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Revista Diálogo Educacional

Print version ISSN 1518-3483On-line version ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.22 no.74 Curitiba July/Sept 2022  Epub Nov 19, 2022

https://doi.org/10.7213/1981-416x.22.074.ao04 

Artigos

Docência no Ensino Superior: quando ela faz a diferença na vida do aluno

Teaching in Higher Education: when it makes a difference in the student's life

Marcos Tarciso Masettoa 
http://orcid.org/0000-0002-9892-3959

aPontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, SP, Brasil. Doutor em Psicologia Educacional, e-mail:


Resumo

A sociedade tem passado por rápidas e constantes mudanças que desafiam os sujeitos que a compõem de modo geral e em especial aqueles formados no ensino superior. Isto impacta de forma direta a formação oferecida a esses alunos no ensino superior. Em decorrência disso, tem-se exigido uma nova postura, profissionalidade e respostas dos docentes do magistério superior. Tal fato traz a reboque a questão sobre como os docentes do ensino superior podem fazer a diferença para a formação pessoal, profissional e social dos alunos universitários. Para tanto, este artigo objetiva documentar e socializar com docentes universitários, a trajetória percorrida por um professor do ensino superior na busca de se tornar um professor significativo para seus alunos e, desta forma, fazer a diferença em suas vidas. Emprega-se, com esse intuito, a metodologia baseada em História de Vida alicerçada em Josso (2007). Recorre-se, entre outros, a Masetto (1992, 2003, 2010, 2015, 2018) Carl Rogers (1972) Sacristán e Pérez Gómes (1996), Sacristán (2000) e Perrenoud (2002) para recompor essa trajetória. Trata-se de uma (re)constituição temporal de uma experiência de docência no ensino superior que foi vivenciada durante quarenta anos e recompõe as vivências, as pesquisas e os conhecimentos produzidos para a construção de um professor significativo. Apresenta como resultado tais imagens do passado e presente instrumentalizando-as para projetar o futuro.

Palavras-chave: Formação docente e mudança; Docência universitária significativa; Professor reflexivo; História de vida; Práticas pedagógicas.

Abstract

Society has undergone rapid and constant changes that challenge the subjects that compose it in general and, in particular, those graduated in higher education. This directly impacts the training offered to these students in higher education. As a result, a new attitude, professionalism and responses from higher education teachers have been demanded. This fact raises the question of how higher education professors can make a difference to the personal, professional and social formation of university students. Therefore, this article aims to document and socialize with university professors, the path taken by a higher education professor in the quest to become a meaningful teacher for his students and, in this way, make a difference in their lives. For this purpose, a methodology based on Life History based on Josso (2007) is used. Among others, Masetto (1992, 2003, 2010, 2015, 2018) Carl Rogers (1972) Sacristán and Pérez Gómes (1996), Sacristán (2000) and Perrenoud (2002) are used to reconstruct this trajectory. It is a temporal (re)constitution of a teaching experience in higher education that was lived for forty years and recomposes the experiences, research and knowledge produced for the construction of a meaningful teacher. It presents as a result such images of the past and present, using them to project the future.

Keywords: Teacher education and change; Significant university teaching; Reflective teacher; Life's history; Pedagogical practices

Resumen

La sociedad ha sufrido cambios rápidos y constantes que desafían a los sujetos que la componen en general y, en particular, a quienes se forman en la educación superior. Esto impacta directamente en la formación que se ofrece a estos estudiantes en la educación superior. Como resultado, se ha exigido una nueva actitud, profesionalismo y respuestas de los docentes de educación superior. Este hecho plantea la pregunta de cómo los profesores de educación superior pueden marcar la diferencia en la formación personal, profesional y social de los estudiantes universitarios. Por lo tanto, este artículo tiene como objetivo documentar y socializar con profesores universitarios, el camino recorrido por un profesor de educación superior en la búsqueda de convertirse en un docente significativo para sus alumnos y, de esta manera, hacer una diferencia en sus vidas. Para ello se utiliza una metodología basada en la Historia de Vida basada en Josso (2007). Entre otros, se utilizan Masetto (1992, 2003, 2010, 2015, 2018) Carl Rogers (1972) Sacristán y Pérez Gómes (1996), Sacristán (2000) y Perrenoud (2002) para reconstruir esta trayectoria. Es una (re)constitución temporal de una experiencia docente en la educación superior vivida durante cuarenta años y recompone las experiencias, investigaciones y saberes producidos para la construcción de un docente significativo. Presenta como resultado tales imágenes del pasado y del presente, utilizándolas para proyectar el futuro.

Palabras clave: Formación y cambio del profesorado; Docencia universitaria significativa; Profesor reflexivo; Historia de vida; Prácticas pedagógicas

Introdução

O mundo em que vivemos passa por rápidas e constantes mudanças. Isto impacta as carreiras profissionais e as formas de existência e convivência na sociedade. Devendo impactar, portanto, a formação no ensino superior e as concepções e práticas docentes neste nível de ensino, especialmente no sentido de contribuir com a criação de uma aprendizagem que seja significativa para os estudantes e que faça a diferença em suas vidas.

Neste sentido, a questão que emerge é como nós docentes podemos fazer a diferença para a formação pessoal, profissional e social de nossos alunos universitários?

Com vistas a responder esta indagação, o objetivo deste artigo é documentar e socializar, com docentes universitários, a trajetória percorrida por um professor do Ensino Superior na busca de se tornar um professor significativo para seus alunos e, desta forma, fazer a diferença em suas vidas.

