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Revista Diálogo Educacional

versão impressa ISSN 1518-3483versão On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.22 no.73 Curitiba abr./jun 2022  Epub 17-Dez-2022

https://doi.org/10.7213/1981-416x.22.073.ds05 

Dossiê

Itinerários de uma reforma sob o argumento econômico-pedagógico: o Plano de Reforma Geral de Azevedo Macedo para a Escola Primária paranaense na década de 1910

Itineraries of a reform under the economic-pedagogical argument: Azevedo Macedo's General Reform Plan for the Primary School in Paraná in the 1910's

Itinerarios de uma reforma bajo el argumento económico-pedagógico: el Plano de la Reforma General de Azevedo Macedo para la Escuela Primária no Paraná em la década de 1910

Sidmar dos Santos Meurera 
http://orcid.org/0000-0001-6394-4859

aUniversidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil. Doutor em Educação, e-mail: sid_meurer@ufpr.br


Resumo

O texto examina a agenda de reformas da escola primária no Paraná ao longo da década de 1910, ao redor da atuação de Francisco Azevedo de Macedo. Utiliza o recurso metodológico de perseguição de palavras-chave para analisar relatórios, legislação educacional e outros documentos normativos. Objetiva reconhecer os sentidos de reforma que prevaleceram e como esses se conectam com medidas e retóricas mobilizadas com o intento de reformar o ensino, bem como compreender suas consequências para a escolarização primária. Conclui que o Plano de Reforma Geral implementado por Macedo ajudou a consolidar um sentido de reforma afinado com expectativas de modernização do ensino, e sua atuação contribuiu para a afirmação de direcionamentos pedagógicos e prioridades socioculturais que se tornaram preponderantes no incipiente aparelho de escolarização primária do Estado.

Palavras-chave: Escola Primária; Reformas Educativas; História da Escolarização

Abstract

The text examines the primary school reform agenda in Paraná throughout the 1910s, around the work of Francisco Azevedo de Macedo. It uses the keyword chasing methodological resource to analyze reports, educational legislation, and other normative documents. It aims to recognize the meanings of reform that prevailed and how these relate to measures and rhetoric mobilized with the intention of reforming education, as well as understanding its consequences for primary schooling. It concludes that the General Reform Plan implemented by Macedo helped to consolidate a sense of reform in tune with expectations of modernization of education, and its performance contributed to the affirmation of pedagogical directions and sociocultural priorities that became preponderant in the incipient apparatus of primary schooling in the state.

Keywords: Primary School; Educational Reforms; Schooling History

Resumen

El texto examina la agenda de reformas de la escuela primaria en el Paraná a lo largo de la década de 1910, alrededor de la actuación de Francisco Azevedo de Macedo. Utiliza el recurso metodológica de la persecución de palabras clave para analizar informes, legislación educativa y otros documentos normativos. Busca reconocer los sentidos de reforma que prevalecieron y como se conectan con medidas y retóricas movilizadas con el intento de reformar la enseñanza, así como comprender sus consecuencias para la escolarización primaria. Concluye que el Plano de Reforma General implementado por Macedo ayudó a consolidar un sentido de reforma afinado con expectativas de modernización de la enseñanza, y su actuación contribuyó para la afirmación de direccionamientos pedagógicos y prioridades socio-culturales que se volvieron preponderantes en el incipiente aparato de escolarización primaria del estado.

Palabras-clave: Escuela Primaria; Reformas Educativas; Historia de la Escolarización

Introdução

O texto analisa o que pode ser identificado como a agenda de reformas da escola primária no Paraná e suas consequências ao longo da década de 1910, especialmente ao redor da liderança de Francisco Azevedo Macedo, na ocasião em que esteve à frente da direção da Instrução Pública do Estado. Por agenda de reforma me refiro ao conjunto de ações, providências e deliberações, mas também às retóricas reformistas, emanadas da administração pública.

Ao colocar em perspectiva histórica as iniciativas relacionadas à estruturação da escolarização primária no Paraná ao longo das primeiras décadas republicanas, podemos reter a impressão de estarmos diante da marcha evolutiva, de uma única e inequívoca curva ascendente, lógica e ordenada. Essa impressão é reforçada pelo uso de marcadores como “escola primária republicana” ou “projeto republicano de escolarização”, expressões correntes nas explicações sobre o tema. Seja em relação à modernização do ensino e da sua organização, ou à implantação dos grupos escolares e adoção dos preceitos da escola graduada, ou ainda à expansão escolar - algumas das chaves de análise mais utilizadas na historiografia da educação sobre o período - facilmente captamos essas histórias como um movimento contínuo e linear. Mais difícil é apreender o que há de dissonante nessas histórias. As reticências, as interrupções, as mudanças de direção que jazem nos escombros do nosso passado educacional. Com Walter Benjamin (1985) podemos pensar que é também tarefa da história da educação revirar essas ruínas, para que se possa compreender as escolhas que fizemos em relação à presença da escolarização entre nós: como determinados traços se tornaram característicos do nosso sistema escolar, e em detrimento de que alternativas então suplantadas e que não puderam vicejar. Tal tarefa ajudaria a não naturalizarmos os encaminhamentos que, como sociedade, demos aos assuntos educacionais.

O tema das reformas educativas é uma das chaves mais visitadas quando tratamos de perseguir a construção de uma explicação histórica para como a escola se tornou aquilo que herdamos das gerações que nos precederam. A historiografia da educação brasileira tem sido em grande parte conformada pela presença de preocupações em torno de reformas e reformadores (CARVALHO, 2000; SAVIANI et al, 2004). Particularmente no período do qual nos ocupamos, a ideia da ocorrência de uma série de “reformas” é peça importante quando se trata de deslindar as transformações inferidas em relação à oferta da escola primária no Brasil. Também é assim em relação à historiografia sobre a escolarização primária paranaense.

Compreender o papel das reformas educativas no curso histórico da escolarização tem sido objeto de preocupação de pesquisadores em diferentes partes do mundo como, por exemplo, Viñao Frago (2007), Sacristán (1997), Popkewitzs (1997), Kliebard (1992) e Tyack e Cuban (1995). A despeito da conotação de que reformar evoca sempre a ideia de mudar algo para melhor (VIÑAO FRAGO, 2007; WILLIAMS, 2007), as pesquisas que tematizam reformas educacionais ajudam a desnaturalizar tal conotação e analisar suas consequências no quadro de mudanças e permanências na escolarização e seus efeitos sociais e culturais.

Para Faria Filho (2010, p. 13), a frequência das indicações às reformas no campo educacional no Brasil é forte ao ponto de engendrar retóricas reformistas de grande longevidade. Para o autor, essas retóricas atuariam na elaboração de argumentos para produzir convencimento no campo. Um traço característico das retóricas reformistas é o modo como elas figuram nos seus contextos de proposição como verdadeiras panaceias em cenários de crises ou de intensos dilemas educacionais. Normalmente têm como chave de operação a polarização velho x novo e carregam esse sentido geral de intento de realização de algumas necessidades de adequação às transformações objetivas e demandas sociais. No entanto, Raymond Williams (2007, p. 348), ao lembrar que os significados das palavras do nosso vocabulário também são constituídos historicamente, nos recorda que em relação ao termo reforma é possível localizar a cisão entre dois sentidos fundamentais: o de restaurar, recuperar ou mesmo fazer ir adiante uma forma já existente; ou então de inovar, transformar em uma forma nova. E que no devir histórico são possíveis inúmeras modulações entre esses dois polos semânticos.

