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Revista Diálogo Educacional

versión impresa ISSN 1518-3483versión On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.22 no.74 Curitiba jul./set 2022  Epub 19-Nov-2022

https://doi.org/10.7213/1981-416x.22.074.ds07 

Dossiês

Os Institutos Federais como formato singular de universidade: desafios e possibilidades nos cursos de licenciaturas

The Federal Institutes as a unique university format: challenges and possibilities in undergraduate courses

Los institutos federales como formato universitario único: desafíos y posibilidades en los cursos de pregrado

FABíULA TATIANE PIRESa 
http://orcid.org/0000-0002-9649-3596

SUZANA DOS SANTOS GOMESb 
http://orcid.org/0000-0002-8660-1741

aUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil. Doutoranda em Educação, e-mail:

bUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil. Doutora em Educação, e-mail:


Resumo

Este artigo é parte de uma pesquisa de doutorado cujo objeto é analisar a Educação Superior ofertada nos Institutos Federais (IFs), então concebidos como um formato singular às universidades tradicionais de pesquisa. Em especial, é focalizada a oferta de cursos de licenciatura e de programas especiais de formação pedagógica, para os quais, legalmente, existe a obrigatoriedade de reserva de 20% das vagas nessas instituições. Neste trabalho, situou-se a inclusão da Educação Superior no contexto da Educação Profissional e Tecnológica, identificaram-se os desafios na implantação das licenciaturas nos IFs, estabeleceram-se pontos de aproximação e/ou distanciamento desses cursos com aqueles ofertados pelas universidades federais e ressaltou-se a relevância dos IFs e de seus cursos para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, em especial, em regiões afastadas dos grandes centros urbanos. No que se refere aos aspectos metodológicos, os dados apresentados originam-se de pesquisas, cujas análises foram realizadas por meio de interpretações que permitiram o alcance dos objetivos traçados. Os resultados indicaram desafios na manutenção e na melhoria da infraestrutura das instituições, de financiamento e de ampliação no número de docentes para atender às demandas da verticalização do ensino, das atividades de pesquisa e da extensão. No entanto, os resultados também indicam as potencialidades dos IFs na oferta de cursos de licenciaturas desde que asseguradas as condições necessárias para a qualidade na oferta dos cursos.

Palavras-chave: Institutos Federais; Licenciaturas; Educação Profissional e Tecnológica.

Abstract

This article is part of a doctoral research, whose object focuses on the Higher Education offered in the Federal Institutes (IFs), then conceived as an unique university format to traditional research universities. In particular, the teaching diploma programs provision and the especial programs of pedagogical training, for which there’s legal obligation to reserve 20% of vacancies in the IFs (as affirmative actions). In this work, inclusion of Higher Education in the context of Professional and Technological Education was situated, challenges of implementation of teaching diploma programs in the IFs were identified, approximations and/or detachments of those programs to the ones provided by the federal universities were established and the relevance of the IFs and its programs to the improvement of general life quality, particularly in regions apart from large urban centers, were highlighted. Regarding methodological aspects, the data presented originate from documental and bibliographic research, whose analyzes were interpretated allowing the accomplishment of outlined objectives. The results indicated challenges in the maintaining and improving of the institution’s infrastructure, funding and enlargement of the numbers of teachers to meet the demands of verticalization of teaching, research and extension activities. However, the results also indicate potentialities of the IFs in providing teaching diploma degrees if assured the necessary conditions to the good working of the programs and the pedagogical work.

Keywords: Federal Institutes; Teaching Diploma Degrees; Professional and Technological Education

Resumen

Este artículo es parte de una investigación doctoral, cuyo objeto se centra en la Educación Superior ofrecida en los IFs, concebidas como formato universitario único a las tradicionales universidades de investigación. En particular, el foco está en ofrecer cursos de pregrado y programas especiales de formación pedagógica, para lo cual, existe la obligación de reservar el 20% de las vacantes. En este trabajo se ubicó la inclusión de la Educación Superior en el contexto de la Educación Profesional y Tecnológica, se identificaron los desafíos en la implementación de las carreras en los IFs, se identificaron puntos de aproximación y/o distanciamiento entre estas carreras y las que ofrecen las universidades federales, y se destacó la relevancia de los IFs y sus cursos para mejorar la calidad de vida de las personas, especialmente en regiones alejadas de los grandes centros urbanos. En cuanto a los aspectos metodológicos, los datos presentados provienen de investigaciones, cuyos análisis se realizaron a través de interpretaciones que permitieron el logro de los objetivos trazados. Los resultados indicaron desafíos en el mantenimiento y mejoramiento de la infraestructura de las instituciones, financiamiento y ampliación del número de profesores para atender las demandas de las actividades verticales de docencia, investigación y extensión. Sin embargo, los resultados también indican el potencial de los IFs en la oferta de cursos de pregrado siempre que se aseguren las condiciones necesarias para el buen funcionamiento de los cursos.

Palabras clave: Institutos Federales; Grados; Educación Profesional y Tecnológica

Introdução

Os Institutos Federais de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (IFs) foram criados a partir do agrupamento e da transformação de instituições tradicionais na oferta de Educação Profissional (EP), entre elas, os Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets), as Escolas Técnicas e Agrotécnicas Federais e as Escolas Técnicas vinculadas às Universidades Federais, tal como exposto na Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008 (BRASIL, 2008). Para atender à sua missão, os IFs precisam “atuar no ensino, na pesquisa e na extensão, compreendendo as especificidades destas dimensões e as inter-relações que caracterizam sua indissociabilidade.” (SILVA, 2009, p. 8). A ampliação e a complexidade do campo de atuação dos IFs, especialmente no que se refere ao ensino verticalizado, com a oferta de cursos tanto de Educação Básica quanto de Educação Superior, bem como a proposta de interiorização dessas instituições em diálogo com os arranjos produtivos locais, demonstram que

a proposta dos institutos federais entende a educação como instrumento de transformação e de enriquecimento do conhecimento, capaz de modificar a vida social e atribuir maior sentido e alcance ao conjunto da experiência humana. É nesse sentido que deve ser pensada segundo as exigências do mundo atual, concorrendo para alterar positivamente a realidade brasileira (SILVA, 2009).

