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Revista Diálogo Educacional

versão impressa ISSN 1518-3483versão On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.22 no.73 Curitiba abr./jun 2022  Epub 17-Dez-2022

https://doi.org/10.7213/1981-416x.22.073.ds01 

Dossiê

A expansão do ensino público a partir da reivindicação da população paranaense

The expansion of public education based on the demands of the population of Paraná

Luciana Kubaski alvesa 
http://orcid.org/0000-0002-7931-447X

Vera lucia martiniakb 
http://orcid.org/0000-0003-3092-9817

aUniversidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Ponta Grossa, PR, Brasil. Doutora em Educação, e-mail: lucianakubaski@hotmail.com

bUniversidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Ponta Grossa, PR, Brasil. Doutora em Educação, e-mail: vlmartiniak@uepg.br


Resumo

O texto apresenta os resultados de estudo de doutoramento cujo fio condutor foi a expansão do ensino público a partir da reivindicação da população paranaense pela construção de escolas, tanto nas colônias quanto nos centros urbanos no início do século XX. A pesquisa tem como questão norteadora compreender como seu deu a expansão do ensino público no Paraná a partir da demanda pela criação de escolas expressa nos requerimentos dirigidos aos governantes. Após a emancipação da província e com a vinda de famílias imigrantes houve incentivo ao desenvolvimento das cidades, que estimulou o comércio e fomentou a criação de serviços de infraestrutura e, consequentemente, a necessidade de alfabetizar a população. A pesquisa se deu pela abordagem qualitativa, tendo como procedimento metodológico o método histórico, com a utilização de pesquisa documental e, concomitantemente, o uso combinado de fontes primárias. As fontes primárias utilizadas foram os livros de requerimentos, nos quais foi possível perceber a “voz da população” por meio de abaixo-assinados registrando as reivindicações. A análise se fundamentou em autores como Saviani (2007), Araújo (2007), Oliveira (1989) e Miguel (2017). O estudo permitiu inferir que a oferta de ensino público se deu de forma lenta e gradual, e neste processo as escolas particulares, étnicas e confessionais tiveram uma presença expressiva no estado do Paraná no início do século XX. Contudo, a reivindicação da população paranaense pela criação de escolas pressionou o governo e influenciou a expansão do ensino público no estado.

Palavras-chave: Ensino Público; Primeira República; Expansão

Abstract

The text presents the results of a doctoral study whose main theme was the expansion of public education based on the demands of the population of Paraná for the construction of schools, both in the colonies and in urban centers in the early twentieth century. The research has as its guiding question to understand how it happened the expansion of public education in Paraná from the demand for the creation of schools expressed in the requirements addressed to the governors. After the emancipation of the province and with the arrival of immigrant families there was an incentive to the development of cities, which stimulated trade and fostered the creation of infrastructure services and, consequently, the need to teach the population to read and write. The research was carried out through a qualitative approach, having as methodological procedure the historical method, with the use of documental research and, concomitantly, the combined use of primary sources. The primary sources used were the requirement books in which it was possible to perceive the "voice of the population", by means of petitions registering the claims. The analysis was based on authors such as Saviani (2007), Araújo (2007), Oliveira (1989), and Miguel (2017). The study allowed us to infer that the offer of public education happened slowly and gradually, and in this process private, ethnic, and confessional schools had an expressive presence in the state of Paraná in the beginning of the 20th century. However, the demands of the Paraná population for the creation of schools pressured the government and influenced the expansion of public education in the state.

Keywords: Public Education; First Republic; Expansion

Resumen

El texto presenta los resultados de un estudio de doctorado cuyo tema principal fue la expansión de la educación pública a partir de las demandas de la población de Paraná para la construcción de escuelas, tanto en las colonias como en los centros urbanos a principios del siglo XX. La investigación tiene como pregunta orientadora entender cómo ocurrió la expansión de la educación pública en Paraná a partir de la demanda de creación de escuelas expresada en los requerimientos dirigidos a los gobernantes. Tras la emancipación de la provincia y con la llegada de familias de inmigrantes se incentivó el desarrollo de las ciudades, lo que estimuló el comercio y fomentó la creación de servicios de infraestructura y, en consecuencia, la necesidad de alfabetizar a la población. La investigación se llevó a cabo mediante un enfoque cualitativo, teniendo como procedimiento metodológico el método histórico, con el uso de la investigación documental y, concomitantemente, el uso combinado de fuentes primarias. Las fuentes primarias utilizadas fueron los libros de requerimientos en los que se pudo percibir la "voz de la población", a través de peticiones que recogían las reivindicaciones. El análisis se basó en autores como Saviani (2007), Araújo (2007), Oliveira (1989) y Miguel (2017). El estudio permitió inferir que la oferta de educación pública ocurrió de forma lenta y gradual, y en este proceso las escuelas privadas, étnicas y confesionales tuvieron una presencia expresiva en el estado de Paraná a principios del siglo XX. Sin embargo, las demandas de la población paranaense para la creación de escuelas presionaron al gobierno e influyeron en la expansión de la educación pública en el estado.

Palabras clave: La educación pública; Primera República; Expansión

Introdução

O texto apresenta os resultados de estudo de doutoramento cujo fio condutor foi a expansão do ensino público a partir da reivindicação da população paranaense pela construção de escolas tanto nas colônias quanto nos centros urbanos no início do século XX. Neste contexto, a oferta de ensino primário público era precária e restrita a uma pequena parcela da população brasileira. A pesquisa tem como questão norteadora compreender como seu deu a expansão do ensino público no Paraná a partir da demanda pela criação de escolas expressa nos requerimentos dirigidos aos governantes.