Uma reforma é sempre portadora de uma aspiração por mudança, porém inscrita em um duplo movimento: há algo que precisa ser superado, afastado ou transformado ao lado de algo que precisa ser conservado. Em certo sentido, podemos tomar uma reforma como catalisador de um encontro entre o já constituído e herdado, e o que se almeja, mas ainda não existe. Um encontro entre tradição e inovação (VIÑAO FRAGO, 2007). Essa constatação nos reclama o exercício de compreender como cada reforma em particular interage com o que identifica que deva ser conservado, com aquilo que projeta que deva ser inventado ou incluído. Portanto, podemos entender como demanda dos pesquisadores compreender as reformas educacionais nos marcos da seletividade.

Esse é o intento desse trabalho. Para isso, se recorre ao recurso metodológico proposto por Williams (2003; 2007) de analisar as fontes históricas mediado pela perseguição de palavras-chaves, captando seus usos circunstanciados em cada contexto de aparecimento, a fim de compreender possíveis disputas para afirmar determinados sentidos em prejuízo de outros concorrentes, bem como a combinação da palavra em questão com outros termos na composição de determinados argumentos, sempre em atenção aos sujeitos que fazem tais usos, seus lugares sociais e posições nos circuitos de poder. Com base nesses pressupostos, o texto objetiva discutir os sentidos da ideia de reformar a escola primária ao longo dos anos 1910; analisar as ações levadas a cabo nesse período e avaliar seus impactos a partir da consideração de tópicos como a organização da oferta da escola primária, a definição e configuração curricular, a formação e normatização do trabalho docente; e avaliar possíveis repercussões da respectiva agenda na afirmação de alguns sentidos, direcionamentos e prioridades socioculturais legadas à oferta da escolarização primária no Estado.

Como fontes primárias são mobilizados documentos afeitos à esfera administrativa da instrução pública, como textos normativos, propostas e projetos de reforma da escola, bem como registros dos debates em torno deles, além de relatórios diversos de autoridades políticas e educacionais.

Retóricas, divergências e impasses em relação ao tema da reforma do ensino

Em relação à oferta da escola pública o que se identifica no contexto paranaense à entrada do século XX era a negativa por parte das autoridades governamentais à possibilidade de empreender uma reforma. Enquanto esteve à frente da presidência do Estado (1900 - 1904), Francisco Xavier da Silva, sempre que se referia à instrução pública, falava da necessidade de expansão, desenvolvimento e disseminação do ensino, mas nunca cogitou uma reforma. Seu sucessor, Vicente Machado, ao usar o termo em Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo no início de 1905, o fez para afirmar que seu programa para o tema do ensino era contrário a qualquer reforma: “A mais modesta, simples e prática organização que é preciso, no meu entender e na atualidade, à instrução pública, eu a tenho tentado e conto que algo conseguirei sem o aparato das grandes reformas” (LIMA, 1905, p. 22).

Entusiastas da ideia de progresso (social, cultural e civilizacional) como uma “marcha evolutiva”, ambos emulavam frequentemente os temas da ordem, do trabalho e da paz social, desiderato no qual inscreviam a questão educacional. Propunham posição auto nominada como conservadora que consistia, em síntese, contrária às mudanças que poderiam gerar instabilidades - pois que toda reforma geraria uma desacomodação que ameaçava a estabilidade do que estava constituído. Apostavam que a realidade educacional deveria ser transformada de modo contínuo, gradual e progressivo, ou seja, perseguindo a mesma direção ao longo do tempo. Daí decorreram atuações de autoridades educacionais que relativizavam a importância da expansão do número de matriculados nas escolas às custas da qualidade do ensino e que defendiam a elevação do nível do magistério público pelo acirramento dos requisitos de formação para ingresso e permanência no quadro docente (mesmo que, em determinados momentos, isso pudesse levar à sua redução) o alargamento do currículo e a ampliação do número de anos de permanência na escola1.

O quadro havia se transformado ao final daquela mesma década, com uma escalada na proposição e circulação de retóricas reformistas. A segunda metade da década de 1900 viu ascender uma série de posições a favor da reforma do ensino. Eram posições que evocavam os avanços da moderna pedagogia científica para preconizar mudanças na captação, na formação, e na normatização do trabalho dos professores; outras formas de organização do ensino, a reboque de temas como seriação, graduação e grupos escolares; a uniformização dos processos de ensino através da preocupação com os métodos e sua necessidade ou não de fixação em lei; a evocação de modos mais intuitivos, experimentais, ativos ou práticos de ensinar; a remodelação dos programas; o ensino baseado em lições de coisas.

Enganamo-nos, porém, se supomos que identificado o debate em torno desses pontos, se pode inferir um cenário consensual. Essa pauta era compartilhada por um grande número daqueles que se ocupavam da discussão sobre instrução pública, mas os sentidos, as consequências, expectativas e valores que resultavam da sua mobilização, podiam apontar para distintas direções. A começar pela demarcação do próprio sentido de reforma.

As muitas alusões à necessidade de reformar a escola pública no estado punham em cena duas acepções principais a balizar os usos do termo reforma. Por um lado, o sentido mais próximo de adaptação da estrutura escolar já existente, principalmente através da adequação da legislação educacional à algumas demandas que haviam se consolidado ao longo dos anos e da acomodação de certos processos e rotinas que, pelo menos em parte, já eram realizados de maneira não oficial em algumas escolas2. De outro lado, um sentido mais próximo de uma transformação mais ampla, modernização de rotinas e processos, e implantação de inovações consideradas urgentemente necessárias3. Nesse cenário assim matizado o que estava em jogo é o que Williams (2007, p. 28) caracteriza como disputas pela afirmação de sentidos em torno do uso de um termo, em face das suas consequências para o exercício do poder.

Sinal desse quadro de disputas em torno da demarcação do sentido de reforma, especialmente em relação às suas consequências na afirmação de prioridades sociais e culturais para a escola primária, é que os anos finais da respectiva década deram palco a iniciativas importantes que procuravam dar vazão ao ímpeto por reforma, mas que originaram, a respeito da organização do ensino público, um quadro quase caótico em relação ao seu marco regulamentar. Além de anos de intensos debates no legislativo, mas também entre diferentes agentes em torno do executivo do Estado, o fato é que duas reformas de ensino foram projetadas, discutidas, promulgadas e rapidamente abortadas, respectivamente em 1907 e 19094.

