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Revista Diálogo Educacional

versión impresa ISSN 1518-3483versión On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.22 no.74 Curitiba jul./set 2022  Epub 19-Nov-2022

https://doi.org/10.7213/1981-416x.22.074.ao09 

Artigos

Pesquisa e inovação responsáveis e seus pressupostos na cibercultura

Responsible Research and Innovation and its assumptions in cyberculture

Investigación e innovación responsable y sus supuestos en cibercultura

RAQUEL PASTERNAK GLITZ KOWALSKIa 
http://orcid.org/0000-0002-7394-6505

LUCIANE HILUb 
http://orcid.org/0000-0003-2770-799X

aPontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, PR, Brasil. Doutora em Educação, e-mail:

bPontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, PR, Brasil. Doutora em Educação, e-mail:


Resumo

Este trabalho apresenta um estudo de caso qualiquantitativo desenvolvido em instituição de ensino superior de grande porte no estado do Paraná, Brasil. Analisa a aplicação de uma proposta pedagógica que almeja o desenvolvimento de um projeto de design baseada em desafio de temática social como parte da investigação de um projeto internacional que tem como pressuposto os preceitos de Responsible Research and Innovation (RRI). A pesquisa objetivou a discussão sobre como as Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) podem auxiliar na construção de habilidades de trânsito e aquisição de conhecimento na cibercultura de forma responsável, aberta e cidadã. O projeto internacional que forneceu subsídios para esta pesquisa foi financiado pela Comissão Europeia, uma iniciativa para promover habilidades para RRI por meio de Recursos Educacionais Abertos (REA). A pesquisa centrou-se nas atividades realizadas com estudantes de uma turma de 5º período do curso superior de Design Digital. A proposta pedagógica constitui-se em sete fases, sendo que ao final os resultados foram apresentados e discutidos de forma coletiva pelos estudantes. Também ocorreu uma autoavaliação dos alunos do processo formativo e da metodologia desenvolvida ao longo do semestre, por meio de questionário on-line. Os dados deste estudo incluíram estudantes coordenados por dois professores que participaram da experiência colaborativa de coprodução. Dos resultados obtidos, foi possível perceber que os estudantes entendem a importância da construção das habilidades levantadas, mas que ainda possuem dificuldades no exercício dos conceitos relativos à abertura de forma responsável.

Palavras-chave: RRI; REA; Redes sociais; Aprendizagem colaborativa; Cibercultura.

Abstract

This paper presents a qualitative-quantitative case study developed in a large higher education institution in the state of Paraná, Brazil. It analyzes the application of a pedagogical proposal aiming at the development of a design project, based on a social theme challenge as part of the investigation of an international project, based on the precepts of Responsible Research and Innovation (RRI). The research aimed to discuss how Digital Information and Communication Technologies (DICT) can help in the construction of transit skills and knowledge acquisition in cyberculture in a responsible, open and citizen way. The international project that provided grants for this research was funded by the European Commission, an initiative to promote skills for RRI, through Open Educational Resources (OER). The research focused on the activities carried out with students from a 5th period class of the Digital Design higher course. The pedagogical proposal consists of seven phases, and at the end, the results were presented and discussed collectively by the students. There was also a self-assessment of the students of the training process and the methodology developed throughout the semester, through an online questionnaire. Data from this study included students coordinated by two professors who participated in the collaborative co-production experience. From the results obtained, it was possible to perceive that students understand the importance of building the skills raised, but that they still have difficulties in exercising the concepts related to openness in a responsible way.

Keywords: RRI; OER; Social networking; Collaborative learning; Cyberculture

Resumen

Este artículo presenta un estudio de caso cualitativo-cuantitativo desarrollado en una gran institución de educación superior en el estado de Paraná, Brasil. Analiza la aplicación de una propuesta pedagógica que tiene como objetivo el desarrollo de un proyecto de diseño, basado en un desafío temático social como parte de la investigación de un proyecto internacional, basado en los preceptos de Investigación e Innovación Responsable (RRI). La investigación tuvo como objetivo discutir cómo las Tecnologías Digitales de Información y Comunicación (TICD) pueden ayudar en la construcción de habilidades de tránsito y adquisición de conocimientos en la cibercultura de forma responsable, abierta y ciudadana. El proyecto internacional que otorgó subvenciones para esta investigación fue financiado por la Comisión Europea, una iniciativa para promover habilidades para la RRI, a través de Recursos Educativos Abiertos (OER). La investigación se centró en las actividades realizadas con estudiantes de una clase de 5to período del curso superior de Diseño Digital. La propuesta pedagógica consta de siete fases, y al final, los resultados fueron presentados y discutidos colectivamente por los estudiantes. También se realizó una autoevaluación de los alumnos del proceso formativo y de la metodología desarrollada a lo largo del semestre, a través de un cuestionario online. Los datos de este estudio incluyeron estudiantes coordinados por dos profesores que participaron en la experiencia de coproducción colaborativa. A partir de los resultados obtenidos, fue posible percibir que los estudiantes comprenden la importancia de construir las habilidades planteadas, pero que aún presentan dificultades para ejercitar los conceptos relacionados con la apertura de manera responsable.

