o professor pode cantar uma música que incentive os gestos corporais, pode promover brincadeiras de roda ou pode emitir simples comandos para trabalhar com os diversos movimentos do corpo. Uma alternativa seria a brincadeira carteiro, na qual o professor, desempenhando o papel de carteiro, diz que trará uma encomenda para as crianças que realizarem o que solicitará por meio de comandos. Nessa atividade, o professor poderá lançar uma série de comandos, como: pular com os dois pés, pular com o pé direito e, em seguida, com o esquerdo, rodopiar etc.

As atividades com o movimento podem ser realizadas também com materiais recicláveis que, muitas vezes, são itens que têm como destino a lata de lixo. Por exemplo, o professor poderá utilizar cabos de vassoura para fazer cavalinhos, de modo que suas mediações conduzam as crianças a correrem e pularem como se estivessem montados no animal. Cabe mencionar que as brincadeiras que envolvem o movimento tornam-se mais interessantes quando o professor cria um mundo de fantasias, pois trabalhará, dessa forma, o movimento juntamente com a imaginação.

As possibilidades de trabalho com o movimento nas instituições de ensino são inúmeras e, por vezes, diante da escassez de alguns recursos específicos, necessitam ser realizadas com outros meios. Nesse sentido, é importante destacar que o trabalho com o movimento precisa principalmente da atuação mediadora do professor, já que é ele quem transformará uma simples brincadeira com bolas em algo rico. Por meio de sua mediação, ele explorará os movimentos da criança e desenvolverá suas capacidades, utilizando como recurso uma bola, trabalhando gradativamente aqueles movimentos que a criança apresenta maiores dificuldades para realizar.

O professor deverá ter consciência de que seu trabalho pedagógico deverá se concentrar naquilo que ainda a criança não possuiu, naquilo que ela não consegue realizar de forma autônoma (VIGOTSKII, 2016). É nessa área que deverá atuar o professor ao trabalhar o movimento. Sua intencionalidade e seus objetivos devem concentrar-se em organizar a prática das crianças de modo a atuar em suas dificuldades, como mediador dos conhecimentos e movimentos que ainda não foram apropriados por ela, mas que se encontram em processo de desenvolvimento, não deixando de lançar novos desafios para promover ainda mais o desenvolvimento.

Isso demonstra a importância de um trabalho qualitativo com o movimento na educação infantil, que só é possível mediante a consciência do professor em relação à importância do movimento para o desenvolvimento infantil que resulta na realização de ações planejadas com o movimento em sua prática, atuando de modo a mediar a criança em suas dificuldades e lançar novas propostas para incitar outras formas de desenvolvimento, o que sem a mediação social não seria possível. Como menciona Mukhina (1995), o contato social trará progresso aos movimentos de forma qualitativa, se a criança estiver constantemente sob a atenção do adulto, que deve organizar o comportamento dela, promovendo o seu desenvolvimento integral.

Considerações finais

Enfatizamos, ao longo do texto, que o movimento é um fator de suma importância no trabalho pedagógico com as crianças de 0 a 3 anos, já que, por meio dele, os pequenos estabelecem novas relações sociais e exploram tudo o que se encontra ao seu redor. Nesse sentido, defendemos que o movimento deve ser considerado pelos profissionais que atuam na creche como um elemento fundamental no trabalho com os pequenos, algo que deve ser desenvolvido no dia a dia da educação infantil de forma qualitativa, possibilitando às crianças um desenvolvimento integral. Para que seja qualitativo, esse trabalho precisa ser intencional, de modo que o professor tenha objetivos que busquem agir no processo de aprendizagem das crianças atuando naquilo que está em vias de desenvolvimento, ou seja, na área de desenvolvimento potencial da criança e não naquilo de que a criança já se apropriou.