As circunstâncias políticas para aprovação de uma nova lei de reforma do ensino5 só se efetivaram em 1912 com a chegada de Carlos Cavalcanti à presidência do Estado, à frente de um grupo político que fazia oposição a ala liderada por Xavier da Silva no Partido Republicano, a qual havia sido a principal responsável por travar as recentes propostas de reforma. As mudanças no governo do Estado colocaram à frente dos assuntos educacionais um grupo relativamente coeso em torno de determinadas convicções sobre os rumos da escolarização, com destaque para os nomes de Claudino dos Santos e, principalmente, Francisco de Azevedo Macedo. Especialmente a atuação liderada por Macedo teve papel importante para a superação do impasse em torno da tópica reformista que se viu no final da década anterior, graças a qual, alguns pressupostos que até então apenas disputavam a prevalência nas políticas educacionais, puderam se sobressair, conformando contornos e características decisivos para a escola primária paranaense.

A seriação como imperativo e os grupos escolares como modelo para a reforma do ensino paranaense

No primeiro ano do governo de Carlos Cavalcanti, Claudino dos Santos substituiu Arthur Pedreira de Cerqueira na Direção Geral da Instrução Pública. Em relação à necessidade e o sentido que deveria ter uma reforma do ensino, os dois estavam em lados opostos. No primeiro relatório que produziu à frente do cargo, Claudino defendeu enfaticamente a promoção de uma reforma capaz de implantar “novo regime e novos moldes”, escolhendo como alvos principais o que entendia como a “deficiência dos métodos e processos” consolidados em “rotina”, a “desarmonia dos programas” de estudos e a inconveniência do “velho regulamento”. Seu relato continha ainda o aspecto de denúncia em relação ao intervalo entre as dinâmicas da legislação escolar e a sua realização no fazer escolar. Para ele, a reforma não se fazia por lei, mas consistia em “descer ao seu [do ensino] objeto material, às suas ingentes necessidades” (SANTOS, 1913, p. 4 e 18). Aspecto explorado por VIÑAO FRAGO (2007), que nos lembra que a história das reformas educacionais precisa se ocupar das interações entre o prescrito e o realizado. A razão dessa admoestação de Claudino era o registro de que embora existisse “uma nova lei referente ao ensino” ela não seria capaz de garantir a efetivação da reforma necessária.

Considerava uma experiência particularmente inspiradora para a realização desse movimento: “Em São Paulo já se fez tudo isso”. Era olhando para o Estado vizinho, o qual havia visitado naquele ano em “missão” para “estudar a organização do ensino público”, que Claudino traçava as linhas principais que deveriam orientar a reforma do ensino paranaense. Propunha o método de comparação para examinar a organização educacional paulista, o qual resultava em quadro desfavorável à realidade do próprio estado, apreendida em termos de atraso e estagnação. A reforma necessária, portanto, não era caso de adaptação, senão ir à frente, produzir uma nova forma. Para isso enumerou um núcleo de prioridades: a reforma da formação de professores, dando-lhe um “caráter eminentemente prático”; a modelagem dos “métodos e processos adotados, adaptando-os à pedagogia moderna”; e principalmente, a introdução do princípio de seriação na organização escolar, o modo mais em “acordo com as leis da fisiologia e da psicologia do aluno e pedagogia do ensino” (SANTOS, 1913, p. 14-16).

Esse relatório pode ser interpretado como um sinalizador do início da vitória de uma orientação para a organização da escola primária no Paraná, assentada nos pressupostos que o sistema escolar paulista havia consagrado a partir do final do século XIX. Essa orientação vinha disputando prevalência no debate público, e menções ao estado de São Paulo foram seguidamente apresentadas como uma experiência paradigmática para uma reforma do ensino no Estado. Mas, até então, tinham sido ao menos relativizadas, quando não vencidas ou desconsideradas.

O quadro estava se invertendo e a direção geral das iniciativas de organização da escolarização paranaense passou a ser a tentativa de realizar as principais inovações que São Paulo já havia introduzido. O que chama atenção no relatório de Claudino dos Santos, no entanto, é o seu silêncio em relação aos grupos escolares, um dos ícones das reformas paulistas, mesmo quando tratou da necessidade da adoção da seriação do ensino. Especialmente porque o tema dos grupos escolares havia constado no abortado Regulamento Orgânico de 1909 e reaparecido na lei de reforma do ensino de 1912. O fato chama atenção para as diferentes perspectivas e prioridades que estiveram em jogo ao fazer a leitura da organização do ensino paulista, sugerindo que a remissão à essa experiência não foi simplesmente constituída de um transplante ou simples imitação, mas por operações de seleção e descarte.

Alusões ao tema dos grupos escolares podem ser localizadas entre as autoridades que se ocupavam dos assuntos educacionais no Paraná desde o início do século XX. O Estado, aliás, contava com dois estabelecimentos desse tipo (BENCOSTTA, 2001). No entanto, o entendimento a respeito do que caracterizaria um grupo escolar poderia variar e isso produzia consequências em relação aos direcionamentos educacionais. Grande parte dos agentes por dentro da administração da instrução pública que faziam alguma referência aos grupos escolares, a faziam na acepção de uma alternativa para o problema da falta, da localização e das condições higiênicas dos prédios em que funcionavam as escolas paranaenses. Mesmo que a partir de meados da década de 1900 foram despontando posições apreogoando que a opção por grupos escolares deveria implicar em outra forma de organização do ensino, marcado por uma sequência e sistemática6, prevalecia entendimento então corrente que se reportava ao sentido original de grupo escolar, de uma reunião de escolas em um mesmo edifício. O termo, portanto, era associado a um tipo especial de edifício escolar, intercambiável com “casa escolar”.

À medida que se aproximava a década de 1910 se notava um deslocamento desses sentidos. A perspectiva que identificava os grupos escolares como um modo particular e alternativo de organizar o ensino ganhou projeção e foi acompanhado da sua defesa como forma mais apropriada de realizar o princípio de graduação do ensino. Por sua vez, a reivindicação por uma organização gradativa das matérias a serem ensinadas nas escolas vinha sendo indicada como uma inovação fundamental para a modernização do ensino, em um feixe de discussões que se desenvolvia sob o princípio da “regularização” e da “eficácia” do “trabalho docente”, cujo principal obstáculo eram as “diferenças” entre os estudantes aos quais os professores precisavam ensinar. Esses elementos todos foram sintetizados por Benjamin Lins D`Albuquerque, inspetor escolar da Capital, em relatório ao final de 1909. Para ele, uma causa da ineficácia da escola é que o professor tinha “necessidade de percorrer a gama inteira de todas as matérias do curso”, dar conta do “programa completo”. Contra isso:

O remédio está em distribuir o ensino por grupos escolares. Sob essa expressão não compreendo agrupamentos de escolas, como acontece no edifício do Grupo Escolar Xavier da Silva, em que cinco escolas idênticas estão lado a lado [...]. Mas em uma porção de escolas em que, em cada uma, se ensine uma parte do programa total, fazendo-se em tempos determinados e mediante provas de habilitação, passagens de umas para outras escolas, o que é equivalente a passagens de umas para outras classes (XAVIER, 1909, p. 51).

