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Revista Diálogo Educacional

versão impressa ISSN 1518-3483versão On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.22 no.73 Curitiba abr./jun 2022  Epub 17-Dez-2022

https://doi.org/10.7213/1981-416x.22.073.ds07 

Dossiê

A estruturação da profissão docente na Província do Paraná (1854-1870)

The structuring of the teaching profession in the province of Paraná (1854-1870)

La estructuración de la profesión docente en la provincia de Paraná (1854-1870)

Tony Honoratoa 
http://orcid.org/0000-0003-3057-1157

Fernanda Cristina de Souza Pedrãob 

Simone Burioli Ivashitac 
http://orcid.org/0000-0002-8766-8331

aUniversidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina, PR, Brasil. Doutor em Educação, e-mail: tony@uel.br

bUniversidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina, PR, Brasil. Mestre em Educação, e-mail: fernandacsouza20@gmail.com

cUniversidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina, PR, Brasil. Doutora em Educação, e-mail: prof.simone@uel.br


Resumo

O objetivo consiste em caracterizar elementos da estruturação da profissão docente na província do Paraná, segundo as publicações no jornal Dezenove de Dezembro (1854-1870). O território paranaense, como a Quinta Comarca Curitiba, pertencia à província de São Paulo, e no dia Dezenove de Dezembro de 1853 teve seu desmembramento oficializado, emancipando-se como a província do Paraná. Em busca do utópico progresso e desenvolvimento da sociedade, o governo provincial do Paraná vislumbrava na instrução pública uma forma de instruir e civilizar a população. Naquele momento, a profissão docente foi elevada como agência fundamental para tal missão. Frente a este cenário, passou a ser essencial a estudar a estruturação da profissão docente na recém província do Paraná. Para tanto, elegemos como fonte de pesquisa histórica o jornal Dezenove de Dezembro, que foi um veículo da imprensa publicado durante todo o período provincial paranaense. Como fundamento metodológico, consideramos as orientações sobre as possibilidades e os limites da imprensa como fonte para a escrita da história (LUCA, 2005; CRUZ & PEIXOTO, 2007) e da história da educação (CARVALHO, 2007; PINTO, 2017). Como resultado, o jornal permitiu compreender a estruturação da profissão docente no Paraná por meio dos concursos, aposentadorias, contratos, salários, instituições de ensino e valores sociais ligados à condição de ser professor(a) no período oitocentista.

Palavras-chave: Profissão docente; Província do Paraná; Instrução Pública; Imprensa; Dezenove de Dezembro

Abstract

The objective is to characterize elements of the structuring of the teaching profession in the province of Paraná, according to publications in the newspaper Dezenove de Dezembro (1854-1870). The territory of Paraná, being the Fifth District of Curitiba, belonged to the province of São Paulo, and on December 19, 1853, its dismemberment was made official, emancipating itself as the province of Paraná. In search of the utopian progress and development of society, the provincial government of Paraná saw public instruction as a way to educate and civilize the population. At that time the teaching profession was elevated as a fundamental agency for such a mission. Faced with this scenario, it became essential to study the structuring of the teaching profession in the new province of Paraná. For that, it chose as a source of historical research the newspaper Dezenove de Dezembro, which was a vehicle of the press published during the entire provincial period of Paraná. As a methodological foundation, we consider the guidelines on the possibilities and limits of the press as a source for writing history (LUCA, 2005; CRUZ & PEIXOTO, 2007) and the history of education (CARVALHO, 2007; PINTO, 2017). As a result, the newspaper made it possible to understand the structuring of the teaching profession in Paraná through competitions, retirements, contracts, salaries, educational institutions and social values ​​linked to the condition of being a teacher in the 19th century.

Keywords: Teaching profession; Paraná Province; Public Instruction; Press; Dezenove de Dezembro

Resumen

El objetivo es caracterizar elementos de la estructuración de la profesión docente en la provincia de Paraná, según publicaciones en el periódico Dezenove de Dezembro (1854-1870). El territorio de Paraná, siendo el Quinto Distrito Curitiba, pertenecía a la provincia de São Paulo, y el 19 de diciembre de 1853 se oficializó su desmembramiento, emancipándose como provincia de Paraná. En busca de la utopía del progreso y desarrollo de la sociedad, el gobierno provincial de Paraná vio en la educación pública una forma de educar y civilizar a la población. En ese momento la profesión docente se erigió como un organismo fundamental para tal misión. Ante este escenario, se hizo imprescindible estudiar la estructuración de la profesión docente en la nueva provincia de Paraná. Para eso, eligió como fuente de investigación histórica el periódico Dezenove de Dezembro, que fue vehículo de la prensa publicada durante todo el período provincial de Paraná. Como fundamento metodológico, consideramos las orientaciones sobre las posibilidades y límites de la prensa como fuente para escribir la historia (LUCA, 2005; CRUZ & PEIXOTO, 2007) y la historia de la educación (CARVALHO, 2007; PINTO, 2017). Como resultado, el periódico permitió comprender la estructuración de la profesión docente en Paraná a través de concursos, jubilaciones, contratos, salarios, instituciones educativas y valores sociales vinculados a la condición de ser docente en el siglo XIX.

Palabras clave: Profesión docente; Provincia de Parana; Instrucción Pública; Peródico; Dezenove de Dezembro

Introdução

Este artigo tem como objetivo caracterizar elementos da estruturação da profissão docente na província do Paraná, especificamente no período de 1854-1870, segundo os registros encontrados no jornal Dezenove de Dezembro. Inicialmente, a pesquisa se voltou a analisar o conteúdo do jornal observando o que se publicou a respeito da instrução pública no período de vigência do Paraná provincial, o que resultou na identificação de relatórios de presidentes e inspetores de ensino, seleção de docentes para as cadeiras, exames de alunos, aquisição de materiais para escolas, abertura e fechamento de cadeiras, salários, custeios de aluguéis, bem como contratações, licenças, aposentadorias e exonerações de professores. Após uma leitura e catalogação das notícias, foi delimitado o objeto de análise: a profissão docente, uma vez que ela estava relacionada com grande parte dos assuntos publicados pelo jornal. Esta constatação indica que o professor e a sua profissão estavam presentes na organização da instrução pública oitocentista na província do Paraná.