A expansão do ensino público paranaense sofreu influência dos imigrantes europeus, pois o cenário educacional configurava-se muito modesto e precário. Nas diversas tentativas de organização da instrução pública no Paraná enquanto província, o ensino paranaense esbarrou em dificuldades para manutenção e ampliação da oferta de ensino público decorrentes de investimentos escassos e mal aplicados na educação. A falta de escolas e profissionais para seu provimento, os baixos índices de escolarização e os investimentos reduzidos no ensino refletiram-se em uma escola elitista, a qual cumpria um papel social de reproduzir a realidade, mantendo a discriminação social e a dominação (MARTINIAK, 2015). A imigração de europeus e a reivindicação pela construção de escolas nas colônias foram motivos que pressionaram o governo a expandir a oferta de ensino público, além da articulação às ideias liberais para a formação de mão de obra aliada aos interesses do capitalismo emergente no país.

O desenvolvimento da pesquisa se deu pela abordagem qualitativa, com a utilização da pesquisa documental e, concomitantemente, com o uso combinado de fontes primárias. Compreendendo a importância das fontes primárias foi mantida a fidedignidade da linguagem do período estudado e utilizado o recurso tipográfico itálico para destacar o documento. É necessário contextualizar que no Arquivo Público do Paraná foram encontrados dois grupos de documentos: ofícios e requerimentos, reunidos em livros. Os ofícios explicitam as ações do governo e, em geral, foram escritos por secretários e inspetores; havia também pedidos de escolas, mas feitos por inspetores que, ao visitarem as localidades, atestavam a falta de instrução. Já nos livros de requerimentos foi possível perceber a “voz da população” por meio de abaixo-assinados em que estavam registradas as reivindicações. Cabe ressaltar que no início do século XX grande parte da população paranaense residia em áreas rurais e estava ligada economicamente à extração de erva-mate, madeira e pecuária. O processo de incentivo à imigração europeia no Paraná resultou em características que se diferem das demais regiões do país, tanto de incentivos de ações públicas locais e federais como dos próprios imigrantes (OLIVEIRA, 2009). Enquanto na região sudeste, principalmente São Paulo, a imigração teve um caráter de atração de imigrantes e trabalhadores agrícolas visando à promoção do trabalho livre e assalariado, nas demais regiões o governo incentivou a vinda como forma de colonizar e ocupar os espaços ainda vazios. Assim, a população paranaense era formada por escravos libertos, imigrantes europeus e brasileiros que se dedicavam ao comércio e agricultura, bem como a presença de indígenas que foram reprimidos para o interior do estado.

Os professores também enviavam solicitações ao governo, tanto de escolas quanto de subvenção, pedidos de atestado de tempo de serviço para a aposentadoria, solicitações de permuta e pedidos de licença para tratamento de saúde. Diante da temática pesquisada e do interesse em desvelar as contradições existentes, optou-se por analisar os livros de requerimentos.

Merece destaque o potencial contido nessas fontes, assim como a importância dos dados que se revelam para o pesquisador, os quais possibilitaram que informações anteriormente imersas viessem à tona, permitindo captar fragmentos da história da educação, bem como da história regional e nacional.

A consecução do estudo se deu em duas fases: a primeira destinou-se ao levantamento e catalogação das fontes primárias e secundárias a respeito do tema; e a segunda foi direcionada para a construção e interpretação do processo de expansão das escolas públicas no Paraná, no início do século XX.

Estudos que abordam a expansão do ensino público no Paraná, tais como o de Farias (2018) permite concluir que no governo de Caetano Munhoz da Rocha, na década de 1920, Cesar Prieto Martinez procurou organizar o ensino. Contudo, a intenção do governante era elevar os índices de alfabetização e atender à demanda de mão de obra qualificada para o início do processo de industrialização no Paraná. Outros estudos, como o de Oliveira (1982), analisaram a instrução primária na Província do Paraná quanto à sua organização, evolução e expansão. Estes estudos dialogam com a institucionalização escolar no Paraná, entretanto há que se considerar que a expansão do ensino público está ligada à demanda pela construção de escolas nas colônias estrangeiras (MARTINIAK, 2016).

Para expressar a expansão do ensino, considerou-se neste estudo a relação com o número de instituições de ensino formal criadas durante a primeira república no Paraná. A instituição é, antes de tudo, uma criação humana para atender a uma necessidade. As escolas, neste caso, apresentam-se como uma necessidade de caráter permanente, que possuem uma estrutura material bem como um sistema de práticas realizados por meio de seus agentes e os instrumentos por eles utilizados. São unidades de ação e necessariamente sociais (SAVIANI, 2007).

Não é possível, portanto, afirmar as instituições escolares somente como expressões singulares, particulares, individualizadas ou ilhadas, mas, sim, como co-partícipes de projetos históricos, particularmente os vinculados às visões de mundo que se confrontam em uma dada conjuntura, fazendo valer uma dada concepção, que se põe- por exemplo, através das instituições escolares- como uma estratégia, como uma influência em vista do exercício de disputa e de hegemonia. Por isso, a razão de ser escola não se explica, fundamentalmente, apenas pela sua materialidade, por sua organização ou por sua pedagogia ou por quaisquer outros dispositivos, mas necessariamente tais aspectos operacionalizam, sinalizam e revelam projetos de ordem ideativa (ARAÚJO, 2007, p. 96).

