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Revista Diálogo Educacional

versión impresa ISSN 1518-3483versión On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.22 no.72 Curitiba ene./mar 2022  Epub 19-Sep-2022

https://doi.org/10.7213/1981-416x.22.072.ao04 

Artigos

A influência da Unesco nas estratégias vinculadas à educação básica nos Planos do Mercosul Educacional

Unesco's influence on strategies related to basic education in Mercosur Educational Plans

La influencia de la Unesco en las estrategias vinculadas a la educación básica en los Planes Educativos del Mercosur

Carlos Antônio Diniz Júniora 
http://orcid.org/0000-0002-4420-3403

aUniversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Macaé, RJ, Brasil. Doutor em Educação, e-mail: junior.diniz.jd@gmail.com


Resumo

Este estudo teve por objetivo analisar o(s) alinhamento(s) das estratégias vinculadas à educação básica presentes nos Planos do Mercosul Educacional às orientações editadas pelo Projeto Principal de Educação para a América Latina e Caribe (PPE) no âmbito da Organização das Nações Unidas para a Educação (Unesco). De natureza qualitativa, a investigação teve por base a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental. Foram analisados documentos editados pela Unesco e os Planos do Mercosul Educacional, coletados na UNESDOC - Biblioteca digital da UNESCO - e no web site oficial do Mercosul Educacional. Além disso, tomaram-se por base estudos que tratam da educação no contexto da mundialização e do Mercosul (Educacional). Entre os resultados, destaca-se a compreensão, no âmbito dos processos de desenvolvimento dos pais, de que a educação é elemento-chave para esses processos. Além disso, observou-se que a Educação Básica foi ganhando gradativamente maior espaço nos referidos planos, trazendo elementos associados à integração regional, à focalização nas camadas sociais mais vulneráveis, à formação continuada de professores e à maior participação da sociedade nos processos decisórios. Contudo, reforça-se que o Mercosul Educacional se constitui como espaço para a confluência de ideias reformistas já expressas nos documentos da Unesco e de outros organismos internacionais.

Palavras-chave: Unesco; Mercosul Educacional; Educação Básica

Abstract

This study aims to analyze the alignment(s) of the strategies linked to basic education in the Mercosur Educational Plans to the guidelines issued by the Main Education Project for Latin America and the Caribbean (PPE) within the scope of the United Nations Organization for Education (Unesco). This research has a qualitative approach, and it was based on bibliographic and documentary research. It considers documents edited by the Unesco and the Mercosur Educational Plans, collected at the UNESDOC - Digital Library of the UNESCO - and at the official Mercosur Educational website. In addition, this article takes into account studies that deal with education in the context of globalization and Mercosur (Educational). Among the results, in the context of the country's development processes there is the understanding that education is a key element. Furthermore, the Basic Education was gradually receiving more relevance in these plans, bringing elements associated with regional integration, focusing on the most vulnerable social strata, continuing teacher education, and greater participation of the society in the decision-making processes. However, the Educational Mercosur indeed constitutes a space for the confluence of reformist ideas already expressed in the documents of Unesco and other international organizations.

Keywords: Unesco; Educational Mercosur; Basic education

Resumen

Este estudio tiene como objetivo analizar la(s) alineación(es) de las estrategias vinculadas a la educación básica presentes en los Planes Educativos del Mercosur a los lineamientos emitidos por el Proyecto Principal de Educación para América Latina y el Caribe (PPE) en el ámbito de la Organización de las Naciones Unidas para Educación (Unesco). De naturaleza cualitativa, la investigación se basó en la investigación bibliográfica y documental. Se analizaron documentos editados por Unesco y los Planes Educativos del Mercosur, recopilados en UNESDOC - Biblioteca Digital de la UNESCO - y en el sitio web oficial de Mercosur Educacional. Además, se tomaron como base estudios que abordan la educación en el contexto de la globalización y el Mercosur (Educativo). Entre los resultados, en el contexto de los procesos de desarrollo de los países, está el entendimiento que la educación es un elemento clave. Además, se observó que la Educación Básica fue ganando cada vez más espacio en estos planes, aportando elementos asociados a la integración regional, con foco en los estratos sociales más vulnerables, la formación continua del profesorado y una mayor participación de la sociedad en los procesos de toma de decisiones. Sin embargo, se destaca que el Mercosur Educativo es un espacio de confluencia de ideas reformistas ya expresadas en los documentos de la Unesco y otros organismos internacionales.

Palabras clave: Unesco; Mercosur educativo; Educación básica

Introdução

A regulamentação do direito à educação, no âmbito de cada país, está diretamente relacionada à influência de documentos publicados por organismos internacionais - a exemplo daqueles editados na esfera da Organização das Nações Unidas (ONU), (1948, 1966) e da Organização das Nações Unidas para a Educação (Unesco), (1990, 2000) - que sinaliza(va)m para a necessidade da garantia da educação para todos (SOUZA, 2017; DINIZ JÚNIOR, 2020). A articulação de tais documentos com os ordenamentos normativos editados pelos Estados fortalece a dinâmica de proteção desse direito, no sentido de assegurar a educação como direito humano inalienável (PIOVESAN, 2004).