O jornal Dezenove de Dezembro1 teve a sua primeira publicação no dia primeiro de abril de 1854, três meses após a emancipação política da província. O jornal foi publicado durante 36 anos, totalizando 3.936 edições, tendo a sua última publicação em 1890, logo após a Proclamação da República. Inicialmente, ele foi um semanário, mas em 1857 passou a ser publicado duas vezes por semana. Seus conteúdos, em maior parte, estiveram impressos em 4 páginas, mas houve edições com 6 ou 8 páginas, isso quando eram publicadas principalmente legislações e regulações do governo provincial. Contudo, estima-se que poucos eram os leitores do jornal, pois, segundo Oliveira (1982), em 1854 a população geral da Província encontrava-se em torno de 62.258 pessoas, sendo escolarizada somente 1,1% desse total, o que significava um índice de analfabetismo muito alto, permitindo inferir que o periódico circulava entre os poucos letrados.

Cabe ressaltar que o nosso recorte temporal final da pesquisa foi 1870 por ser o ano de instalação da primeira Escola Normal do Paraná, o que mudaria a estruturação da profissão docente, haja vista a constituição de um estabelecimento específico para preparação do professorado; e que na mesma época, o Dezenove de Dezembro foi o primeiro jornal paranaense e exclusivo de todo o regime provincial do Paraná. Ele publicava sobre diversos assuntos da província paranaense e do governo imperial, contendo registros sobre o desenvolvimento da instrução pública, da profissão docente e dos feitos da administração. Por tais motivos o periódico foi elevado como fonte histórica para a nossa pesquisa.

Utilizando o jornal como fonte histórica, buscamos autores que também utilizaram a imprensa como fonte de pesquisa para a História e História da Educação. Segundo Cruz & Peixoto (2007) e Carvalho (2007), a utilização da imprensa para os estudos de História e de História da Educação foi ganhando cada vez mais espaço na historiografia e proporcionando um olhar diferente para estes tipos de documentos, os jornalísticos. O que antes era considerado apenas um meio de informação ganhou cuidados específicos para a sua utilização na produção do conhecimento histórico.

Luca (2005) discorre que para fazer o uso da imprensa como fonte histórica tornou-se necessário entender que tal documento foi elaborado para os leitores de um período e localidade, conforme necessidades singulares repletas de historicidades. Nesse sentido, a autora ressalta a necessidade de tratamento da imprensa como um recurso para a pesquisa, o que requer o trabalho do pesquisador em manusear e utilizar o material com seus devidos questionamentos. Para Carvalho (2007), ao utilizar a imprensa como fonte de pesquisa, precisa-se fazer o entendimento que as informações encontradas podem conter dados que foram suprimidos e esquecidos, pois a imprensa traz relatos dos acontecimentos e posicionamento dos seus editores, proprietários e patrocinadores sobre determinados assuntos. Na imprensa periódica são encontrados fragmentos dos acontecimentos vividos como força ativa da sociedade e não uma verdade propriamente dita.

Para Pinto (2017), é significativo que o pesquisador se aproxime de seu material empírico, tenha contato com a fonte em si. Destacamos que o Dezenove de Dezembro, no impresso original, encontra-se armazenado na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, mas que também está digitalizado e disponível on-line, com livre acesso, no site da Hemeroteca Nacional, tornando assim maior a acessibilidade para o manuseio do material no suporte digital.

Com auxílio das contribuições, buscamos responder neste artigo: o que a imprensa, no caso o jornal Dezenove de Dezembro, publicou referente à profissão docente na província do Paraná no período entre 1854-1870? Estudar a profissão docente, nesse sentido, visou um entendimento sobre o que se publicou a respeito dos professores e como foi se organizando a profissão na província paranaense, então recém emancipada e que também demandava estruturação.

O Dezenove de Dezembro é uma fonte histórica, a qual foi utilizada em várias pesquisas (BARBOSA, 2012; FELL, 2012; MIZUTA, 2013; ALVES, 2014; SLOTUK, 2015; BARBOSA, 2016). Em nosso caso com o jornal oitocentista, delimitamos o objeto de análise após ter sido feita uma leitura na íntegra do jornal. Metodologicamente, foi realizada a leitura página por página do material, que totaliza 1.396 edições, com 2.404 notícias catalogadas referentes à instrução pública e agrupadas pela aproximação temática. Notamos que o assunto mais presente se constituiu em elementos que caracterizam a profissão docente.

É importante registrar que a emancipação política do Paraná foi um processo lento, o território que até 1853 pertencia à província de São Paulo, como 5ª Comarca Curitiba, tinha seu desejo de independência política diante de um cenário de impostos abusivos e de precariedade das condições públicas. Segundo Priori et al. (2012), as primeiras tentativas de separação ocorreram em 1811, mas não obtiveram sucesso dentre os momentos que buscavam a separação territorial e política, pois a província paulista tentou o retardamento do desmembramento diante dos prejuízos econômicos. Ainda, segundo os mesmos autores, somente em 02 de agosto de 1853 foi aprovada a Lei nº 704 criando a província do Paraná, mas a sua emancipação política efetivou-se em 19 de dezembro de 1853 com a chegada do primeiro presidente provincial, o senhor Zacarias de Goes e Vasconcellos.

A recente unidade política tinha uma preocupação comum dos governos provinciais no século XIX, isto é, promover uma organização e o desenvolvimento social, o que para o momento era sinônimo de progresso. Naquele período, a instrução pública vinha em serviço da sociedade como uma forma de instruir e civilizar a população, e, para tanto, a profissão docente foi colocada como a agência central. Vale lembrar que, segundo Nóvoa (1991), no século XIX surge uma preocupação: sob a quem ficaria a responsabilidade de educar as crianças? Dentre as sugestões, o professor é elencado como o responsável por tal incumbência. Contudo, surgia a necessidade de definir quem seriam esses profissionais e quais seriam os perfis deles.