É neste contexto de criação de uma nova institucionalidade complexa e diversa que se propõem as reflexões deste artigo, parte de uma pesquisa de doutorado que tem como foco a Educação Superior ofertada nos IFs, então concebidos como um formato singular às universidades tradicionais de pesquisa. Intentou-se identificar os desafios e as possibilidades encontrados por essas instituições na oferta de Educação Superior, particularmente de cursos de licenciatura e de Programas Especiais de Formação Pedagógica, para os quais há a obrigatoriedade de 20% das vagas dos IFs.

Estudos como os de Nascimento e Veloso (2016) e Fernandes (2017) embora reconheçam, na criação dos IFs, a opção política por um formato singular à universidade de pesquisa, revelam como, no contexto de prática da política de expansão e diversificação da Educação Superior, os IFs tendem a se aproximar cada vez mais das universidades tradicionais em detrimento de uma nova organização. Para Nascimento e Veloso (2016), os cursos superiores de tecnologia ofertados pelos IFs são o grande diferencial dessas instituições no que se refere à formação superior em consonância com os interesses do mercado. No entanto, os autores indicam que houve uma redução na oferta desses cursos se comparados ao crescimento da oferta de cursos de bacharelado e de licenciatura, um indicativo de aproximação ao contexto universitário tradicional. Na mesma direção, Fernandes (2017) indica que os IFs, propostos nos textos das políticas como um formato singular de oferta de Educação Superior, apresentam-se como uma resposta às universidades federais que não corresponderam às exigências do governo por diversificação de cursos, no entanto, a implantação dos cursos nos IFs segue o formato universitário, limitando a diversificação esperada.

Reconhece-se, portanto, que houve uma clara intenção do governo em diversificar a oferta de Educação Superior para além do formato universitário tradicional por meio de instituições e cursos com maior vinculação ao mercado, no entanto, na prática, segundo os estudos aqui destacados, o que se materializou foi uma diversidade de instituições ofertantes de Educação Superior que propuseram seus cursos à luz do formato universitário tradicional. É com esse entendimento que, neste trabalho, procurou-se responder às questões: (I) Como a Educação Superior se inseriu em instituições com tradição na oferta de Educação Profissional (EP)? (II) Como se deu a implantação de cursos de licenciatura nessa nova institucionalidade? (III) Que pontos de aproximação e/ou de distanciamento das licenciaturas nos IFs foram verificados em relação aos cursos universitários de mesma natureza? (IV) Quais são os desafios e as possibilidades para a oferta de cursos de licenciatura nos IFs? Essas discussões se fazem relevantes, porque,

a entrada dos Institutos Federais nesse campo ocorre sem o capital científico, sem autoridade e sem a certificação de seus produtos, por isso a disputa deve ocorrer desde sua constituição até sua colocação numa posição hierárquica creditadora dentro do campo (NASCIMENTO; VELOSO, 2016).

Ainda, mesmo com pouca experiência no campo da Educação Superior, os IFs são posicionados, quanto à obrigatoriedade de oferta de cursos de licenciatura, de forma estratégica, a fim de suprir a lacuna de formação docente para a educação básica, em especial para os anos finais do ensino fundamental e ensino médio, tal como identificado por Gatti e Barreto (2009), nas áreas de Ciências da Natureza, Matemática e da formação docente para Educação Profissional e Tecnológica.

Quanto aos aspectos metodológicos, utilizou-se de pesquisa documental e bibliográfica sobre a temática. No que se refere à pesquisa documental foram tomadas fontes escritas e públicas, basicamente legislações diversas, que possibilitaram situar, no contexto da EP, a inserção da Educação Superior e a obrigatoriedade de oferta de cursos de licenciatura e de Programa Especial de Formação Pedagógica, nos IFs. Por sua vez, a pesquisa bibliográfica permitiu o acesso a diferentes autores que, na última década, inclinaram-se a pesquisar a criação dos IFs e os cursos de licenciaturas ofertados nessas instituições. A partir das contribuições dos diferentes autores, procurou-se estabelecer um diálogo a fim de responder às indagações iniciais.

No que se refere à organização do texto, a primeira seção situa a inserção da Educação Superior no contexto da EP no Brasil, apresentando os elementos que justificaram a inclusão da Educação Superior nesse contexto, como também procurou-se destacar a determinação legal, atual, da obrigatoriedade de reserva de vagas, nos IFs, para a oferta de cursos de licenciatura e oferta do Programa Especial de Formação Pedagógica para a Educação Profissional e Tecnológica. A segunda seção apresenta o contexto de influências que impulsionaram e fortaleceram o campo político para que os IFs fossem concebidos como um formato singular às universidades tradicionais, bem como os desafios encontrados nesse processo. A terceira seção volta-se para a oferta dos cursos de licenciatura nos IFs, tecendo aproximações e distanciamentos em relação aos cursos universitários; destacam-se também os desafios e possibilidades dessa oferta. Por fim, são tecidas algumas considerações finais que estimulam novos diálogos, em especial no que se refere aos impactos da equiparação dos IFs às universidades federais no que diz respeito à regulação, avaliação e supervisão.