Esse excerto é indicativo de um vetor de transformação dos sentidos predominantes em relação ao tópico dos grupos escolares. Ele indica que até então prevalecia a sua acepção de um tipo de prédio escolar quando identifica o Grupo Escolar Xavier da Silva como um “edifício”, cujo funcionamento se dava como um agrupamento de escolas autônomas entre si. Contra esses sentidos, porém, projeta emergentes sentidos da ideia do grupo escolar como uma formal gradual de organizar o ensino, embora vacilantes ainda, o que se pode verificar na manutenção do termo escola para designar as unidades em que se graduaria o programa (“passagem de uma para outras escolas”).

Essa inflexão no sentido predominante de grupo escolar no cenário paranaense se deu em associação com a ascendência de uma acepção de reforma como realização de uma nova forma de organizar o ensino. Sua realização ensejou o entrelaçamento da defesa pela promoção dos grupos escolares com esforços de introdução do princípio de seriação, o que se constituiu como o núcleo do sentido a ser perseguido pelas reformas ao longo dos anos 1910. Trata-se do início da vitória político-intelectual do que Souza (2004) descreve como consagração dos grupos escolares como “projeto” de (re)organização da escola primária paranaense7. A decifração desse processo é capaz de indicar o quanto houve de adesão, bem como as condições e prioridades implicadas no modo como se produziu no contexto paranaense o que Marta Carvalho (2011) chamou de afirmação de São Paulo como “sistema modelar”. Nesse sentido, a lei de reforma do ensino de 1912 foi uma espécie de preâmbulo ou carta de intenções dos desdobramentos que certas expectativas educacionais foram capazes de propor e realizar.

Dos expedientes para reformar o ensino: as Instruções de Azevedo Macedo

A indicação de Francisco Azevedo Macedo para a Diretoria Geral da Instrução Pública foi um impulso importante no sentido reformista sinalizado na lei de 1912. Junto com o próprio Claudino dos Santos (que pela ocasião assumiu a Secretaria do Interior, Justiça e Instrução Pública), passou a ser espécie de porta-voz de um tipo de preocupação socioeducacional no coração da estrutura administrativa do Estado. Macedo provinha da ascendente burguesia indústria ervateira. Formado em Direito em São Paulo, havia ingressado no quadro docente do Ginásio Paranaense e Escola Normal em 1906. Foi Deputado da Assembleia Estadual por várias legislaturas, sempre participando da Comissão de Instrução Pública. Como deputado, participou da comissão especial que elaborou o projeto de lei de reforma de 1912.

Ele havia se colocado no debate educacional em diálogo com aqueles que eram seus principais nomes na primeira década de 1900, tais como Victor F. do Amaral, Sebastião Paraná, Ermelino de Leão, Dario Vellozo8. Ele compartilhava com esses nomes uma espécie de “projeto intelectual”, muito em função de uma pauta relativamente comum afeita aos temas educacionais (SOUZA, 2012), o que Viera (2001) caracteriza como “movimento renovador” da educação paranaense. Mas sob aparentes afinidades, em nome da renovação ou modernização pedagógica, coexistiam diferentes posições teóricas, que se tornaram mais visíveis a partir do direcionamento que Macedo emprestou à sua gestão.

Segundo Souza (2012), o pensamento educacional de Azevedo Macedo é marcado pela mobilização de uma série de argumentos do liberalismo clássico em relação às garantias da iniciativa individual e o papel do Estado na organização da sociedade civil, especialmente formados à luz das leituras de Stuart Mill. Particularmente entusiasta da tópica econômica e das suas vinculações com os temas sociais e culturais9, era a partir desses marcos que ele dialogava com as ideias de renovação pedagógica em circulação. Quadro que produziu reverberações no plano de “reforma geral” que apresentou no primeiro relatório que confeccionou à frente da direção da Instrução Pública.

Macedo também não considerava a lei de 1912 equivalente a uma reforma do ensino, simplesmente porque ela permanecia sem efeito, uma vez que carecia de regulamentação. O texto aprovado pela Assembleia Legislativa não era muito diferente da lei de reforma de 1909. Tal como aquela, a nova lei de reforma continha a definição do programa de ensino para a escola primária. Mantinha a divisão do ensino primário em três cursos (o infantil, o elementar e o complementar). O curso elementar, com previsão de quatro anos de estudo, era assim composto:

Português - Leitura, exercícios gramaticais por indução, exercícios de redação e composição escrita e caligrafia. Aritmética: prática das quatro operações sobre números inteiros e fraccionários, noções sobre números e sistemas de numeração. Geometria: noções fundamentais e conhecimento das principais formas geométricas, desenho a mão livre e geométrico. Noções rudimentares de astronomia, física, química e história natural. Noções rudimentares de biologia, sociologia e moral. Noções práticas de agronomia. Noções de geografia geral do Brasil, especialmente do Paraná. Fatos históricos principais do Brasil e especialmente do Paraná. Trabalhos manuais (PARANÁ, 1912, p. 143).

Embora em relação ao programa oficial então em vigor, constante do Regulamento da Instrução Pública de 190110, fosse significativamente mais amplo, em relação ao texto de 1909, não havia grandes variações, apenas acréscimos discretos. A principal novidade estava no aparecimento de algumas matérias. Às “noções rudimentares das ciências da natureza”, já constantes do texto da reforma de 1909, o novo texto juntou Astronomia. Além disso, acrescentava os tópicos de “noções rudimentares de biologia e da sociologia”. É interessante notar como esses dois itens aparecem sob a mesma rubrica de “moral” (que já era uma matéria instituída no programa desde o final do século XIX). Tal composição indica a expectativa de que o ensino da moral na escola retirasse os seus fundamentos dessas duas disciplinas de referência - a Biologia e a Sociologia - para comporem o aspecto do ensino de uma moral científica. Era, portanto, um programa que ainda expressava um intento de ampliação curricular.

Ainda quando Claudino dos Santos ocupou a Direção da Instrução Pública, um projeto de novo regulamento foi elaborado, mas não promulgado, menos por convicções teóricas do que por disposições políticas. O Presidente do Estado, Carlos Cavalcanti, justificou que sua “execução imediata acarretaria considerável aumento de despesa, por isso devendo ser adiada” (ALBUQUERQUE, 1913, p. 17). A situação embaraçosa passou a ser lembrada por Macedo em seus relatórios. Ele argumentava que não se podia “esperar por mais tempo essa reforma”. Se a trava financeira havia criado obstáculo para a realização “de uma satisfatória reforma”, por não poder contar com o expediente de um novo texto legal com o qual pudesse instituir as medidas de “remodelação do aparelho de instrução pública”, ele havia elaborado “um plano de reforma o mais modesto possível”, fundado na “preocupação de não aumentar despesas”. Esperava que, assim que o cenário econômico apresentasse as condições, as medidas a serem implementadas pudessem ser “convertidas em lei” (SANTOS, 1915, p. 10 e 27). Esboçava um percurso distinto de todas as tentativas anteriores de reforma, que partiam da elaboração de um marco legal ideal por meio do qual se pretendia produzir as mudanças almejadas. Invertendo a direção no sentido das práticas para a lei, o percurso proposto por Macedo põe em perspectiva a relação da realidade com a lei nas reformas educacionais. Para ele, embora a lei não fosse condição para iniciar, nem garantisse a concretização de uma reforma, não era possível levar qualquer reforma adiante, estabilizar inovações pretendidas, sem a transformação da legislação educacional.