Além de estabelecer orientações relacionadas ao acesso à educação, a Unesco ainda foi responsável por sinalizar também quais as perspectivas e os objetivos principais para as políticas educacionais dos países, em especial aqueles considerados em desenvolvimento (NOMA, 2011). Assim, com foco na América Latina e Caribe, a Unesco criou o Projeto Principal de Educação para a América Latina e Caribe (PPE), com o objetivo de identificar e propor ações para problemas educacionais da América Latina (NOMA, 2011) e, ainda, se consolidar como espaço de consensos e discursos para a educação na região (UCZAK, 2014).

Considerando esse cenário, este trabalho tem como objetivo analisar o(s) alinhamento(s) das estratégias vinculadas à educação básica nos Planos do Mercosul Educacional às orientações editadas pelo Projeto Principal de Educação para a América Latina e Caribe (PPE) na esfera da Organização das Nações Unidas para a Educação (Unesco). O Mercosul Educacional foi instituído no âmbito do Mercado Comum do Sul (Mercosul), com o propósito de articular um espaço de discussão para as políticas educacionais na região.

Com base nos estudos de Noma (2011) e Uczak (2014), além de outros referenciais teóricos que discutem o tema, esta pesquisa analisou documentos editados pela Unesco, no âmbito do PPE (UNESCO, 1984, 1987, 1988, 1989, 1991, 1993, 1996, 2001), coletados na UNESDOC - Biblioteca digital da UNESCO -, e os Planos do Mercosul Educacional (MERCOSUL EDUCACIONAL, 1992, 1998, 2001, 2006, 2011, 2016) - coletados no web site do Mercosul Educacional -, considerando que “toda investigação científica requer o uso de fontes documentais de investigação adequadas para o correto desenvolvimento e implementação da pesquisa1” (CABALLERO; MANZO; MATARRANZ; VALLE, 2016, p. 46 - tradução nossa). Para o procedimento de análise aqui proposto, foi necessário distinguir as estratégias vinculadas à educação básica daquelas estabelecidas para o ensino superior no contexto dos Planos do Mercosul Educacional, de modo a ser possível relacioná-las com as principais orientações presentes nos documentos do PPE. Os documentos foram submetidos à leitura minuciosa, buscando identificar as estratégias relacionadas à educação básica presentes nos referidos planos, sendo considerado ainda, conforme sinalizado por Flick (2008), que o texto deve ser lido levando em conta o seu contexto, a sua utilização e a sua função.

Partindo do exposto, este artigo, além da presente introdução, está constituído por outras três seções. A primeira discute o contexto da mundialização da educação e o papel da Unesco nesse cenário. A segunda seção apresenta reflexões sobre o processo de globalização, vinculadas ao contexto do regionalismo aberto, no campo da educação no Mercosul. Na terceira seção, foram analisadas as estratégias associadas à educação básica nos Planos Educacionais do Mercosul e sua relação com as diretrizes apresentadas pelo PPE. Por fim, as considerações finais resgatam as principais reflexões e análises deste estudo.

Mundialização da educação e o papel da Unesco

A década de 1990 foi marcada pelo contexto de “globalização”, que se configurou a partir das novas relações capitalistas estabelecidas na década de 1970, por meio da “acumulação flexível” do capital (HARVEY, 1992, p. 140). Para Chesnais (1996), esse contexto é marcado por uma “mundialização do capital”, que é caracterizada pela(o): i. transformação do modo de produção, no qual a ciência e a tecnologia estão cada vez mais inseridas como forças produtivas; ii. enfraquecimento da esfera pública, fortalecimento da esfera privada; iii. modificação (na lógica da precariedade) das relações de trabalho; e iv. necessidade de os países formarem alianças (ou blocos econômico-comerciais), buscando apoio em meio a relações competitivas (CHESNAIS, 1996).

Nesse sentido, entende-se que esse processo está inserido em um contexto histórico e sistêmico (WALLERSTEIN, 2000), no qual os países buscam se articular para consolidar posições econômicas e comerciais. Assim, compreender esse posicionamento dos países em relação a tal sistema é essencial para entender como as tendências educacionais globais se configuram em cada nação (ARNOVE, 2011).

As mudanças ocorridas na ordem econômica e na organização do trabalho configuraram-se como forças para potencializar as transformações necessárias à educação na perspectiva da globalização do capital. Essa necessidade não se deu na lógica da busca pela garantia da educação como direito inalienável, mas como estratégia de consolidação do modus operandi do neoliberalismo2, que entende a educação como ação instrumentalizadora do processo de desenvolvimento.

As reformas implementadas sob esta perspectiva visa(va)m atender às demandas de qualificação dos mercados e se estabeleceram como elementos do projeto neoliberal de sociedade (CARNOY, 2003; MELO, 2003). Nesse sentido, mais do que a qualificação para o trabalho, as reformas visavam estruturar uma organização social capaz de lidar - no sentido de fortalecer - com a lógica neoliberal, pois, para se configurar como projeto hegemônico, era (e é) necessário promover mudanças na “sociedade ideológica-discursiva” (GENTILI, 1996, p. 1).

Nesse cenário de reformas, alguns organismos internacionais foram assumindo um papel fundamental na divulgação e difusão de ideias, bem como no financiamento - através de empréstimos aos países - para a implementação de políticas alinhadas às diretrizes desses organismos (BALL, 1994). No contexto dessas organizações, pode-se destacar: i. o Banco Mundial (BM), que se constituiu como o articulador das reformas neoliberais na América Latina, devido à sua capacidade de injetar recursos financeiros - via empréstimos - para que os países se ajustem de acordo com os próprios princípios e as diretrizes do banco, às necessidades de mercado, à competitividade e ao desenvolvimento; e ii. a Unesco, que, em consonância com os princípios do Banco Mundial, assumiu o papel de planejar, operacionalizar e executar políticas vigentes na América Latina (MELO, 2003).

