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Revista Diálogo Educacional

Print version ISSN 1518-3483On-line version ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.22 no.74 Curitiba July/Sept 2022  Epub Nov 19, 2022

https://doi.org/10.7213/1981-416x.22.074.ds02 

Dossiês

Educação profissional contemporânea no Brasil e na Espanha: uma análise comparativa

Contemporary professional education in Brazil and Spain: a comparative analysis

La educación profesional contemporánea en Brasil y España: un análisis comparativo

LILIANA SOARES FERREIRAa 
http://orcid.org/0000-0002-1828-4633

ANA MARIA MONTERO PEDRERAb 
http://orcid.org/0000-0002-6516-575X

ANA SARA CASTAMANc 
http://orcid.org/0000-0002-5285-0694

aUniversidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil. Doutora em Educação, e-mail:

bUniversidad de Sevilla, Sevilla, Andaluzia, Espanha. Ph. D. (Teoría e Historia de la Educación y Pedagogía Social), e-mail:

cInstituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), Sertão, RS, Brasil. Doutora em Educação, e-mail:


Resumo

A questão que deu origem ao estudo ora sistematizado é se a Educação Profissional, vista a partir dos textos e contextos das políticas educacionais, se aproxima ou se distancia das relações intrínsecas entre trabalho e educação na dinâmica de como são ofertadas na Espanha e no Brasil. Objetivou-se compreender, por meio da proposta de Educação Profissional, como se configura uma relação entre trabalho e educação nesses dois contextos históricos, sociais e geográficos na sociedade capitalista, sem desconsiderar que existem relações que impactam a educação escolar. Como procedimentos, realizou-se pesquisa bibliográfica e documental em políticas públicas, análise dos dados e sistematização da análise, realizada pelas autoras, em processo dialógico, tendo por suposto os princípios da Educação Comparada como aporte teórico e metodológico. Constatou-se que a Educação Profissional tem sido uma das principais modalidades para aproximar os estudantes da realidade, acessar o mundo do trabalho e propiciar educação aos profissionais nesses países, apesar de não ser uma garantia de emprego.

Palavras-chave: Educação Profissional; Brasil; Espanha; Educação Comparada.

Abstract

The question that gave rise to the study now systematized is whether Professional Education, seen from the texts and contexts of educational policies, approaches or distances from the intrinsic relations between work and education in the dynamics of how they are offered in Spain and Brazil. The objective was to understand, through the Professional Education proposal, how a relationship between work and education is configured in these two historical, social and geographical contexts, without disregarding that there are relationships that impact school education in capitalist society. As procedures, bibliographic and documental research was carried out on public policies, data analysis and systematization of the analysis, carried out by the authors, in a dialogic process, having as a supposition the principles of Comparative Education as a theoretical and methodological contribution. It was found that Vocational Education has been one of the main modalities to bring students closer to reality, access the world of work and provide education to professionals in these countries, despite not being a guarantee of employment.

Keywords: Professional education; Brazil; Spain; Comparative Education

Resumen

La pregunta que dio origen al estudio ahora sistematizado es si la Educación Profesional, vista desde los textos y contextos de las políticas educativas, se acerca o se aleja de las relaciones intrínsecas entre trabajo y educación en las dinámicas de cómo se ofrecen en España y Brasil. El objetivo fue comprender, a través de la propuesta de Educación Profesional, cómo se configura una relación entre trabajo y educación en estos dos contextos históricos, sociales y geográficos, sin desconocer que existen relaciones que impactan la educación escolar en la sociedad capitalista. Como procedimientos se realizó una investigación bibliográfica y documental sobre políticas públicas, análisis de datos y sistematización del análisis, realizado por los autores, en un proceso dialógico, teniendo como supuesto los principios de la Educación Comparada como aporte teórico y metodológico. Se constató que la Formación Profesional ha sido una de las principales modalidades para acercar a los estudiantes a la realidad, acceder al mundo del trabajo y brindar formación a los profesionales en estos países, a pesar de no ser una garantía de empleo.

Palabras clave: Educación Profesional; Brasil; España; Educación Comparada

Introdução

Trabalhando em conjunto com colegas professores de outros países e interagindo com outras culturas educacionais acaba-se por, inevitavelmente, estabelecer aproximações entre os diversos processos sistêmicos e políticos que impactam a educação. Com base em movimentos analíticos assim elaborados, neste texto, sistematiza-se, no âmbito de convênio acadêmico bilateral entre a Universidade Federal de Santa Maria e a Universidade de Sevilha, as mediações decorrentes da Educação Comparada entre a Educação Profissional brasileira e espanhola. Para tanto, destaca-se que, em acordo com Franco (2000), escolheu-se trabalhar com mediações, pois incluem as relações do fenômeno em seu contexto, ou seja, em seu tempo e seu ambiente, se considerada a historicidade e os demais conceitos que caracterizam um estudo dialético1, quais sejam, nesse caso em específico, a totalidade e a práxis2.

Ao estudar a Educação Profissional, há que se considerar o fato de ela estar inserida na dinâmica das relações históricas e ontológicas entre trabalho e educação (SAVIANI, 2007). Históricas, pois resulta da ação humana no ambiente, transformando tanto este, em decorrência do ponto de vista ontológico, quanto os seres humanos (SAVIANI, 2007). Nesse âmbito, trabalho e educação se imbricam, sendo indissociáveis no processo pelo qual os seres humanos se autoproduzem humanos.