Trata-se de uma experiência de docência no ensino superior que foi vivenciada durante quarenta anos, entrelaçada com cursos, pesquisas, estudos, reflexões, práticas pedagógicas, participação em congressos e simpósios nacionais e internacionais, em palestras, encontros com diferentes grupos de professores universitários, em quase todos os estados brasileiros, com publicações de artigos em revistas especializadas da área, de livros e de capítulos de livros.

A metodologia desta pesquisa baseada em História de Vida se ilumina a partir de Josso, (2007, p. 414) em três considerações:

a) As narrações centradas na formação ao longo da vida revelam formas e sentidos múltiplos de existencialidade singular-plural, criativa e inventiva do pensar, do agir e do viver junto; b) O trabalho de pesquisa a partir da narração das histórias de vida, de histórias centradas na formação, efetuado na perspectiva de evidenciar e questionar as heranças, os múltiplos recursos ligados às aquisições de experiência, esse trabalho de reflexão a partir da narrativa da formação de si permite estabelecer a medida das mutações sociais e culturais nas vidas singulares e relacioná-las com a evolução dos contextos de vida profissional e social; c) Um trabalho transformador de si, ligado à narração das histórias de vida e a partir delas, torna-se indispensável a uma Educação Continuada digna desse nome.

A organização deste texto segue uma linha do tempo, procurando identificar e representar o movimento evolutivo deste processo de formação docente a partir dos aspectos de formação desenvolvidos, com base tanto nos autores que orientaram esse tipo de formação, como também nas publicações realizadas por este próprio professor. Esperamos, como resultado deste artigo, criar condições de reflexão sobre processos de formação de docentes para o ensino superior brasileiro em tempos de uma universidade que se movimenta para responder às novas exigências da sociedade brasileira no século XXI.

O começo

O choque aconteceu em 1975. Participante de um Curso de Especialização no Exterior, sobre Relacionamento Humano de Apoio Psicológico em ambientes profissionais, formado por um grupo de 25 professores universitários, fomos surpreendidos pela seguinte questão apresentada pelo Coordenador do Curso: vocês já se perguntaram quantos professores encontraram em sua vida acadêmica na universidade que tenham feito a diferença em suas vidas pessoal, profissional, social e de quem se lembrem até hoje?

Diante da resposta negativa do grupo à pergunta formulada, o Coordenador nos propôs um exercício. Teríamos 10 minutos cada um para indicarmos o número de professores significativos que tínhamos tido em nosso período na universidade e quais eram as características destes mesmos professores que nos marcaram.

Ao término do tempo, em um círculo, fomos solicitados a indicar o número de professores significativos. A média encontrada pelo do grupo foi de dois professores. Uma média que nos tirou o equilíbrio, jamais passara pela nossa cabeça um número tão baixo, lembrando que cada um de nós tivera duas dezenas ou mais de professores.

Quando fomos solicitados a informar as características destes poucos professores que nos marcaram, deparamo-nos com uma segunda situação chocante: não foram indicadas características relacionadas à genialidade dos professores, ao domínio profundo de sua área de conhecimento, às aulas expositivas e conferências magistrais. Ao invés disso, foram indicadas características de coerência entre o que ensinavam e suas atitudes; honestidade intelectual; análises e discussões sobre problemas concretos com uma visão interdisciplinar; atitude ética e de responsabilidade sociai; incentivo à pesquisa e à crítica na construção de conhecimentos; abertura de visão para além das disciplinas nas considerações dos assuntos tratados.

Para nossa surpresa, o Professor Coordenador nos relatou que acabara de realizar uma pesquisa com ex-alunos de diversas universidades e os resultados obtidos eram semelhantes aos nossos, quanto ao número de professores significativos (média de 3,6 professores) e às características indicadas.

Este fato me trouxe na ocasião um terceiro choque: nessa época, lecionando para turmas de 50 alunos, 2 turmas por semestre, eu era um professor que não fazia a diferença para 200 alunos anualmente, e como já lecionava há dez anos, fui tomado de grande espanto ao constatar o número de alunos que passaram por minhas aulas sem que eu não lhes trouxesse nada de significativo para suas vidas.

Algo precisava ser feito e de imediato. Era urgente que nós professores nos alertássemos para esse grave problema e juntos nos dedicássemos a encontrar pistas para uma mudança radical que fizesse a diferença para nossos alunos.

Dessa data até os dias de hoje, essa questão sempre esteve presente nos mais diversos encontros e diálogos que tenho realizado com professores do ensino superior, compartilhando a reflexão e busca de caminhos que nos permitissem mudar nossas atitudes e nos tonarmos significativos.

Este compartilhamento constante com colegas professores nos permitiu construir um caminho que se mostrou significativo para fazermos a diferença para nossos alunos universitários. Este caminho vem sendo construído com experiências, práticas pedagógicas inovadoras, reflexões críticas sobre elas e publicações (artigos, capítulos de livros, livros, trabalhos em Anais de Congressos Nacionais e Internacionais).

Fazemos nossas as palavras de Sacristán (2000):

O passado foi real e deixou suas pegadas; porém quando tentamos entende-lo como algo operativo que se projeta no presente, é ativo e temos imagens dele que é o que fica gravado como memória. “Do que foi” fica-nos um olhar retrospectivo seletivo, porque essas imagens do presente e do passado são, de alguma maneira, escolhidas: resumem e fixam, selecionando uma realidade multiforme e contraditória [...] Assim que o passado sobrevive no presente e este no futuro. (SACRISTÁN 2000, p. 37-38).