Conforme Malerba (1999), o período oitocentista no Brasil foi um momento de muitas mudanças econômicas, políticas e culturais, dentre elas o fim da escravidão e o incipiente desenvolvimento citadino. Era um discurso recorrente a busca pelo progresso da nação, sendo a instrução pública um mecanismo fundamental ao avanço da boa sociedade.

Acompanhando as mudanças políticas e culturais, a instrução pública e a profissão docente também sofreram várias alterações, iniciando com as legislações que estabeleciam com quem ficaria a responsabilidade da execução do ensino escolar. A primeira lei de instrução pública, Lei de 15 de outubro de 1827, estabelecia as primeiras regras a respeito de quem poderia ser professor, qual método indicado e as vigências para o ensino em todo o Império (BRASIL, 1827). Posteriormente, com o ato adicional imperial de 1834, a responsabilidade da instrução pública foi destinada para as províncias que deveriam estabelecer legislações próprias sobre a matéria (BRASIL, 1834). Nesse momento, lentamente e nem sempre de forma efetiva, cada província começou a estabelecer suas leis para regulamentação da instrução pública. Assim, considerando que a emancipação política da província do Paraná ocorreu somente em 1853, os professores, no período da 5ª Comarca Curitiba, seguiam as leis paulistas.

No período entre 1854 e 1870, a província paranaense não tinha uma escola normal especializada em formar professores, desta maneira a nossa pesquisa analisou a profissão docente na província do Paraná no período anterior à formação de professores institucionalizada no Paraná. Aventamos a ideia de que a inauguração da Escola Normal, no início da década de 1870, mudaria a estruturação da profissão docente, haja vista sua função de formação técnica especializada e sistematizada para o professorado atuar na profissão2.

Para o entendimento da estruturação da profissão docente foram analisados os aspectos encontrados no jornal Dezenove de Dezembro (1854-1870) relacionados ao assunto. Esses aspectos foram distribuídos em subtemáticas a seguir apresentadas: as funções destinadas à profissão docente; as formas de recrutamento e afastamentos; os financiamentos da instrução pública; e os lugares de instrução pública onde professores exerciam a profissão.

Instruir e civilizar como funções atribuídas à profissão docente no século XIX

Instruir e civilizar eram as principais funções do professor no século XIX. O mesmo ocorria na província paranaense, onde o professor foi colocado como figura central para a promoção de um desenvolvimento e progresso social. “Instruir” e “educar” foram termos com significados diferentes no século XIX. De acordo com Barbosa (2012), instruir estava relacionado aos conhecimentos transmitidos na forma escolarizada, enquanto o educar estava ligado aos bons modos, comportamentos e civilidades.

Ao professor era atribuída a missão de instruir e civilizar as crianças, a futura geração. O jornal Dezenove de Dezembro propagandeava a necessidade de instruir a população como um sinônimo de progresso social.

A necessidade de espalhar por todas as classes a instrucção e moralidade, elementos indispensáveis da paz e da civilização, colocando o preceptor da mocidade na delicada e importante tarefa de formar a geração nova para a vida social e domestica; demanda de vm. o mais acurado zelo do desempenho das nobres e trabalhosas funcções que exerce (DEZENOVE DE DEZEMBRO, 28/10/1854, p. 3)3.

Quando se tratava de instrução pública, ela estava mais relacionada às crianças e mocidades menos favorecidas financeiramente ou órfãs, isso diante do entendimento de que os filhos das classes mais altas, quando desejavam estudar, eram enviados para outras províncias para estudar ou até mesmo para escolas estrangeiras; também havia os casos de contratação de preceptores estrangeiros que ensinavam nas fazendas. Assim, a instrução primária pública era também destinada para a parcela da população4 que não teria condições financeiras de pagar pelo ensino de seus filhos.

A tarefa de civilizar a população foi mencionada em diversos textos publicados no jornal, ela era colocada como uma difícil e delicada missão, mas que os professores poderiam conseguir com sucesso. “Parecia árdua a tarefa! Era heroísmo em virtudes cívicas tomar sobre os hombros o pezo homco de uma administração em tal conjuctura [...]” (DEZENOVE DE DEZEMBRO, 19/11/1856, p. 3). Na sequência desse texto, o jornal trouxe elogios aos professores e ao governo provincial por abraçarem a causa e se preocuparem com uma questão tão importante que levaria a sociedade paranaense para níveis mais elevados de civilização.

Juntamente com as ideias de organização social por meio da instrução pública foram mencionadas as condições da província e as possibilidades para que a mesma se tornasse um lugar de progresso. Quando é tratado do progresso social que a província do Paraná poderia obter por meio da instrução, eram feitas comparações com outras localidades consideradas no momento bem-sucedidas, como era o caso das províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e de países europeus.

A profissão docente se estruturava sendo colocada como um agente da civilização para promover a organização, a higiene e o progresso social. Diante das atribuições e responsabilidades da profissão docente surgiram os questionamentos sobre quem seriam esses professores modelares e de boa conduta para conduzir a instrução das crianças. Então buscava-se estabelecer quais seriam as exigências para exercer a profissão de professor.

Entre as condutas esperadas, o professor seria o agente da promoção da civilidade, da moralidade e dos saberes elementares. Ele deveria ser um exemplo de comportamento social. Em várias províncias no Brasil Imperial buscava-se profissionais praticantes de boas maneiras, o que se tornou um requisito básico para assumir concursos e cargos como docente.

O mestre è um homem, em quem a sociedade delega o mais nobre de seus atributos: compete a sociedade crear os seus filhos para futuros destinos, em que sirvão; e este ponderoso encargo da educação commette-se a homens especialmente dedicados a esse ministério. Bem sabemos que a moralidade dos tenros alumnos deriva principalmente das lições e exemplos da própria família [...] (DEZENOVE DE DEZEMBRO, 18/06/1856, p. 3).

O professor era responsável pelo futuro dos filhos da sociedade, por isso deveria ter conduta modelar e se dedicar ao ministério da instrução. Além do professor, os bons costumes do alunado também derivavam das lições praticadas na figuração familiar.