Levando em conta esses pressupostos, a questão que deu origem ao estudo sistematizado neste texto é se a Educação Profissional, vista a partir dos textos e contextos das políticas educacionais brasileiras e espanholas, se aproxima ou se distancia das relações intrínsecas entre trabalho e educação na dinâmica de como são ofertadas nos dois países. Dependendo dessa cercania ou distanciamento, pode-se vislumbrar seus objetivos e sua pertinência, se está inserida no rol da totalidade social, impregnada pelos valores, imperativos e características da sociedade capitalista no atual estágio, descrito por Mészàros (2005) como processo dinâmico de autoexpansão do capital, mesmo que, para tanto, tenha que destruir as condições de vida e, sobretudo, de emprego e trabalho.

Com essa intenção, tendo por suposta a noção de trabalho na contemporaneidade, apresentam-se particularidades da Educação Profissional no Brasil e na Espanha, de modo comparado, por meio da análise das políticas educacionais nesses países. Objetivou-se compreender, por meio da proposta de educação profissional, como se configura uma relação entre trabalho e educação nesses dois contextos históricos, sociais e geográficos, sem desconsiderar que existem relações que impactam a educação escolar na sociedade capitalista.

Feito este preâmbulo, o estudo está dividido em cinco partes: a) apresenta os aportes teórico-metodológicos; b) trata da Educação Profissional e da Formación Profesional, respectivamente, no Brasil e na Espanha; c) aborda as políticas educacionais da Educação Profissional no Brasil e na Espanha; d) examina índices sobre a formação profissional em ambos os países e; e) apresenta uma síntese da Educação Comparada.

Aportes teórico-metodológicos

Educação Comparada, como a denominação indica, objetiva a aproximação entre realidades diferenciadas por meio de um objeto comum. Ferreira e Montero-Pedrera (2021) argumentam sobre a Educação Comparada:

De certo modo, comparar, uma das características humanas de conhecer, é uma atitude constante na pesquisa. Ao comparar, os pesquisadores necessitam estabelecer critérios, analisar objetos e sistematizar o conhecimento produzido em decorrência da aproximação entre fenômenos diferentes (FERREIRA; MONTERO-PEDRERA, 2021, p. 125).

Em texto, descrevendo procedimentos de história comparada, Saviani (2001) esclarece quanto à etimologia da palavra comparação. Para o autor, a palavra, em si, já contém seu elemento contrário, a síncrese. E argumenta: “[...] o prefixo ovy unido a kpiƐvi para formar o verbo grego que está na raiz do português comparar conduz, literalmente, aos seguintes significados: distinguir ou discernir [...] co-escolher, co-decidir, co-julgar, cointerpretar, co-apreciar, co-avaliar” (SAVIANI, 2001, p. 06). Acrescenta que há implícito também o significado de reunir e, seu contrário, opor, pois na seleção dos elementos a serem comparados há o confronto e o cotejamento. Desse modo, o estudo da palavra grega ovykpioiç, equivalente à comparação, em Língua Portuguesa, indica a compreensão do ato de comparar como um modo de proceder no âmbito do pensamento, “[...] caracterizado por um potencial crítico, mas que, ao mesmo tempo, traz consigo o risco de juntar elementos não suscetíveis de serem reunidos efetuando aproximações indevidas” (SAVIANI, 2001, p. 07).

Considerando essa perspectiva etimológica da palavra comparar e inserindo-a na compreensão de Educação Comparada, organizou-se o presente estudo. Pretendeu-se não somente inventariar, mas analisar e sistematizar. Isto porque, por meio da Educação Comparada, objetiva-se encontrar sentidos3 explicativos dos processos educacionais, “[…] Apesar das diferentes globalizações, das ideologias transnacionais, das consequências de imposições de modelos civilizacionais, não vemos tudo acontecer da mesma forma e ao mesmo ritmo em todas as sociedades” (FERREIRA, 2008, p. 136). Portanto, com base na Educação Comparada, como aporte teórico-metodológico, trabalhou-se com vistas a “[...] comparar, mas ir além, também entender por que a educação se constituiu nas diferentes culturas, como se organiza para responder às demandas sociais” (FERREIRA; MONTERO-PEDRERA, 2021, p. 126).

Em termos do estudo dos fenômenos, a Educação Comparada possibilita “[...] o reconhecimento do outro e de si mesmo pelo outro. A comparação é um processo de perceber as diferenças e semelhanças e de assumir valores nessa relação de mútuo reconhecimento” (FRANCO 1992, p. 14). Ou seja, é um modo de conhecer, cujo pressuposto diz respeito a assumir quem se é para poder olhar para o outro e, com esse olhar, produzir conhecimento.

Em se tratando de um estudo cuja centralidade é a aproximação de aspectos relativos à educação e ao trabalho em contextos históricos, culturais, sociais e econômicos diferenciados, além de distanciados no território, cabe considerar:

[...] não perder a especificidade local do fenômeno e tratá-lo dentro das complexas relações sociais que o constituem enquanto preparação para o trabalho, em um mundo cultural e economicamente globalizado. O que significa compreendê-lo enquanto resposta estratégica aos problemas postos pela globalização econômica, pela reestruturação produtiva, pelos objetivos de qualidade e de competitividade, pelas transformações do mundo do trabalho e pelo desemprego estrutural (FRANCO, 2000, p. 222).