A construção deste caminho foi realizada por etapas, com estudos, pesquisas, práticas pedagógicas desenvolvidas em cursos universitários, diálogos entre professores em muitos encontros e cursos voltados para esse objetivo: construirmos aulas vivas que envolveram nossos alunos com sua formação e fizeram a diferença em suas vidas.

Que caminhos foram estes que percorremos em parceria com nossos colegas professores e com nossos alunos?

Primeiras pistas: dinamização das aulas expositivas

O aspecto que se mostrou mais evidente e que exigia imediata mudança dizia respeito à dinamização das aulas expositivas com métodos e recursos tecnológicos viáveis na época (década de 1970): retroprojetores, projetores de slides, projeção de filmes, gravações, músicas, imagens e sons agregados à fala do professor e à leitura e estudos de textos; uso de dinâmicas variadas e de trabalhos em pequenos grupos que traziam nova perspectiva às informações e incentivavam participação em aula, discussões e trocas de ideias entre os alunos.

As primeiras mudanças no planejamento de disciplinas e de aulas concretizaram esse processo de dinamização das aulas incluindo-se a proposta de modificações no processo de avaliação.

Apoiaram-nos nessa etapa de nossos estudos e pesquisas as produções de George Miller (1967), Ensino e Aprendizagem nas escolas médicas, de Imideo Nerici (1973), Metodologia do Ensino Superior, e de Diaz-Bordenave e Adair Martins, (1978)Estratégias de ensino-Aprendizagem.

Essas primeiras modificações em aula permitiram que, em parceria com a Profa. Maria Celia de Abreu, elaborássemos e publicássemos o livro O Professor Universitário em aula (1980), reunindo os seguintes capítulos: Ensino e Aprendizagem, Plano de ensino, Objetivos, Conteúdo de disciplinas, Estratégias de aprendizagem, Processo de avaliação e Relação professor-aluno.

Com nossa atenção voltada para a dinamização das aulas, seguiram-se estudos sobre outras publicações, como as de Maria Isabel da Cunha (1989), O Bom Professor e sua Prática, Neusi Berbel (1994), Metodologia do Ensino Superior: realidade e significado, Annie Bireaud (1995), Os métodos pedagógicos no ensino superior, Maria Isabel da Cunha (1998), O Professor Universitário na transição dos paradigmas, Marguerite Altet (2000), Análise das práticas dos professores e das situações pedagógicas, Lea Anastasiou e Leonir Alves Pessate (2003), Processos de Ensinagem na Universidade, Manuel Cebrian (2003), Enseñanza virtual para la inovacion universitária, Maria Isabel da Cunha (2007), Reflexões e Práticas em Pedagogia Universitária, Saturnino De La Torre, Carmen Oliver e Maria Luisa Sevillano (2008), Estratégias didáticas en nel aula: buscando la calidad y la innovación.

As reflexões sobre esses autores transformadas em práticas pedagógicas incentivaram nossas publicações: Competência Pedagógica do Professor Universitário, de Marcos T Masetto (2003; 2012. 2. ed.), e O Ensino de Engenharia: técnicas para otimização das aulas, de Masetto (2007), escrito por um grupo de professores de engenharia, de universidades diferentes, motivados em socializar, trocar e dialogar com seus colegas as experiências de suas aulas com a participação de seus alunos e os resultados de suas aprendizagens e (2010) O Professor na Hora da Verdade, de Marcos T. Masetto.

No início deste século XXI, o movimento das Metodologias Ativas, com o Ensino Híbrido, atualizou e emponderou esses primeiros passos para a dinamização das aulas no ensino superior, com várias publicações, entre as quais destacamos Lilian Bacich e José Moran (2018), Metodologias Ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórico-prática, Edvalda Leal Araújo et alii (2017), Revolucionando a Sala de Aula, Daniel Ramos Nogueira et alii (2020), Revolucionando a Sala de Aula 2, Marcos T. Masetto (2018), Trilhas abertas na universidade: inovação curricular, práticas pedagógicas, formação de professores.

Pesquisa: Em sala de aula de 3º. Grau, ainda se aprende... (1991)

Em nossa vida acadêmica, como professor da Universidade de São Paulo, na Faculdade de Educação (FEUSP), em 1991, apresentamos uma pesquisa para o Concurso de Livre Docência. Escolhemos como problema de investigação ouvir os alunos sobre uma questão debatida entre eles, na época: as aulas universitárias deveriam ter frequência livre, pois não traziam contribuição significativa para a formação dos profissionais. Seria suficiente a indicação dos conteúdos, com sua respectiva bibliografia, para se realizarem as provas.

Do lado dos docentes, uma insatisfação crescente, por vezes uma angústia e, até mesmo, certo desânimo diante do desinteresse e desmotivação dos alunos, indisciplina, não realização das atividades estabelecidas, evasão e repetência: “Tanto esforço, tanta energia, tanto trabalho, afinal para quê?”

Tornamo-nos Professor de Professor de Didática do Curso de Licenciatura da FEUSP (entre 1985 a 2000). Os cursos de Didática eram organizados sempre com a participação dos alunos no seu planejamento, execução, avaliação e replanejamento do mesmo.