No contexto específico da América Latina, a Unesco ocupou papel importante nas reformas implementadas na região. No ano 1979 foi realizada a Conferência Regional de Ministros da Educação e Ministros Responsáveis pelo Planejamento Econômico, que, com o patrocínio da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), elaborou a Declaração do México (1979), na qual foram apresentados objetivos para atender às necessidades e dificuldades educacionais da região (UCZAK, 2014).

No momento da preparação dessa declaração, os Ministros de Estado presentes solicitaram à Unesco que elaborasse um projeto que cumprisse os objetivos estabelecidos no texto do documento (NOMA, 2001). Dessa forma, em 1980 foi instituído o Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe (PPE), que, com vigência até o ano de 2001, teria como principais objetivos: a extensão da escolaridade mínima obrigatória de 8 para 10 anos para as pessoas em idade escolar; a busca de reformas para melhorar a eficiência e a qualidade dos sistemas educacionais; e a erradicação do analfabetismo e expansão da escolaridade de adultos até o fim do século 20 (UNESCO, 1984).

A atuação do PPE, coordenada pela Oficina Regional para a América Latina e o Caribe (Orelac), foi fruto de uma solicitação dos Ministros da Educação e do Planejamento Econômico dos países latino-americanos para que respondessem às necessidades educacionais indicadas na década de 1980 (NOMA, 2011; UCZAK, 2014). Esse projeto contemplou reuniões do Comitê Intergovernamental do Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe (Promedlac), integrado pelos Ministros da Educação dos países da região, que traçaram recomendações para políticas educacionais e se constituíram como um espaço de confluência e pactuação das principais linhas de ação nesse território (PAIVA; ARAÚJO, 2008; UCZAK, 2014).

No período de 1984 a 2001, o PPE realizou sete reuniões do Promedlac com os respectivos Ministros da Educação dos Estados membros e outros representantes. O Quadro I apresenta um resumo das principais linhas de ação levantadas nos documentos, resultantes dessas reuniões, podendo-se destacar: o foco nas ações relacionadas à universalização da educação básica; a construção de estratégias, com base na equidade, que permitam adquirir as competências consideradas necessárias; a descentralização da gestão educacional e da autonomia escolar; e a avaliação de políticas e aprendizagem dos alunos.

Quadro I Resumo das principais linhas de ação das declarações resultantes de cada conferência do Promedlac. 

Ano Local de realização da Reunião Pontos Principais
1984 Cidade do Mexico - México • Aprovação do Plano de Ação do PPE;
• Necessidade de vincular as políticas de saúde, nutrição e educação com foco nos setores produtivos;
• Notas para o desenvolvimento de ações de promoção de respeito à diversidade cultural.
1987 Bogotá - Colômbia • Renovação dos compromissos acordados na reunião anterior;
• Orientação aos países para a estruturação de Planos de Ação nacionais para o desenvolvimento de políticas educacionais;
• A necessidade da oferta da educação básica universal e da educação de adultos;
• Articulação de esforços dos setores públicos e privados na luta contra a pobreza e a desigualdade educativa.
1989 Cidade da Guatemala - Guatemala • Necessidade de incrementar a efetividade dos sistemas educacionais;
• Incrementar a prestação de contas por resultados da articulação entre o governo central e os níveis regionais e locais;
• Promover a inovação nos sistemas educacionais.
1991 Quito - Equador • Melhorar a eficácia dos sistemas educacionais;
• Equidade nos serviços educacionais, a fim de favorecer os setores prioritários da sociedade;
• Desenvolver a capacidade de otimizar recursos nos sistemas educacionais;
• Descentralização dos processos de gestão educacional;
• Mecanismos para avaliar os resultados das políticas.
1993 Santiago - Chile • Criar condições e incentivos para que as escolas melhorem sua autonomia;
• Melhorar os processos de ensino e aprendizagem;
• Formação e aperfeiçoamento docente.
1996 Kingston - Jamaica • Reafirmar o direito de todos à educação, com ênfase na aprendizagem significativa;
• Educação como estratégia para o desenvolvimento da justiça, fruto da participação social.
2001 Cochabamba - Bolívia • Recomendação para que os Estados acelerem as transformações na educação com base em resultados, em condições adequadas de aprendizagem dos estudantes por meio da articulação com a sociedade.

Fonte: Elaboração própria com base em Unesco (1984, 1987, 1988, 1989, 1991, 1993, 1996, 2000).

Em 2002, logo após a conclusão do PPE, foi elaborado e aprovado o Projeto Regional de Educação para a América Latina e o Caribe (PRELAC) e seu Modelo de Acompanhamento, com vigência para o período 2002-2017.

Com base no estudo de Sander (2008), deve-se destacar que as diretrizes estabelecidas pelos ministros do Promedlac podem ser organizadas em três momentos. No primeiro, iniciado em 1984, apontava-se para a necessidade de os sistemas educacionais adotarem estratégias de gestão mais modernas, baseadas na eficiência econômica. Num segundo momento, no fim da década de 1980, a partir da retomada democrática dos países da região, apontou-se para a necessidade de participação na gestão da educação, em consonância com o pensamento neoliberal de accountability ou responsabilidade social. E numa última etapa, nos anos 90, a presença de uma grande articulação internacional que orientou a educação como estratégia necessária ao desenvolvimento dos países.