Nessa perspectiva, há, do mesmo modo, questões educacionais que são comuns a diferentes países, posto todos estarem incluídos na sociedade capitalista, o que permite estudar-se os fenômenos educacionais para além das fronteiras:

Assumimos que a comparação é um processo constante na atividade intelectual, tanto nos trabalhos acadêmicos como nos aprendizados da vida cotidiana. Através de analogias distinguimos uns seres dos outros, nomeamos de modo distinto cada um deles. A questão do outro e do reconhecimento da alteridade é a base do reconhecimento de si mesmo e da própria identidade. Essa concepção nos obriga a pensar em seres em relação, como partes de uma ou mais totalidades sociais, dependendo da questão em foco do mundo da natureza, da cultura e dos sujeitos sociais envolvidos (CIAVATTA, 2009, p. 146-147).

Nesse sentido, ao se propor comparar aspectos educacionais entre o Brasil e a Espanha está-se corroborando para ampliar a compreensão da Educação Profissional por meio da experiência nos diferentes espaços e tempos.

Para certos autores, comparações entre Brasil e Espanha são potencialmente frutíferas, na medida em que determinados aspectos, por exemplo, político-institucionais, que apresentam algumas características comuns, podem resultar em fecundas contribuições para a formulação de políticas públicas na área da educação (SOUZA; BATISTA, 2018, p. 727).

As mediações vislumbradas, possibilitadas pela análise e pelo cotejamento dos elementos presentes nas políticas educacionais e nas análises dos autores nos dois países indicam elementos que, se analisados, remetem a compreender a Educação Profissional como fenômeno próprio de cada país. Porém, vai além e revela-se como projeto que transcende os limites fronteiriços e impacta as formulações em outros territórios. Como hipótese de compreensão dessa expansão, no âmbito do estudo ora realizado, considera-se:

  1. a proximidade cultural e, em consequência, educacional entre os países hispano-americanos;

  2. as consequências do processo de colonização luso-hispânico, sobretudo na região fronteiriça do Sul do Brasil;

  3. a similaridade linguística;

  4. os diversos projetos e intercâmbios científicos entre as universidades brasileiras e espanholas;

  5. os elementos comuns nas políticas educacionais.

Destaca-se um dos aspectos anteriormente mencionados que possibilita a Educação Comparada entre Brasil e Espanha: a linguagem, cuja compreensão facilita a análise dos aspectos históricos que se mesclam, das interinfluências no âmbito da cultura e, por conseguinte, da educação.

Fazer analogias, comparar são processos inerentes à consciência e à vida humana. Da mesma forma, procurar conhecer as diferentes soluções que outros países e outros povos dão aos seus problemas, às suas instituições, como no caso da educação, sempre foi um meio de desenvolvimento e de enriquecimento. Mas, para fazer comparações, além da dificuldade de entender as diferentes línguas e seus complexos significados, há o problema do conhecimento e da interpretação de sua história e de sua cultura (FRANCO, 2000, p. 198).

Considerando esses pressupostos, este texto foi elaborado com mediação da Internet, tendo em vista a autoria ser composta de pesquisadoras no Rio Grande do Sul/Brasil e em Sevilha/Espanha, que mantêm acordo acadêmico bilateral já há uma década, produzindo juntos textos acadêmicos, reuniões de trabalhos presenciais e a distância e projetos de pesquisa. Sistematiza-se estudo sobre a Educação Profissional, compreendida como política educacional nos dois países e como modalidade educativa que trata especificamente da educação dos trabalhadores. Como procedimentos, realizou-se pesquisa bibliográfica e documental em políticas públicas, análise dos dados e sistematização da análise, realizada pelas autoras, em processo dialógico, tendo por suposto os princípios da Educação Comparada como aporte teórico e metodológico.

Educação Profissional e da Formación Profesional, respectivamente, no Brasil e na Espanha

A educação escolar, em todos os países, organiza-se com base em escolhas políticas, sociais, históricas e culturais, e, no modo capitalista, intenciona ofertar opções para que uma pessoa se eduque para acessar o mundo do trabalho por meio do emprego. De antemão, cabe destacar que se entende trabalho e emprego diferenciados e complementares. Trabalho é “[...] todo processo demasiadamente social, por meio do qual acontece a produção e a autoprodução humana” (FERREIRA, 2018, p. 599). Por sua vez, emprego, “[...] na sociedade capitalista, trata-se de uma relação contratual de venda da força do trabalho. Trabalho, profissão e emprego estão imbricados, mas não se confundem, dadas as especificidades” (FERREIRA, 2020[b], p. 21-22).