A inserção da Educação Superior no contexto da Educação Profissional no Brasil

A Educação Profissional e Tecnológica (EPT) pública no Brasil está atualmente organizada na estrutura da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Rede Federal), tal como se estabelece na Lei nº 11.892/2008 (Brasil, 2008). A Rede Federal é composta das seguintes instituições: os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs); a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR); os Centros Federais de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca - (Cefet RJ) e de Minas Gerais - (Cefet-MG); as Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades Federais; e o Colégio Pedro II.

Apesar de a organização em rede ter sido uma opção política recente, a história da EP pública institucionalizada no país remonta ao início do século XX, mais precisamente em 1909, quando, em cada capital dos estados brasileiros, criou-se uma Escola de Aprendizes e Artífices (BRASIL, 1909) vinculada ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, com o manifesto objetivo de preparar os filhos dos desfavorecidos da fortuna para que adquirissem hábitos de trabalho profícuo.

Desde então, as instituições ofertantes de EP no país passaram por sucessivas mudanças identitárias que alteraram não só o nome, mas, de maneira mais profunda, o seu fazer. Em 1937, as Escolas de Aprendizes e Artífices deram lugar aos Liceus Profissionais que, ligados ao Ministério da Educação e Saúde, ofertavam ensino profissional em todas as áreas e graus. Em 1942, quando a EP passou a ser considerada de nível médio, os Liceus deram lugar às Escolas Técnicas e às Escolas Industriais, vinculando-se ao Ministério da Educação. Em 1959, essas escolas ganharam status de autarquia, gozando de autonomia didática, financeira e administrativa, passando à condição de Escolas Técnicas Federais, quando ofertantes de ensinos industriais ou comerciais, e Escolas Agrotécnicas Federais, quando ofertantes de ensino agrícola. No entanto, foi somente em 1967 que as instituições de ensino vinculadas ao Ministério da Agricultura foram transferidas para o Ministério da Educação e Cultura, passando a funcionar como Escolas Agrícolas.

Particularmente no que se refere à oferta de Educação Superior em instituições tradicionais na oferta de EP, lócus em que se insere a discussão deste artigo, a autorização de cursos desse nível de ensino ocorreu pela primeira vez em 1969. Naquela ocasião, as Escolas Técnicas Federais, mantidas pelo Ministério da Educação, foram autorizadas, pelo Decreto nº 547/1960 (BRASIL, 1969), a organizar e manter cursos de curta duração, conhecidos como Engenharia Operacional, atendendo às necessidades e características do mercado de trabalho regional e local, uma formação básica de nível superior que se diferenciava dos cursos de engenharia universitários, em um primeiro momento, pelo caráter aligeirado da formação.

Em 1978, houve uma nova mudança, o então presidente Ernesto Geisel, por meio da Lei nº 6.545/1978 (BRASIL, 1978), transformou as Escolas Técnicas Federais do Paraná, de Minas Gerais e do Rio de Janeiro em Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets). Aos Cefets, no que se refere à Educação Superior, competiam a oferta de: cursos de graduação e pós-graduação com vistas à formação de engenheiros industriais e tecnólogos e cursos de licenciatura (plena e curta) com vistas à formação de professores e especialistas para as disciplinas do ensino de 2º grau e dos cursos de formação de tecnólogo. Além da oferta desses cursos em nível superior, os Cefets deveriam desenvolver pesquisa aplicada na área tecnológica, sem, contudo, declinarem da responsabilidade de ministrar cursos técnicos em nível de 2º grau e cursos de educação continuada.

A criação dos Cefets representou um marco regulatório importante para a expansão da Educação Superior pública no país, um modelo distinto, em especial porque se encontrava mais fortemente marcado pelo viés tecnológico, mas que guardava semelhanças, em relação aos cursos universitários. Importa destacar ainda que foi nos Cefets que as licenciaturas encontraram, pela primeira vez, um novo lócus de oferta pública.

Em 1997, ampliou-se a estrutura de oferta de Educação Superior, no contexto da EP, por meio da Portaria nº 2.267/1997 (BRASIL, 1997), que estabeleceu as diretrizes que possibilitaram a transformação das Escolas Técnicas Federais em Cefets. Naquele momento, constituíam-se dois tipos de Cefets: os tradicionais do Paraná, Minas Gerais e Rio de Janeiro e os recém-criados, também chamados de cefetinhos. A diferença entre as instituições tradicionais e as recém-criadas se deu no campo de sua atuação: enquanto as primeiras poderiam atuar até o nível de pós-graduação, as últimas dependeriam de autorização específica para tal.

Verificou-se que, em 2004, o Decreto nº 5.224 (BRASIL, 2004a) elevou todos os Cefets à categoria de Instituições de Educação Superior (IES) e, naquele mesmo ano, um Parecer do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica nº 14/2004 (BRASIL, 2004b) autorizou, em caráter experimental, que onze Escolas Agrotécnicas Federais (EAF) ofertassem cursos superiores de tecnologia.

Em 2005, uma nova institucionalidade foi criada no contexto da EP com impacto direto na oferta de ensino superior: o Cefet do Paraná foi transformado pela Lei nº 11.184/2005 (BRASIL, 2005) em Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Essa transformação fez com que os Cefets de Minas Gerais e do Rio de Janeiro também almejassem a transformação em universidade, já que reuniam condições similares às daquele, em especial no que se refere à qualificação do corpo docente e à oferta de cursos superiores.