Araújo (2007) ainda faz indicações de três diferentes projetos que orientaram a implantação e a consolidação de instituições escolares na primeira república e que não podem deixar de ser mencionadas: projeto republicano, projeto confessional católico e expressão institucional privada não confessional. O interesse da Igreja Católica pelas questões educacionais é um projeto que tem origem na colonização, entretanto na república ele assumiu um novo viés, visto que com a separação entre Estado e Igreja houve uma necessidade de reafirmação.

O texto discute primeiramente a organização das escolas primárias a partir da promulgação das legislações paranaense e, posteriormente, a expansão do ensino a partir da análise das fontes primárias encontradas no Arquivo Público do estado; por fim, tece algumas considerações sobre o tema estudado. Para a realização deste estudo, considerou-se como expansão do ensino o aumento do número de escolas e, consequentemente, o número de alunos matriculados. Cabe salientar que a oferta de ensino público se deu de forma lenta e gradual, e, nesse processo, as escolas particulares, étnicas e confessionais tiveram uma presença expressiva no estado do Paraná.

A organização escolar paranaense no início do século XX

Após a emancipação, a província começou um processo de reorganização político-administrativa e educacional, tendo como preocupação a frequência dos alunos, que era considerada baixa nas escolas primárias. Esse ideal de ampliação do ensino adentrou no período republicano, pois “associava-se a ela a ideia de se expandir a rede de escolas elementares, de modo a favorecer o acesso ao ensino a um número de crianças cada vez maior” (OLIVEIRA, 1989, p. 47).

O advento da república trouxe transformações na expansão do ensino, mas ainda assim longe do que almejavam os governantes: “a educação continuou sendo tarefa a ser empreendida, passo a passo [...], apesar das campanhas, empenho das autoridades, da participação das comunidades [...]” (OLIVEIRA, 1989, p. 56). Assim, é importante destacar a importância da mobilização popular, seja das comunidades de imigrantes, seja da população dos centros urbanos.

As primeiras ações republicanas para organização do ensino no Paraná foram o Decreto nº 31, de 1890, que regulamentou a instrução pública, e, logo após, o Decreto nº 64, de 1890, que revogou o anterior e instituiu um novo regulamento de instrução primária e secundária no estado. Juntamente com a expansão da urbanização e o crescimento populacional almejava-se a ampliação na oferta do ensino, sendo a instrução primária foco de ampliação pelos investimentos do Estado por ser eficaz na formação da cidadania e para as relações de trabalho. Dessa forma, cabia “[...] à educação elementar um papel proeminente na resolução de dilemas, como analfabetismo, a falta de mão de obra qualificada e a exímia participação do povo na política” (MACHADO; MELO, 2012, p. 211).

O Decreto nº 31 dividiu o ensino em dois graus (elementar e complementar), sendo que no primeiro deveriam ser ensinadas as disciplinas de instrução moral e cívica, leitura, escrita, noções gerais e práticas de gramática portuguesa, além de aritmética. Já no complementar foram acrescidos aritmética aplicada, cálculo algébrico e geometria, noções de contabilidade usual, escrituração mercantil, noções de ciências físicas e naturais aplicadas à agricultura, artes e a indústria (MACHADO; MELO, 2012).

A promulgação de um novo regulamento em 1891 organizou a instrução no Paraná em primária, normal, secundária, superior e industrial, sendo as três primeiras garantidas de forma gratuita pelo Estado. A instrução primária se dividiu em elementar e complementar. O elementar compunha-se de instrução moral e cívica, leitura e escrita, noções gerais e práticas de gramática nacional, aritmética e desenho linear, geografia e história do Brasil, prendas domésticas para as meninas e desenho com aplicação às artes (PARANÁ, 1981)

Em relação ao número mínimo de alunos para a criação de escolas, o artigo 12 afirmava que:

Haverá em cada povoado ou colônia, em que se verificar-se a existência de trinta meninos em condições de aprender, uma cadeira pública de ensino elementar, a qual poderá ser provisoriamente creada pelo governo, sob proposta da Escola Normal, ficando dependente da aprovação do poder legislativo (PARANÁ, 1891, p. 94).

Nos lugares em que o número de meninos fosse inferior ou que as cadeiras existentes não contemplassem toda a população poderiam ser criadas aulas particulares com subvenção, sendo necessário comprovar a frequência de mais de 15 alunos pobres (PARANÁ, 1891). Ou seja, nota-se uma contradição entre o que a lei propõe ao admitir que na insuficiência da ação do Estado havia espaço para a iniciativa particular.

E relação ao método, à orientação era para o simultâneo mútuo, adaptando-se também o intuitivo:

Adoptar-se-á o methodo intuitivo, fundado no conhecimento directo das cousas. Os professores organisarão museos escolares, com plantas e mineraes da região, pondo para isto em contribuição a curiosidade e deligencia das creanças. (PARANÁ, 1981, p. 102).

O ensino da moral era destinado a “[...] complementar, coordenar, consolidar e enobrecer todos os outros ensinos da escola” (PARANÁ, 1981, p. 103), tendo grande centralidade na função de formação de homens civilizados. Uma das funções dos professores era de formar o caráter dos alunos, tendo a moral como preceito, sendo um exemplo de virtude cívica (PARANÁ, 1891).