A boa conduta e a moralidade eram exigências básicas do período para assumir um cargo de professor, e por isso era preciso provar ser uma pessoa íntegra socialmente. A comprovação de moralidade era feita por meio de uma declaração expressa e assinada por uma autoridade local, como um pároco, delegado, prefeito, juiz, inspetor de distrito.

O conselheiro presidente da província, considerando a aprovação, que, em concurso á 2.ª cadeira de primeiras letras do sexo feminino desta cidade, mereceo D. Constança Felicidade Perpetua Borges, e a boa reputação de que gosa por seu comportamento, a nomeia professora da referida cadeira. Fação-se as comunicações. (DEZENOVE DE DEZEMBRO, 30/12/1854, p. 3).

A notícia registrou a nomeação de uma professora, D. Constança Felicidade Perpetua Borges, que foi aprovada no concurso para a 2ª cadeira de primeiras letras do sexo feminino. A sua boa reputação e comportamento foram fatores destacados para a contratação. Os atestados de boa conduta eram exigência unânime para as contratações.

Às professoras, as exigências eram ainda maiores:

As senhoras que pretenderem esta cadeira, deverão inscrever-se nesta secretaria dentro do tempo marcado para o concurso, e exhibir a prova de moralidade que consta de folha corrida e attestado do parocho, sub-inspector ou inspector do districto do domicilio, e bem assim prova do estado para as que forem casadas ou viúvas, e as solteiras consentimento paterno com a clausula de morarem em companhia de seus pais. Findo o praso do concurso será annunciado o dia dos exames (DEZENOVE DE DEZEMBRO, 30/09/1857, p. 4).

Para ser professora, visando uma “boa ordem” social, ainda havia outro requisito: além de provar a sua moralidade e apresentar um atestado de uma liderança local (pároco, inspetor de distrito), ela precisaria apresentar uma autorização comprovando moradia em companhia de homem. Esse documento seria assinado por um homem, que poderia ser o marido, quando casada, e o pai ou o irmão, quando solteira. A professora ficaria, dessa forma, submissa à permissão de um homem próximo a ela para poder exercer o magistério. Gondra & Schueler (2008) auxiliam-nos na compreensão de que esta restrição não acontecia somente na província do Paraná, mas em diferentes localidades do Império brasileiro. Outros critérios do recrutamento docente serão apresentados a seguir.

Recrutamento e afastamento dos professores

No decorrer dos primeiros anos da província paranaense ocorria a estruturação da profissão docente, isso por meio de leis e decretos que estabeleciam normatizações para o recrutamento de professores e para as suas garantias de direito. O governo era quem estabelecia as regulamentações e os padrões para a contratação de docentes. Nóvoa (1991) aborda que as licenças5 são uma forma de selecionar e delimitar as pessoas que poderiam atuar como professores no século XIX.

Antes do Paraná ser emancipado como província, já existiam professores em exercício profissional no território pertencente a São Paulo, e eles seguiam as legislações da província paulista. Conforme noticiado no jornal, os docentes, na 5ª Comarca Curitiba, seguiam a Lei nº 34, de 16 de março de 18466. Com o desmembramento da província de São Paulo surge a necessidade de regulamentações para estabelecer como seria a contratação de professores no Paraná. A primeira legislação que organizou a instrução pública na província paranaense foi a Lei nº 17, de 14 de setembro de 1854, estabelecendo apenas os requisitos para contratação de professores. Com a Lei nº 12, de 30 de abril de 1856, regulamentaram-se as exigências para a contratação de professores no Paraná.

Conforme noticiado no Dezenove de Dezembro, existiam diferentes formas de contratação de professores, tais como concursos, contratos e nomeações. Sendo que a relação contratual com o governo era diferente em cada um dos tipos de admissão, assim como as denominações desses profissionais, sendo professores adjuntos, substitutos, contratados e efetivos de uma cadeira de ensino.

Em relação à contratação/nomeação de um professor, nas divulgações feitas pelo jornal constavam o nome do contratado, a data da portaria de contratação, o órgão do governo provincial ao qual se destinava a nomeação, se havia sido aprovado nos exames, qual cadeira ocuparia e em qual cidade, vila ou distrito.

A’ mesma- Havendo, por portaria desta data, resolvido nomear a D. Anna Joaquina Alvez de Jesus, professora da cadeira de 1.ª letras do sexo feminino da villa de S. José dos Pinhaes, visto haver sido examinada e aprovada no exame a que se procedeu para provimento da dita cadeira: assim o faço constar a v.s. para sua inteligência e execução (DEZENOVE DE DEZEMBRO, 09/05/1855, p. 2).

Na notícia constam dados a respeito da contratação docente, mas o mesmo não ocorria em todas as notificações de contratações de professores publicadas no periódico. Em muitos casos havia somente o nome do(a) professor(a) contratado(a) e o local onde atuaria. Foram diferentes formas encontradas no jornal referentes à admissão de professores. Dentre as descrições já citadas também o motivo da contratação poderia ser explicitado, como é o caso de substitutos, sendo que suas nomeações vinham, muitas vezes, logo após uma demissão docente. Esses registros também revelaram os valores de salários e tipos de contratação (professores particulares poderiam receber por criança em instrução).

Com a leitura do Dezenove de Dezembro verificou-se que também cabia ao inspetor geral da instrução pública fazer a indicação e seleção de professores, e a nomeação ficaria a cargo do presidente da província. Alguns professores foram contratados apenas seguindo critérios estabelecidos, como o caso dos substitutos, já os professores, mesmo interinos, ligados a uma cadeira, deveriam prestar um concurso.

Os concursos são uma maneira de estudar a profissão docente envolvendo o recrutamento de professores (NÓVOA, 1991). No Paraná oitocentista, os concursos delimitavam a contratação, os direitos e os deveres dos professores. Os concursos aparecem no decorrer dos anos de publicação do Dezenove de Dezembro, isso se dava segundo a necessidade de abertura de novas cadeiras ou quando uma cadeira vagava, tendo um volume mais expressivo nos primeiros anos do período provincial.

Logo na segunda edição do jornal já houve um edital com abertura de concurso.