Todavia, a inserção no mundo do trabalho já não depende somente dos processos educativos, mas de certas características profissionais demandadas. Ou seja, é o que Gentili (2002) denomina de “quebra da promessa integradora”, pois a escola, na sociedade capitalista, com seu projeto de educação, não garante a inclusão no mundo do trabalho, após encerrados os estudos: “Os sistemas educacionais eram considerados pelos grupos dominantes e pelas massas que lutavam pela sua democratização como um poderoso dispositivo institucional de integração social num sentido amplo” (GENTILI, 2002, p. 48). Ao mesmo tempo, no mundo do trabalho contemporâneo - caracterizado por elevado grau de competitividade e incertezas, com regras de âmbito mundial em transformação, em meio a movimentos demográficos constantes, com rápidas mudanças tecnológicas -, em decorrência da exigência contínua de capacidades e destrezas para a adequação às empresas e ao surgimento de modalidades de emprego cada vez mais diversas (GENTILI, 2002), é exigida cotidiana atualização da Educação Profissional que garanta atributos mais atrativos, inovadores e dinâmicos.

Nessa conjuntura, entende-se por Educação Profissional no Brasil:

Entendemos que seja uma formação geral, ampla e integrada aos direitos de cidadania e aos elementos específicos da preparação para o trabalho, que lhes permita o exercício técnico de uma ocupação ou profissão, com a compreensão da realidade cotidiana da sobrevivência e a capacidade de enfrentamento crítico e transformador do mundo do trabalho, onde se incluem a produção e os produtores, a reestruturação produtiva, novas tecnologias e nova organização do trabalho, desemprego estrutural, subemprego e estratégias solidárias diante da precarização do trabalho. Não basta, pois, a formação profissional ou a qualificação ou a requalificação para manter um posto de trabalho, para encontrar outro emprego ou para inventar uma forma autônoma de trabalhar. Importa, também, para os trabalhadores, manter sua identidade e sua dignidade como seres humanos (FRANCO, 2000, p. 219-220).

No contexto espanhol, há a Formación Profesional (FP), que, do mesmo modo que a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) no Brasil, constitui-se em modalidade educativa, incluindo estudos próximos da realidade do mundo do trabalho, apresentando respostas às necessidades de pessoas qualificadas, especializadas para os diferentes setores profissionais e buscando responder às demandas de emprego (POYATOS CHACÓN, 2020).

No Brasil, a EPT insere-se como modalidade na Educação Básica. Integra a Educação Básica também os níveis da Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e demais modalidades (Educação de Jovens e Adultos, Educação Inclusiva) (BRASIL, 1996). Na Espanha há a Educação Primária e Secundária e o Bacharelado (no final da Educação Secundária, optativo), além da Formação Profissional de Grau Médio e, do mesmo modo, educação especial, a distância e de pessoas adultas (ESPANHA, 1990, 2006, 2013).

No caso espanhol, se considerados os altos índices de inserção no emprego dos egressos, é possível afirmar que a FP se transmutou em uma resposta à demanda real de emprego sempre em transformação. A Formación Profesional oferta “[...] mais de 150 ciclos formativos em 26 grupos profissionais, com conteúdos teóricos e práticos adequados aos diversos campos profissionais” (ESPANHA, 2022[a]). No Brasil, igualmente, após a criação da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT), com a Lei nº 11.892 (BRASIL, 2008) que inaugurou os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF), em todo o território nacional, gerou-se um sistema que oferta:

[...] educação básica, principalmente em cursos de ensino médio integrado à educação profissional técnica de nível médio; ensino técnico em geral; cursos superiores de tecnologia, licenciatura e bacharelado em áreas em que a ciência e a tecnologia são componentes determinantes, em particular as engenharias, bem como programas de pós-graduação lato e stricto sensu, sem deixar de assegurar a formação inicial e continuada do trabalhador e dos futuros trabalhadores (BRASIL, 2008, p. 27).

Assim configurada, pode-se salientar que, a partir de 2008, há de fato uma rede de educação profissional no Brasil. Em decorrência, se pode afirmar que a RFEPCT e os IFs contribuem para maiores condições de acesso à EPT por parte da população e, principalmente, dos trabalhadores “[...] por duas razões: a) o fato de serem instituições que priorizam a educação para o trabalho; b) o fato de se localizarem em locais mais acessíveis para quem está empregado” (FERREIRA, 2020[b], p. 213). Paralelamente, o governo elaborou vários programas de especialização lato e stricto sensu e educação de trabalhadores ofertados pelos IFs e outras instituições4. Uma análise geral desse projeto educativo, agora com 14 anos de existência, permite afirmar:

Apesar das restrições, contendas, cuidados em elogiar, não é possível deixar de reconhecer ser a Rede de Educação Profissional e Tecnológica e todo o aparato no entorno, incluindo programas, iniciativas governamentais e oferta de cursos, o ciclo melhor elaborado dessa historicidade. Pela primeira vez, na história da educação, tem-se acesso à educação pública para o trabalho e a profissão, ofertada gratuitamente e com a estrutura e recursos humanos com condições para tal (FERREIRA, 2020[b], p. 223).

Na Espanha, em 2012, considerado o contexto econômico, foi publicado o Projeto da Ley Orgánica para la Mejora de la Calidad Educativa (LOMCE).

A parte mais inovadora do LOMCE é a opção explícita pela dupla formação. Formação que oferece qualificação profissional harmonizando os processos de ensino e aprendizagem entre as instituições formadoras e os locais de trabalho. A este respeito, refira-se que em apenas um ano, a formação dual duplicou o número de alunos e empresas (BRUNET; BÖCKER, 2017, p. 100).