Dizendo-se atento aos intentos reformistas anteriores, Macedo apresentou seu plano sob duas bandeiras que lhe eram caras: um plano prático e útil, que fosse capaz de pautar a intervenção do poder público na remodelação do aparelho escolar. A solução vislumbrada foi a realização de micro reformas, as quais, em conjunto, poderiam progressivamente produzir uma reforma completa. Nesse sentido, distinguiu uma dimensão pedagógica da reforma sobre a qual pudesse atuar: “realizemos já, independente da lei ou de regulamento, a reforma pedagógica como base da reforma geral, que se fizer depois por meio de lei”. Dessa forma, pretendia descolar uma dimensão que fosse puramente técnica sobre a qual pudesse agir, independente de recursos. Para tanto, elegeu o “programa de ensino” como principal elemento de intervenção. Ele apostava no programa como portador, por excelência, da potência pedagógica da escola, mas também como a porta para introdução de inovações e a transformação da complexa realidade de um sistema escolar. Defendeu que a elaboração do programa fosse retirada do corpo de itens fixados em regulamento, uma vez que “matéria essencialmente pedagógica”, devia ser de fácil modificação ou alteração, “acompanhando as necessidades instáveis decorrentes da evolução social” (SANTOS, 1915, p. 24).

Macedo estava convencido de que, com autonomia para decidir sobre o programa de ensino, poderia introduzir os aspectos que considerava centrais da sua agenda reformadora. A essa altura tais aspectos já haviam se convertido em complexo temático, como o subtítulo que escolheu para figurar no seu plano, grafado em letras garrafais, o indica: “REFORMA PEDAGÓGICA, GRUPOS ESCOLARES E SERIAÇÃO DO ENSINO” (Idem). Para ele os grupos escolares haviam se tornado um complexo temático porque em tornos deles se uniam os temas da construção de edifícios escolares públicos, a seriação do ensino e as leis econômicas da divisão do trabalho aplicadas à educação. Este último, a grande bandeira ideológica que sua atuação ajudou a espalhar.

Ele considerava não “organizados, pela seriação, os grupos escolares”, embora existissem, sob esse nome, “casas onde funcionam duas, quatro e até mais escolas”. Pois essas escolas permaneciam funcionando “independentes, sem a mínima relação entre si [...], naturalmente se fazem concorrência e se perturbam, em vez de se combinarem e se auxiliarem” (SANTOS, 1915, p. 12). Entendia que a situação decorria do “anacronismo” da base legal da instrução pública, “por não se querer contrariar o Regulamento de 1901”. Nesses termos, o programa de ensino é conduzido pela pena de Macedo ao lugar de princípio de organização pedagógica: “A matéria do programa é inseparável da seriação do ensino. A seriação do ensino é a aplicação das leis econômicas da divisão do trabalho e do maior resultado com o menor esforço” (Idem).

Macedo não demorou a tentar colocar em prática o seu plano de reforma. O ano de 1914 terminou com Claudino dos Santos repercutindo as iniciativas levadas a cabo: “Foram postas em prática, com admirável proveito, alterações de ordem a encaminhar o ensino sob inspiração de um plano mais consentâneo com os métodos modernos e os adiantados preceitos da pedagogia moderna” (SANTOS, 1915, p. 15). Não podendo instituir novo regulamento, Macedo lançou mão de instrumentos de comunicação direta com os professores, diretores e inspetores escolares. Por meio de portaria ele expediu a todos os estabelecimentos de ensino primário a publicação: “Instruções sobre a organização escolar e programa de ensino para as escolas públicas do Estado do Paraná”11. Em ofício ao Secretário de Interior explicou que o intento do impresso era produzir um sistema de seriação encarnado nos grupos escolares, esgarçando o conceito em função do que entendia serem as possibilidades da realidade paranaense.

Reuni escolas sistematizando e dividindo os trabalhos por séries entre os respectivos professores e confiando a um destes a função de diretor; formei, o que em falta de melhor denominação, chamamos de grupo e semigrupos escolares. Sem dúvida, esses estabelecimentos não são organizados à feição dos afamados grupos escolares paulistas [...]; nas [nossas atuais casas escolares] de quatro salões pudemos instalar as quatro séries do ensino, uma a cargo de cada professor - é o nosso grupo escolar; nos de dois salões deixamos cada professor com duas séries - é o semigrupo (In: SANTOS, 1915, p. 3).

Este é um marco importante na trajetória de organização de um sistema de ensino primário, em particular, das iniciativas de implementação dos preceitos da escola graduada no Paraná. De um modo geral, ele tem sido relativizado diante do fato que a expressão grupo escolar tenha figurado no léxico do debate educativo antes disso, mesmo significando coisa diversa. A questão não reside em delimitar um marco fundador para os grupos escolares no Estado, mas reconhecer as circunstâncias e as expectativas que motivaram a combinação desses elementos todos - grupos escolares e seriação do ensino - como centro de um projeto de organização de uma escola que se queria popularizada. Além disso, podemos apreender as nuances que envolveram a sua implantação em diferentes locais do país, como propôs Marta Carvalho (2000), sujeito a torções e adaptações, tais como as concebidas por Azevedo Macedo.

A apresentação do escopo geral das Instruções prosseguia, evocando os pressupostos da divisão do trabalho, da técnica, da eficácia e do método como emuladores de um “impulso de reforma salutar” (SANTOS, 1915, p. 5). O tema educacional econômico-pedagógico, que foi um dos motores da reforma paulista (SOUZA, 1998), ganhou uma ênfase particular no plano de reforma de Macedo. Mas as mudanças não impactavam apenas os grupos e semigrupos escolares, mas, tomando-os como centro do seu projeto de organização, as escolas isoladas foram incluídas, em uma combinação que denotava as consequências práticas de priorizar à difusão de um ensino elementar voltado à alfabetização, com privilégio do ensino em 1ª série em detrimento das seguintes.

Uma das censuras dirigidas ao sistema dos grupos paulistas consiste na desigualdade da divisão do trabalho entre os diversos professores, pois o número de alunos analfabetos ou da 1ª série é sempre muito maior do que o de alunos que se matriculam nas outras séries [...]. Procurou-se evitar entre nós esse grande inconveniente, limitando-se à 1ª série os trabalhos de diversas escolas isoladas desta Capital. Do nosso sistema faz parte a divisão do trabalho entre duas ou mais escolas independentes, situadas na mesma localidade (SANTOS, 1915, p. 5).