EDITAES

Por ordem de S. Ex. o Sr. Conselheiro presidente da província fica aberto o concurso para provimento da cadeira de primeiras letras do sexo feminino da cidade de Paranaguá, que se acha vaga. As pretendentes deverão apresentar, nesta secretaria, dentro de dous mezes, á contar desta data, afim de ser em tempo marcado o dia do exame. Secretaria do governo do Paraná 1º d`abril de 1854 (DEZENOVE DE DEZEMBRO, 08/04/1854, p. 4).

Nos editais de concurso, que comumente eram publicados na seção Editaes, disposta na última página do jornal, constavam a vaga oferecida, a localidade (cidade, vila, freguesia) da cadeira, o sexo do(a) candidato(a), o gênero da cadeira (masculina ou feminina), os documentos exigidos e o prazo de entrega. Os resultados dos concursos eram também publicados no jornal por meio de uma lista de nomes aprovados ou reprovados. O jornal nos proporcionou uma dimensão de como aconteciam os concursos públicos, as exigências para o cargo e a quantidade de concursos abertos nos primeiros 16 anos da província paranaense.

Os exames de aptidão era uma das exigências para o concurso público. Sobre os certames, o jornal publicava os resultados obtidos pelos concorrentes, o período de realização e quem eram os examinadores. Para os casos de candidatos moradores em cidades, vilas e freguesias fora da Capital Curitiba, eles recebiam uma licença7 para o deslocamento e realização do exame.

Ao inspetor geral da instrução publica- Pelo seu officio de 27 do passado fiquei sciente de ter vm. Marcado o dia 10 do corrente para o exame de habilitação da professora do Principe D Gertrudes Margarida de Magalhaes; outrossim approvo a proposta que faz do Dr. Bento Fernandes de Barros e professor João Baptista Brandão de Proença, para examinadores (DEZENOVE DE DEZEMBRO, 22/05/1858, p. 1).

Os exames de habilitação eram uma etapa para a efetivação do trabalho do professor. O rito não era necessário para os professores adjuntos já nomeados. Segundo Gouveia (2001, p. 46), os exames eram compostos por “[...] conhecimento de gramática, ortografia, das quatro operações, aritméticas, geometria, caligrafia e doutrina cristã”. França (2014), ao escrever sobre as exigências dos exames na província do Paraná, relata as exigências presentes no art. 73 do Regulamento de 08 de abril de 1857, envolvendo duas provas para os professores, sendo uma prova de aptidão de ensino e uma prova prática de ensino envolvendo vários conteúdos.

Ao serem aprovados nesses exames, alguns professores faziam a solicitação para assumir o cargo, e essa solicitação era publicada no jornal logo em seguida da publicação dos resultados dos exames. As notícias que passaram a ser comuns nos últimos anos da década de 1860 foram os anúncios de posse de cargo docente, contendo dados tais como nome do professor, local de atuação e, em alguns casos, o salário.

Os concursos e exames de aptidão eram restritos aos professores concorrentes a cargos efetivos, já a apresentação de provas de moralidade era uma exigência comum para todos aqueles que desejariam lecionar. Os processos de recrutamento de professores ocorreram de maneiras diferentes na província paranaense, eles ocorriam conforme a forma de contrato, de garantias de direitos e de nomeações.

Na província podem ser classificadas como conquistas docentes as garantias como licenças, aposentadorias e jubilações. Embora cada garantia tivesse as suas especificidades, elas podem ser denominadas como direitos que os professores poderiam usufruir quando atendessem aos requisitos exigidos.

As licenças eram frequentemente publicadas nas páginas do jornal. Com períodos que variam entre 15 dias e 3 meses, podiam ser prorrogadas caso houvesse necessidade. Elas representavam um direito que os professores poderiam solicitar para se ausentar do exercício de sua função por causas maiores, como nos motivos de saúde e de deslocamento para a Capital Curitiba, ou para outras províncias. Não foi possível estabelecer um padrão para as licenças, cada docente era liberado de acordo com suas necessidades.

Os professores poderiam se ausentar do cargo sem prejuízo de seus vencimentos. Além dos casos de licenças remuneradas, era permitido aos professores se afastarem por motivos particulares, mas neste caso não receberiam sua compensação financeira integral. Ou, ainda, deveriam pagar com meios próprios um professor substituto para o período de sua ausência; entretanto, não perdiam o cargo ocupado.

A solicitação de aposentadoria era um direito dos professores que cumprissem um tempo de serviço determinado. Era concedida àqueles com comprovados 25 anos de exercício no magistério, recebendo ordenados conforme pode ser observado no caso do professor João Baptista Brandão de Proença.

O presidente da província resolve conceder ao professor da 1ª cadeira de 1ª lettras da capital, João Baptista Brandão de Proença, a aposentadoria que pediu, visto ter completado o tempo de magistério determinado pela lei, percebendo o ordenado por inteiro, na razão de 800$rs. annuaes. Fizeram-se as necessárias communicações (DEZENOVE DE DEZEMBRO, 12/12/1860, p. 2).

A aposentadoria pode ser considerada um direito conquistado pela profissão docente no século XIX. No primeiro momento, com o art. 30 da Lei nº 12, de 30 de abril de 1856, a aposentadoria veio como uma forma de afastar os profissionais que já estavam em exercício da função, mas que não se enquadravam nas especificidades exigidas pelo governo provincial paranaense. Uma explicação para esse fato é que alguns professores atuantes no então emancipado território paranaense vinham na condição docentes desde os tempos da província paulista, antes de 1853, e continuaram exercendo suas funções até que a Lei de 1856 foi promulgada para atendê-los.

Posteriormente, a Lei nº 51, de 16 de fevereiro de 1859, foi aprovada e estabeleceu que os professores deveriam lecionar durante 25 anos para ter direito à aposentadoria no Paraná. A contagem do tempo de trabalho seguiria as regras específicas que eram analisadas pelo governo. Caso o professor necessitasse se afastar definitivamente do magistério antes da aposentadoria, ele teria direito à jubilação.