Palabras clave: RRI; REA; Redes sociales; Aprendizaje colaborativo; Cibercultura

Introdução

Em um ambiente cada dia mais desafiador e de constantes alterações, refletir sobre as possibilidades educacionais que se apresentam por meio dessas mudanças torna-se fundamental. A reflexão perpassa não só por tendências de aprendizado, mas também tecnológicas que alteram o modus vivendis. Novos comportamentos têm advindo de inovações e mudanças na forma com que as pessoas se relacionam com o mundo e suas dimensões: blockchain (tecnologia que torna possível não só as transações com moedas digitais - as criptomoedas - mas também outros serviços como a criação de contratos inteligentes), empowered edge (que facilita o processamento de informações e de dados próximos da fonte de origem, muito relacionado com a Internet das Coisas - IoT), espaços inteligentes, computação quântica (que estuda o desenvolvimento de algoritmos e softwares com base em informações que são processadas por sistemas quânticos, como átomos, fótons ou partículas subatômicas), desenvolvimento orientado por Inteligência Artificial (IA), experiências imersivas, análise aumentada, objetos autônomos e digital twins (uma representação digital que espelha um objeto, processo ou sistema da vida real), são algumas das inovações que têm impactado a forma de viver e o modelo de pensamento dos indivíduos na contemporaneidade.

Com um grande potencial, essas tendências impulsionam um processo contínuo de inovação em diversas áreas, passando a fazer parte de um ciclo de desenvolvimento que altera exponencialmente as relações existentes entre o ser humano e seu entorno. Os elementos que as compõem, cada vez mais disruptivos, alteram as relações entre os indivíduos, destes com o mundo do trabalho, do comércio, dos serviços, das bases financeiras e diversas outras facetas da sociedade. Incrementa-se o espaço cyber como uma forma legítima de se relacionar e de trabalhar, fazendo emergir e solidificar uma cultura cyber baseada em interação e socialização e que altera significativa e constantemente o mundo.

O ciberespaço (SANTOS, 2019) configura um ambiente plural com diversos contextos mediados por interfaces digitais, que virtualmente simulam a realidade física. Conforme Santos (2019), a cibercultura atua de forma revolucionária no ciberespaço por meio da cultura contemporânea que transforma a comunicação, a produção e a circulação de informações produzindo dados em rede.

Assim, é preciso pensar o ciberespaço e a cibercultura como constituintes essenciais de novas maneiras de agir, de sentir, de pensar, de trabalhar e de se relacionar no meio em que os indivíduos vivem, quer seja físico, quer seja virtual. O comportamento humano (individual e social) no virtual, cerne da cibercultura (LÉVY, 1999), evidencia cada vez mais a conexão entre a sociedade e o espaço virtual digital. Torna-se difícil a separação do humano real do virtual e amplia-se o ciberespaço como uma nova realidade dinâmica e inquieta. Eliminam-se as barreiras e fronteiras físicas para a efetivação da propagação da informação, de costumes, de hábitos e de culturas. Conforme Lévy (1999), acontece a “desterritorialização do presente”, pois não há barreiras de acesso a bens de consumo, a produtos e à comunicação. Vive-se, por isso, numa modernidade líquida (BAUMAN, 2001), na qual os indivíduos agem quase como turistas, em busca de múltiplas e normalmente fugazes experiências, autênticos nômades digitais que se movimentam (de forma fluida) por espaços híbridos, buscando interações e relações variadas (DIAS-TRINDADE, 2020).

Essa universalização, permitida pelas características do ciberespaço e da cibercultura, passa a transformar a sociedade, em que há novos produtores e emissores de informações, criando experiências, dando origem à inteligência coletiva, uma inteligência compartilhada que surge da colaboração de muitos indivíduos em suas diversidades (LÉVY, 1999). A criação de uma inteligência coletiva congrega vínculos, sinergias e trocas entre inteligências individuais. O envolvimento ativo dos indivíduos em uma cultura de construção comunitária e colaborativa abre maiores oportunidades para a transformação cultural.

Em consequência dessa expansão nas interações e do crescimento do papel da coletividade, delineou-se uma cultura intimamente relacionada ao papel dos novos sistemas de informação, que, por sua vez, facilitam a comunicação e a interação entre as pessoas. Não se trata somente de uma infraestrutura de comunicação digital, mas também de uma imensidão de informação que ela abriga e que enseja maneiras de os indivíduos navegarem, alimentarem-se e reconstruírem esse universo informacional. Os indivíduos estão cada vez mais imersos nas novas relações de comunicação e de produção de conhecimento que a própria cibercultura oferece e devem ter capacidade de discutir, contribuir, refletir e produzir informações, como também de colaborar com a construção coletiva do conhecimento, com seriedade.

Agregando a concepção do ambiente virtual como um local de interação social e de conhecimento, outros âmbitos se apresentam, em especial, o de educação e de pesquisa. O ciberespaço atua como um catalisador para a reestruturação de novos discursos, que devem ser interligados em todos os aspectos das práticas sociais e educativas, a fim de evitar a criação de abismos entre a realidade do indivíduo e o seu processo socioeducativo.