De acordo com Miguel (2017), a legislação da educação escolar no Brasil foi inspirada nos ideais do liberalismo, entretanto não se efetivaram na prática em função das reais condições materiais, econômicas, políticas e sociais. Até 1920 a função da educação primária era de alfabetizar, mas, em sentido restrito, resumia-se à capacidade de assinar o nome, atendendo às necessidades do voto das oligarquias. A burguesia industrial e o proletariado esperavam que a escola possibilitasse a melhoria das condições de vida: a população esperava que a escola oportunizasse a ascensão social e melhores condições de vida, porém o setor industrial pensava em uma formação que deixasse o homem minimamente instruído para ser mais produtivo.

É importante observar que o Brasil é um país de grandes dimensões territoriais, e, assim, o cumprimento da legislação educacional não se deu da mesma forma em todas as regiões. Na região Sul, particularmente no Paraná, a imigração assumiu características peculiares, tanto em função dos espaços ocupados como das atividades econômicas desenvolvidas. O agrupamento em colônias fortaleceu a união entre os estrangeiros, bem como, em alguns casos, a questão do isolamento prejudicou o desenvolvimento econômico do grupo étnico. Contudo, o que tinham em comum era a reivindicação pela construção de escolas nas colônias ou a designação de um professor para ministrar aulas para seus filhos.

Em muitas colônias, diante da precariedade e da falta de professores habilitados, os próprios colonos se organizaram e assumiram essa função. As escolas públicas de ensino primário não eram suficientes para atender ao número de crianças em idade escolar, e os conteúdos ministrados estavam em desajuste com as necessidades sociais, pois se reduziam aos ensinamentos básicos de ler, escrever, contar e instruir moral e religiosamente. O currículo ministrado nas escolas públicas não atendeu às necessidades e aos interesses da camada média da população, constituída de negociantes, fabricantes, lavradores, empregados públicos e artistas que frequentavam as escolas (OLIVEIRA, 1982).

Havia ainda a questão do preconceito étnico em relação a alguns grupos de imigrantes, como no relato do polonês Mariano Hessel, que foi redator da revista Kultura, editada em Curitiba, e que em seu diário pessoal escreveu: “Era sobremaneira doloroso o tratamento dispensado aos nossos colonos. Chamavam-nos de polaco burro.” (ANAIS DA COMUNIDADE BRASILEIRO-POLONESA, 1970, p. 94). Segundo ele, as causas eram várias para esse tratamento, mas principalmente porque os primeiros imigrantes eram muito pobres e estavam acostumados com um regime senhoril, sendo muito explorados no Brasil. “Foi somente após a vinda de inúmeros intelectuais que o tratamento dispensado ao imigrante polonês melhorou” (ANAIS DA COMUNIDADE BRASILEIRO-POLONESA, 1970, p. 94).

Uma das reivindicações frequentes das comunidades étnicas era a solicitação para a criação de escolas, pois as poucas que existiam funcionavam em estado precário, em locais impróprios e subvencionadas pelo Estado.

As escolas subvencionadas

A presença de escolas subvencionadas pelo governo revela dois aspectos: primeiro, a iniciativa particular de pessoas em organizar uma escola para atender à comunidade; e segundo, a característica de um Estado liberal, com investimento mínimo, já que a subvenção se tratava de um auxílio, sendo necessário requerer ajuda ao governo e comprovar que se enquadrava nas regras.

O liberalismo defende a liberdade dos indivíduos, cabendo à iniciativa privada prover serviços da área social, como educação e saúde, por exemplo. Assim, ficou explícita a incapacidade de o Estado atender às necessidades da população no que diz respeito ao ensino, delegando à comunidade e aos professores a responsabilidade pela organização das escolas (RENK; MASCHIO, 2021).

A partir da Proclamação da República, a legislação educacional paranaense passou a enfatizar a necessidade do ensino da língua nacional nas escolas estrangeiras. Para os governantes, a língua nacional foi um critério importante como instrumento formador da nação brasileira. Assim, para a formação da nação foi imprescindível que as escolas de imigrantes ensinassem a língua pátria e enfatizassem o ensino do Hino Nacional e da Bandeira Nacional, como também da história e da geografia do país. Isso demonstra que a preocupação da escola pública - instrumento de transmissão dos ideais liberais - com a nacionalização dos imigrantes desencadeou neles sentimentos de desconfiança, rejeição e, mesmo, de resistência em relação a essa escola. Em outra perspectiva, os estudos de Kreutz (2000) afirmam que a ênfase na formação da nacionalidade tem relação com a tendência de afirmação da unidade, estabelecendo um espaço hierarquizado em que se definiu o que seria entendido como verdadeiramente nacional e o que seria excluído dessa compreensão.

Nesse processo de configuração de uma identidade nacional, a escola foi chamada a desenvolver nos alunos, principalmente naqueles de origem europeia, a ideia de que os conhecimentos tratados numa perspectiva generalizante são superiores aos saberes particulares. A escola “[...] deveria ser ativada em perspectiva monocultural, tratando as diferenciações culturais como algo a ser superado” (KREUTZ, 2000, p. 352).

A partir da década de 1920 se intensificou a fiscalização nas escolas estrangeiras por parte do governo, muitas foram fechadas, e seu funcionamento ficou condicionado à aprovação nos exames de professores efetivos.