Sob o argumento da “eficácia”, da “divisão do trabalho” e da intensidade da “difusão da alfabetização”, ele limitou o ensino em várias escolas isoladas à primeira série, enquanto as fez orbitar em torno de grupos escolares. Em termos de configuração curricular, as definições que ele produziu deixam ver um projeto de escolarização primária que se expande horizontalmente - pretendendo alcançar um maior número de pessoas - ao custo de ser encurtado verticalmente - ou seja, que a permanência dessas pessoas na escola tivesse curta duração -, em inversão aos objetivos anunciados em tentativas de reforma na década anterior, e que tinham na lei de 1912 uma das suas últimas manifestações.

No primeiro balanço que fez das medidas implementadas, o argumento econômico-pedagógico foi lembrado uma vez mais para assinalar a “eficácia do sistema”. Avançando na disposição de difundir uma escola primária de curta duração, Macedo propôs a criação de uma “classe de professores auxiliares ou adjuntos” para as escolas com frequência média superior a 50 alunos, “tanto mais sendo certo que a 1ª série há de ser muito numerosa”. Entendia como uma “medida econômica, porque graças ao auxiliar, cada escola pode ensinar o duplo do número de alunos” (SANTOS, 1915, p. 22). Além disso, procurava dar consequência a um item que constava da lei de reforma de 1912, que estipulava uma classificação de diferentes tipos escolares em função do meio onde se encontravam. Macedo procurou harmonizar a diversidade que a lei havia instituído - grupos escolares, escolas agrupadas, escolas isoladas e circuitos escolares de professores ambulantes - com seu plano de divisão do trabalho e adequação da escola ao meio econômico e social. Para isso, defendia que o “aparelho escolar” deveria contar com “programas especiais” para escolas rurais e ambulantes (SANTOS, 1915, p. 8).

A ideia de uma escola adequada ao seu meio - um tema corrente desde a década anterior, mas com consequências diversas - era mobilizada por Macedo para produzir distinções que repercutiam na extensão do ensino a ser ofertado para algumas populações. A principal distinção tinha como princípio a contraposição entre os espaços urbano e rural e, em consequência, entre economia de feição industrial, de elementos mais complexos, e a economia predominantemente agrícola. O corolário implícito é de que os maiores investimentos deveriam recair principalmente nas escolas urbanas: “Convém notar [...] que nas escolas rurais não há alunos da quarta série e são raros os da terceira. Onde há alunos para todas as séries, não há para mais de uma escola e então a divisão se imporá naturalmente” (SANTOS, 1915, p. 12).

A expectativa era de que a elaboração de programas distintos e específicos fosse combinada com uma nova classificação dos professores, a ser incorporada em futura lei de ensino. Ele concebia que deveria ser mantida uma “classe de professores não diplomados pela Escola Normal”, mas destinada “especialmente para as escolas rurais ou escolas ambulantes”, podendo, excepcionalmente, “serem aproveitados” em escolas de “cidades e vilas que tivessem excessivo número de alunos” como ajudantes ou interinos enquanto as escolas estivessem vagas. Dessa forma, pavimentava o caminho para a produção de uma hierarquização entre escolas no interior de um sistema que deveria ser único. Hierarquização que acomodava a existência de um tipo escolar muito simples, que não demandava professores ilustrados e com “grande preparo científico”, com a vantagem de que os “professores não diplomados se contentam com vencimentos exíguos” (SANTOS, 1915, p. 8).

O passo seguinte para a realização de uma reforma satisfatória era o enfrentamento do que havia diagnosticado como o problema de “professores sem competência e sem vocação”. Nesse ponto também se notavam deslocamentos. Se antes as retóricas reformistas alegavam que o problema em relação aos professores era a ausência de formação em nível adequado (na Escola Normal), agora a ênfase estava colocada em uma crescente noção de competência técnica. Além de uma proposta de remodelação do curso de formação de professores, o programa de ensino para as escolas primárias era, também nesse ponto, indicado como uma via de intervenção. Macedo concebia que com a publicação de programas que oferecessem uma base mais segura para a atuação do professor e, em consequência, menor espaço para a possibilidade de desvios na sua execução, seria possível transformar os processos “rotineiros”. Junto a isso, organizou a reativação do serviço de inspeção técnica, interrompido após a suspensão da reforma de 1909. Pavimentava, dessa forma, uma via na direção do acirramento da lógica prescritiva de confecção de programas à prova de professores, no sentido da redução dos seus espaços de decisão em relação a que e como ensinar, senda que se acentuaria nos anos seguintes.

O conjunto programa de ensino - inspeção técnica deveria encarnar e fazer chegar aos professores o saber do especialista em matéria pedagógica, que se apresentava na perspectiva do ensinar a ensinar12. Não havendo, segundo ele, entre os cidadãos que haviam ocupado os postos de inspeção, pessoal com “competência especial, nenhum pedagogista”, pleiteou “comissionar, dentre os melhores professores normalistas em exercício, os que julgar necessários para [...] fazerem continuamente a inspeção técnica do Estado” (SANTOS, 1915, p. 13). Ao mesmo tempo, preparou e distribuiu a todos os inspetores escolares um conjunto de “Instruções para a Inspeção Técnica das Escolas do Estado”13. Como o título sugere, trata-se de uma série de instruções seguidas de um questionário, que estabelecia os quesitos a serem analisados para uma fiscalização prática da organização das escolas e das rotinas de ensino. Se o Estado não oferecia condições de contar com pessoal técnico suficientemente preparado para a função, Macedo esperava que essas instruções transmitissem o tipo de saber do especialista.

Foi nesse quadro organizacional, acompanhando as suas instruções sobre a organização escolar, que Macedo apresentou o novo programa a ser seguido nas escolas primárias. Quanto à forma, o programa continha uma série de inovações. Na sua elaboração a ideia de matérias como princípio organizador do conhecimento escolar, uma herança que a tradição enciclopédica ajudara a consolidar (SOUZA, 2008), foi relativizado em privilégio a uma configuração completamente diferente do que podia ser encontrado em documentos anteriores. As rubricas que até então prevaleciam foram dissolvidas em lições ou exercícios, que assumem a posição de elemento organizador. Trata-se de uma configuração que indica o destaque que a ideia ou noção de método vai assumindo nas discussões sobre renovação pedagógica no contexto paranaense, como saber por excelência destinado aos professores. Também sinaliza o avanço das lições de coisas, não só como um método para ensinar ou como conjunto de saberes específicos, mas como fundamento organizador de todo o saber escolar e do trabalho docente, em uma direção que podemos caracterizar como “tarefeira”. Além disso, outro princípio organizador presente no respectivo programa é a noção de série, como fundamento de graduação do ensino (PARANÁ, 1914, p. 5-8).