No período de 1º Semestre de 1986 ao 1º semestre de 1988, pesquisamos junto a nossos alunos a possibilidade de se “aprender” em aulas universitárias. As turmas eram heterogêneas, constituídas com alunos provindos dos cursos de Matemática, História, Língua Portuguesa, Geografia, Línguas Estrangeiras, Artes, Educação Física, Química, Filosofia, Ciências Sociais, Música, entre outros, e cada turma, em média, contava com 50 alunos. Participaram desta pesquisa 250 alunos.

Esta pesquisa se propôs ouvir os alunos, buscando com eles identificar condições facilitadoras de aprendizagem em sala de aula de um curso de Didática. Os resultados que obtivemos nos trouxeram importantes indicadores dessas condições:

  1. com relação ao planejamento de curso, destacaram-se: sua realização com a classe, no início do semestre, levando em consideração as expectativas, os problemas e os interesses dos alunos naquela disciplina;

  2. com relação ao conteúdo: facilitavam a aprendizagem quando se mostravam úteis para os alunos, trazendo o dia a dia para dentro da sala de aula, permitindo aplicações práticas do assunto estudado e relacionado com conhecimentos, experiências e realidade profissional e com as necessidades dos alunos;

  3. com relação às estratégias em sala de aula: incentivavam a aprendizagem quando eram diversas e variadas e propiciavam a integração do grupo e participação ativa dos alunos;

  4. um clima de abertura em sala de aula, descontraído, sem tensão, com possibilidade de questionamentos, com respeito mútuo, com participação de professor e alunos, argumentando, expondo pontos de vista, trazendo experiência de ligação entre teoria e prática;

  5. um processo de avaliação contínuo durante o curso e não só em provas finais, com feedback imediato, oferecendo orientações identificando o que o aluno aprendeu;

Por último, quisemos ouvir os alunos sobre qual desempenho esperavam por parte do professor e, para surpresa nossa, recebemos respostas como coerência entre discurso e ação; segurança e abertura à crítica e às propostas dos alunos, abertura ao diálogo; competência; incentivo à participação, dinamismo e coordenação; capacidade didática e flexibilidade; preocupação com o aluno e seus interesses (MASETTO, 1991, p. 24-26).

Identificamos, aqui, as primeiras manifestações de uma relação entre adultos no Ensino Superior, cujo desenvolvimento se deu na sequência deste processo e sobre o qual tecemos nossas considerações mais adiante neste texto.

Esta pesquisa (MASETTO, 1991) teve sua continuidade num processo de validação destas informações com um grupo de professores, verificando a possibilidade de se planejar um curso de uma disciplina do ensino superior com essas informações oferecidas pelos alunos do Curso de Didática.

Compondo o grupo de professores que se dispôs a dar continuidade a essa pesquisa estavam os docentes das disciplinas: Cálculo Diferencial e Integral e Álgebra Linear em curso de matemática; Matemática II em curso de Administração, Tópicos de Metodologia Especial: Odontologia, em curso de Mestrado em Odontologia. Resultados destas disciplinas encontram-se na Tese de Livre Docência1, USP, (MASETTO, 1991, p. 33-79).

Descobrindo a aula como espaço e tempo de professor e alunos aprenderem

Um novo questionamento surgiu: afinal, para que estamos, nós professores universitários, em salas de aula?

A resposta consensual e imediata era a de que o “professor está em aula para ensinar”. Uma análise, porém, mais profunda, apontava outra alternativa: “o professor está em aula para o aluno aprender”. O que representava uma mudança e avanço de grande alcance na concepção de docência no ensino superior.

Mas o que significava “aprender” no ensino superior? O debate procurou trazer um pouco de luz.

A este respeito, Carl Rogers (1972) escreveu o livro intitulado Liberdade para Aprender. Mais publicações debatiam a questão, como a de Abreu e Masetto (1980), O Professor Universitário em Aula. Em 1986, Maria da Graça Mizukami publica seu livro Ensino: As abordagens do processo com uma pesquisa sobre as diferentes abordagens do processo de ensino e aprendizagem nas escolas dos 1º e 2º. Graus das escolas públicas da Cidade de São Carlos (São Paulo). Identificando cinco abordagens que, muitas vezes, para não dizer quase sempre, sobrepunham-se às atividades educacionais dessas escolas, tais como: abordagem tradicional, comportamentalista, humanista, cognitivista e sociocultural. Discutindo como resolver o problema de ensinar e apreender nesse contexto.

Philippe Meirieu (1991) interroga: Aprender sim... mas como? Para Marcos T. Masetto (1992), em Aulas Vivas, os alunos aprendem e os professores se realizam nas reflexões sobre objetivos educacionais para aprendizagem no ensino superior, para além dos objetivos de conteúdos a serem aprendidos.