Tendo por base esta lei, esculpe-se a Formación Profesional, de modo a garantir integração entre os níveis da educação formal, por meio do reforço da

[...] conectividad entre los diferentes ciclos de FP, e incluso entre la vía académica y la vía profesional, pero no se modifican los requisitos de acceso. Es decir, no se propone que haya una conexión directa entre los ciclos de FP de Base y los ciclos formativos de grado medio, ni entre éstos y los ciclos formativos de grado superior5 (MERINO, 2013, p. 12).

E, como tal, organizada em conexão com os aspectos políticos, sociais e econômicos daquele país, a Formación Profesional constitui-se em um projeto educativo para os trabalhadores, ofertando: a) “Ciclos de Formación Profesional Básica”, que garantem, ao final, titulação de profissional básico correspondente e tem oferta obrigatória e gratuita; b) “Ciclos Formativos de Grau Médio”, cujos egressos obtêm título de Técnico. Esses Ciclos integram parte da educação secundária pós-obrigatória; c) “Ciclos Formativos de Grau Superior”, que permitem receber o título de Técnico Superior, portanto integra o Ensino Superior (ESPANHA, 2022[a]).

Essas ofertas, assim delineadas, são atinentes a perfis profissionais, objetivam “qualificação” ou ainda “preparação para o exercício profissional”. Como a própria designação indica, “Ciclo”, organizam-se em módulos com duração em acordo com as demandas sociais, de trabalho e circunstanciais. Por isso, também podem ser na modalidade a distância ou presencial. Ainda, no site do Ministério da Educação da Espanha consta: “Os títulos que se obtêm ao superar um Ciclo de Formação Profissional Básica, de Grau Médio ou de Grau Superior têm caráter oficial e a mesma validade acadêmica e profissional em todo o território nacional [...]” (ESPANHA, 2022[a]).

Há também regulamentações em âmbito da União Europeia, com destaque para o “EQAVET - Marco de Referencia Europeo de Garantía de la Calidad en la Formación Profesional”, que se trata de um instrumento de referência pelo qual os países da EU podem garantir “[...] a melhoria contínua de seus sistemas de formação profissional a partir de umas referências acordadas em comum” (ESPANHA, 2022[b]). Isto converte a formação profissional em uma opção atrativa, de qualidade e que se adapta às necessidades de cada sujeito para a melhoria de sua trajetória profissional (ESPANHA, 2022[b]).

Do mesmo modo que a certificação de competências no Brasil (BRASIL, 2021)6, no contexto espanhol há provas para obtenção de títulos como uma via alternativa sem a exigência de cursar um Ciclo Formativo de Grau Médio. As provas são agendadas, geralmente, uma vez ao ano, conforme editais apresentados pelas Comunidades Autônomas. A organização e gestão, assim como quaisquer títulos, podem ser obtidos dependendo de cada administração educativa. Destinam-se a pessoas que já têm uma formação em um determinado campo profissional, mas não dispõem de titulação. Para obtê-la, precisam estudar individualmente sem apoio, apresentando-se para uma única prova - teórica ou prática - em cada módulo profissional que compõe um ciclo formativo (ESPANHA, 2022[b]).

Mais recentemente, a partir de 2012, na Espanha, a exemplo da experiência alemã, foi instituída a Formación Profesional Dual (GARCÍA VIÑA, 2020). Trata-se de uma modalidade, dentro da Formación Profesional, estabelecida pelo Real Decreto 1529, de 08 de novembro de 2012, e que também possui respaldo na Lei Orgânica 8/2013 para a Melhoria da Qualidade Educativa (ESPANHA, 2022[b]), destinada a estudantes de “[...] enseñanza secundaria postobligatoria a través de las enseñanzas de formación profesional” (ESPANHA, 2012, Art. 28). Os projetos de Formación Profesional Dual têm essa denominação por associarem processos de aprender na empresa e no centro de formação, de modo que o estudante-trabalhador permaneça períodos em um e outro lugar em “regime de alternância” (ESPANHA, 2022[b]). A defesa desses projetos inclui, ainda, explicar que permitem inserir os futuros trabalhadores no mundo do trabalho, de modo que conheçam a realidade própria dos setores de produção (ESPANHA, 2022[b]).

El Real Decreto 1529 (ESPANHA, 2012), ao estabelecer as bases da Formación Profesional Dual, descreve, em seu artigo 28, as finalidades dos projetos de Formación Profesional Dual:

  1. o aumento da quantidade pessoas que possam obter titulação secundária pós-obrigatória, por meio da formação profissional;

  2. maior interesse dos estudantes visando a diminuir a evasão;

  3. inserção no mundo do trabalho por meio da aproximação com as empresas;

  4. corresponsabilização das empresas pela formação profissional;

  5. ampliação da interação entre professores e empresas, favorecendo a transferência de conhecimentos;

  6. obtenção de informações que permitam qualidade na formação profissional (ESPANHA, 2012).

Tendo em vista essas características dos sistemas educacionais no tocante à Educação Profissional, o Quadro 1 sintetiza aproximações e distanciamentos do modelo adotado pelos países alvo desta pesquisa. São apresentadas as características do sistema que organiza e subsidia a educação profissional nos dois países, com o intuito de sistematizar os dados pesquisados.