Constroem-se novos modelos do espaço do conhecimento, emergentes, abertos, contínuos, em fluxo, não lineares, reorganizando-se de acordo com os objetivos ou com os contextos, nos quais cada um ocupa posição singular e evolutiva. Essa nova forma de compreensão do conhecimento enseja uma análise crítica dos métodos de investigação e do ensino e aprendizagem.

Na educação, a tecnologia digital, aliada ao ciberespaço, apresenta possibilidades que fazem os estudantes irem além do livro didático e da aula tradicional, corroborando a crítica, já existente, de que o professor é responsável pela produção e transmissão do conhecimento.

Na docência interativa presencial, Silva (2008) propõe mediações que fazem com que os professores redimensionem sua autoria. A primeira sugestão abrange proporcionar oportunidades múltiplas de expressão; a segunda refere-se a disponibilizar a montagem de conexões em rede; a terceira abrange provocar inquietações criadoras; a quarta diz respeito à criação de hipertextos colaborativos; a quinta e última é a mobilização da experiência do conhecimento. Silva (2021, n.p) complementa que “a docência articula o espaço físico presencial com “ambientes virtuais de aprendizagem”, redes sociais, blogs, wikis e outros, em favor da construção do conhecimento e da formação”.

Para que as sugestões de mediações sejam efetivas, os docentes devem estimular a participação, garantir a comunicação bidimensional, disponibilizar múltiplas redes de comunicação, estimular a cooperação, utilizar mídias em que os estudantes são estimulados à comunicação, garantir a diversidade de ferramentas e funcionalidades em ambientes on-line e estimular a autoria cooperativa. Extrair o sentido das informações, colocá-las em estruturas e contextos específicos e oferecer uma análise delas, em um processo de compartilhamento, é um dos maiores desafios dos docentes na atualidade.

Ao observar esse contexto tão complexo, apresenta-se a necessidade de oportunizar para os estudantes o acesso a ambientes educacionais na cibercultura de forma mais significativa, oferecendo-lhes novos espaços de conhecimento, com estruturas diferenciadas e propostas que envolvam estratégias didáticas também diferenciadas, como as metodologias ativas e na perspectiva de pesquisa e inovação responsáveis (Responsible Research and Innovation - RRI).

No âmbito educacional, podemos compreender a inovação como um novo processo, um novo produto, um novo serviço ou um novo conhecimento (RAMÍREZ-MONTOYA; LUGOOCANDO, 2020) que permitam a formação de indivíduos aptos a aplicar o apreendido na resolução de problemas, que saibam trabalhar em equipes em contextos complexos e multiculturais, que possuam senso crítico e, sobretudo, que sejam criativos e gerem novos conhecimentos e inovações.

Uma educação inovadora, diante do momento disruptivo do mundo atual, torna-se, pois, relevante para o sucesso tanto de discentes quanto de docentes e de instituições, sendo a pesquisa elemento essencial para um posicionamento mais efetivo em relação às inovações e às mudanças diárias.

As pesquisas pela perspectiva de RRI tem o intuito de responder a esta demanda, mas refletindo criticamente acerca dos conhecimentos construídos e/ou os dados pesquisados, envolvendo a ética e a integridade na pesquisa, a igualdade de gênero, oportunidades iguais, políticas governamentais flexíveis e engajamento adequado dos participantes, oferecendo acesso amplo e efetivo aos resultados, além de ampliar a educação científica em todos os níveis de escolaridade.

Entende-se pelo exposto a necessidade de uma reflexão acerca dos itens apontados nesta introdução, objetivada e concretizada no estudo descrito a seguir, a partir da realização de uma experiência de aplicação de metodologia de projeto em situação educativa sustentada pelo ciberespaço, baseada na RRI. Para fornecer meios de concretização deste objetivo fundamental, a experiência se pautou na criação de recursos educacionais abertos, e foi desenvolvida por uma turma de graduação em Design Digital de uma universidade de grande porte de Curitiba, sob supervisão de dois professores universitários.

Pesquisa e inovação responsáveis

A ciência e a tecnologia têm a capacidade de mudar o futuro, estão social, moral e politicamente interligadas e podem ter efeitos sociais adversos de amplo alcance e imprevisíveis. A RRI surgiu com o objetivo de alinhar o avanço tecnológico com valores sociais e apoiar decisões de instituições sobre pesquisa e inovação em circunstâncias ambíguas e incertas. A RRI aspira incluir o público e atores responsáveis na ciência e inovação para alcançar resultados que sejam eticamente aceitáveis, sustentáveis e socialmente desejáveis (RRI-PRACTICE, 2016).