Sacristán e Pérez Gómez (1996) procuram: Compreender e transformar o ensino. Jacques Delors (1996), em Educação: um tesouro a descobrir, desenhava uma visão educacional centrada num processo de aprendizagem das pessoas ao longo da vida baseado em quatro pilares: “aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser”. Juan Ignácio Pozo (2002) aprofunda e detalha o conceito complexo do aprender como desenvolvimento da pessoa na totalidade, nos aspectos: cognitivo, afetivo-emocional, de habilidades e atitudes/valores (2002). Este autor se constituiu como um dos pilares do resgate do significado e da valorização da aprendizagem em todos os níveis escolares. Philippe Perrenoud, et al. (2002) refletem sobre As Competências para ensinar no século XXI. Manuel Cebrian (2003) debate a Enseñanza virtual para la inovacion universitária. Lea Anastasiou e Leonir Alves Pessate (2003) discutem o Processo de Ensinagem na Universidade. Marcos T. Masetto desenvolve a concepção de aprendizagem, na linha de Pozo (2002), explicitando-a como um processo de desenvolvimento da pessoa como uma totalidade incluindo os aspectos cognitivos, afetivo-emocionais, de habilidades e competências e de atitudes/valores. Desenvolve ainda suas reflexões sobre a aula como espaço e tempo de professor e alunos aprenderem em Competência Pedagógica do Professor Universitário (2003, 2012, 2. ed.) e em Ensino de Engenharia: técnicas para otimização das aulas (2007), sua publicação de 2010 O Professor na Hora da Verdade: a prática docente no ensino superior sistematizou e concretizou a reflexão sobre os elementos que constituem os pilares teóricos e as práticas pedagógicas da aula como espaço e tempo de professor e alunos aprenderem, e do processo de aprendizagem de adultos no Ensino Superior. Isto pode ser conferido pelos títulos de seus capítulos: Aula, espaço (expandido) e tempo (kairós) do professor (mediador pedagógico com relação andragógica e empática com alunos, como protagonistas e participativos) buscando o desenvolvimento de um processo de aprendizagem e formação profissional, integrando as áreas do conhecimento, de competências e habilidades, do aspecto afetivo-emocional e na área de atitudes e valores éticos, políticos e cidadãos. Não foram esquecidos os debates sobre o emprego de metodologias participativas e de um processo de avaliação voltado para o acompanhamento do aluno em seu processo de aprendizagem com feedbacks imediatos e contínuos, com orientação para o crescimento e desenvolvimento dos participantes deste processo.

Mediação pedagógica e protagonismo do aluno

Assumir a construção de um processo de aprendizagem com seus alunos pressupõe por parte do professor desenvolver uma atitude de mediação pedagógica.

Sem dúvida, exigência primeira para um professor de ensino superior é sua competência em uma área de conhecimento exigida para a formação de profissionais de um determinado curso de graduação.

Tanto ou mais importante que esta competência, é absolutamente imprescindível que o professor desenvolva uma competência pedagógica e política que incentive o aluno a aprender e que o coloque ao lado do aluno, com atitudes e estratégias adequadas, para acompanhar e apoiar seu desenvolvimento com relação aos conhecimentos a serem adquiridos, competências e habilidades profissionais desenvolvidas e atitudes básicas para o exercício de uma profissão com competência e responsabilidade social a serem adquiridas.

É absolutamente imprescindível que o professor proponha situações-problemas e desafios; manifeste disponibilidade para enfrentar com o aluno as dificuldades; coloque o aprendiz frente a frente com questões éticas, sociais, profissionais.

É o professor que sai de sua mesa e vem trabalhar com os alunos, compondo grupos, discutindo questões, ajudando a buscar soluções e corrigindo rotas, apoiando seus alunos e aprendendo com eles.

Assumir a construção de um processo de aprendizagem com seus alunos pressupõe por parte do professor desenvolver uma atitude de mediação pedagógica

Desse modo cria ambientes colaborativos de aprendizagem nos quais os participantes se integram em ações partilhadas, promovendo transformações e a construção conjunta do conhecimento e da formação profissional.

Vários autores debruçam-se sobre o tema em busca de respostas ao desafio de ser professor mediador. Cunha (1998, 2007) reflete sobre O professor na transição dos paradigmas; Francisco Gutierrez e Daniel Prieto (1991) sobre: Mediação Pedagógica: educação à distância alternativa, Francisco Pérez, e Daniel Castillo (1999) tratam a respeito em La Mediación Pedagógica. Masetto (2003, 2012 2.ed.) aborda essa temática em Competência Pedagógica do Professor Universitário, em Marcos Masetto (2010)O professor na Hora da Verdade, Cecília Gaeta e Marcos Masetto (2013) em O professor Iniciante no Ensino Superior.

Esta atitude de mediação pedagógica incentiva e colabora com o desenvolvimento de uma atitude fundamental para o aluno aprender: seu protagonismo com relação à sua formação profissional, pesquisando e construindo conhecimentos interdisciplinares; desenvolvendo habilidades e competências próprias de sua profissão, vivenciando situações práticas profissionais, integrando-as com a teoria, resolvendo problemas e casos reais ou simulados.

O aluno atua com protagonismo quando participa do planejamento da disciplina, das atividades combinadas, do processo de avaliação de sua aprendizagem, de forma contínua, dialogando com seu professor sobre os feedbacks recebidos, avançando em sua aprendizagem, propondo-se a outros desenvolvimentos e corrigindo possíveis erros. A autoavaliação lhe proporciona maior conhecimento de si mesmo, das potencialidades a serem desenvolvidas e dos limites a serem superados. Enfim, mantém sob seu controle o encaminhamento de sua formação profissional.

Este aspecto de formação docente mereceu estudos e reflexões que embasaram encontros e diálogos com grupos de professores e alunos de pós graduação. São exemplos: Sacristán, e Pérez-Gomez (1996)Comprender y transformar la enseñanza, Marco Silva (2000)Sala de aula interativa, Maurice Tardif (2002)Saberes docentes e formação profissional, Miguel Zabalza (2004)O Ensino Universitário: seu cenário e seus protagonistas e Miguel Zabalza (2006)Competências docentes del profesorado universitário ´calidad y desarollo professional, Ricardo Silva, e Anabela Silva (2005)Educação, Aprendizagem e Tecnologia - Um paradigma para professores do século XXI.