No entanto, o projeto do governo, tanto para a EP quanto para a expansão da Educação Superior, não convergia para a criação de novas universidades. Borborema (2013) afirma que a proposta do governo, sob a influência do Banco Mundial, mirava a constituição de um modelo alternativo de universidade. Modelo este que já se desenhava no país, desde 1969, quando as Escolas Técnicas Federais puderam oferecer uma formação em nível superior mais econômica, aligeirada e fortemente vinculada ao atendimento das necessidades do mercado de trabalho. Contudo, foi a partir da década de 1990 que esse formato se destacou como opção política, tendo como referências os Cefets e a oferta, nessas instituições, de cursos superiores industriais.

Em 2007, a Rede Federal começou a ser estruturada de forma mais evidente. O Decreto nº 6.095/2007 (BRASIL, 2007a) intentou estabelecer diretrizes que possibilitassem a integração das instituições federais de educação tecnológica apontando para a constituição dos IFs. Por meio de uma Chamada Pública Mec/Setec nº 002/2007 (BRASIL, 2007b), buscou-se acolher propostas para a constituição dos IFs. A Lei nº 11.892, promulgada em 29 de dezembro de 2008, implantou a Rede Federal, que entre outros apresentou em detalhes as finalidades, os objetivos e a estrutura dos IFs, a nova institucionalidade em sintonia com o formato singular de universidade (BRASIL, 2008).

Entre as instituições que compõem a Rede Federal, os IFs representam a materialização da opção política pelo formato singular de universidade. Criados a partir da transformação e da agregação de instituições já existentes, com tradição na oferta de educação profissional técnica de nível médio, mas com pouca ou nenhuma tradição na oferta de Educação Superior, os IFs foram definidos na Lei nº 11.892 (BRASIL, 2008) como instituições de educação superior, básica e profissional, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica e, para fins de regulação, avaliação e supervisão, foram equiparados às universidades federais. Nesse processo, antigas e novas instituições tiveram suas atribuições ampliadas, suas atividades tornaram-se mais complexas e diversificadas.

Peças-chave no processo de expansão e interiorização da EP e da Educação Superior no país, os IFs têm como objetivos, de acordo com o expresso no artigo 7º:

I - ministrar educação profissional técnica de nível médio, prioritariamente na forma de cursos integrados, para os concluintes do ensino fundamental e para o público da educação de jovens e adultos;

II - ministrar cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores, objetivando a capacitação, o aperfeiçoamento, a especialização e a atualização de profissionais, em todos os níveis de escolaridade, nas áreas da educação profissional e tecnológica;

III - realizar pesquisas aplicadas, estimulando o desenvolvimento de soluções técnicas e tecnológicas, estendendo seus benefícios à comunidade;

IV - desenvolver atividades de extensão de acordo com os princípios e finalidades da educação profissional e tecnológica, em articulação com o mundo do trabalho e os segmentos sociais, e com ênfase na produção, desenvolvimento e difusão de conhecimentos científicos e tecnológicos;

V - estimular e apoiar processos educativos que levem à geração de trabalho e renda e à emancipação do cidadão na perspectiva do desenvolvimento socioeconômico local e regional; e

VI - ministrar em nível de educação superior:

a) cursos superiores de tecnologia visando à formação de profissionais para os diferentes setores da economia;

b) cursos de licenciatura, bem como programas especiais de formação pedagógica, com vistas na formação de professores para a educação básica, sobretudo nas áreas de ciências e matemática, e para a educação profissional;

c) cursos de bacharelado e engenharia, visando à formação de profissionais para os diferentes setores da economia e áreas do conhecimento;

d) cursos de pós-graduação lato sensu de aperfeiçoamento e especialização, visando à formação de especialistas nas diferentes áreas do conhecimento; e

e) cursos de pós-graduação stricto sensu de mestrado e doutorado, que contribuam para promover o estabelecimento de bases sólidas em educação, ciência e tecnologia, com vistas no processo de geração e inovação tecnológica. (BRASIL, 2008).

É notório que há, na lei de criação dos IFs, um maior detalhamento das atividades voltadas para a Educação Superior, acrescente-se a isso a obrigatoriedade, expressa no artigo 8º, da reserva de 20% das vagas, nessas instituições, para a oferta de cursos de licenciatura e ou de Programa Especial de Formação Pedagógica com vistas à formação de professores da Educação Básica, em especial nas áreas de Ciências e Matemática, e para a Educação Profissional, evidências que apontam para os IFs como um formato singular às universidades de pesquisa.

Particularmente sobre a introdução da oferta obrigatória de cursos de licenciatura nos IFs, Ferreira e Gastal (2021) afirmam que, embora os IFs não tenham sido projetados inicialmente para essa oferta, já que são instituições originárias de outras tradicionais na oferta de EP, foram usados para esse fim, com fortes justificativas: (I) otimização de espaços com redução e flexibilização de recursos materiais e humanos que possibilitariam a ampliação da oferta de cursos licenciaturas; (II) a falta de professores com formação em nível superior para aturar na Educação Básica indicava que haveria demanda para a proposição dos cursos nessa nova institucionalidade; (III) a oferta de licenciaturas nos IFs viabilizaria o cumprimento da meta de universalizar o ensino médio reduzindo a presença de técnicos, bacharéis e tecnólogos na função docente; (IV) a pressão exercida pelo Plano Nacional de Educação, publicado em 2001, para que medidas fossem rapidamente adotadas no sentido de reduzir o número de docentes sem formação em nível superior atuando na Educação Básica. Entretanto, os autores identificam pelo menos dois problemas decorrentes da inclusão dos cursos de licenciatura nos IFs. O primeiro está no fato de não haver garantia de que o aumento no número de cursos e vagas implicaria necessariamente um aumento no número de professores graduados atuando na Educação Básica; e o segundo tem relação com a falta de experiência para os IFs na oferta de formação docente. Apesar da identificação desses problemas, os autores reconhecem que os IFs, com a natureza de um trabalho de formação pública, contrapõe-se, ao lado da formação docente universitária, à formação de professores em instituições privadas, ainda dominante no Brasil.