A RRI é uma abordagem que aparelha a sociedade para uma compreensão mais adequada de benefícios e de riscos das pesquisas, das tecnologias e das inovações próprias da atualidade, a qual instaura novas formas de configuração da sociedade, trazidas por uma significativa mudança paradigmática iniciada no século XX, teorizada como paradigma da complexidade (MORIN, 2000). Por meio desse paradigma, promoveram-se as relações entre o todo e o indivíduo, que passaram a dialogar; religaram-se os saberes, dissolvendo as fronteiras entre as disciplinas, promovendo a circularidade entre as partes e o todo (a multiplicidade na unidade e vice-versa). Passou-se a admitir a existência da incerteza, da aleatoriedade, da imprevisibilidade e das contradições, buscando lidar com elas. Da mesma forma, a rapidez com que toda a informação se modifica e evolui em todas as áreas do conhecimento faz com que reflexões sobre implicações sociais e éticas dessas mudanças e evoluções sejam de extrema importância. Além disso, o preceito da consciência da solidariedade e da responsabilidade emergiu de forma contundente. Esse contexto passou a demandar uma formação integral e constante do indivíduo corroborando com a vida no planeta, segundo Behrens e Torres (2022, p. 18):

A busca da consciência planetária precisa atingir uma visão mais ampla da ecologia, que não envolve só preservar os rios, as matas e os recursos naturais, mas considerar o meio ambiente como um todo; para isso, é necessária e urgente a mudança da visão das pessoas para outra via, com base no posicionamento ético como pilar sustentador da Terra-pátria, no qual cabe o alerta ao combate da injustiça social, à reforma do pensamento, ao acolhimento de trajetórias que tornem a humanidade mais solidária e socialmente responsável.

Aliada a esses preceitos, a sociedade, permeada intensivamente pelas novas tecnologias e por suas possibilidades, bem como pelos novos posicionamentos, necessidades e atitudes que dela emergem, passou a ser nomeada de diversas formas, entre elas, sociedade do conhecimento (CASTELLS, 2000), sociedade em rede (CASTELLS, 1999) e sociedade da aprendizagem (HARGREAVES, 2004).

Como sociedade do conhecimento, traz a ideia de que o conhecimento se configura como fonte de riqueza, de produção e de poder (TORRES; HILU; KOWALSKI, 2010), estabelecendo-se como um dos bens necessários aos indivíduos. Em tal sociedade, o acesso ao conhecimento deve ser democratizado, ampliado e oportunizado a todos os indivíduos. Foca-se no uso compartilhado de recursos, na construção coletiva de conhecimento, na interação livre e no direito de acesso à informação, promovidos pelas Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) e pela educação, na perspectiva do conhecimento como um bem comum e na ideia do saber compartilhado. Baseia-se na proposta centrada nas pessoas e no reuso do conhecimento como um recurso de produção, prosperidade e bem-estar social.

Já a sociedade sob a lógica das redes delineia-se tanto em relação à informação quanto à organização social dos indivíduos, por meio da qual se configura e se altera a informação.

A sociedade da aprendizagem (HARGREAVES, 2004), por sua vez, configura-se como uma sociedade na qual os indivíduos constroem uma relação mais estreita com a informação, conseguindo se manter aprendendo acerca de si próprios e uns com os outros, residindo o diferencial dos indivíduos na sua capacidade de aprender e de continuar aprendendo ao longo da vida.

As TDIC e a convergência das mídias digitais, aliadas a esse contexto, têm promovido diversas possibilidades de conexão e de comunicação em rede que podem dar conta desse cenário, delineando uma ecologia midiática (JENKINS, 2009) de extrema importância que permite acesso e flexibilização do processo de ensino. Essa ecologia vem ampliando as oportunidades tanto de acesso à educação quanto de adequação dos processos educacionais às atuais conjunturas sociais (HILU; TORRES, 2017).

Assim, os jovens estão cada vez mais acostumados a um permanente multitasking e a usar o digital para coordenar suas atividades diárias (SEWLYN, 2012). Utilizam inúmeros aplicativos que se multiplicam em um piscar de olhos e não podem mais ser considerados uma disrupção no contexto educacional, mas, sim, uma ampliação do campo educativo.

Nesse contexto, desde 2002, a Comissão Europeia investiu na divulgação de uma política de RRI, vinculada ao programa Horizon 2020, de forma a integrar os impactos éticos e sociais da pesquisa nos processos de avaliação de suas investigações. Diante disso, o conceito de RRI foi introduzido pela Comissão Europeia na última década para destacar o processo transparente, interativo e inovador no qual, de forma colaborativa, cidadãos ajudam uns aos outros (TORRES; OKADA; KOWALSKI, 2016). O objetivo é levar as pessoas - pesquisadores ou leigos - a desenvolver opiniões baseadas em evidências sobre os riscos e os benefícios de inovações científicas por meio do conhecimento e do acesso a ferramentas que auxiliem na tomada de decisões e, consequentemente, na participação responsável na sociedade (TORRES; OKADA; KOWALSKI, 2016).

Um dos desafios da sua aplicação nas instituições de ensino é tornar claro aos estudantes que há um embasamento robusto de teorias, métodos e princípios fundamentando as pesquisas para que se tenha responsabilidade. Ainda, a RRI conscientiza as instituições de ensino da importância social e da necessidade do trabalho com conceitos que instiga debates de temas relevantes da atualidade.