Quadro 1 Brasil e Espanha: aproximações e distanciamentos na Educação Profissional 

Dados de análise Brasil Espanha
Nomenclatura da Educação Profissional Educação Profissional e Tecnológica (EPT) Formación Profesional
Órgão Responsável Ministério da
Educação (MEC) -
Secretaria de
Educação Profissional
e Tecnológica
(SETEC)
Ministerio de Educación y Formación Profesional
Descrição e organização Trata-se de modalidade educativa, portanto vinculada à Educação Básica ou ao Ensino Superior, ofertada conforme as áreas profissionais e organizada por eixos tecnológicos. Compreende os processos de aprender a profissão tanto dentro da educação obrigatória quanto após, por meio de ciclos formativos.
Alguns Marcos Legais Constituição Federal de 1988;
Lei Federal nº 9.394/1996;
Lei Federal nº 11.741/2008;
Lei Federal nº 11.788/2008
Lei Federal nº 11.892/2008;
Lei Federal nº 12.513/2011;
Lei Federal nº 12.816/2013;
Lei Federal nº13.005/2014;
Decreto nº 5.154/2004;
Decreto nº 5.840/2006;
Decreto nº 6.302/2007;
Decreto nº 9.235/2017
Decreto nº 8.268/2014;
Resolução CNE/CP nº 3/2002;
Resolução CNE/CEB nº 1/2012;
Resolução CNE/CEB nº 7/2014;
Resolução CNE/CP nº 02/2017
Resolução CNE/CP Nº 1/2021;
Parecer CNE/CES nº 277/2006;
Parecer CNE/CP nº 15/2017;
Portaria nº 24, 19/2021.
Ley Orgánica N° 1, de 3 de octubre de 1990;
Ley Orgánica N° 2, de 3 de mayo de 2006;
Real Decreto 1529/2012;
Ley Orgánica N° 8, de diciembre, de 2013.
Oferta Rede pública e privada, presencial e a distância, de formação inicial e continuada ou qualificação profissional; de educação profissional técnica de nível médio; de educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação. Rede pública e privada, presencial e a distância, de formação inicial e continuada ou qualificação profissional; Ciclos de formação, Pós- obrigatória.

Fonte: As autoras, com base em pesquisa nas Políticas Públicas (2022).

Essas pontuações visam contextualizar o sistema de oferta da educação para trabalhadores nos dois países, ambas inseridas nas demandas previstas na sociedade capitalista, visando que os egressos possam adentrar ou se fixar ao/no mundo do trabalho.

Uma análise da Educação Profissional no Brasil e na Espanha, com base nas políticas educacionais

Nesta seção, objetiva-se, com base nos dados produzidos na pesquisa, apresentar aspectos que permitam aproximar/diferenciar as características da educação profissional no Brasil e na Espanha. Inicia-se por perguntar: diante dos contextos anteriormente apresentados, como a Educação Profissional possibilita a educação para o trabalho? Na tentativa de responder, apresenta-se um quadro, sintetizando contribuições que destacam aspectos da Educação Profissional, com base nas políticas educacionais brasileiras referentes à criação dos IFs e, em decorrência da RFEPCT, no Brasil. E, tendo por base Espanha (2022[c]), com relação àquele contexto:

Quadro 2 Educação Profissional e Políticas Educacionais 

BRASIL ESPANHA
“O fazer pedagógico desses institutos, ao trabalhar na superação da separação ciência/tecnologia e teoria/prática, na pesquisa como princípio educativo e científico, nas ações de extensão como forma de diálogo permanente com a sociedade, revela sua decisão de romper com um formato consagrado, por séculos, de lidar com o conhecimento de forma fragmentada” (BRASIL, 2010, p. 31, destaques das autoras); “Contenidos teóricos y prácticos” (ESPANHA, 2022[c]);
“[...] assegurar a formação inicial e continuada do trabalhador e dos futuros trabalhadores” (BRASIL, 2010, p. 27); “Inclusión y la cohesión social y el aprendizaje a lo largo de la vida” (ESPANHA, 2022[c]);
“[...] a preparação para o trabalho (sem deixar de firmar o seu sentido ontológico) e a discussão dos princípios e tecnologias a ele concernentes dão luz a elementos essenciais para a definição de um propósito específico para a estrutura curricular da educação profissional e tecnológica: uma formação profissional e tecnológica contextualizada, banhada de conhecimentos, princípios e valores que potencializam a ação humana na busca de caminhos mais dignos de vida” (BRASIL, 2010, p. 27); “Capacidades de autoaprendizaje y capacidad crítica” (ESPANHA, 2022[c]);
Aos IFs cabe “[...] a flexibilidade para instituir itinerários de formação que permitam um diálogo rico e diverso em seu interior e a integração dos diferentes níveis da educação básica e do ensino superior, da educação profissional e tecnológica, além de instalar possibilidades de educação continuada, aspecto decorrente da dinâmica da realidade produtiva” (BRASIL, 2010, p. 27); “Creatividad, la innovación y la iniciativa emprendedora” (ESPANHA, 2022[c]).
Os IFS devem se transformar em “[...] instrumentos sintonizados com as demandas sociais, econômicas e culturais, permeando-se das questões de diversidade cultural e de preservação ambiental, o que estará traduzindo um compromisso pautado na ética da responsabilidade e do cuidado” (BRASIL, 2010, p. 27); “Relaciones interpersonales y sociales, en la actividad profesional y personal, basadas en la resolución pacífica de los conflictos, el respeto a los demás y el rechazo a la violencia, a los prejuicios de cualquier tipo y la igualdad de oportunidades entre hombres y mujeres para acceder a una formación que permita todo tipo de opciones profesionales” (ESPANHA, 2022[c]).
Por meio do trabalho dos professores, a Educação Profissional visará à “[...] superação de dicotomias entre ciência/tecnologia, entre teoria/prática; a superação da visão compartimentada de saberes; e a apropriação com maior profundidade do conhecimento, hoje em ritmo cada vez mais acelerado de construção e desconstrução. É esse lidar com a tecnociência, em acelerada superação, que traz para dentro do processo de construção do conhecimento a necessidade de definitivamente instalar a pesquisa como princípio educativo, além do científico” (BRASIL, 2010, p. 29); “Desarrollo una identidad profesional motivadora de futuros aprendizajes y adaptaciones a la evolución de los procesos productivos y al cambio social” (ESPANHA, 2022[c]).