Considera-se que as reuniões do Promedlac, assim como suas diretrizes para os países, se consolidaram como elemento fundamental para o aprofundamento das reformas do Estado e, consequentemente, nas políticas educacionais lançadas nos anos 90, como as políticas de descentralização. No contexto daquela década, outros organismos internacionais, como a Cepal e o BM, começaram a se inserir como consolidadores de discursos sobre as necessidades das políticas educacionais nos países considerados.

As diretrizes e os discursos veiculados por tais organizações estavam em consonância com o conceito de Capital Humano (SCHULTZ, 1962) que advogava o incremento marginal da educação formal e do desenvolvimento de habilidades e competências como forma de melhoria da capacidade produtiva e de trabalho. Dessa maneira, a mundialização do capital estabeleceu-se nas concepções e políticas de educação no contexto latino-americano. Para isso, organismos internacionais, alinhados com a epistemologia das novas necessidades do mercado, desempenharam um papel decisivo nas políticas educacionais dos países da região. Essa confluência de ideias levou às reformas do Estado e, consequentemente, das políticas educacionais, nos anos 90 e nos anos posteriores, contribuindo para a formação de uma ideia de mundialização da/na educação.

Esse movimento se insere naquilo que Dale (2004) chamou de “agenda globalmente estruturada para a educação” (AGEE), caracterizada pela presença de forças globais neoliberais que operam e transformam os sistemas educacionais. A AGEE é divulgada e operacionalizada por forças supranacionais - organismos internacionais, blocos econômicos e comerciais, entre outros - que atuam como mensageiros das reformas alinhadas às demandas neoliberais (DALE, 2004). Essa agenda se desdobra nas reformas expressas na educação, sendo materializadas como respostas dos sistemas nacionais às necessidades apontadas no contexto global.

A (mundialização da) educação no Mercosul

Além das mudanças econômicas e comerciais, o processo de mundialização reconfigurou a relação entre Estado e sociedade civil, por estar mais comprometido com questões transnacionais e globais do que aquelas limitadas ao contexto exclusivo de cada nação (IANNI, 2012). Sob essa perspectiva, uma saída apontada para essa crise econômica e comercial foram os processos de integração regional, também conhecidos como “regionalismo”. Muito embora não sejam sinônimos perfeitos (RICHARD, 2014), cabe destacar aqui que esses processos na América Latina possuem nuances ideológicas distintas, estando mais perfilados com o pensamento liberal ortodoxo, que preconiza a implementação de políticas de Estado, cujo objetivo é a promoção de desenvolvimento industrial, ou uma visão mais progressista e politicamente orientada que entenda a integração como um processo de longo prazo e a construção de uma identidade comum, consolidada com a participação da sociedade civil (SARAIVA, 2011).

Alinhada à essa necessidade, na década de 1990, a Cepal propôs uma ideia de “regionalismo aberto” para a América Latina, apontando para uma crescente interdependência econômica, no nível regional, baseada no mercado externo, na abertura e desregulamentação econômica, com o objetivo de aumentar a competitividade dos países da região, promovendo as bases para uma economia internacional (CEPAL, 1994). Os conceitos construídos sobre integração regional ou regionalismo são multifacetados e, em alguns aspectos, antagônicos. Assim, para este estudo, considera-se a definição proposta por Santos e Diniz Júnior (2017, p. 23), que entende a integração regional como “um processo multifacetado por meio do qual a promoção de políticas comuns e conjuntas em uma determinada região com vistas a reduzir as assimetrias e desigualdades da/na região”. Acredita-se que essa redução das assimetrias e desigualdades esteja relacionada à necessidade de inserir os países periféricos na economia global, de acordo com as diretrizes da Cepal (1994), e não necessariamente no enfrentamento radical da desigualdade.

Buscando superar a crise enfrentada por esses países, o Mercado Comum do Sul (Mercosul) foi instituído pelo Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991, como um projeto regional, no âmbito da América do Sul, para a constituição de um mercado comum entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, denominados como “Estados Partes” (MERCOSUL, 1991). Os elementos que sustentaram a instituição do bloco foram: a expansão (e abertura gradual e progressiva) dos mercados nacionais como condição para acelerar o desenvolvimento econômico e social; a coordenação de políticas macroeconômicas, como, por exemplo, com relação ao meio ambiente; a necessidade de os países membros do bloco entrarem no cenário internacional “adequadamente”; a modernização das economias dos países; e sua integração e seu desenvolvimento científico e tecnológico (MERCOSUL, 1991).

O estudo de Almeida (2015) sinalizou que, desde a sua instituição, no ano de 1991, até o ano de 2015, o bloco foi marcado por três fases: i. anos de 1991 a 1994, cuja ideologia do modelo liberal de integração regional marcou sua institucionalização e atuação; ii. entre 1995 e 2002, período marcado pela instabilidade e pelo desafio do enfrentamento coletivo (por parte dos países do bloco) em relação às crises internacionais; e iii. a retomada de um projeto de integração estratégica, baseado na eleição de progressistas na Argentina e no Brasil. Compreende-se a necessidade de inclusão de uma quarta fase, que está relacionada às crises políticas vividas pelos países do bloco, como o golpe sofrido pela presidente Dilma Rousseff, em 2015, a retirada da Venezuela do bloco no ano 2017 e a nova postura do Brasil em relação ao Mercosul, no governo de Jair Bolsonaro, iniciado no ano de 2019.