Aliadas à preparação do sujeito para o novo e incerto e tendo por base a visão de mundo interconectado e unificado e a necessidade de aprendizagens abertas, flexíveis e colaborativas, as ações educativas devem ajudar a construir uma aprendizagem que permita descobrir as inter-relações existentes, tendo em vista a perspectiva global, sem abandonar a visão do indivíduo, utilizando as TDIC para tal.

Educação aberta

Visando a atender a esse contexto, a proposta de uma educação aberta (AMIEL, 2012) que utiliza as TDIC surge na cibercultura na perspectiva de ampla disseminação do conhecimento, autocriação e auto-organização. Prevendo o fomento do ensino e da aprendizagem por meio de práticas, recursos e ambientes abertos e tendo em vista a pluralidade de contextos e possibilidades educacionais ao longo da vida, essa proposta oferta a ampliação de variedade de oportunidades para a equidade de acesso e a liberdade de aprendizado, encorajando as práticas colaborativas. Apoia-se na ideia de que está assegurado o direito à instrução a todo ser humano, pautando-se pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu art. XXVI. Assim, entende-se a educação aberta como uma forma de “fomentar (ou ter à disposição) por meio de práticas, recursos e ambientes abertos, variadas configurações de ensino e aprendizagem [...]” (AMIEL, 2012, p. 18-19).

Esse movimento vem ao encontro dos anseios das sociedades do conhecimento e da aprendizagem, para as quais se prevê o desenvolvimento de aprendizagens abertas e flexíveis, com currículos baseados em competências e conhecimentos úteis, adquiridos em qualquer tempo ou lugar: “Uma sociedade aberta, requer sistemas de conhecimento abertos” (DAVIES, 2002, p. 13).

Entretanto, mesmo que exista a declaração dos direitos do cidadão à educação, a realidade educacional ainda apresenta dificuldade de acesso a materiais educativos que permitam a aquisição coletiva e democrática do conhecimento. Dessa forma, deve ocorrer a transformação das instituições educativas, para que possam se tornar mais abertas, fomentando configurações de ensino-aprendizagem flexíveis e variadas (AMIEL, 2012).

Busca-se horizontalizar e socializar o conhecimento, para que os interessados em ensinar e os que se propõem a aprender possam fazer uso de recursos para aprender em um formato de interesse mútuo, revendo as formas de ser das instituições tradicionais de educação formal. Surge o aprendizado flexível, em que as pessoas podem aprender no horário, no lugar e no ritmo segundo suas necessidades e circunstâncias. Para tal, faz-se necessário o desenvolvimento de Práticas Educacionais Abertas (PEA) e de Recursos Educacionais Abertos (REA), itens que fazem parte do processo completo da educação aberta (SANTO, 2012).

As PEA trazem para o universo do ensino e da aprendizagem a experimentação e a criatividade metodológica por parte de professores e de estudantes, encorajando a experimentação e o seu compartilhamento, disseminando a cultura da troca (AMIEL, 2012). Elas ajudam a deixar explícitos os meandros da educação, para que todos os atores envolvidos possam compreender e adotar uma postura crítica diante dos processos de ensino e aprendizagem, fomentando a troca e incremento das atividades.

Além desses aspectos relacionados às PEA, a educação aberta abrange a oferta e a utilização de REA, entre outras dimensões de uso e de disponibilização de tecnologias de código aberto e pesquisa de acesso livre. Trata-se de um conceito adotado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no início dos anos 2000, pelo qual se assume a necessidade de somar esforços para garantir a produção e o uso de recursos de forma aberta para a educação, com o intuito de democratização do saber, sob o preceito da educação aberta. Por meio deles, propõem-se a solução para a implementação da nova política educacional, baseada na democratização do ensino, e a distribuição de materiais didáticos de forma livre.

As PEA podem ser compreendidas como práticas que circulam ao redor da criação, do uso e da gestão de REA, com vistas à inovação e à melhoria da qualidade da educação (OPAL, [2022?]). Tendo como principal característica a abertura, essas propostas implicam fomentar uma cultura de compartilhamento e de transparência, como parte de um ciclo produtivo, e não de uma atividade isolada.

Parte-se do princípio de que, quanto mais aberta é a prática e quanto mais se permite o acesso e a alteração colaborativamente, mais facilmente se encontram pessoas que podem contribuir significativamente para a melhoria desse processo. A importância do compartilhamento dá origem à cultura da mixagem e da redistribuição, o que impele à discussão de novas formas de ensino e de tratar os indivíduos estudantes e/ou professores envolvidos nesse contexto. Muda-se a lógica do controle e da apropriação para a lógica da colaboração e do compartilhamento, cujas tecnologias exercem um papel importante de disseminação e potencialidades.

Dessa forma, como as capacidades em uma sociedade são propriedades que não se configuram somente de indivíduos, mas de coletividades que dependem de inteligência coletiva para ser efetivadas, constroem-se compromissos com a vida coletiva a partir dos aspectos colaborativos.