É nessa área que deverá atuar o professor ao trabalhar o movimento. Sua intencionalidade e seus objetivos devem concentrar-se em organizar a ação das crianças de modo a incidir em suas dificuldades, atuando como mediador dos conhecimentos e movimentos que ainda não foram apropriados por ela, mas que se encontram em processo de desenvolvimento, não deixando de lançar novos desafios para promover ainda mais o desenvolvimento. Isso resume um trabalho qualitativo com o movimento na educação infantil, que só é possível mediante a consciência do professor em relação à importância do movimento para o desenvolvimento infantil que resulta na realização de ações planejadas em sua prática, atuando de modo a mediar a criança em suas dificuldades e lançar novas propostas para incitar outras formas de desenvolvimento.

Nesse sentido, reforçamos que, diante de nosso entendimento, um trabalho qualitativo com o movimento requer uma série de aspectos, dentre eles a consciência do professor de sua importância para o desenvolvimento das crianças e isso envolve a prática intencional munida de um planejamento com objetivos e uma metodologia de ensino organizada de modo a agir no processo de aprendizagem das crianças, mediando-as para que seja possível a aprendizagem e a realização dos movimentos humanos mais complexos, promovendo o pleno desenvolvimento de suas potencialidades.

Para haver um trabalho de excelência com o movimento, acreditamos que é necessária a utilização de recursos específicos, de espaços próprios e seguros; o mais importante, porém, são a intencionalidade e a mediação do professor. Ao realizar atividades com o movimento, o professor deve compreender a importância dele, planejando previamente essas atividades, de forma a traçar objetivos e metodologias que permitam o alcance do desenvolvimento pleno das crianças, principalmente em relação ao movimento, promovendo assim, uma formação de qualidade. Cabe a ele a mediação com a criança nas atividades com o movimento, intervindo para auxiliar naquilo que ela ainda não consegue realizar autonomamente, colocando-a diante de novos desafios. Uma atividade aleatória, sem o olhar mediador do adulto, não fará sentido para a criança, que desistirá diante da primeira dificuldade. O obstáculo não é um problema para o professor mediador, mas sim um fator importante para promover o desenvolvimento das crianças. O docente atuará nessa dificuldade, intervindo e ajudando a criança a encontrar alternativas para a resolução dos problemas, ou seja, saberá como impulsionar o desenvolvimento ao lançar desafios ainda mais complexos para os pequenos.

Retomando elementos destacados neste artigo, o trabalho qualitativo com o movimento não depende apenas de um fator, mas de inúmeros; alguns são primordiais, porém todos são importantes na construção de uma educação infantil de qualidade e promotora efetiva do desenvolvimento de todas as potencialidades de cada sujeito, o que é direito de todas as crianças. Assim, um bom trabalho com o movimento deve partir inicialmente do entendimento sobre a sua importância para as crianças, compreensão que resulta em posturas que consideram o movimento essencial, contrariando a constante influência dos padrões sociais que determinam que a criança não pode movimentar-se e deve permanecer sempre estática.

Referências

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1Durante nossos estudos deparamo-nos com inúmeras formas de escrita do nome do autor e por isso, no presente artigo, optamos por utilizar as distintas formas encontradas.

2“[…] funciones psíquicas superiores, resaltando así la naturaleza social de sus comienzos” (VYGOTSKI; LURIA, 2007, p. 43-44, grifos dos autores).

3“[...] las funciones superiores de percepción, memória, atención, movimiento y otras, han demostrado estar ligadas internamente al desarrollo de La actividad simbólica.” (VYGOTSKI; LURIA, 2007, p. 49).

4Determina plenamente y por entero las formas y la trayectoria que permiten al niño adquirir nuevas propiedades de la personalidad, ya que la realidad social es la verdadera fuente del desarrollo, la posibilidad de que lo social se transforme en individual” (VYGOTSKI, 1996, p. 264).

5Crisis postnatal: Primer año (dos meses - un año); Crisis de un año: Infancia temprana (un año - tres años)” (VIGOTSKI, 1996, p. 261).

6“[...] en el paso a cada nueva etapa de la edad no sólo se modifican y desarrollan los propios mecanismos de la conducta, sino también sus fuerzas motrices” (VYGOTSKI, 1996, p. 11).

Recebido: 05 de Outubro de 2021; Aceito: 25 de Janeiro de 2022

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