Os Institutos Federais, formato singular à universidade tradicional de pesquisa: influências e desafios

Estudos como os de Borborema (2013) e Otranto (2012 e 2013) explicitam as influências e os desafios que atravessaram o processo de construção e consolidação dos IFs como instituições de Educação Superior.

Borborema (2013) destacou a influência do Banco Mundial (BM) na defesa de um novo formato de universidade. Segundo a autora, o discurso da instituição enfatizou os altos custos dos cursos superiores nas universidades tradicionais bem como sua limitação em atender às demandas de desenvolvimento econômico e social do país. Entre as recomendações propostas pelo BM, encontravam-se a diversificação de IES, com a criação de instituições não universitárias e uma maior abertura para a atuação da iniciativa privada neste nível de ensino. Entre as vantagens, o BM destacava: menor duração dos cursos, taxas de abandono menores, redução no gasto anual por estudantes (BORBOREMA, 2013) e maior flexibilidade de cursos, o que garantiria custo menor que o universitário tradicional (OTRANTO, 2013).

Para Borborema (2013), em sua essência, os IFs pouco se diferenciaram da estrutura dos Cefets, preservando, segundo ela, a autonomia financeira, administrativa e pedagógica. A novidade ficou por conta do objeto educacional, agora com foco na área tecnológica, tal como se verifica na ênfase dada nas finalidades e objetivos dos IFs, uma tendência que acompanhou a evolução da estrutura produtiva que se complexificou e se diversificou. A diferença entre os Cefets e os IFs consistiu em: aos Cefets foi permitido ofertar o ensino médio independentemente da formação profissional técnica, enquanto nos IFs essa possibilidade não existe. Por sua vez, o que diferenciou o campo de atuação dos IFs da Universidade Tecnológica Federal do Paraná foi o fato de nesta não haver a obrigatoriedade de reserva de 50% das vagas para a Educação Profissional Técnica de Nível e Médio nem tampouco de 20% das vagas para cursos de licenciatura e/ou Programa Especial de Formação Pedagógica, tal como definido para os IFs. A não obrigatoriedade de reserva de vagas pode, neste contexto, ser interpretada como um grau maior de autonomia da universidade em relação aos IFs.

O processo de construção da nova identidade dos IFs foi marcado por disputas e desafios, já que foi preciso equacionar a identidade anterior das instituições que seriam transformadas e agrupadas em IFs. Com diferentes expectativas, a adesão à proposta de transformação em IF se deu de maneira distinta entre os três grandes grupos de instituições tradicionais na oferta de EP, a saber: os Cefets, as Escolas Agrotécnicas Federais (EAF) e as Escolas Técnicas vinculadas às Universidades Federais (ETVUF).

O trabalho de Otranto (2012) revela como as diferentes instituições ofertantes de EP se comportaram diante da proposta de constituição dos IFs. Segundo a autora, os Cefets “tradicionais” resistiram à transformação, temerosos sobretudo pela possível perda de identidade. Por sua vez, os Cefets recém-criados, apesar de terem resistido em um primeiro momento, acabaram cedendo por vislumbrarem algumas vantagens, tais como: a transformação do cargo de diretor geral em reitor e o aumento de gratificações na instituição. No entanto, como se evidenciou na efetivação da proposta de criação dos IFs, a primeira expectativa não se confirmou, em especial, porque os dirigentes das Escolas Agrotécnicas Federais pressionaram o governo, quando, em um primeiro momento, recusaram a transformação.

Os diretores das Escolas Agrotécnicas Federais tinham a expectativa de que suas instituições se transformariam em Cefets, no entanto, segundo Otranto (2012), foram surpreendidos com a proposta de transformação em IFs. A resistência dos diretores dessas instituições foi construída com base no argumento da possível perda de poder político e do não atendimento de demandas locais, educacionais e sociais das regiões em que estavam instalados. Houve um consenso, em um primeiro momento, entre as Escolas Agrotécnicas Federais, e todas recusaram a proposta de transformação em IF. Ainda, segundo a autora, a resposta da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec) a essa negativa veio em tom “ameaçador”, enfatizando a não disponibilidade de recursos para a transformação em Cefets, uma vez que a prioridade do governo se daria no investimento de recursos para a constituição dos IFs e, desta forma, a Setec forçou a “livre” adesão daquelas instituições à proposta, dando garantias de que os Cefets não teriam exclusividade na indicação de reitores e de que a reitoria seria implantada em campo neutro.

Por fim, a realidade das Escolas Técnicas vinculadas às Universidades Federais diferenciava-se tanto dos Cefets quanto das Escolas Agrotécnicas Federais, principalmente, porque aquelas instituições já não gozavam de autonomia administrativa e orçamentária, uma vez que dependiam das universidades para sobreviverem. Neste caso, foi justamente o vínculo com a universidade, no que se refere a maior ou menor autonomia de ação, que determinou a adesão ou não da proposta. Segundo Otranto (2012), este foi o grupo que teve menor adesão, apenas oito das 32 Escolas Técnicas vinculadas às Universidades Federais aceitaram a transformação em IF.