Essa possibilidade de atuação ativa no processo de ensino e aprendizagem, que permite a democratização da aprendizagem de forma ampla por sujeitos diversos, mas também da sua construção de forma colaborativa em rede, necessita de uma reflexão quanto à responsabilidade que cada indivíduo tem nessa construção, quer seja científica, quer seja social. A abertura e a colaboração não isentam os partícipes do processo de seu impacto na geração de posturas responsáveis em sua pesquisa e em suas contribuições. Assim, atrelar os preceitos de RRI às práticas de construção de ensino e aprendizagem da cibercultura se faz indispensável.

Para compreender melhor como os estudantes têm se comportado com relação à prática de abertura utilizando as TDIC, em uma perspectiva da cibercultura empregando RRI, realizou-se uma pesquisa qualiquantitativa, a partir de um estudo de caso.

Metodologia

Tendo por pressuposto o cenário descrito, este artigo reflete sobre possíveis abordagens educacionais que possam atender às necessidades apontadas. Para tal reflexão construiu-se uma proposta pedagógica em específico sobre uma temática social, tendo em vista as questões relacionadas ao RRI, que foi aplicada a um grupo de estudantes de graduação. Foram escolhidos estudantes de uma instituição de ensino superior de grande porte de Curitiba, Paraná, Brasil. Trata-se de uma universidade que busca consolidar uma trajetória de inovação por meio de programas e de cursos que permitem a flexibilização e a adoção de metodologias inovadoras e de tecnologias nas situações de ensino e aprendizagem. Isso é exemplificado na proposta de Trabalho Discente Efetivo (TDE) adotada desde 2015, transportando para o meio digital a distância uma parcela da carga horária de todas as disciplinas de todos os seus cursos, concretizando a utilização das TDIC no processo de ensino-aprendizagem. Outro exemplo é a ampla utilização das metodologias ativas, como a sala de aula invertida e a aprendizagem por pares, como parte de sua realidade acadêmica. Foram selecionados os estudantes de uma turma de 5º período do curso de Design Digital, predominantemente de 20 a 25 anos, durante um semestre.

Para proceder às reflexões, optou-se por uma metodologia de pesquisa qualiquantitativa, sendo que a coleta de dados utilizou instrumento aplicado sob condições controladas, configurando-se como uma observação sistemática, estruturada ou direta (MARCONI; LAKATOS, 2008).

Proposta pedagógica do estudo de caso

A proposta pedagógica foi construída como uma PEA, baseada em um desafio de temática social, tendo por suporte um projeto internacional que trabalha com a abordagem de RRI.

A proposta, organizada em fases específicas, provocou os alunos a discutir por meio das TDIC questões relacionadas à vida saudável da população e de que maneira isto pode se dar.

A essência da proposta está no fornecimento de espaço e estímulo para reflexões dos estudantes acerca das bases de sua formação para uma atuação ética e responsável no ciberespaço, com reflexos na construção de uma cibercultura sustentada sobre preceitos da colaboração e da democratização do saber consciente.

As fases apresentadas nessa proposta pedagógica foram criadas por Hilu (2016) a partir de análises de metodologias de projeto que fornecem suporte para reflexões e criações em um cenário complexo corroborando com Behrens (2005). Estas fases foram estruturadas em um framework pedagógico e aplicadas neste estudo como parte das atividades desenvolvidas em projeto internacional financiado pela Comissão Europeia com uma iniciativa para promover habilidades para RRI por meio de REA em alunos. Foram trabalhadas na proposta pedagógica em questão as dez habilidades de investigação científica para RRI propostas no projeto - interrogar fontes, usar ética, examinar consequências, estimar riscos, analisar padrões, criticar reclamações, justificar opiniões, comunicar ideias, elaborar perguntas e tirar conclusões - que visam a fornecer aos discentes o engajamento ativo na ciência contemporânea (OKADA et al., 2016).

Para um maior engajamento, a temática foi tratada em formato de desafio, sendo este disponibilizado no ambiente virtual de aprendizagem da instituição para acesso dos alunos, bem como os documentos contendo os critérios de avaliação. Para a atuação dos estudantes, foi criado um grupo na rede social Facebook (Desafio Vidas Saudáveis), em que compartilhamentos de pesquisas, inspirações e ideias deveriam ocorrer, promovendo a proposta da abertura e dissolução dos preceitos de autoria on-line, buscando a colaboração. Os estudantes foram instruídos a “curtir” as contribuições mais significativas e comentá-las, bem como marcá-las com hashtags, que poderiam fornecer melhor mapeamento das contribuições.

A primeira fase objetivou uma imersão no tema, tratada como uma fase de descoberta, onde pesquisas foram realizadas e compartilhadas em mídia social (Facebook). A reflexão sobre as pesquisas se deu com o tagueamento, que deveria acontecer de acordo com a natureza do dado compartilhado, sendo organizadas em Missões.

A fase seguinte teve por objetivo criar coletivamente possíveis soluções para os desafios levantados a partir das pesquisas realizadas e seus tagueamentos. Esta fase denominou-se de fase das Ideias, acontecendo também em mídia social.

Explorando a natureza colaborativa e responsável das fases de pesquisas e de ideias, estimulou-se a contribuição dos alunos sobre os itens publicados, levando em consideração os preceitos do RRI. Formas de resolução deste desafio, de natureza complexa, foram discutidas para identificar caminhos de solução. A discussão mesclou tanto ações digitais (virtuais/ nas mídias sociais) quanto presenciais, constituindo-se híbrida em seu desenvolvimento.