A jubilação, estabelecida na lei de 1859, foi uma forma para atender aqueles que precisassem interromper a atividade de trabalho docente antes mesmo do período de 25 anos exigidos para aposentadoria. Isto é, o docente poderia se afastar definitivamente da docência, como exemplo, por motivos de saúde que impedissem o exercício da profissão. Para ser contemplado com benefício, o professor deveria comprovar o exercício na função docente por, no mínimo, 12 anos e comprovar a necessidade de se afastar por motivos de moléstia. Uma vez o benefício concedido, o professor receberia uma parte de sua remuneração integral, pois a jubilação garantiria vencimentos salariais guardada a proporcionalidade ao tempo trabalhado, tendo como referência máxima os 25 anos requisitados para a aposentadoria.

As jubilações e as aposentadorias compuseram o quadro de despesas do governo provincial. Contudo, outras questões financeiras se fizeram presentes.

Financiamentos da instrução pública na província do Paraná

Compreender a estruturação da profissão docente requer também conhecer quais foram os financiamentos realizados pelo governo provincial. Segundo Lemos (2014), os financiamentos da instrução pública no século XIX estavam, em grande parte, relacionados ao pagamento de salários dos professores e de aluguéis, tornando escassos os investimentos nos quesitos pedagógicos. No jornal Dezenove de Dezembro (1854-1870) foi possível verificar os financiamentos destinados à instrução pública de duas maneiras: através dos pagamentos realizados aos professores e por meio dos relatórios de gastos anuais do governo provincial. Os dispêndios feitos ao magistério envolviam pagamentos de salários, de aluguéis e de reembolsos pela compra de materiais e utensílios para as atividades de ensino.

As remunerações salariais dos professores envolviam ordenados e gratificações. Porém, não foi possível identificar uma base salarial para todos os professores, sendo que o montante financeiro que um docente recebia dependia de diferentes fatores: localidade, número de alunos, tipo de contrato, e aluguel do estabelecimento de ensino.

Os pagamentos de salários eram realizados pela tesouraria provincial ou pela coletoria da cidade, vila ou freguesia onde o professor atuava. Para que o pagamento fosse realizado, o docente deveria comprovar exercício de sua função com regularidade. Os pagamentos nem sempre eram realizados em dia, haja vista a quantidade expressiva de professores solicitando, via imprensa, o pagamento de ordenados e gratificações atrasados. Há notícias do Dezenove de Dezembro indicando pagamentos com até cinco meses de atraso.

A remuneração salarial sofria variações, dependendo da localização onde o docente atuava - se era na capital ou em uma vila -, da quantidade de crianças atendidas, do tipo de contrato - se era concursado, substituto ou professor particular recebendo apenas uma gratificação para exercer o ofício. A remuneração salarial também sofria diferenças entre os professores de primeiras letras e os professores do Liceu - ensino secundário.

O quadro a seguir apresenta um comparativo de remunerações salariais de ofícios profissionais na província paranaense provenientes do governo provincial.

Quadro 1 Remuneração salarial dos cargos na província do Paraná (1866) 

Profissão/ Ofício Ordenado Gratificação Total
Inspetor da tesouraria 1:800U000 360U000 2:160U000
Engenheiro da província 1:800U000 - 1:800U000
Chefe da seção- Contador 1:000U000 600U000 1:600U000
Tesoureiro 1:000U000 440U000 1:440U000
Procurador fiscal 1:000U000 260U000 1:260U000
Inspetor geral da instrução pública 800U000 400U000 1:200U000
Professor de francês e inglês 1:000U000 200U000 1:200U000
Arquivista 900U000 180U000 1:080U000
1º escriturário 800U000 280U000 1:080U000
Professor de latim 800U000 200U000 1:000U000
Amanuense 700U000 200U000 900U000
Professor de cadeira definitiva 600U000 300U000 900U000
Oficial-maior (secretária) 600U000 120U000 720U000
Porteiro 500U000 100U000 600U000
Secretário - 600U000 600U000
Porteiro do liceu 600U000 - 600U000
Oficial (secretaria) 450U000 - 450U000
Secretário da instrução 350U000 100U000 450U000
Professor adjunto 400U000 - 400U000
Professoras contratadas 300U000 - 300U000

Fonte: Elaborada pelos autores considerando o relatório governamental de gastos anuais publicado no jornal Dezenove de Dezembro em 09 de maio de 1866.

Entre os professores existia uma variação de salário de 300U000 réis anuais à 1:200U000 réis anuais, sendo o menor de professora contratada e o maior salário de professor de francês/inglês. Os salários sofriam variações de acordo com o vínculo docente, tais como contratado, adjunto, definitivo ou de línguas estrangeiras. No comparativo com as outras profissões listadas, a remuneração da professora contratada foi a menor, a do professor concursado com cadeira definitiva estava na 10ª posição, e a do professor do Liceu estava como o sexto maior salário (somando ordenado e gratificação).

Os salários oferecidos aos professores não eram tão atrativos se comparados aos salários de outros ofícios. No conjunto, em termos de remuneração, a profissão docente pôde ser considerada desvalorizada na província do Paraná. Tal realidade também se fazia presente em Minas Gerais (DURÃES, 2007), em Santa Catarina, e no município da Corte (LEMOS, 2014).

Além dos salários não serem atrativos, eles eram um fator gerador de pedidos de demissões, protocoladas pelos professores e publicadas no Dezenove de Dezembro. Contudo, as dificuldades não se resumiam apenas aos ordenados, também havia a questão de compra de materiais e utensílios didáticos (manuais de gramática de língua nacional, aritmética prática, lições de moral, catecismos, tabuadas, dentre outros) e de pagamento de aluguéis de locais de ensino, bem como o fato de que poucos indivíduos se habilitavam e se dedicavam exclusivamente ao magistério.

Locais de ensino e de atuação dos professores

Estudar a profissão docente implica também identificar os lugares de atuação do professorado. O jornal Dezenove de Dezembro nos permitiu conhecer a existência de alguns locais de instrução pública.

Na época estudada, a província paranaense vivia um momento de estruturação do aparelho estatal, bem como da profissão docente. Ter uma escola ou um local específico para a instrução do povo portava valor social, educativo e civilizatório na sociedade oitocentista.