De acordo com Renk e Maschio (2021), os imigrantes viam na escolarização a possibilidade de empregabilidade, de adaptação social e, inclusive, de conservação da identidade étnica do grupo. Antes da preocupação com a nacionalização do ensino por parte das autoridades, “[...] as escolas étnicas em sua maioria existiam à margem do sistema estatal, portanto ensinavam os conteúdos de interesse do grupo na língua de origem” (RENK; MASCHIO, 2021, p. 2). As autoras também enfatizam que a primeira menção à subvenção do ensino no formato de lei se deu no Paraná provincial por meio da promulgação da Lei nº 17, de 14 de setembro de 1854, que autorizou a subvenção em localidades em que não houvesse número suficiente de alunos e que justificasse a criação de uma escola pública.

Nos requerimentos feitos ao governo do estado do Paraná, analisados nesta pesquisa, foi expressivo o número de pedidos de subvenção, sendo alguns deles feitos por professores, além de contar com outras reivindicações da própria comunidade. No ano de 1891, o governo paranaense recebeu trinta solicitações de subvenção de escolas para diversas regiões do estado. Os pedidos de subvenção, além de expressarem a falta de recursos com que as escolas funcionavam, revelam também o grande número de alunos que frequentava essas escolas. Em alguns dos requerimentos, apresentava-se o número de alunos total e especificava-se o número de alunos pobres, os quais consequentemente não tinham condições de contribuir com mensalidades nas escolas de iniciativa particular; já em outros não havia essa especificação, bem como a citação do número de alunos, o que existia era apenas a menção de que eram mais de vinte alunos (a frequência de mais de vinte alunos era uma das condições para recebimento de subvenção do governo).

Juntamente com a solicitação de subvenção, nos pedidos do início do século XX, foi comum encontrar a listagem de frequência dos alunos, comprovando a necessidade de subvenção. Alguns pedidos, inclusive, acompanhavam uma espécie de abaixo-assinado da comunidade, confirmando o funcionamento das escolas.

Os pedidos de subvenção não eram somente realizados por professores; os moradores do bairro Batel, por exemplo, organizaram um abaixo-assinado solicitando o auxílio do governo para que a escola noturna regida pelo professor Lindolpho Pires da Rocha Pombo não encerrasse suas atividades (PARANÁ, Administração Provincial, 1890). Além disso, os moradores da colônia Siqueira, em Curitiba, também solicitaram subvenção (PARANÁ, Administração Provincial, 1900, p. 124).

Um pedido um pouco incomum, de iniciativa particular, foi o do representante da loja Maçônica “Fraternidade Paranaense”, que solicitou um conto e quinhentos mil reis ao governo para reformar a parede e assoalho, além da compra de materiais para a Escola José Carvalho, que era mantida pela loja e oferecia cursos profissionais de forma gratuita à população de Curitiba (PARANÁ, Administração Provincial 1272, 1906).

O termo “pobre” se destacava na referência aos alunos. O professor Avelino Manoel de Jesus Lopes pediu subvenção pois os “[...] alummnos são de família pobre não podem, portanto, pagar uma mensalidade para sua subsistência” (PARANÁ, Administração Provincial, 1294, 1907, p. 01).

Nas escolas localizadas em comunidades de imigrantes, era comum que eles cedessem o espaço, e o governo custeasse o salário do professor por meio da subvenção.

A Lei nº 894, de 19 de abril de 1909, em seu artigo 54, definiu que a subvenção para as escolas particulares de ensino elementar seria a quantia de 720$000 anuais para as localidades onde não existissem escolas públicas ou onde o número delas fosse insuficiente, sendo necessário comprovar a frequência de 20 alunos reconhecidamente pobres (PARANÁ, 1909).

Nas solicitações por subvenções no início do século XX era necessário anexar uma lista de frequência, porém encontrou-se no arquivo uma relação na qual constavam assinaturas de pais dos alunos, confirmando o funcionamento da escola.

Portanto, a expansão se deu, praticamente, a partir da reivindicação da população, que residia em pequenas localidades do estado e sentia a necessidade de instruir seus filhos.

As reivindicações da população pela oferta de ensino

A população reivindicava ao governo a oferta do ensino primário; seja pela criação ou, quando havia cadeira vaga, solicitavam um professor. As cadeiras vagas se davam por transferências, abandono, aposentadoria e falecimento dos professores.

Por meio da consulta ao acervo do Arquivo Público do Paraná, percebeu-se uma grande quantidade de solicitações por parte da população, seja de pais que solicitavam instrução para seus filhos ou, ainda, de trabalhadores que sentiam a necessidade de se tornarem alfabetizados para se adequarem às mudanças políticas decorrentes da implantação da República e às novas demandas do capitalismo.

Um exemplo dessas reivindicações foi encontrado nos livros da Administração Provincial, do ano de 1890, em que os moradores do bairro Uberaba, em Curitiba, solicitaram a subvenção para escola. Encontrou-se também um pedido assinado pelos próprios alunos para aulas primárias para adultos: “Os abaixo assignados, desejando receber alguma instrução, mas sendo pobres operários e trabalhadores que tem necessidade de ganhar o pão quotidianamente” (PARANÁ, Administração Provincial 912, 1890, p. 15).

A questão de falta de recursos para o pagamento de uma escola particular era comum nos pedidos, como no caso das famílias residentes em Santo Antônio do Imbituva, Ponta Grossa: “[...] porém havendo uma parte de habitantes que não disponhão de recursos para contribuírem a mensalidade necessária, por serem pessoas indigentes e que querem mandar educar seus filhos” (PARANÁ, Administração Provincial 1233, 1905, p. 77).