Em 1915 finalmente um novo texto regulamentar, o Código de Ensino14, finalmente foi aprovado. A oficialização de um novo marco legal para o ensino foi um dos últimos feitos de Macedo à frente da direção geral da Instrução Pública. Com ele, em mensagem de final de mandato dirigida ao Congresso Legislativo, o Presidente do Estado, Carlos Cavalcanti, entendia “definitivamente resolvida” a questão da reforma do ensino, e atribuía seu sucesso à “competência” de Macedo. De fato, o Plano de Reforma Geral elaborado por Macedo teve um papel decisivo na produção daquela regulamentação. Os postulados que defendeu desde o início estavam quase integralmente contidos. A intenção de iniciar uma reforma, mesmo sem um novo texto legal, a partir da produção progressiva de mudanças e inovações mais pontuais, que depois pudessem ser generalizadas e transformadas em lei, havia prosperado. A escolha do termo Código de Ensino em substituição a “regulamento” pretendia evocar a ideia de modernização.

Na nova regulamentação estava prevista a atuação dos inspetores especialistas. Como Macedo postulava, deveriam ser professores normalistas com anos de experiência docente. O novo texto também deixou de conter a fixação de um programa de ensino, dando lugar a uma série de diretrizes para a “organização geral do ensino”, entre as quais tinham prevalência indicações quanto à organização do programa e à distribuição do tempo (PARANÁ, 1915, p. 16), este último, uma obstinação de Macedo que via no ideal de otimização do tempo - contra o tempo ocioso de alunos - uma imagem da competência docente. O episódio inaugurou a prática de prescrição dos programas de ensino em documentos próprios, à parte, um marcador importante para a uma história do currículo da escola primária paranaense. Do ponto de vista do problema das definições curriculares, trata-se de um movimento de autonomização dos programas de ensino, em direção ao acirramento do controle curricular sobre o trabalho dos professores, ou o que Goodson (1995) define como lógica do currículo como prescrição.

Considerações finais: das marcas e desdobramentos de uma reforma escolar

Ainda que seja necessário levar em consideração a distância entre o pretendido, o anunciado e o realizado nas retóricas reformistas (VIÑAO FRAGO, 2007), é preciso reconhecer que o conjunto de ações que podem ser identificadas como a reforma liderada por Azevedo de Macedo legou sentidos e entendimentos fortes à escolarização primária paranaense, e teve grande contribuição na vitória de tendências que estavam em desenvolvimento e que tiveram centralidade nas décadas seguintes. Dentre os principais pontos, destacamos: a prioridade dos esforços de expansão da escola primária; a produção de uma configuração curricular que afirmava seu sentido de escola elementar, com ênfase na alfabetização da população e a consequente reversão das tendências de alargamento do currículo; a centralidade que se construiu em relação ao Estado de São Paulo como uma experiência modelar, com a qual se constituirá um fluxo de diálogo cada vez mais intenso; a opção pela adoção dos grupos escolares como uma forma particular de organização e o acirramento dos processos de graduação do ensino, principalmente sob a forma de seriação; a produção de desníveis ou hierarquias entre diferentes tipos de escolas dentro do mesmo sistema de escolarização, em função do seu meio econômico e social; e a autonomização de um certo saber técnico sobre o ensinar como domínio de especialistas, com menor participação dos próprios professores na sua definição - parte dos ascendentes modos de exercer controle sobre eles -, o que resultou no enfraquecimento da compreensão do trabalho docente como composição técnico-intelectual dos próprios professores, feita de escolhas didáticas e culturais, para se erguer em seu lugar a noção de método como a substância medular do seu trabalho, na lógica da execução de roteiros de ação. O que se viu nos anos seguintes, mesmo após a retirada de Macedo, foi o avanço de todas essas tendências.

Ainda que o Código de Ensino era tido menos como marco inaugural e mais como ponto de chegada da reforma idealizada por Macedo, as retóricas reformistas prosseguiram. Enéas Marques dos Santos, que em 1916 assumiu a Secretaria de Interior, Justiça e Instrução Pública no governo de Affonso Alves de Camargo, tomando a seu cargo a direção dos assuntos educacionais depois de extinguida a Diretoria de Instrução Pública, declarou que “sobre seus ombros entrou de pesar a responsabilidade de prosseguir a execução da sabia reforma” (SANTOS, 1917, p. 209). Em 1917 produziu um novo Código de Ensino, com ligeiras alterações em relação ao texto anterior. Ao final daquele ano apresentou notícias das principais iniciativas implementadas: o início de funcionamento do Grupo Escolar Modelo e o aumento no número de matrículas no ensino primário, resultado do “desdobramento de diversos grupos [escolares para] funcionarem diariamente em dois períodos”, cujo objetivo era “extinguir escolas isoladas que, quase sem proveito, funciona[vam] em torno dos grupos” (SANTOS, 1918, p. 8). Ocupando o lugar que antes fora das escolas isoladas, os grupos escolares passavam a ser cada vez mais identificados como estabelecimentos próprios do e para o contexto urbano.

A instalação do Grupo Escolar Modelo foi também a reafirmação de alguns postulados que vinham sendo perseguidos. Tal como Macedo a havia concebido, ainda que não tivesse conseguido implementá-la, a Escola Modelo deveria ser um centro divulgador e de aprendizagem dos fundamentos organizacionais dos grupos escolares e dos princípios de seriação do ensino e divisão do trabalho, mas foi mais do que isso. Ainda em 1917, uma “missão de professores normalistas” foi enviada a São Paulo especificamente para a “prática dos métodos dos grupos escolares paulistas”15. Tratava-se de um esforço de preparação para a instalação do Grupo Escolar Modelo em Curitiba.

Em funcionamento, o estabelecimento passou a ser uma espécie de emulador de um tipo ideal de processos e práticas pedagógicas. Ante ao diagnóstico de que o “mal do aparelho escolar residia na falta de organização e conhecimentos metodológicos”, o grupo modelo deveria ser um verdadeiro agente reformador, na busca pela (re)organização dos grupos escolares por todo o Estado, segundo um tipo uniforme de funcionamento cuja questão nuclear era o método pedagógico (SANTOS, 1917, p. 6). Em relatório ao final de 1918 o Secretário reiterou esse sentido de “divulgador” que o estabelecimento passou a desempenhar. Sob sua pena a reforma do ensino ganhou, inclusive, outro assentimento, o de uma “reforma metodológica”: “Depois da reforma metodológica dos Grupos Modelo na Capital, e o No 1, em Rio Negro, passou-se a efetuar esse serviço na cidade de Ponta Grossa, com a organização do Grupo No 2” (SANTOS, 1919, p. 6).

O relato indica um plano sistemático de intervenção. Para tanto, seguiam para cada grupo escolar a ser reformado, Trajano Sigwalt e Mendes de Cordeiro, respectivamente diretor e professor do Grupo Escolar Modelo. O principal objetivo era providenciar a “organização escolar” e “reformar o professorado” seguindo a orientação baseada no ‘ensinar a ensinar’.