Equilibrados, minimamente, os interesses, aglutinadas e transformadas as instituições, o resultado foi a criação de 38 IFs com representação em todos os estados brasileiros, e com desafios diversos em seu processo de consolidação. O primeiro desafio identificado relaciona-se à ampliação do campo de atuação dessas instituições, uma vez que precisariam garantir: (I) a obrigatoriedade de oferta de Educação de Jovens e Adultos através do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja); (II) a oferta obrigatória de 50% de suas vagas para a educação profissional técnica de nível médio e de 20% para curso de licenciatura e/ou de Programa Especial de Formação Pedagógica; e (III) o desenvolvimento de projetos de pesquisa e extensão aplicados à Área Tecnológica. Note-se que, nos IFs, as atribuições vão além daquelas das universidades e precisam ser desenvolvidas fora da estrutura universitária, nesse sentido, Otranto (2012, p. 124, 125) destaca que “cumprir com as determinações legais passou a ser, para a maioria das instituições pesquisadas, um grande desafio”.

Um segundo desafio pode ser identificado no processo denominado de verticalização do ensino, compreendido como a oferta de cursos nos diferentes níveis de ensino, ou seja, na Educação Básica e na Educação Superior. Este desafio mantém relação direta com a atuação docente, isso porque os docentes dos IFs não têm a prerrogativa de atuarem com exclusividade em um nível de ensino em detrimento de outro, ou seja, os IFs estão estruturados com professores podendo atuar concomitantemente tanto na Educação Básica quanto na Educação Superior, dentro de um contexto específico, o da Educação Profissional e Tecnológica, uma realidade que impacta diretamente a atuação desses professores, pois passam a lidar com um perfil discente diversificado, assim como são diversificados conteúdos, metodologias e avaliações.

Ainda sobre os docentes, Otranto (2012) revela um perfil interessante daqueles recém-chegados aos IFs. Segundo a autora, esses professores são, em sua maioria, mestres ou doutores que se veem diante da necessidade de desenvolver projetos de pesquisa e de extensão. Com essa formação e inseridos nesse campo de atuação, muitos reagem negativamente quando lecionam fora da Educação Superior. Por sua vez, a autora revela, ainda, que os professores mais antigos manifestam dificuldade de adaptação e certa insegurança quando precisam ser reposicionados nos IFs para suprirem vagas ainda não preenchidas, como docentes da Educação Superior.

Para Silva (2015), a atuação docente nos IFs é marcada por um processo contínuo de construções e reconstruções agravado pela escassez de recursos materiais e imateriais. O trabalho docente nessas instituições se mostra, por vezes, intensificado e precarizado, pesando sobre os docentes as expectativas da população e dos setores produtivos locais.

Por fim, um terceiro desafio: o da avaliação institucional. Os IFs, embora possuam um campo de atuação diverso daquele das universidades federais, são avaliados segundo os mesmos critérios utilizados nessas instituições, ao que adverte Otranto,

fica evidente que, para os IFs serem equivalentes às Universidades Federais, têm que oferecer ensino superior, pesquisa e extensão dentro dos padrões de qualidade que maioria dessas universidades oferece. Contudo, antigas escolas que compuseram os IFs têm tradição de qualidade no ensino médio e técnico, construída ao longo de décadas. Espera-se que a qualidade já comprovada nesse campo não se perca para o oferecimento desordenado da educação superior (OTRANTO, 2012, p. 125).

Os IFs, ao serem equiparados às universidades federais em seu processo de regulação, supervisão e avaliação, submetem-se aos mesmos critérios sem contar, no entanto, com condições igualitárias de infraestrutura física, de recursos humanos e de recursos financeiros.

Como se verifica, o processo de criação dos IFs se materializou sob forte orientação política, e a adoção de um formato singular de universidade transformou não só as identidades institucionais, como também o fazer dos docentes, já que, por força de lei, precisam garantir o cumprimento de várias obrigatoriedades, entre elas: a oferta de ensino em diferentes níveis e modalidades e o desenvolvimento de projetos de pesquisa e extensão dentro de uma concepção tecnológica.

A oferta de cursos de licenciaturas nos IFs

A obrigatoriedade da reserva de vagas, na Educação Superior, nos IFs, para cursos de licenciatura e/ou de Programa Especial de Formação Pedagógica, pode ser entendida como uma exigência que limita a autonomia dessas instituições se comparadas às universidades federais, em particular no que se refere à criação de seus cursos. Para Otranto (2013), essa situação se agrava, porque a exigência legal da oferta de cursos de formação docente não vem acompanhada da exigência de formação pedagógica dos docentes que atuam nesses cursos, como consequência, nessas instituições, cursos de licenciatura se efetivam sem, no entanto, contar em seu quadro de pessoal com professores licenciados.

Vale destacar que a oferta de cursos de licenciatura nos IFs não se efetiva de maneira similar em todas as unidades, antes, guardam particularidades que se alinham ao contexto da instituição, que deu origem ao IF. O trabalho de Otranto (2013) evidencia, por exemplo, que os campi oriundos dos antigos Cefets concentraram o maior número de cursos superiores, incluindo as licenciaturas, e que os campi originados das Escolas Técnicas vinculadas às Universidades Federais são os que demonstraram maior dificuldade na oferta de cursos superiores.

Ainda no que se refere à oferta de licenciaturas, a autora afirma que a maioria dos cursos nos IFs concentraram-se nas Áreas de Matemática e de Ciências Biológicas, em detrimento da também recomendação legal, da oferta de formação docente para a Educação Profissional e Tecnológica. A “preferência” por aquelas licenciaturas, entre outros fatores, reside no fato de os IFs contarem com professores disponíveis para lecionar nos cursos, ou seja, nessas instituições, as opções de oferta passam pela disponibilidade de pessoal docente, em um primeiro momento, e não necessariamente por um estudo de demanda local. Ademais, a oferta de formação docente para a EPT encontra outros desafios. Pires (2019, p. 3) revela a dificuldade de se pensar uma formação capaz de contemplar diferentes perfis docentes em exercício na EPT: “professores técnicos com habilitação de ensino médio; professores bacharéis, sem formação pedagógica; e professores licenciados, com pouco ou nenhum conhecimento sobre Educação Profissional (EP) e mundo do trabalho”. A diversidade do perfil inicial de formação dos professores impõe que sejam pensadas diferentes propostas de formação, de organização de cursos e de conteúdos.