Os pedidos também se direcionavam a um determinado professor assumir a cadeira vaga. Os pais do bairro São Vicente, em Curitiba, por exemplo, solicitaram que a professora Martha Valloes assumisse definitivamente a cadeira, justificando a solicitação pela sua atuação na docência: “Dispondo de um bom método de ensino, dedicadíssima ao magistério sobre ella desempenhar a contente de todos” (PARANÁ, Administração Provincial 1243, 1905, p. 22).

O quadro a seguir apresenta a relação de solicitação para criação de escolas no ano de 1905.

Quadro 1 Solicitações de criação de escolas em 1905 

Localidade Justificativa Requerimento
Florestal “Criação de uma escola em Barreirinhas, pois a anterior foi transferida.” (AP 1234, 1905, p. 43).
Antonio Olinto “O abaixo assignado necessitando do aproveitamento intelectual do districto do ex. professor público o cidadão Antônio Alves de Souza, ousam muito respeitosamente solicitar de Vª Exª a nomeação do mesmo professor de uma escola do sexo masculino que tanto se faz sentir nesse povoado” (AP 1252, 1905, p. 17).
Colombo “Devido à distância dos pais não conseguiam enviar seus filhos para outras escolas.” (AP 1235, 1905)
Porto Amazonas “existe mais de trinta meninos analfabetos, vimos por meio deste pedir a Vª Exª se digne crear uma cadeira de instrução primaria neste quarteirão” (AP 1237, 1905, p. 20).
Povoado Cerrado, Jaguariahyva “Falta de escola para meninos.” (AP 1238, 1905)

Fonte: Paraná (1905).

O discurso dos governantes do estado justificava a ausência de escolas nas localidades e regiões devido à falta de interesse dos pais e dos próprios alunos em frequentar as escolas e, consequentemente, a baixa matrícula e frequência. Contudo, a consulta e leitura dos requerimentos das comunidades demonstram que os pais tinham interesse e buscavam meios para solicitarem a criação das escolas, sejam elas na capital, cidades, vilas ou em povoados do interior.

Diante do avanço do capitalismo no país, as famílias perceberam que a educação poderia se tornar um instrumento importante para se inserir neste projeto de nação e, assim, passaram a cobrar do governo a criação dessas instituições.

A organização administrativa e didática das escolas primárias paranaenses

As escolas nem sempre tinham as condições necessárias para seu funcionamento, tanto que foram encontrados nos arquivos pedidos para compra de materiais didáticos, dinheiro para reforma e reclamações das condições de espaço físico.

O inspetor literário comunicou ao governo em 26 de abril de 1891, juntamente com a estatística da escola da Vila de Rio Negro, sendo que na localidade havia duas escolas: uma promíscua (com 43 alunos) e uma alemã particular (em que não foi informado o número de alunos), sendo que 33 crianças não frequentavam escola alguma. A reclamação era para a criação de uma escola para o sexo masculino, já que a escola promíscua tinha pouco espaço para os 43 alunos (PARANÁ, Administração Provincial Ofício, 1891).

As aulas nem sempre ocorriam em espaços estruturados para esse fim, tanto que, no ano de 1890, o espaço do Clube dos Estudantes, em Curitiba, foi cedido pela diretoria para que se implantasse uma escola primária e secundária destinada às crianças e aos adultos.

No ano de 1890 foi comunicada a abertura de novas escolas. Lindolpho Pires Rocha relatou que devido a diversos pedidos foi aberta no bairro do Batel uma escola noturna para adultos. Ainda em Curitiba, o professor José Cleto da Silva abriu a “Escola dos Bons Meninos”, com 75 alunos; e a professora Maria do Rosário Rocha Pomba também abriu no Batel uma escola com oito alunos.

Foram muitas escolas criadas, o que expressa tanto uma necessidade da população em crescimento como uma consequência dos ideais republicanos da época, apesar de o Estado se eximir, o que abriu espaço para a iniciativa privada.

O ofício de 1890 já revelava o sentimento de patriotismo que estava emergindo na recém-criada república, como o relato do cidadão Joaquim Leal Nunes da Villa Deodoro:

Associando-se aos sentimentos de muitas famílias que estão reclamando, ouso perdir-vos que empregueis todo vosso esforço e patriotismo para conseguir do governador deste futuro estado a creação de uma escola para o sexo masculino nesta villla (PARANÁ, ADMINISTRAÇÃO PROVINCIAL Ofício, 1890, p. 63).

Em um dos requerimentos do ano de 1891, encontrou-se um relato da professora Ernestina da Conceição da Villa de Palmeira, que ministrava aulas em uma escola pública do sexo feminino. Apesar de tantos pedidos de escolas, como os relatados nesta pesquisa, a referida professora cita que há pouca vontade dos pais em relação à frequência, sugerindo que houvesse multa para aqueles que não se comprometiam com o estudo dos filhos. Ela apresenta algumas justificativas dos pais em relação às faltas:

[...] alegando estado de pobreza, outros a ocupação dos filhos, o que me parece ser grande defeito, devido talvez ignorância de algumas pessoas que preferem o tempo da educação das crianças em serviços domésticos prejudicando assim o futuro dos mesmos (PARANÁ, Administração Provincial, 1891, s/p.).