O sistema adotado para que os professores aprendam o método é o seguinte: em cada ano o reformador assume a regência da classe por algum tempo, dando todas as aulas, a fim de que o professor da classe assista e observe o modo de dar aula, maneira de estimular as crianças, meios de conseguir disciplina; depois este passa a dar aula de uma matéria, sendo corrigidos os defeitos que se apresentarem, só passando para outras matérias quando a anterior estiver sendo lecionada corretamente. Assim irá o professor a regência integral da sua classe sem acúmulo de matérias, sem imperfeições em sua metodização e com consciência do serviço. Foi esse o único meio, mais racional e profícuo, de reformar o antigo e contraproducente sistema de se entregar uma classe a um professor que, conquanto normalista e com o devido preparo, ao assumir a regência da sua aula, não sabia por onde iniciar, que fazer, onde chegar, por nunca ter visto como se organiza uma escola, nem se exercitado na processuação das diferentes matérias do curso primário (SANTOS, 1919, p. 7).

Ao término do governo de Affonso Camargo, no início de 1920, 8 grupos já haviam passado por esse mesmo processo, estando “2 em vias de remodelação” (CAMARGO, 1920, p. 31). As iniciativas levadas a cabo ao longo da década de 1910 fixaram os grupos escolares como modelo escolar por excelência para as principais cidades do Estado. Dos outros “tipos” escolares (escolas isoladas e escolas ambulantes), permaneciam em segundo plano, como uma espécie de sombra da ação reformista. A partir de 1920 foram oficializados programas de estudos diferentes para os grupos escolares e para as escolas isoladas, sendo o primeiro claramente mais extenso e intenso. Nos grupos escolares predominaram professores com maior formação e mais elevados vencimentos. De outro lado, nas escolas isoladas, identificadas com as zonas rurais, as “vilas” e regiões “suburbanas”, predominaram professores sem o curso normal. Um aparelho que tinha expectativas de universalização, nas suas raízes, nascia partido quanto às expectativas de trajetórias escolares.

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1Como exemplos, podemos indicar as manifestações públicas de Sebastião Paraná. Enquanto figura bastante ativa na estrutura administrativa da Instrução Pública, atuando especialmente em cargos ligados à inspeção do ensino, em diversos de seus relatórios argumentava que se deveria dar “preferência antes a qualidade do que a quantidade” (Cf. SILVA, 1902, p. 39). Também Victor Ferreira do Amaral e Silva, que como diretor da Instrução Pública durante o governo de Xavier da Silva promoveu políticas que miravam a elevação no nível do professorado paranaense, a partir da dispensa de inúmeros professores provisórios, o que resultou na diminuição do número de escolas em funcionamento e de matrículas (MEURER, 2019). Mesmo após sua saída da direção da instrução pública no Estado, Victor Ferreira do Amaral foi atuante no debate educacional no estado e defendia que a escolarização primária deveria ser não uma escola elementar, reduzida à aprendizagem da leitura, da escrita e dos rudimentos de cálculo, mas verdadeiramente uma escola preliminar, em diálogo com a tradição enciclopédica, com os estudos de apelo científico e com alguns rudimentos da tradição das humanidades, que fosse capaz de desenvolver nas crianças uma sensibilidade científica e espírito de observação, indispensável para estudos superiores. Sobre o projeto para a escola primária paranaense na década de 1900 articulado por Victor Ferreira do Amaral, ver Meurer (2021).

2Nessa direção, a título de exemplos, podemos situar agentes como Arthur Pedreira de Cerqueira, Diretor de Instrução Pública entre 1907 e 1908, e Bento José Lamenha Lins, Secretário de Interior na mesma época, pasta que abrigava o serviço de Instrução Pública.

3Nessa direção podemos situar, como exemplos, agentes como Reinaldo Machado, que também ocupou a direção da instrução pública nos anos finais da década de 1900, o qual defendia a necessidade de uma reforma geral e radical do ensino, o que significava vazar em moldes inteiramente novos sua organização. Ou ainda, nomes como o do professor do Ginásio Paranaense e Escola Normal, Dario Vellozo, que segundo Vieira (2001) foi um dos nomes de maior projeção no movimento de renovação pedagógica no estado. Vellozo foi ativo nos trabalhos da Comissão de Instrução Pública da Assembleia Legislativa, e um dos principais articuladores de um amplo projeto de reforma que advogava um sentido de educação integral, de currículo ampliado e diversificado, para a escola primária. Aspectos desse projeto podem ser conferidos em Meurer (2021).

4Em decorrência da aprovação da Lei no 723, de 2 de abril de 1907, que autorizava a reforma da instrução pública no Estado, o executivo determinou que a partir de 16 de janeiro de 1908 passasse a vigorar nos Regulamento do Ensino e Regimento Interno (Decreto no 479 de 10 de outubro de 1907). A Assembleia Legislativa suspendeu a lei de reforma do ensino em 17 de fevereiro de 1908 alegando principalmente “contradições e incoerências” nos novos textos regulamentares. Em 19 de abril de 1909 uma nova lei de reforma da instrução pública foi aprovada (Lei no 894), em função da qual o executivo, através do Decreto no 510, de 5 de outubro de 1909, fez vigorar um novo Regulamento Orgânico da Instrução Pública. A iniciativa de reforma foi mais uma vez revogada pelo legislativo, através da Lei no 994, de 4 de abril de 1910, diante da alegação de ser o novo regulamento “inexequível” diante da realidade orçamentária do Estado.

5Lei no 1236, de 2 de maio de 1912.

6Por exemplo, em 1907 a professora normalista Carolina Pinto Moreira, depois de designada pelo governo paranaense para uma viagem em missão de estudo da escolarização paulista, produziu relatório que destacava os grupos escolares como pedra angular do empreendimento educacional daquele Estado. E por grupo escolar ela argumentava que deveria ser compreendido uma organização e atividade educacionais específicas, associado à graduação do ensino e aos “métodos e processos” que tornam o “ensino intuitivo e prático” (LINS, 1908, p. 12).

7Embora entenda que a autora tenha antecipado essa vitória em quase uma década e deixado escapar as circunstâncias e as divergências que a envolveram. Conforme argumentado acima, especificamente na primeira década do século XX, as posições que propunham os grupos escolares como peça central de algo como um projeto de modernização da instrução pública foram sufocadas por outro tipo de apreensão e finalidades para eles.

8Aliás, seu ingresso na Escola Normal só foi possível porque Dario Vellozo, até então titular da Cadeira de Pedagogia, renunciou à mesma para que Azevedo pudesse ser nomeado, o que ele considerou prova de amizade.

9Particularmente entusiasta do tema do cooperativismo como alternativa política, econômica e cultural para o progresso social.

10Instituído pelo Decreto no 93 de 11 de março de 1901, e que havia voltado a ser executado por ocasião das revogações das reformas de 1907 e 1909.

11Portaria no 4, de 17 de janeiro de 1914.

12Sobre essa perspectiva “utilitária” de saber pedagógico no pensamento e atuação de Azevedo Macedo, ver SOUZA (2012).

13Portaria no 52, de 23 de outubro de 1914.

14Decreto no 710, de 18 de outubro de 1915.

15Decreto no 978 de 25 de dezembro de 1916.

Recebido: 31 de Janeiro de 2022; Aceito: 08 de Março de 2022

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