A estruturação e a organização do Mercosul ocorrem na perspectiva do estabelecimento de relações institucionalizadas entre os países, buscando aprimorar essas correspondências (SOUZA, 2017). No entanto, deve-se apontar que essas relações são influenciadas pelos movimentos econômicos e políticos de cada país, constituindo um desafio para além do que pode ser regulamentado por documentos institucionais.

Nesse contexto de globalização do capital e regionalismo aberto, a educação (especialmente a escolar) é entendida como um vetor de desenvolvimento (CEPAL, 1994), que permite aos cidadãos estarem preparados para contribuir para o crescimento e a misericórdia das políticas econômicas postas em prática, bem como das epistemologias sobre o (novo) papel do Estado que, conforme evidenciado, determinam as políticas educacionais.

No contexto dessa contradição, a educação ocupa lugar de destaque no Mercosul. Embora o Tratado de Assunção não cubra diretamente a educação, ele é “entendido pelos Estados Partes como um instrumento central para superar as disparidades regionais, consolidar a democracia, o desenvolvimento econômico e social e a integração regional” (ANDRÉS, 2010, p. 7). Essa percepção reitera e vai ao encontro da discussão aqui apresentada sobre a compreensão da educação como mobilizadora do desenvolvimento, amplamente defendida e difundida pela Cepal na década de 1990.

O Mercosul instituiu, pela Decisão 07/1991, o setor educacional dessa organização, denominado “Mercosul Educacional”, com a missão de constituição de um espaço educacional comum por meio da coordenação de políticas destinadas a incluir a educação no processo de integração do Mercosul. Assim, buscava-se alcançar “uma educação de qualidade para todos, com atenção especial aos setores mais vulneráveis, em um processo de desenvolvimento com justiça social e respeito à diversidade cultural dos povos da região” (MERCOSUL EDUCACIONAL - Site oficial).

Destaca-se que o direcionamento aos setores mais vulneráveis estava em linha com a agenda política proposta pelo Banco Mundial para a década de 1990, de redução da pobreza, que, em consonância com a(s) reforma(s) do Estado e da Administração Pública, se sustentava na promessa de consolidação da democracia liberal e da promoção da estabilidade econômica dos países (MOTA JÚNIOR; MAUÉS, 2014). Dessa forma, já nos objetivos de constituição do Mercosul Educacional, observa-se o alinhamento com as diretrizes do Banco Mundial, ratificando a ideia de que esses organismos internacionais, seja por meio de sugestões de políticas, seja indiretamente, ou ainda por meio de empréstimos condicionais, têm influência sobre a natureza das políticas educacionais nos países em desenvolvimento.

Desde 1992, o Mercosul Educacional desenvolve Planos de Ação que buscam “contribuir com os objetivos do MERCOSUL, estimulando a formação da consciência cidadã para a integração e promovendo uma educação de qualidade para todos, em um processo de desenvolvimento com justiça” (MERCOSUL EDUCACIONAL, 1998, p. 2). Souza (2017, p. 156) define esses planos como “marcos históricos na ênfase das diretrizes educacionais na área do Mercosul”, que se constituem em textos políticos que se ressignificam nos processos de (re) elaboração das políticas internas.

No entanto, o caráter intergovernamental3 do Mercosul e, consequentemente, de seu setor de educação, contribui para que os países tenham maior autonomia na tomada de decisões sobre suas políticas internas. Essa característica pode possibilitar a desarticulação regional e também se consolidar como um desafio para a concretização de ações articuladas dentro do bloco e do setor.

A educação básica nos Planos do Mercosul: alinhamentos às orientações da Unesco

Para a Classificação Internacional Padrão de Educação (Isced), educação básica é o conjunto de ações educacionais da escola, visando satisfazer necessidades básicas de aprendizagem definidas pela Declaração Mundial sobre Educação para Todos por meio da oferta da escolaridade mínima aos sujeitos (UNESCO, 2011). Os compromissos assumidos pelos países, no campo das convenções e declarações internacionais, estão relacionados à garantia de que a educação básica seja financiada com recursos públicos, enfrentando os problemas da marginalização e da desigualdade, e ao comprometimento efetivo com a qualidade da educação (SOUZA, 2017). No Mercosul Educacional, a educação básica também esteve presente nos planos do setor. É importante destacar que a normatização sobre os anos de escolaridade associados a este nível de ensino é da competência de cada país, o que permite aproximações e distanciamentos entre as estratégias normativas para a sua regulamentação, bem como a própria métrica associada ao número de anos de escolaridade que compõem a educação básica (DINIZ JÚNIOR, 2020).

O Quadro 2 sintetiza os objetivos associados à Educação Básica nos Planos do Mercosul Educacional e permite identificar que esse nível de ensino foi gradativamente ganhando mais espaço nesses documentos.