Applaudo porque entendo que a civilização é que hade crear a riqueza, e que a educação do povo é uma necessidade de palpitante que deve andar com os meios de provela na vanguarda de todas as outras (DEZENOVE DE DEZEMBRO, 07/04/1860, p. 2).

Nesta fala do presidente da província, Sr. Silveira da Mota, foi possível notar um esforço em mostrar a importância da instrução pública no progresso da educação do povo. A comunicação do presidente se situava em um contexto no qual havia frequentes questionamentos sobre os gastos públicos com a instrução.

No Dezenove de Dezembro foram identificados alguns estabelecimentos de ensino, entre eles o Colégio Para Meninas, o Liceu, o Colégio Subvencionado, as Casas Escolas, e a Escola Normal. Noticiados pelo jornal, havia também outros espaços educativos no sentido lato, como a Biblioteca Pública8 e o Arquivo público9, sendo estes locais culturais e de preservação da memória.

Embora no jornal fossem noticiados vários locais de ensino, a realidade para o exercício da profissão docente, em sua maioria, eram as casas escolas. Segundo Anjos & Souza (2015), no século XIX, a abertura de uma escola ou um local específico para o ensino significava cultura e progresso. Entretanto, a realidade encontrada nas escolas era bem diferente do que previam as legislações. Pensar em uma escola com condições adequadas, planejadas e com os materiais necessários não era uma realidade para os professores na província paranaense. A realidade majoritária eram as aulas nas casas escolas que funcionavam em uma residência, em um local alugado, ou mesmo em um cômodo da casa do professor.

Em 1853, com a criação da nova província, surge a necessidade da abertura de escolas simbolizadas pela denominação de cadeiras de ensino10. No jornal, era comum a divulgação da abertura de cadeiras de primeiras letras providas pelo governo provincial.

Varias cadeiras de primeiras letras para ambos os sexos se crearão em differentes povoações, não escapando deste beneficio, mesmo alguns bairros populosos, onde o governo pode subvencionar pessoas que ali exerçao as funções de mestres, mediante uma indemnisaçao proporcional (DEZENOVE DE DEZEMBRO, 16/09/1854, p. 3).

O governo provincial prometia a criação e abertura de cadeiras em todos os lugares onde fossem necessárias. Com a criação de cadeiras ocorreriam a abertura de concursos e de contratações de professores para atuarem na instrução primária e secundária11.

Com a realidade das cadeiras de ensino (casa escola), o professor era a figura central na promoção da instrução pública paranaense no século XIX. Ele era contratado pelo governo para lecionar tendo que providenciar um espaço, seja alugado ou um cômodo de sua própria casa. O professor também tinha de realizar as compras de materiais quando necessário e fazer a solicitação ao governo para ser ressarcido pelos gastos.

Comumente os professores alugavam espaços para lecionar e assim teriam de fazer o pagamento do aluguel destes locais. Ao comprovarem estar em atuação, o governo provincial deveria efetuar o estorno desse pagamento. Porém, em alguns casos, o governo não autorizava o pagamento integral do aluguel, justificando que o docente poderia residir no mesmo local.

Quanto á casa, em que se tem de estabelecer a escola, concordo em que seja o inspector da instrucção daquelle districtro autorisado a alugar uma, que sirva para o dito fim, e para a morada da professora, devendo ser paga pela fazenda a metade do respectivo aluguel. O que communico a vm. para o devido conhecimento, e em resposta sobre o dito officio (DEZENOVE DE DEZEMBRO, 31/01/1855, p. 3).

No caso acima, o inspetor estava autorizado a alugar uma casa para uma docente exercer o magistério. A professora receberia apenas metade do valor do aluguel porque o restante do valor deveria ser pago por ela mesma, uma vez que ela iria morar no local de ensino. Assim, as condições de trabalho da profissão docente, relacionadas ao seu local de atuação, eram incertas, adaptadas e precárias. Muitas vezes havia o entrelace da instrução pública e do universo privado/doméstico do professor.

As condições relatadas das casas escolas foram referentes à profissão docente na instrução pública. As escolas particulares, que foram pouco noticiadas no jornal, poderiam conter estruturas físicas e condições de trabalho diferentes. Os colégios particulares, como o Colégio de Educação Para Meninas12, aparecem noticiados com os regulamentos de abertura, de valores de taxas e de funcionamento. O mesmo acontece com o Liceu da Capital13, com notícias relacionadas às obras, abertura do local, horários de funcionamento e relatórios de frequência.

Por sua vez, a Escola Normal do Paraná foi inaugurada em 1870. Ela foi um marco, pois com um local específico para a formação de professores modificar-se-ia a estrutura e a caracterização da profissão docente. Com registro no Dezenove de Dezembro, os primeiros movimentos e idealizações da criação da escola de professores aconteceram em 1866, mas somente em 1870, com a Lei nº 288, de 19 de abril de 1870, houve a criação legal da primeira Escola Normal do Paraná, localizada na Capital-Curitiba.

O remédio único e efficaz é o da creação de uma escola normal, que na minha opinião é necessária para o desenvolvimento da instrução e na qual se habilitem as pessoas, que se destinarem ao magistério da instrução pública (DEZENOVE DE DEZEMBRO, 12/03/1870, p. 3).

A criação da Escola Normal do Paraná vinha como uma solução para melhor preparar tecnicamente os professores para atuarem na instrução pública e, por conseguinte, melhorarem o ensino. Considerando a formação especializada, os certames de contratação de professores passariam também a exigir a formação de normalista: “O provimento definitivo das escolas de instrucção primaria só poderá ser obtido, d’ora em diante, por normalistas” (DEZENOVE DE DEZEMBRO, 07/05/1870, p. 3). A Escola Normal, como um elemento chave da profissionalização docente, foi aqui considerada um marco de transformação do perfil docente e de sua profissão, assunto que demandaria outros estudos.

Considerações finais

Este artigo compreende a imprensa geral como uma fonte de pesquisa para a História da Educação no Paraná, especificamente estudando a profissão docente na província paranaense nos oitocentos. O jornal eleito foi o Dezenove de Dezembro, publicado entre 1854 e 1870. A periodização histórica justificou-se iniciando com a primeira publicação do jornal em 1854 e finalizando com a inauguração da primeira Escola Normal do Paraná, em 1870. As notícias do Dezenove de Dezembro possibilitam reconstituir o processo da estruturação da profissão docente.