Em relação ao método empregado, ela cita Hilario Ribeiro, afirmando que é o meio mais fácil de fazer a criança pegar gosto pelos estudos: “apesar pouca prática que tenho, já cheguei a conhecer que só por meio de distração e carinho consegue-se que a creança tenha vontade de frequentar a escola” (PARANÁ, Administração Provincial, 1891, s/p.). A escola da professora funcionava em um prédio de propriedade particular e alugado. A mobília foi fornecida pela Intendência Municipal e contava com uma mesa, duas cadeiras de palhinha, quadro negro, duas carteiras com bancos e dois bancos com assentos.

As escolas de imigrantes atendiam a brasileiros e até mesmo a outras nacionalidades, assim os moradores da localidade de Portão, em Curitiba, solicitaram ao governo uma professora que dominasse três idiomas: português, alemão e polonês:

[...] que existindo neste lugar um grande número de meninos que necessitam de ensino escolar, sendo de sexo masculino, e sendo superior talvez o de feminino, cerca de 35 e não sendo possível satisfazer as necessidades de ensino com uma professora, atendendo a diversidade de idades das crianças e de número que não comporta uma escola regida somente por uma senhora, vem solicitar de V. Exª medida tendente a satisfazer este ramo de serviço público naquella localidade e comunico que ali são brasileiros, alemães e polacos, dos quaes muitos não podem aprender portuguez com uma professora ou professor que não fala as três línguas, solicitar nomear um professor nestas condições. (PARANÁ, Administração Provincial 967, 1893 p. 17).

Nos requerimentos, os pedidos por materiais também se destacaram, mostrando que não basta a criação de uma cadeira, é preciso dispensar recursos para a manutenção. A professora Isabel Maria Nascimento Ferreira solicitou, em 1893: (PARANÁ, Administração Provincial, 994, 1893, p. 64) “que vos digneis da mandar fornecer mobília necessária para se poder regularizar o ensino, contando com vossa benevolência” para sua escola no Barigui, em Curitiba”.

Outro pedido de livros foi o da professora Paulina Carolina Alves, de Curitiba, alegando que “a falta muito resente a mesma, visto que muitos alunos não podem estudar por falta de meios para comprar livros” (PARANÁ, Administração Provincial 1026, 1893, p. 74).

Outro documento que chamou atenção foi o do inspetor de ensino Cassimiro Tabuão, no ano de 1901, indicando que na escola da professora Amelia Marques, na colônia Gabriella, havia frequência devido à preferência dos pais pela escola polonesa da comunidade, regida por um professor polonês, que lecionava no idioma da comunidade. Em meio a pedidos por criação de escolas nas colônias, este documento vem se contrapor, mostrando que na realidade a preferência era pelo ensino na língua do grupo (PARANÁ, Administração Provincial Ofício v. 8, 1901).

Nos requerimentos também foram encontrados pedidos para que professores assumissem a vaga, pois as escolas foram criadas, mas as vagas dos professores não foram supridas. Esse foi o caso dos moradores de Quarteirão de Guabiroba, em Campo Largo, que solicitavam um professor no ano de 1901 (PARANÁ, Administração Provincial 1150, 1901).

O professor Lindolpho Pires da Rocha Pombo solicitou material da cartilha Progressista, a qual continha o método para aprender a ler e escrever, para sua escola em Curitiba (PARANÁ, Administração Provincial, 1902): “Acontece que a mesma casa escolar acha-se em estado ruinoso, precisando de sérios reparos. Além desta necessidade falta na escola deste districto a mobília suficiente para a mesma” Inspetor E. M. Palmya (PARANÁ, Administração Provincial 1185, 1903, p. 81).

A professora Maria da Luz solicitou transferência de escola do município de Colombo: “em virtude do constrangimento por que passa neste termo, falta até casa digna e conveniente para o funcionamento de uma escola” (PARANÁ, Administração Provincial 1185, 1903, p. 122).

A escolarização das crianças, sejam elas filhas de imigrantes ou brasileiras, deu-se por meio das reivindicações das famílias pela construção e manutenção de escolas públicas. Para as comunidades era necessário, além da criação, prover as instituições com as condições necessárias para se efetivar a instrução pública. Contudo, apesar dos discursos dos governantes em defesa da educação, nota-se a precariedade e o descaso com o ensino público por meio do racionamento de recursos públicos, da falta de incentivo para a formação profissional do quadro do magistério e das quantias irrisórias destinadas para a subvenção.

A análise empreendida nos relatórios dos secretários responsáveis pela instrução pública demonstrou que houve um acréscimo no número de matrículas no início do século XX, conforme quadro a seguir:

Quadro 2 Número de escolas e matrículas no início do século XX no Paraná 

Ano Número de escolas (públicas e subvencionadas) Número de matrículas (públicas e subvencionadas)
1894 127 8.535
1901 Não consta nos relatórios 11.399
1905 343 10.298
1910 497 14.054

Fonte: Organizado pelas autoras com base nos relatórios dos secretários de instrução pública.