Quadro 2 Resumo dos objetivos associados à educação básica nos Planos do Mercosul Educacional  

Planos Resumo dos principais objetivos
1992-1994* • Atualização curricular de acordo com as demandas do Mercosul, educação de adultos e sua vinculação com o trabalho, descentralização da gestão;
• Garantia de formação contínua de professores;
• Estabelecimento de ações de equidade nas políticas educacionais, considerando setores desfavorecidos da população.
1998- 2000 • Manutenção das estratégias preconizadas no Plano anterior, destacando-se a adequação dos currículos da educação básica em termos de aprendizagem das línguas oficiais do Mercosul, o ensino de História e Geografia com temas específicos da região e os currículos de formação profissional e técnica de uma perspectiva de treinamento de habilidades.
2001- 2005 • Garantia do direito à educação básica e à educação profissional como elemento de superação da pobreza e da mobilidade econômica e social.
• Garantia de um melhor aprendizado, por meio de práticas pedagógicas contextualizadas, para oferecer qualidade a todos, principalmente aos grupos vulneráveis.
• Estabelecimento de processos de gestão participativa.
• Implementação de ações conjuntas de formação continuada de professores.
2006- 2010 • Inclusão, nos planos de estudos, de conteúdos comuns que favoreçam a integração regional, para a implantação de programas de formação continuada de professores da Educação Básica em temas relacionados à integração regional.
• Publicação de indicadores de qualidade para o Ensino Básico, Médio e Superior.
2011- 2015 • Garantia da formação de professores.
• Fortalecimento da organização institucional para a gestão democrática da escola pública, garantindo a participação de todos os atores envolvidos na vida escolar.
• Consolidação das escolas interculturais de fronteira como política dos Ministérios da Educação dos países membros e associados do MERCOSUL.
• Fortalecimento da política pública de educação na diversidade na perspectiva dos direitos humanos no MERCOSUL. Implementação de programas que buscam uma educação de qualidade voltada para a inclusão educacional de todos.
• Promoção da articulação entre o setor produtivo e a educação.
• Aprofundamento de estratégias para garantir oportunidades iguais de acesso, permanência e qualidade na conclusão oportuna de crianças e jovens nos sistemas educacionais da região do MERCOSUL.
2016- 2020 • Proposta de mecanismos para o reconhecimento e/ou aprovação de diplomas, certificados, títulos técnicos de nível médio e superior. Treinamento de professor.
• Asseguração da aplicação de mecanismos que garantam a qualidade das instituições de ensino e aprendizagem, em todos os níveis e modalidades, nos Estados membros e associados do MERCOSUL.
• Promoção da inclusão e da participação social a partir de programas educacionais regionais

Fonte: Elaboração própria com base em Mercosul Educacional (1992, 1998, 2001, 2006, 2011, 2016).

Convém destacar que o setor educacional do Mercosul está inserido no contexto de um bloco de integração regional, que se constituiu, como já mencionado, com o objetivo de acelerar o desenvolvimento econômico da região. Dessa forma, considera-se que as ações relacionadas à educação, vinculadas a este setor, estão epistemologicamente alinhadas aos princípios sob os quais o bloco se constituiu e, ainda, amparadas pela ideia apresentada pela CEPAL (1994, 1996) de que o aumento da escolaridade é um fator que contribui para o desenvolvimento econômico de países e de regiões.

No Plano 1992-1994 - em vigor até 1997 -, é possível observar três objetivos principais, no que diz respeito à Educação Básica, relacionados com: a adaptação curricular; a formação contínua de professores; e políticas de equidade, com foco nas populações vulneráveis. A atenção dada à vulnerabilidade nesse plano está alinhada ao enfoque nos setores mais vulneráveis da população, presente nas diretrizes do Promedlac, em particular na Declaração da Guatemala (UNESCO, 1989), que enfatizou a necessidade de concentrar ações para enfrentar as desigualdades. Há que se considerar que a educação era vista como uma estratégia de coesão social, e, para isso, as políticas de equidade - voltadas para a redução da pobreza - seriam estratégias de consolidação da democracia liberal e de promoção da estabilidade econômica (NOMA, 2011; MOTA JÚNIOR; MAUÉS, 2014).

Além disso, essa perspectiva está também alinhada às diretrizes do Banco Mundial para políticas educacionais na América Latina. Para o banco, a educação era vista como uma estratégia de coesão social e, para isso, as políticas de equidade - voltadas para a redução da pobreza - seriam estratégias de consolidação da seguridade social, democracia liberal e promoção da estabilidade econômica (MOTA JÚNIOR; MAUÉS, 2014). Contudo, a ideia de atenção especial a populações específicas não está relacionada a uma correção da desigualdade histórica, mas, sim, a uma estratégia para superar a crise do capitalismo.

Outro elemento relevante, ainda em relação ao Plano 1992-1994 - e que está sendo ampliado em outros planos - é a formação continuada de professores. Para Libâneo (2011), essa formação está relacionada à aprendizagem ao longo da vida e ao entendimento de que, no contexto cotidiano da escola, os professores estão aprimorando suas estratégias de trabalho. No entanto, é preciso considerar que as diretrizes dos organismos internacionais apontam para a necessidade de a formação continuada de professores estar relacionada à nova “configuração que se originou nas mudanças no mundo do trabalho e nas relações sociais” (KUENZER, 1999, p. 166). Dessa forma, os professores devem desenvolver as competências necessárias para resolver os problemas relacionados à ação educativa, em consonância com as necessidades impostas pela busca do desenvolvimento econômico (ZIENTARSKI; FREIRE; LIMA, 2019). Assim, a abordagem da educação continuada, considerada nos Planos, está em consonância com a lógica neoliberal disseminada e induzida por organismos internacionais.