As notas publicadas no Dezenove de Dezembro referentes à profissão docente no período de 1854-1870 revelaram-nos que dos professores se esperava a finalidade de instruir e civilizar a população para o progresso da boa sociedade. Para isso, os docentes deveriam atestar moralidade e bons comportamentos. E no caso das professoras, em uma sociedade patriarcal, elas deveriam apresentar um atestado de domicílio com um homem (marido, pai ou irmão) assinado por ele.

A profissão docente foi se estruturando no início da segunda metade do século XIX na província do Paraná por meio dos recrutamentos (exames, concursos, contratações, nomeações), garantias conquistadas (licenças, aposentadorias, jubilações) e diferentes remunerações salariais (ordenados e gratificações). Nos financiamentos governamentais destinados à instrução estavam os salários dos professores, inspetores e secretários da instrução pública, as verbas para comprar materiais de ensino e os recursos para pagamento de aluguéis de casas escolas. Quanto à remuneração salarial dos professores, notamos baixos salários comparados com os de outras profissões, e os valores sofreram variações dependendo do vínculo contratual do professor.

Também foram identificados os lugares de atuação profissional dos professores. Como principal referência têm-se as cadeiras de ensino ou casas escolas que, geralmente, eram espaços alugados pelos professores ou eram um cômodo da própria casa do mestre. Eram lugares improvisados onde os docentes lecionaram e pelos quais, ainda, enfrentaram atrasos nos reembolsos de pagamento de aluguéis. Havia também o Liceu da Capital, os colégios subvencionados e os colégios particulares. A Escola Normal, como local específico para formação de professores, foi inaugurada em 1870 alterando a estruturação da profissão docente, que passou a ser mais especializada em termos técnicos profissionais.

Assim, a estruturação da profissão docente, nos primeiros 16 anos após a emancipação política da província do Paraná, foi caracterizada por meio dos recrutamentos, afastamentos, salários, financiamentos e estabelecimentos de ensino. Certamente, diferentes elementos estruturantes ainda devem ser explorados por outras pesquisas.

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1O jornal teve como seu primeiro dono e editor Candido Martins Lopes, que foi convidado pelo primeiro presidente da província paranaense Zacarias de Goes e Vasconcellos para abrir uma tipografia em Curitiba. Com o convite o então presidente tinha como objetivo informar a população sobre os acontecimentos do governo. Embora não fosse uma imprensa oficial do governo e se nominasse como neutra, o jornal tinha grande parte de suas publicações sobre notícias do governo e ações administrativas.

2Sobre a Escola Normal do Paraná, ver Miguel (2008).

3Neste artigo, ao citar trechos do jornal Dezenove de Dezembro, foi preservado o padrão linguístico de época.

4Conforme as estatísticas apresentadas por Oliveira (1982), enquanto a população geral registrada no ano de 1854 era de entorno de 62.258 pessoas vivendo na província paranaense e saltou para 249.491 pessoas nos anos de 1889, a população escolarizada não acompanhou as mesmas proporções, pois, no período histórico, enquanto a população escolarizada flutuava entre 1,1% a 2,5%, a população que demandava por escolarização flutuava entre 7,8% a 18,8% da população geral. Havia um crescimento populacional, um aumento por demanda de escolarização que representava um descompasso.

5O autor utiliza o termo “licença” relacionado às autorizações ou permissões para lecionar. Já no jornal Dezenove de Dezembro o termo licença é utilizado para os períodos de afastamento que os professores poderiam solicitar para tratar de questões de saúde ou motivos pessoais.

6Os estudos de Munhoz (2012) relatam como era a instrução pública no processo de transição da 5ª Comarca para a Província do Paraná.

7Como os professores temporários poderiam prestar concursos na tentativa de efetivação do cargo, estes teriam o direito de ausentar-se do cargo para o deslocamento até a Capital, local de aplicação dos exames.

8A Biblioteca Pública, criada pela lei nº 27, de 07 de março de 1857, ficava localizada em uma sala do Liceu da Capital, atendia o público interessado na leitura de livros, periódicos, magazines e demais gêneros. Uma de suas finalidades era fomentar a cultura científica e literária. Para tanto, fazia uso das estratégias de empréstimo de exemplares circulantes, bem como era um ponto onde o leitor poderia presencialmente praticar a leitura.

9Em 1855 foi noticiado no jornal a criação do Arquivo Público, sendo um local para guardar, arquivar e preservar a memória da província paranaense, não sendo, inicialmente, um local de acesso ao público. O Arquivo emergiu com a preocupação de reunir os fatos mais notáveis da administração e outros para a construção da história do Paraná, os acontecimentos serviriam de base para que, no futuro, os cidadãos pudessem compreender e aprender com as experiências do passado.

10Em anotações do jornal Dezenove de Dezembro, as casas escolas eram denominadas na província paranaense como cadeiras de ensino.

11Poucas cadeiras de ensino secundário foram noticiadas no jornal Dezenove de Dezembro. O ensino secundário esteve presente no Liceu da Capital e em algumas cadeiras em locais mais populosos como o município de Paranaguá.

12 Com uma sede em Paranaguá e extensão em Curitiba, o Colégio dirigido pela Madame Taulois e suas filhas recebia subsídios anuais do governo provincial para ofertar uma educação específica para a formação de meninas, mas tinha mensalidades para suas alunas, funcionando no período integral para alunas pensionistas e atendendo alunas externas. O governo provincial via o Colégio como um estabelecimento para a formação integral envolvendo, além dos ensinamentos elementares, aulas de piano, costuras e bordados (DEZENOVE DE DEZEMBRO).

13O Liceu, localizado na Capital, Curitiba, foi inaugurado em julho de 1858, esteve em funcionamento até 1869. Sendo uma instituição de ensino secundário mantida pelo governo provincial, seus alunos pagavam uma taxa de matrícula, ficando isentos de mensalidades.

Recebido: 20 de Janeiro de 2022; Aceito: 09 de Fevereiro de 2022

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