Ainda no que se refere ao perfil de formação dos docentes que atuam nos cursos de licenciaturas nos IFs, Otranto (2013) identificou: número reduzido de docentes com formação pedagógica; e número também reduzido, na Rede Federal, de docentes com formação pedagógica lecionando disciplinas pedagógicas. O impacto dessas lacunas de formação inicial dos docentes se explicita, segundo a autora, na ausência de planejamento de atividades de prática de ensino e de estágio supervisionado em pelo menos 80% dos IFs que ofertavam licenciaturas, à época do estudo. Consequentemente, tal como identificado por Assis (2013), os discentes que frequentam as licenciaturas nos IFs manifestam grande preocupação com a ausência dessas atividades por considerá-las importantes momentos de aprendizado. Segundo a autora, a essa preocupação se soma outra: a integração do conteúdo específico da licenciatura às disciplinas pedagógicas. Assis (2013) chama a atenção para uma característica relevante do perfil discente nas licenciaturas nos IFs, trata-se de alunos trabalhadores que demonstram mais dificuldade em conciliar, em sua formação, atividades de pesquisa e extensão se comparados àqueles que frequentam os cursos universitários.

Além da limitação de docentes para atuarem nas licenciaturas, um outro fator limitador da oferta de cursos, segundo Assis (2013), tem relação com a infraestrutura necessária para o seu funcionamento. Com escassez de recursos para implantação de laboratórios e aquisição de acervos, a opção de muitos IFs foi ofertar licenciaturas que requeriam menor investimento, reforçando, mais uma vez, que o estudo da demanda local não se efetiva como uma prioridade durante o planejamento da oferta de uma licenciatura nessas instituições.

Outros desafios são acrescentados por Flach (2014) relativos ao cumprimento de 20% de oferta de vagas em cursos de licenciatura, quer pela não demanda, quer pela falta de apoio institucional; ofertar cursos que atendam às necessidades de formação da região em que o IF está inserido e não apenas ofertá-los para cumprir uma obrigação legal; transformar os IFs em centros de excelência na oferta de licenciatura, quando ainda se enfrentam problemas com as condições mínimas de funcionamento do curso; consolidar as licenciaturas dentro da própria instituição, que, em alguns casos, demonstram e fomentam maior vigor na parte técnica de seus cursos.

Se por um lado sobram desafios a serem enfrentados, por outro é preciso reconhecer as potencialidades da oferta das licenciaturas nos IFs. Assis (2013) destaca que as licenciaturas ofertadas nos IFs abrigam pelo menos duas peculiaridades que as diferenciam da oferta universitária: a integração curricular e a territorialidade. Segundo a autora, a integração curricular é inerente à EPT, e, no caso das licenciaturas ofertadas em instituições tradicionais na oferta de EPT, essa integração passa pela relação entre a teoria e a prática, entre o saber e o fazer e na relação interdisciplinar das disciplinas específicas com as disciplinas pedagógicas. Por sua vez, a territorialidade dos IFs, consoante o autor, guarda a potencialidade de provocar mudanças na qualidade de vida em diferentes regiões, culturas e economias do país, lugares longínquos, de difícil acesso às universidades federais. A autora identificou, por exemplo, que os IFs ofertam cursos de licenciaturas em todas as regiões do país, e que na região nordeste se concentrava, à época do estudo, a maioria desses cursos. De maneira geral, segundo a autora, os IFs ofertaram, em maior número, licenciaturas em: 1º Matemática, 2º Química, 3º Física e 4º Biologia, havendo ainda uma significativa diversidade de outras licenciaturas. Constata-se que são cursos com custo de implantação mais acessíveis, demandando, por exemplo, poucas adaptações em laboratórios, já existentes nas instituições.

Considerou-se relevante retomar os estudos de Flach (2014) para elencar outros pontos de aproximação e/ou distanciamento entre a oferta de licenciatura nos IFs e nas universidades federais.

O primeiro destaque da autora foi o fato de a formação promovida pela universidade estar muito presente na concepção das licenciaturas nos IFs, isso porque a maioria dos professores que atuam nos IFs tiveram sua formação inicial em universidades tradicionais, o que torna a formação inicial dos docentes referência para a concepção de cursos de licenciatura nos IFs. As particularidades desse novo lócus somente ganham força quando a licenciatura já se encontra consolidada, ou seja, inicialmente são propostas tendo como referência o formato universitário e, posteriormente, com mais segurança, são propostas alterações que se aproximam do contexto em que estão inseridas. Outro fator de aproximação aos cursos universitários se dá pelas diretrizes da avaliação externa que, sem distinção entre as instituições, impõe pouca flexibilidade na organização dos cursos, o que de certa forma inibe a constituição de uma identidade própria para as licenciaturas ofertadas nos IFs.

Entre os fatores de maior diferenciação entre as ofertas de licenciaturas nos IFs e nas universidades, foram destacados por Flach (2014): a estrutura não departamentalizada nos IFs, que permite uma maior aproximação entre docentes e discentes, também potencializada pela estrutura física um pouco mais reduzida, já que os IFs contam, por vezes, com campus menores, se comparados à estrutura universitária; a formação docente, nas universidades tradicionais, tende a um caráter mais bacharelesco, em que se percebe pouco diálogo entre as disciplinas específicas e pedagógicas, por sua vez, nos IFs, essa relação é um pouco diferente, já que a própria verticalização do ensino (oferta de Educação Básica e Educação Superior, em uma mesma instituição), possibilita ao estudante vivenciar práticas de ensino na Educação Profissional, no Ensino Médio e na Educação de Jovens e Adultos. Acrescente-se ainda que o professor que atua nas licenciaturas pode atuar também na Educação Básica, procedimento este que estimula a promoção do diálogo entre a Educação Básica e os cursos de Licenciatura.