Fonte: As autoras, com base em documento MEC/SETEC (BRASIL, 2010) e em Espanha (2022[c]).

Nesse quadro foram pontuados elementos que operam como matrizes conceituais da EPT e da FP, brasileira e espanhola respectivamente, os quais, organizados em categorias, diriam respeito à práxis pedagógica (entendida como indissociação entre teoria e prática e visando à transformação), ao currículo, à inserção no mundo do trabalho dos egressos. Em suma, estão relacionados ao conjunto de fatores que, nos dois contextos, compõem e orientam os currículos nessas perspectivas de educação para o trabalho. Observem-se as similaridades nos princípios, ainda que localizados e voltados a formações sociais diferenciadas quanto à sua historicidade, cultura, economia e política.

Resultam desses dois projetos educativos para trabalhadores, a saber, o brasileiro e o espanhol, anteriormente citados, princípios muito similares que coordenam as propostas pedagógicas. No caso da Espanha, segundo Echeverría e Martínez (2021), propiciam: atualização contínua do currículo visando às necessidades reais do mundo do trabalho; integração das propostas curriculares permitindo que os sujeitos possam acessar outras modalidades de estudos integradas às já realizadas; horários, metodologias e itinerários formativos que possibilitem integração entre a vida familiar e a vida no trabalho; certificação de conhecimentos profissionais; interface entre os cursos e as empresas, possibilitando não somente os estágios, mas o acesso a empregos após concluir os estudos. Observem-se que todos esses aspectos também caracterizam o projeto de EPT brasileiro.

A Educação Profissional: alguns índices numéricos que a caracterizam nos contextos brasileiro e espanhol

Com relação às matrículas na Educação Profissional e Tecnológica no Brasil, e conforme dados do censo de 2020, identifica-se um crescimento expressivo nos últimos anos, atingindo 1,9 milhão. Esse dado reflete 65,5 mil matrículas, ou seja, 10,5% de incremento na Educação Profissional integrada ao Ensino Médio, conforme se observa na Imagem 1.

Fonte: Brasil (2021, p. 32).

Imagem 1 Matrículas na Educação Profissional Brasileira - 2016-2020 

Constata-se que a maior parte das matrículas na Educação Profissional concentra-se na dependência administrativa da rede estadual (41,7%), seguida das redes privadas (38%) e federais (18,6%). Outrossim, a Rede Federal destaca-se com a maior quantidade de matrículas em escolas da zona rural (14%) (BRASIL, 2021). Outro dado relevante remete à idade dos estudantes que compõem a educação profissional, ou seja, é predominantemente composta de estudantes com menos de 30 anos (78,4%) e, em sua maioria, por mulheres (BRASIL, 2021).

Com relação à Espanha, a quantidade de estudantes matriculados na Formação Profissional aumentou 50% do ano letivo de 2007-2008 (451.541) ao de 2015-2016 (791.087). Neste mesmo período, a Formação Profissional a distância passou de 10.951 para 57.931 estudantes matriculados em 101 cursos pela Plataforma E-Learning. Justifica-se este aumento nas matrículas devido à intensa procura dos estudantes por qualificação e das empresas por colaboradores qualificados (ESPANHA, 2022[a]). Outros dados indicam que no ano letivo de 2017-2018 havia 810.621 estudantes matriculados em FP, 17 mil a mais do que no período anterior (BARGUEÑO, 2019).

Fonte: Espanha (2022[c]).

Imagem 2 Evolução das matrículas de alunos de FP entre os anos de 2011/2012 e 2017/2018 <img/> 

A imagem 2 indica um aumento exponencial das matrículas entre 2011 e 2018. Com relação à FP Dual, Bargueño (2019) reforça sobre sua relevância:

A FP Dupla nasceu em 2013 como uma estratégia para combater o desemprego juvenil. Sua evolução não deixa dúvidas: de acordo com o estudo ‘Implantación y evolución de la formación professional dual española’ (2017), se no ano letivo de 2012-2013 o número de alunos associados à FP Dupla era de 4.292 e as empresas afiliadas, 400, no ano de 2016-2017, os números de alunos chegou a 24.000 e de empresas a 10.000. O número de alunos multiplicou-se por seis e o número de empresas por 25. Esses números apenas reforçam a ideia da FP como uma modalidade viva que cresce e se reinventa (BARGUEÑO, 2019, grifos do autor).