José Moran; Marcos Masetto e Marilda Behrens (2000) trazem uma reflexão sobre A mediação pedagógica e processo de aprendizagem na era digital, Rena Palloff e Keith Pratt (2002) discutem sobre Construção de comunidades de aprendizagem no ciberespaço e Estratégias eficientes para as salas de aula on-line, em (2004) O aluno virtual: um guia para trabalhar com estudantes on-line. Jussara Hoffman (1994) aprofunda o processo avaliativo enfocando a Avaliação Mediadora. Veen, e Vrakking (2009)Homo zappiens - educando na era digital.

A relação entre adultos na docência universitária

A compreensão deste relevante aspecto que faz a diferença no relacionamento entre professor e alunos no processo de aprendizagem no Ensino Superior se iniciou para nós com Carl Rogers (1972) refletindo sobre as atitudes fundamentais para o docente: autenticidade, empatia e confiança no aprendiz.

Tivemos oportunidade de analisar e discutir o significado destas atitudes e suas repercussões na aula universitária em nossa Dissertação de Mestrado em em Psicologia Educacional na PUC-SP em 1975, quando participávamos como docente do Projeto Educacional do Ciclo Básico da mesma PUC-SP.

Estes estudos se desenvolveram com os trabalhos de Stephen Brookfield. (1986), Alan Knox (1987), Kenneth Eble (1988), Elinor Lenz (1982) que apontavam, como exemplos, alguns princípios de um processo de aprendizagem de adultos: os adultos são capazes de aprender durante toda a sua vida; são fortemente motivados para aprender em áreas relevantes para o desenvolvimento atual de suas tarefas e papéis sociais; sua aprendizagem se desenvolverá com um regular feedback em direção ao progresso; um feedback positivo funcionará como um reforço para consecução de maior aprendizagem. Como cada pessoa tem um estilo próprio de aprendizagem, é contraproducente prescrever para todos um único método de aprender, estilos cooperativos de ensinar e aprender desenvolverão o autoconceito dos envolvidos e resultarão em significativa e efetiva aprendizagem para os adultos. A aprendizagem está intimamente associada à experiência. A busca de significado é essencial para toda a aprendizagem, especialmente para adultos, sendo favorecida pela interdisciplinaridade e multidisciplinaridade que o ajudam a superar a fragmentação na análise dos fenômenos.

Marcos Masetto (1992) em Aulas Vivas, sintetiza em nove os princípios de aprendizagem que podem desenvolver um relacionamento adulto: 1) Promover a participação dos alunos no planejamento do curso, na definição dos conteúdos do curso, na aplicação e utilização das estratégias, na criação de um clima de abertura à participação e questionamentos nas aulas, e na discussão e organização de um processo de avaliação. 2) Valorizar a experiência e a contribuição dos participantes. 3) Explicitar os significados do que se pretende naquele curso. 4) Definir claramente os objetivos e metas. 5) Estabelecer recursos adequados, eficientes e avaliáveis. 6) Criar um sistema de feedback contínuo. 7) Desenvolver uma reflexão crítica. 8) Estabelecer um contrato psicológico. 9) Adaptar os comportamentos do professor a um processo de aprendizagem próprio de adultos (MASETTO, 1992, p. 83-91)

O avanço destes estudos e de suas vivências sobre relação entre adultos em aula universitária nos levou a continuarmos trabalhando, sobre conceitos de andragogia, empatia e “com-vivência” entre professor e aluno, como o eixo mais relevante para o professor se tornar significativo para seus alunos e fazer a diferença em sua vida.

Acompanharam-nos as experiências, os estudos e as pesquisas de: Malglaive (1995)Ensinar Adultos, Andy Hargreaves (2004)O ensino na sociedade do conhecimento, Daniel Goleman (2006)A inteligência Social: o Poder das Relações Humanas; Bain Ken (2007)Lo que hacen los mejores professores universitários, Nicole Carnizelo (2019)Empatia: atitude fundamental do professor do ensino superior.

Publicamos O Professor na Hora da Verdade (MASETTO 2010), O Professor Iniciante no ensino superior: aprender, atuar, inovar (GAETA; MASETTO, 2013), Desafios para a Docência universitária na Contemporaneidade. Professor e aluno em “inter-ação” adulta (MASETTO, 2015) e Trilhas abertas na Universidade, inovação curricular, práticas pedagógicas e formação de professores (MASETTO, 2018).

Aluno e professor: uma comunidade de aprendizagem

Com estas reflexões e práticas pedagógicas, percorremos um caminho que buscou responder à pergunta inicial: como nós docentes podemos fazer a diferença para a formação pessoal, profissional e social de nossos alunos universitários?

Desde as primeiras experiências para mudar nosso comportamento em aula, a preocupação com o encontro com os alunos em aula, desde o primeiro dia, sempre foi a grande preocupação e motivo de um cuidadoso planejamento.

Esta iniciativa nos acompanha até hoje, em todos os cursos e atividades de formação de professores para o ensino superior, inclusive nos cursos de pós-graduação dos quais participamos. E ela tem sido determinante para a mudança do relacionamento professor-aluno em aula, privilegiando uma relação de parceria e corresponsabilidade entre pessoas adultas.

A construção de uma comunidade de aprendizagem composta por professor e aluno inicia-se a partir do primeiro encontro.