Verificou-se que são muitos os desafios a serem enfrentados na consolidação das licenciaturas nos IFs e que não se pode negligenciar, como dito por Flach (2014), a possibilidade que a presença das licenciaturas ofertadas pelos IFs têm de suprir carências de professores nas regiões mais afastadas dos grandes centros, oferecendo aos estudantes um curso gratuito de formação docente, o que demonstra a importância dessas instituições e a potencialidade que têm de elevar a qualidade de vida em regiões afastadas dos grandes centros urbanos.

Por fim, é preciso destacar que os IFs estão cumprindo parcialmente o que está previsto em lei, no que se refere às licenciaturas e/ou Programa Especial de Formação Pedagógica, uma vez que ainda é tímida a oferta de formação docente para a EPT. A pequena oferta de formação docente para a EPT passa pela disponibilidade de pessoal docente, por questões referentes à infraestrutura institucional, mas também pelo desafio que é pensar a formação docente para a EPT, como afirmam os estudos desse campo.

Considerações Finais

Ao concluir esse artigo, torna-se relevante retomar as questões que impulsionaram a sua construção a fim de sintetizar as contribuições trazidas. Nesse sentido, afirma-se: os marcos regulatórios evidenciam que a inserção da Educação Superior no contexto da EPT remonta ao ano de 1969, logo, não é uma novidade trazida pela constituição dos IFs. Naquele ano, no Brasil, iniciava-se uma proposta de um formato singular aos cursos universitários e que tinham como características: a curta duração e um estreito alinhamento aos interesses do mercado de trabalho regional e local, uma diferenciação importante em relação aos cursos universitários e que tornavam ainda mais explícitas, na prática, o caráter dual da educação no país, já que, para a elite brasileira, permanecia a garantia da oferta universitária de cursos de graduação com formação plena, enquanto se preparavam, nas Escolas Técnicas Federais, em nível superior, trabalhadores para rápida inserção no mercado de trabalho, em especial na indústria automobilística.

Em 1978, por meio da criação dos Cefets MG, RJ e PR, mais um passo foi dado em direção à constituição de formatos singulares de universidades. A oferta e a expansão da Educação Superior nessas instituições se deram pelos cursos de graduação e de pós-graduação: bacharelado, tecnólogos e licenciaturas curtas e plenas. Entre as críticas que se fizeram ao formato, pesava uma, sobre a determinação do desenvolvimento de pesquisa aplicada a Área Tecnológica, pois havia o entendimento, por parte de alguns, de que se tratava de uma vinculação estreita ao mercado de trabalho, uma forma de buscar soluções de problemas ali identificados.

Foi com a criação dos IFs que o formato singular de universidade ganhou forma de maneira mais sistemática. A concepção dessa nova institucionalidade foi atravessada por desafios que passaram pelo equilíbrio de identidades antigas e novas, pelo cumprimento de exigências legais amplas e diversas, pela escassez de recursos estruturais, financeiros e de pessoal para cumprir as obrigatoriedades previstas, pela submissão a um processo de avaliação comum aos das universidades federais, pelo perfil dos discentes atendidos e, por fim, mas não menos importante, pela formação e atuação diversificada dos docentes.

Os estudos destacados revelam que, no que se refere às licenciaturas nos IFs, não se pode afirmar que se trata de propostas integralmente diferentes das universitárias, já que estas são tomadas como ponto de partida nas etapas de planejamento da oferta de cursos de licenciatura nos IFs. Além disso, IFs e universidades federais se aproximam, pela avaliação institucional, uma vez que são regulados, supervisionados e avaliados segundo os mesmos critérios.

Se por um lado verificaram-se semelhanças entre os cursos universitários e aqueles ofertados nos IFs, por outro é possível identificar traços de uma identidade particular em construção, entre eles: maior possibilidade de integração entre os conhecimentos específicos e os conhecimentos pedagógicos, uma vez que nos IFs não há uma estrutura departamentalizada; corpo discente com perfil de trabalhador-aluno, o que impacta diretamente a participação discente em projetos de pesquisa e de extensão e que pode se caracterizar como uma lacuna na formação desses estudantes; a verticalização do ensino, que potencializa etapas de reflexão teórico-prática, quer pela presença do docente nos diferentes níveis, quer pela possibilidade de o discente realizar práticas de ensino e/ou estágio supervisionado na mesma instituição em que se licencia.

Concluindo, torna-se relevante destacar a importância dos IFs e dos cursos por eles ofertados, em especial as licenciaturas. Pensado para interiorizar a oferta de EPT, nos diferentes níveis e modalidades, incluindo aqui a oferta de cursos de licenciaturas em áreas com carência de profissional habilitado, os IFs têm se colocado como uma instituição capaz de atrair mudanças econômicas para a região em que se encontra, pois estabelecem o diálogo com os arranjos produtivos locais e sociais e garantem a permanência dos indivíduos em suas cidades de origem, elevando a sua qualidade de vida por meio da oferta de uma educação pública, gratuita e de qualidade, o que nos coloca em defesa da manutenção dessas instituições e de seus cursos, asseguradas as condições necessárias a qualidade da oferta.

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Recebido: 25 de Abril de 2022; Aceito: 01 de Agosto de 2022

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