Para estimular a convergência de mídias e uso de dispositivos e buscar outras formas mais visuais de apresentar as perspectivas dos estudantes acerca do desafio colocado, solicitou-se, em uma terceira fase, que disponibilizassem, via rede social Instagram, uma imagem que representasse a vida saudável, incluindo uma hashtag para mapeamento (#desafioVidasSaudaveis).

Ao todo, houve 31 compartilhamentos de missões, 12 proposições de ideias e 11 compartilhamentos no Instagram. Vinte e oito comentários foram realizados nas publicações (missões, ideias, Instagram), denotando disposição para a colaboração.

Na sequência, a partir dos materiais disponibilizados, foi realizada a quarta fase, que consistiu em uma sessão presencial de discussão coletiva para a interpretação das descobertas realizadas, discussão, aprofundamento e análise das ideias apresentadas via redes sociais, refinamento e seleção de uma única ideia para desenvolvimento.

As atividades realizadas nesta etapa foram: (i) discussão coletiva acerca das missões colocadas nas redes sociais; (ii) seleção de palavras-chave a partir da discussão; (iii) votação de cada estudante (por meio de post-its colados ao lado da palavra-chave escrita na lousa) da palavra-chave que tivesse maior potencial para solução do problema proposto; (iv) construção de mapa mental em grupos de estudantes (cinco integrantes para cada grupo) a partir dos itens levantados; (v) discussão coletiva de todos os mapas mentais produzidos pelas equipes, a fim de consolidar a proposta; (vi) a partir das discussões, consenso de uma única proposta para o desenvolvimento do resto do trabalho; (vii) ao final da discussão e com a proposta definida coletivamente, os estudantes foram orientados a se organizar em equipes de dois a dois para dar sequência ao desenvolvimento da solução fora de sala de aula.

A quinta fase foi desenvolvida a distância, via ambiente virtual de aprendizagem, com a definição do produto sustentado pela proposta única a ser desenvolvido com base nas discussões geradas em sala.

Tendo em vista que, ao utilizar a colaboração no processo de ensino e aprendizagem, há que se atentar também aos procedimentos de avaliação que se propõem, a avaliação teve ênfase nos processos, mas de forma a gerar uma reflexão que pudesse ser transformada em ação. Não teve função de teste, mas função dialógica e interativa, sendo libertadora, atingida pela participação dos estudantes intensamente no processo de avaliação e autoavaliação. O integrante do processo foi autor e avaliador das suas contribuições e dos outros. Essa experiência ocorreu de forma estruturada, envolvendo a avaliação individualizada, autoavaliação, avaliação por pares e coletiva, na sequência das atividades, se dando na sexta fase da iniciativa pedagógica, na qual os estudantes se reuniram em pares para, primeiramente, demonstrar o andamento de seu projeto, realizar a avaliação e trocar contribuições para melhorias dos trabalhos apresentados pelos pares. Esse processo foi inicialmente realizado somente entre as equipes, sem a interferência do professor, que, em seguida, intermediou e mediou todas as colocações, complementando-as e agregando. Esta fase permitiu a reflexão ampla sobre as proposições de solução que foram implementadas na finalização da proposta de cada equipe.

Por fim, na sétima fase, ocorreram a apresentação e discussão coletiva das soluções alcançadas e a autoavaliação do processo formativo e da metodologia desenvolvida ao longo do semestre por meio de questionário on-line.

Resultados e discussão

Todos os estudantes foram convidados a realizar a autoavaliação e a avaliação do processo de forma voluntária. Dos 27 participantes deste estudo de caso, 18 realizaram a avaliação por completo, seis não realizaram a avaliação e três realizaram a avaliação parcialmente. Os resultados obtidos são apresentados e discutidos a seguir.

Os estudantes elogiaram o processo como um todo, em especial, as situações de debate e discussão de ideias, a colaboração entre os participantes, a amplitude e abrangência das proposições levantadas nas ações colaborativas. Segue uma fala refletindo esse posicionamento:

A construção coletiva foi desenvolvida de forma que a turma percebesse seus pontos em comum e ideias foram melhor desenvolvidas com a opinião e bagagem cultural de cada um (Participante 9).

Apesar de os estudantes apontarem, de forma geral, a positividade no processo, algumas considerações acerca das dificuldades encontradas por eles devem ser mencionadas. Dentre elas, foi verificada uma dificuldade na aceitação e exercício pleno da aprendizagem colaborativa, conforme explicitado neste artigo. Na esteira de Panitz (1996, p. 1), verificou-se que, em alguns momentos, não houve a base para que se sustentasse a aprendizagem colaborativa, ou seja, a existência de “um compartilhamento de autoridade e a aceitação de responsabilidades entre os membros do grupo, nas ações do grupo”. Como a colaboração “está baseada na construção de consenso por meio da cooperação entre os membros do grupo, contrapondo-se à ideia de competição, na qual alguns indivíduos são melhores que outros”, algumas dificuldades foram encontradas na destituição dos estudantes desse perfil competitivo, que emergiu fortemente nas atividades propostas no estudo de caso. Contudo, até mesmo essa discussão, que instaurou desafios, debates e questionamentos dos diferentes pontos de vista, levou os estudantes a experimentar a diversidade e responsabilidade da autoria compartilhada. Esse processo permitiu uma reflexão dos discentes acerca de sua própria postura.