É o momento de partilharmos com nossos leitores o que pensamos e como realizamos esse primeiro encontro. Sobre ele, escrevemos em nossas publicações desde a primeira, Aulas Vivas (MASETTO, 1992) até Desafios para a Docência universitária na contemporaneidade: professor e aluno em inter-ação adulta (MASETTO, 2015). Nesta última, vamos nos basear para este momento de reflexão.

Em Masetto (2015), após uma introdução focalizando o Homo Zappiens na contemporaneidade, e um primeiro capítulo abordando o tema A Revolução Tecnológica da Informação e da Comunicação e a Universidade, indicamos o primeiro desafio a ser enfrentado pelo docente universitário: a Aula na Universidade como espaço - tempo do professor e do aluno que criam um ambiente de compartilhamento para que, juntos, realizem as atividades de aprendizagem.

A relação inicial do professor com sua turma define o clima da aula, que desejamos. Isto exige que o planejamento do primeiro encontro do professor com seus alunos, em todos os semestres, seja pedagógica e cuidadosamente preparado para que se inicie a criação de um grupo de alunos integrado e colaborativo, numa perspectiva de se iniciar um relacionamento entre adultos para construção de uma comunidade de aprendizagem.

São elementos chaves do planejamento deste primeiro encontro:

  • reorganização do espaço físico da aula;

  • apresentação do professor e de sua proposta de que uma aula ou disciplina poderá ser ótima e de grande utilidade para a vida de todos que ali se encontram, ou de interesse médio, ou uma grande perda de tempo, dependendo da tomada de decisão do grupo: assumirmos juntos o compromisso de construir a disciplina ou apenas decidimos assistir às aulas;

  • início da formação da comunidade de aprendizagem (ou do grupo-classe), com conhecimento de cada um dos alunos, suas expectativas e interesses pelo curso; o que ouviram falar da disciplina que estão iniciando; ou estão cursando; seu trabalho; seus planos de vida; seu hobby; ...

  • dialogar sobre o perfil esperado do profissional egresso daquele curso;

  • coerentemente com este perfil, dialogar sobre a contribuição daquela disciplina para a formação daquele profissional (definir os objetivos educacionais e profissionais a serem alcançados pelos alunos naquela disciplina);

  • dialogar com o grupo sobre os grandes temas e projetos atuais que poderão ser estudados por essa disciplina;

  • dialogar sobre as melhores condições e recursos para o desenvolvimento da aprendizagem e aproveitamento do tempo disponível;

  • dialogar sobre as técnicas e metodologias que serão empregadas em aula e como se dará o sistema de avaliação;

  • construir com os alunos um contrato psicológico de compromisso com o que for acordado entre professor e alunos para a realização da disciplina;

Observe-se a necessidade de se planejar um espaço de tempo de 100 minutos para a realização com sucesso deste plano, e que a realização com êxito de cada um dos itens acima indicados dependerá de estratégias adequadas para envolver os alunos e incentivar sua participação2.

Entendemos que nós professores, pela nossa cultura, imediatamente nos preocupamos com “a perda” de duas aulas para realizar este primeiro encontro. Nossa experiência de 40 anos de magistério no ensino superior nos demonstrou que, conseguindo-se este envolvimento do grupo e da classe no primeiro encontro, o aproveitamento de todas as demais semanas em aula e de tempos fora de sala de aula permite o desenvolvimento dos programas estabelecidos para a disciplina.

Este envolvimento torna-se imperioso, principalmente no contexto das primeiras décadas do século XXI, que nos apresenta o cenário de uma sociedade com novos e mais complexos problemas, exigindo novas soluções e encaminhamentos, profissões e perfis profissionais condizentes, realização de pesquisas inter e transdisciplinares e uma atuação interprofissional. A Universidade vive o questionamento em seus projetos de pesquisas (interdisciplinares), ensino (com novos currículos) e extensão (na aplicação das pesquisas com equipes interprofissionais nas comunidades).

O que experimentamos na docência universitária é o desafio de construirmos juntos, professor e aluno, em relação andragógica, uma comunidade de aprendizagem, grupos de professores e alunos que se encontrem em seus espaços e tempos de aprenderem (aulas), se conheçam como pessoas, profissionais, cidadãos e candidatos às atividades profissionais atuais, troquem suas expectativas, interesses e em comunidade construam o desenvolvimento de suas profissões em equipes inter e transdisciplinares. Em comunidade de aprendizagem construam sua comunidade de ação profissional.

Estamos refletindo a partir de nossas experiências em cursos universitários, nos quais nos propusemos construir em cada sala de aula uma comunidade de aprendizagem com seus participantes.

Revisitando essas experiências, que aspectos nelas identificamos como características dessas comunidades de aprendizagem?

  1. As atividades coletivas são programadas para serem realizadas por pequenos grupos, que incentivam os alunos à participação e os ajudam a aprender a trabalhar em equipe numa atitude de colaboração e apoio mútuo.

  2. A interação social oferece melhores oportunidades de envolver-se em investigações colaborativas com seus pares; de incentivar o aluno a se engajar no diálogo, na negociação e no compromisso com projetos; de construir o conhecimento, de aprender.

  3. A extensão da comunidade para além da sala de aula valorizou as atividades realizadas pelos pequenos grupos na preparação dos próximos encontros e as atividades realizadas em espaços especificamente profissionais.