Na Espanha, assim como no Brasil, há estágios, objetivando aproximar os estudantes da realidade. Esses estágios supervisionados são realizados em empresas, como uma espécie de processo educativo dentro do mundo do trabalho. Parte-se do suposto que os conhecimentos produzidos em aula se complementam, de modo que, na vivência do estágio, há possibilidade de incorporar elementos da vida prática que poderiam nem ter sido abordados em aula ou mesmo o tenham sido sob o viés acadêmico.

Os índices apresentados nesta seção contribuem para caracterizar os contextos brasileiros e espanhóis nos quais acontecem a Educação Profissional. Obviamente, distanciados, esses contextos mantêm proximidades entre si, demarcadas pela necessidade atender às demandas de trabalhadores educados para a sociedade capitalista.

Considerações finais

O presente estudo ensejou compreender, por meio da proposta de Educação Profissional, como se configura uma relação entre trabalho e educação nos contextos históricos, sociais e geográficos dos países Espanha e Brasil. Elegeu-se estes territórios pela proximidade linguística, cultural e educacional, oriunda, especialmente, do processo de colonização luso-hispânica na região fronteiriça do Sul do Brasil. Outrossim, se conhece inúmeros projetos e intercâmbios científicos entre as instituições de ensino superior brasileiras e espanholas no intuito de solidificar e, a partir dos elementos comuns, construir políticas educacionais que contribuam para os países.

Constata-se que a Educação Profissional tem sido uma das principais modalidades para aproximar os estudantes da realidade, acessar o mundo do trabalho e qualificar os profissionais nestes países, apesar de não ser uma garantia de emprego. Ainda, a oferta da Educação Profissional, em diferentes níveis e cursos, seja presencial ou a distância, visam, especialmente, à melhoria na trajetória profissional dos participantes, apesar de, no Brasil, existir a RFEPCT, que tem um foco na formação integral.

Outras aproximações nas matrizes conceituais também são evidenciadas nas políticas educacionais que, localizadas e voltadas a formações sociais diferenciadas no que concerne à historicidade, cultura, economia e política e/ou apresentadas em termos diferentes, possuem um mesmo sentido: potencializar, por meio da formação inicial e continuada e da indissociação teórico-prática, a ação humana em busca de criticidade, autonomia e emancipação, enfim, a transformação.

Observa-se ainda que, em ambos os países, a quantidade de matrículas na Educação Profissional teve um crescimento exponencial, o que revela a crença de que este projeto educacional pode contribuir para a mobilidade social. E, no limite, há demanda por educação para o trabalho, o que indica a necessidade de maiores investimentos nesta modalidade educativa.

1“A dialética é tematizada na tradição marxista mais comumente enquanto [a] um método e, mais habitualmente, um método científico, a dialética epistemológica, [b] um conjunto de leis ou princípios que governam uma ou a totalidade da realidade: a dialética ontológica, e [c] o movimento da história: dialética relacional” (BOTTOMORE, 1997, p. 101, grifos do autor).

2Totalidade tem a ver com a análise dos fenômenos em estudo na relação com o “desenvolvimento das classes sociais, da história, da economia política” (LÖWY, 1988, p. 16). Por sua vez, práxis diz respeito à a) “atividade material humana”; b) “transformadora do mundo e do próprio homem”; c) “real, objetiva é, ao mesmo tempo, ideal, subjetiva e consciente” (SÀNCHEZ VÀZQUEZ, 2007, p. 394).

3“Sentidos e significados são diferenciados. Ambos são construções sociais, mas estes, porque passaram por socialização intencional, são estáveis, enquanto aqueles são provisórios” (FERREIRA, 2020[a], nota de rodapé 10). Ou seja, “Os sentidos são elaborações alteráveis e o significado se configura em um sentido com mais estabilidade e precisão” (FERREIRA, 2020[a], p. 12).

4Uma síntese desses programas pode ser encontrada em Ferreira (2020[b]).

5Conectividade entre os diferentes ciclos de FP, e mesmo entre o percurso acadêmico e o percurso profissional, mas os requisitos de acesso não são modificados. Ou seja, não se propõe uma ligação direta entre os ciclos de formação profissional básica e os ciclos de formação de nível intermédio, nem destes com os ciclos de formação de nível superior (Tradução nossa).

6Está-se referindo a, por exemplo, Sistema Nacional de Reconhecimento e Certificação de Saberes e Competências Profissionais - Re-Saber, Portaria MEC 24/2021. No artigo 1º, explicita que o objetivo do Re-Saber é Regulamentar o processo educacional formal de avaliação, reconhecimento e certificação de saberes que desenvolvem competências profissionais. No artigo 3º, explica que saberes e competências são: “Entende-se por saberes e competências profissionais a mobilização, a articulação e a integração de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores, para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho, incluindo instrumentos gerenciais, normas e legislação aplicáveis relativas a cada ocupação ou profissão” (BRASIL, 2021).

Referências

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Recebido: 04 de Março de 2022; Aceito: 30 de Julho de 2022

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