Em relação ao Plano 1998-2000, destaca-se a necessidade de se adequarem os currículos da formação profissional e técnica na perspectiva da formação por competências. Oliveira (2009), ao analisar os impactos da globalização nas políticas educacionais, aponta para a centralidade da educação na preparação para o trabalho. Nesse sentido, entende-se que a ideia de competência, aludida no plano, está diretamente relacionada à necessidade de melhoria da capacidade produtiva e adaptabilidade às demandas de trabalho flexíveis (MOTA JÚNIOR; MAUÉS, 2014).

No Plano 2001-2005, para além da permanência dos objetivos relacionados com a formação contínua de professores, das políticas de equidade e do desenvolvimento de competências, presentes nos planos anteriores, destaca-se o apontamento para o estabelecimento de processos de gestão participativa. Essa participação está alinhada ao contexto de reconfiguração do poder do Estado, no qual o novo gerencialismo, no âmbito da educação, passa pela materialização dos interesses econômicos na escola, além de contribuir para a redução do papel do Estado e a inserção da lógica do gerencialismo na gestão do/no contexto escolar (HYPOLITO, 2017).

A ênfase dada aos chamados processos participativos está em conformidade com o estabelecido nos documentos resultantes das reuniões do Promedlac realizadas no Chile (1993), na Jamaica (1996) e na Bolívia (2001). Os documentos resultantes desses encontros recomendaram a necessidade de transformar a educação, com foco nos resultados, a partir do estabelecimento de processos participativos (UNESCO, 1993, 1996, 2001) que apontaram para a necessidade de se estabelecerem estratégias que garantam condições adequadas aos alunos.

Em relação ao Plano 2006-2010, destaca-se o apontamento para a publicação de indicadores de qualidade da Educação Básica e Superior. O destaque dado aos indicadores de qualidade no âmbito desse plano está em consonância com a recomendação da Declaração de Cochabamba (UNESCO, 2001), que salientou que as transformações na educação deveriam ser orientadas e potencializadas, tendo por base resultados de efetividade das políticas implementadas, sempre em articulação com a sociedade.

O novo gerencialismo, implantado nas reformas da década de 1990, deu à educação um contexto para medir a eficiência e os resultados (HYPOLITO, 2017). E isso pode ser observado a partir da implantação de provas em escolas de grande porte, monitoramento e outros indicadores que podem (re)orientar as políticas educacionais (HYPOLITO, 2017). Desse modo, essas reformas reduziram a definição da qualidade da educação para atingir as metas estabelecidas em consonância com as diretrizes dos organismos internacionais, de forma a evidenciar a necessidade de se imprimir a lógica dos defensores da eficiência, racionalidade e produtividade na esfera pública, pelo neoliberalismo (DOURADO, 2007).

No Plano 2011-2015, para além da permanência de elementos relacionados com a formação continuada de professores, com as políticas de equidade e com o desenvolvimento de competências presentes nos planos que o antecederam, é importante destacar dois novos elementos. O primeiro está relacionado à valorização da diversidade, na perspectiva dos direitos humanos, no âmbito do bloco, e à demanda pela consolidação das escolas interculturais de fronteira nos países membros e associados do Mercosul. Essa inserção está diretamente relacionada à terceira fase do bloco, apontada por Almeida (2015) como a retomada do projeto de integração estratégica, com base em governos progressistas. À época da elaboração do Plano, Brasil e Argentina viviam governos que implementavam políticas de educação em direitos humanos, bem como o Programa Escolas Interculturais de Fronteira (PEFI), que visa promover a integração regional por meio da educação intercultural e bilíngue.

Considera-se que a valorização da diversidade e da identidade latino-americana no âmbito deste plano não esteve expressa em nenhum dos documentos editados no contexto do Promedlac. De tal modo, essa perspectiva seria genuinamente característica do Mercosul (Educacional) e do momento político pelo qual o bloco passava, de fortalecimento da integração regional estratégica.

O segundo elemento está relacionado à orientação para se vincular o setor produtivo à educação. Tal questão, evidenciada nesse plano, traz à tona as correntes epistemológicas sob as quais são elaborados os planos do setor e até mesmo a constituição do próprio Mercosul Educacional. Essa associação é intrinsecamente forjada na relação entre educação e competitividade (SHIROMA; EVANGELISTA, 2011) e na abertura da participação privada para legitimar o aumento da competitividade e a inserção na nova ordem mundial (PERONI; CAETANO, 2016). Assim, as políticas educacionais estariam comprometidas com as demandas do mercado e da nova ordem mundial, e não com a formação integral dos sujeitos.

Essa constatação permite retomar a análise do contexto de implantação dos processos de gestão participativa, presente no Plano 2001-2005. Assim, destaca-se que a participação não está necessariamente relacionada a um contexto de democratização, mas de desresponsabilização, uma vez que delega à escola a execução de tarefas previamente planejadas pelo Estado.

Por fim, no Plano 2016-2020, destaca-se a permanência do enfoque para a necessidade da formação continuada docente, que encontra apoio nas declarações do Promedlac, em especial a Declaração de Santiago (UNESCO, 1993), que já na década de 1990 apontava para a necessidade de melhoria nos processos de formação e aperfeiçoamento docente. Cabe destacar ainda que, nos anos 2000, o Banco Mundial também tem abordado o tema da formação continuada de professores, apresentando experiências “exitosas” desenvolvidas ao redor do mundo, com recomendações claras aos países latino-americanos, como pode ser visto no documento “Professores excelentes: como melhorar a aprendizagem dos estudantes na América Latina e no Caribe” (BANCO MUNDIAL, 2014). Isso reforça o alinhamento dos planos e das diretrizes dos organismos internacionais.