  4. A diversificação na composição desses pequenos grupos se apresenta como essencial para que a riqueza da heterogeneidade da turma seja aproveitada por todos em seus processos de aprendizagem, uma vez que todos terão oportunidade de se conhecerem, e superarem “panelinhas fechadas” e preconceitos; trocarem suas experiências e estudos, se ajudarem mutuamente, apoiando uns aos outros, e consequentemente fortalecendo a criação de uma comunidade de turma ou de classe mais consistente e robusta.

  5. O equilíbrio entre e a permanência e a variação dos participantes nos grupos facilita o desenvolvimento dos grupos para as atividades coletivas.

  6. No início das disciplinas, construir com o grupo, classe, o programa de trabalho a ser desenvolvido durante o semestre, com vistas à sua formação profissional, com discussão sobre os seus objetivos de educação e formação profissional a serem assumidos numa sociedade de século XXI, com o planejamento de temas a serem estudados, pesquisas a serem realizadas, estratégias a serem empregadas e um processo de avaliação que os acompanhe a ambos (aluno e professor), com orientação para o processo de aprendizagem, tem-se apresentado como elemento incentivador de uma comunidade de aprendizagem.

  7. A Comunidade de aprendizagem, ao criar uma forte ligação entre o desempenho social e o acadêmico, desenvolve atitudes de empatia, andragogia e maior capacidade para resolver conflitos. Cria um sentimento de “pertença” ao grupo (MASETTO, 2018).

  8. Comunidade de aprendizagem e processo de avaliação.

Outro fator que, em nossas experiências, tem permitido o desenvolvimento de comunidade de aprendizagem se relaciona com o sistema de avaliação de aprendizagem que juntos construímos.

Este processo se baseia em informações contínuas sobre o desempenho do aluno, do professor e do planejamento da disciplina que nos orientam para o alcance de nossos objetivos, definidos coletivamente no início do curso, e coletivamente avaliados.

Alguns itens de avaliação, como as interações entre professor e alunos, seja individualmente, seja em grupo; a avaliação das estratégias de pequenos grupos, seu aspecto colaborativo e sua eficiência para a aprendizagem; a avaliação das características do grupo em suas interações com os participantes do grupo e como um fator colaborativo ou não do processo de aprendizagem; e as responsabilidades e compromissos assumidos pelos alunos e pelo professor, nos permitem avaliar o movimento de construção de nossa comunidade de aprendizagem.

Uma destas avaliações é realizada no meio do semestre, propositadamente para que decisões sejam tomadas antes do final do curso. A estratégia avaliativa de adequação do planejamento da disciplina nos abre caminhos para acompanharmos a construção de nossa comunidade durante o curso.

Os depoimentos de alunos e professor em atividades de avaliação dos projetos das disciplinas do desempenho dos alunos e do professor nesse projeto disciplinar podem nos apontar, e o fazem com muita clareza e sinceridade, em que aspectos deste projeto disciplinar estamos conseguindo fazer a diferença para todos os que nele estão envolvidos, e quais devem ser aperfeiçoados ou mesmo corrigidos em novas disciplinas.

Nesta comunidade de aprendizagem, aprendemos e experimentamos que um processo de avaliação integrado ao processo de aprendizagem é o caminho de crescimento e desenvolvimento pessoal e coletivo.

Considerações finais

No início deste nosso artigo nos apropriamos das sábias considerações de Sacristán (2000, p. 39), que nos deu o significado de retomarmos nosso passado relacionando-o com nosso presente.

Em busca de uma docência universitária que fizesse a diferença na vida de nossos alunos, partimos das primeiras experiências de dinamização das aulas expositivas para descobri-las como espaço e tempo de aprendizagem para professor e alunos. Avançamos para mudanças mais profundas na atitude do professor com o desenvolvimento da Mediação Pedagógica e na atitude do Protagonismo do aluno, agora descoberto como um jovem em processo de se tornar adulto, relacionando-se com seu professor e seus colegas em vivências de andragogia, empatia e “com-vivência”. Aluno e professor constroem uma comunidade de aprendizagem.

Nossas pesquisas nos mostraram professores universitários fazendo a diferença na vida pessoal, social profissional e cidadã de nossos alunos.

O encerramento deste artigo não poderia ser outro se não com as considerações do mesmo autor (SACRISTÁN, 2000, p. 39), as quais nos colocam diante do futuro: “[...] é importante, sim, analisar as mudanças, analisar as continuidades das ‘imagens do passado’, as do presente e as suas projeções no futuro. Meditar sobre o que ocorreu pode dar-nos perspectivas, impulsos e algumas inquietações mobilizadoras [...]”.

Como “só podemos preencher o ‘porvir’ a partir do presente com projetos. E estes estão enraizados nos ideais do passado e do presente (SACRISTÁN, 2000, p. 39)”; atualmente, nossas imagens dos tempos citados nos impulsionam para outras inquietações mobilizadoras: a construção e o desenvolvimento de Projetos de Currículos Inovadores para os Cursos de Graduação da Universidade como caminho para o desenvolvimento do Ensino Superior no Brasil. E isto nos permite pensar em um porvir com outros projetos.

1Esta pesquisa, em parte, foi publicada em 1992. MASETTO, Marcos. Aulas vivas, São Paulo: MG Editores Associados, 1992.

2 Masetto (2015, p. 26-32) traz sugestões sobre as estratégias que poderão ser usadas.

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Recebido: 19 de Janeiro de 2022; Aceito: 10 de Julho de 2022

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