Em função da pressão da população paranaense é perceptível um aumento contínuo no número de escolas e matrículas dos alunos nas escolas primárias, públicas ou subvencionadas. É preciso destacar que no início do século XX os governantes intensificaram a construção de prédios para abrigar os grupos escolares, os quais foram criados em cidades que possuíam maior núcleo populacional em função do seu desenvolvimento econômico. A disseminação das escolas primárias refletia, na época, o chamado “entusiasmo pela educação”, o qual se corporificou por meio de um caráter quantitativo que se resumiu na ideia de expansão da rede escolar e na tarefa de desanalfabetização da população. Entretanto, as intenções de resolução dos problemas do país com a construção de escolas sofreram um processo de arrefecimento com o estilo de poder mantido pelas oligarquias cafeeiras. Os interesses da política oligárquica residiam na manutenção do poder por meio dos mecanismos eleitorais (voto de cabresto, corrupção, fraude eleitoral etc.), e as questões relacionadas com a democracia, o federalismo, a industrialização e, principalmente, a educação deixaram de ser prioritárias. Esse quadro se alterou a partir da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), quando ocorreu um surto de nacionalismo e patriotismo aliado ao relativo crescimento industrial e à urbanização da sociedade brasileira, que despertou para a problemática do analfabetismo da população.

Considerações finais

Apesar de a Proclamação da República ter sido um “evento” sem a participação ou mobilização popular, aos poucos, por meio das ações do governo, os ideais republicanos foram sentidos em diversos âmbitos da sociedade, e a educação foi um dos meios de difusão e formação da nova sociedade.

O discurso da alfabetização da população foi assumido pelos republicanos, justificando-se pela importância que possuía para o desenvolvimento do país. Porém, devido à situação precária das escolas, a dificuldade em alcançar os resultados almejados, segundo os ideais da doutrina liberal, tornou-se a bandeira de vários governos.

As escolas funcionavam em estado precário e apresentavam vários problemas, como carência de professores e, consequentemente, classes numerosas, professores mal remunerados, sendo que, às vezes, eles nem chegavam a receber o salário. O diretor do grupo escolar na maioria das vezes deveria conciliar a atividade administrativa com a regência de classe.

A busca por uma definição de nação passou pela educação, por meio de projetos, da legislação, da organização e de práticas de ensino. Era preciso educar o povo para uma nova sociedade, que havia deixado um sistema monárquico, marcado pelo atraso em função da exploração do território e de seu povo, para um sistema republicano, em que o cidadão passou a ter o direito de escolher seus representantes. A escola passou a ser vista como um lugar de esperança para a construção de uma nova ordem, entretanto, para a maioria da população, o projeto de educação contemplava o básico: alfabetizar - por isso a insistência na ampliação do número de escolas primárias, ou seja, algo o elementar para o povo.

A legislação nacional de 1891, mesmo contemplando a educação, não garantiu que o acesso fosse livre e gratuito, o que abriu espaço para iniciativa privada e ainda transferiu para os estados e municípios a responsabilidade pelo ensino primário.

Enquanto projeto nacional de educação pode ser citada a criação dos grupos escolares, que serviu de modelo a ser seguido em todo país, tendo o estado de São Paulo como pioneiro. Entretanto, o modelo não alcançou de maneira uniforme todo o país, sendo as diferentes realidades dos estados (os contextos econômicos e sociais), possíveis explicações para tanta diversidade, já que a instrução primária ficou a cargo de cada estado, e não havia se constituído um sistema nacional de educação escolar.

Se tratando de diferenças no território brasileiro, o movimento imigratório europeu dos séculos XIX e XX incrementou numericamente a população, mas nem sempre a infraestrutura necessária para o estabelecimento dos grupos foi dada. Os imigrantes enfrentavam dificuldades devido ao isolamento de muitas colônias dos grandes centros, falta de estradas etc., além de eles sentiram falta de escolas, o que os levou a construírem as suas instituições privadas ou reivindicarem do governo a criação de escolas. Nos arquivos de requerimentos se encontraram documentos que comprovam as solicitações realizadas, demonstrando que, para parte da população, ainda que estrangeira, a educação era uma forma de ascensão social, e, por outro lado, na visão dos governantes as escolas seriam um meio de difusão da moral e do civismo, além do ensino da língua nacional.

Os pedidos de subvenção se mostraram expressivos, demonstrando que a população se incomodava com a falta de escolas. Os pedidos eram feitos tanto por professores como pela própria comunidade onde residiam os alunos.

O ato de subvencionar uma escola expressa ainda a ineficiência do Estado, que, pela legislação, ponderava que escolas públicas poderiam ser criadas conforme determinado número mínimo de crianças a ser atendido. Entretanto, na prática, havia escolas sem professores e sem materiais para seu funcionamento, sendo necessária a subvenção para que ela funcionasse. É típico do liberalismo lançar para a população responsabilidades que de um ponto de vista de justiça social seriam do Estado, portanto, existia uma contradição: ao mesmo tempo em que se difundia a ampliação do número de escolas, as condições materiais não eram dadas, cabendo à população arcar com parte da responsabilidade.

Outro ponto de destaque foram os relatórios de presidentes do estado do Paraná, o quanto o ensino foi arraigado ao progresso - mas logicamente a instrução era diferente para as classes sociais. Foram criadas no Paraná do início da República escolas primárias públicas e de iniciativa particular. Com o avanço da imigração e o número de estrangeiros aumentando, as mesmas escolas particulares, que até então “resolviam” o problema da falta de escolas, tiveram seu funcionamento dificultado devido à exigência do ensino na língua nacional. Até mesmo para se receber a subvenção, os documentos mostraram que era necessário ter o ensino em língua nacional, uma forma de pressionar o trabalho com as características nacionais, atendendo aos ideais da época.

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Recebido: 31 de Janeiro de 2022; Aceito: 02 de Maio de 2022

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