As referências à aplicação de mecanismos de garantia da qualidade da aprendizagem e das instituições de ensino remetem à discussão - já realizada neste estudo - sobre a estreita relação entre a qualidade e os indicadores estabelecidos pela gestão da educação gerencial. Da mesma forma, a participação social em programas na área de educação refere-se ao apelo à ampla participação da sociedade civil nas definições e ações de educação, em consonância com as diretrizes de organismos internacionais como a Unesco (2000).

Um ponto importante que requer reflexão é a ausência de estratégias de ampliação do financiamento público da Educação Básica nos planos emitidos pelo setor. Nesses documentos, as estratégias de ampliação de recursos para a educação estão diretamente relacionadas à elaboração de propostas de financiamento a serem articuladas com organismos internacionais ou com o setor privado nacional. Essa questão está diretamente alinhada ao que afirma o Banco Mundial (2005) de que altos investimentos em educação de baixa qualidade podem não se traduzir em melhorias.

Em tal documento, o Banco Mundial atribui ao compromisso dos profissionais da educação e demais envolvidos no processo educacional o principal elemento para a melhoria da educação. Por se tratar de uma região marcada por históricas desigualdades sociais, esta afirmação mitiga a necessidade de maiores investimentos públicos para a melhoria da qualidade da educação, produzindo, por um lado, um descompromisso por parte do(s) Estado(s) em relação ao direito de acesso e permanência na escola e, por outro lado, sugerindo que se trata de um problema de gestão de recursos por parte dos profissionais e demais pessoas vinculadas à educação nos países da região.

Constata-se, a partir do processo histórico de constituição do Mercosul, a presença do entendimento de que a educação se configura como elemento fundamental para o desenvolvimento dos países, bem como para a integração regional. Verifica-se também que a Educação Básica gradativamente ocupou um espaço maior nos planos, de forma que os objetivos a ela vinculados estão em consonância com os documentos publicados pelos organismos internacionais, especialmente a Unesco, bem como o Banco Mundial e a Cepal, reforçando a ideia de que a educação é um elemento fundamental para o desenvolvimento econômico de um país e sua inserção no contexto da globalização do capital e das novas formas de trabalho.

Destaca-se que os planos aqui analisados se inserem no contexto da AGEE, que consideram que “[...] a existência de um currículo mundial tem, mais do que ser assumida, de ser demonstrada” (DALE, 2004, p. 455). Nesse sentido, os Planos do Mercosul Educacional não apenas operam elementos associados ao currículo, mas agem diretamente no planejamento educacional, selecionando e destacando prioridades educacionais a serem assumidas pelos sistemas nacionais de educação.

Considerações finais

Observa-se, a partir do processo histórico da constituição do Mercosul, a presença do entendimento de que a educação se configura como elemento-chave para o desenvolvimento dos países, bem como para a integração regional. Nesse sentido, o Mercosul Educacional foi criado e, através dos seus planos, buscou alinhar políticas entres os países que, conforme demonstrado, em sua maioria focalizavam o ensino superior.

Constata-se também que a Educação Básica foi gradativamente ocupando um maior espaço nos planos; entretanto, as ações destinadas a essa etapa se configuram, em muitos casos, como o uso de palavras-chave e não necessariamente como proposições para os membros do setor. Aponta-se que as intencionalidades e/ou objetivos expressos nesses planos se alinham com os documentos editados por organismos internacionais (UNESCO, 1984, 1987, 1989, 1991, 1993, 1996, 2001; BANCO MUNDIAL, 1995, 2014; CEPAL, 1994; CEPAL-UNESCO, 1996), possibilitando constatar suas influências na elaboração dos planos do Mercosul Educacional.

Retomar a ideia de intergovernamentalidade no âmbito do Mercosul é fundamental, uma vez que essa característica do bloco acentua a autonomia entre as Partes. Nesse sentido, o mesmo ocorre em relação ao Mercosul Educacional, de modo que os seus planos se apresentam como espelhos que refletem as políticas nacionais já existentes nos países membros, e não como uma nova abordagem a ser considerada pelos mesmos.

A característica de espelhamento também pode estar relacionada à influência de organismos internacionais nas políticas domésticas e no âmbito do setor educacional do Mercosul. Conforme já destacado, esses organismos, através de suas orientações e financiamentos, orientam e influenciam a organização e implementação das políticas em cada país e, no caso do Mercosul Educacional, a abordagem e a prioridade dada à educação em cada plano. Dessa forma, tais organismos desempenham esse papel de forma concomitante, tantos nos países como no setor, contribuindo assim para a construção de consensos - sob a perspectiva neoliberal - para a educação.

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1“toda investigación científica requiere el uso de fuentes documentales de investigación adecuadas para el correcto desarrollo y puesta en marcha de la investigación” (CABALLERO; MANZO; MATARRANZ; VALLE, 2016, p. 46)

2Estratégia de poder político, econômico e jurídico constituída como saída para a superação da crise do capitalismo do final da década de 1960 e início dos anos 1970 (GENTILI, 1996).

3Tal característica resguarda a autonomia do Estado Nacional, de modo que tenha uma forte capacidade de decisão em relação às suas políticas domésticas e até mesmo às políticas de integração regional (VIGEVANI; RAMANZINI JÚNIOR, 2014).

Recebido: 24 de Junho de 2021; Aceito: 10 de Novembro de 2021

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