Como a colaboração, além da reflexão das responsabilizações frente a uma comunidade de aprendizagem, borra os limites da autoria na rede, os estudantes foram questionados sobre sua preocupação com a autoria na internet, sendo que 75% dos respondentes afirmaram se preocupar totalmente, 15% não se preocupam e outros 10% se preocupam parcialmente (Tabela 1). A maior preocupação dos respondentes foi com o plágio e a creditação indevida de trabalhos, a qual é, em parte, com relação à autoria de outrem, mas, em parte, com relação à sua própria autoria.

Tabela 1 Preocupação com a autoria pelos respondentes 

Você se preocupa com autoria na internet? Abs. %
Não 3 15
Somente com minhas autorias 1 5
Somente com as autorias dos outros 1 5
Sim, totalmente 15 75
Total 20 100

Fonte: Autores (2021).

Ao serem questionados se disponibilizariam seus projetos para execução aberta (open design) ou para outras pessoas poderem trabalhar a partir deles, 63% dos estudantes responderam afirmativamente. Seguem algumas falas que justificaram essa escolha:

Da mesma maneira que o código livre proporciona melhorias onde cada um colabora, a execução aberta colaboraria com a melhora geral do projeto (Participante 1).

Disponibilizo apenas se for útil para o aprendizado de futuros designers (Participante 3).

Acho interessante ver o projeto tomar um rumo a partir da colaboração de outras pessoas. Isso ajuda no desenvolvimento do mesmo (Participante 11).

Esses resultados demonstram que, apesar de os estudantes compreenderem o papel importante da construção coletiva do conhecimento e sua democratização (neste caso, via disponibilização), ainda existe um sentimento de propriedade que vai contra os preceitos de uma educação aberta, flexível, colaborativa e de mão dupla. Sobre esse aspecto, é necessário investir mais na construção do indivíduo para que ele possa estar em sintonia com uma sociedade que se constrói mutuamente, sob a égide da responsabilidade.

Essa construção via metodologias, atividades ou iniciativas que envolvem grupos e discussões foi apontada pelos estudantes como um caminho promissor. Tal percepção foi exposta (Tabela 2) quando, no questionário, eles apontaram a apresentação e discussão de projeto e discussões em grupo como as opções mais eficazes para seu aprendizado.

Tabela 2 Atividades realizadas mais eficazes para o aprendizado 

Que tipo de atividade você achou mais eficaz para seu aprendizado? Abs. %
Discussão em grupo 5 26,3
Produção coletiva 1 5,3
Apresentação e discussão de projeto 5 26,3
Aulas teóricas 1 5,3
Orientação individual 4 21,1
Avaliação coletiva 0 0,0
Discussão entre colegas 3 15,8
Total 19 100,0

Fonte: Autores (2021).

Os resultados desta pesquisa mostram que existe uma disposição dos estudantes em adotar metodologias colaborativas, com o intuito de poder contribuir para a construção coletiva do conhecimento, de forma responsável, desde o início do processo. No entanto, ainda existem alguns entraves no entendimento do papel de cada um nesse processo. A abertura, por exemplo, ainda não é amplamente aceita pelos estudantes. Identificaram-se na pesquisa algumas dificuldades dos discentes em se dispor a trabalhar nesse formato, principalmente na possibilidade de abrir suas contribuições, pensando na sociedade como um todo.

Considerações finais

Para efetivar as bases do processo colaborativo, identificou-se que é possível, por meio de uma metodologia bem desenhada e estruturada, estimular conjuntamente valores de comunidade, democracia e identidade cosmopolita, promovendo o trabalho e a aprendizagem em grupos cooperativos e colaborativos. Nesse contexto, as redes digitais podem funcionar como elemento potencializador das relações nessa construção.

Oferecer oportunidades de aprendizagem que envolvam esses termos - colaboração, educação aberta e RRI - pode diminuir o distanciamento entre algumas situações educacionais muito autocentradas e não reflexivas, para uma educação com as potencialidades apontadas no início deste texto. Para proceder à aproximação entre essas realidades e a dos estudantes, bem como das ações tomadas na construção do conhecimento em situação de ensino e aprendizagem, devem-se repensar as metodologias e as tecnologias, buscando aquelas mais adequadas ao processo. Devem-se rever a utilização das tecnologias, a adequação dos conhecimentos a serem tratados nesses meios e a preparação de professores para essa realidade que se apresenta.

O uso da metodologia descrita neste estudo de caso é uma das possíveis formas de trazer à tona essas questões, discutindo responsabilidade, autoria, contribuição e papel na sociedade e responsabilidade com os estudantes. Contudo, não é, de forma nenhuma, imperativa e exclusiva no intuito desse desenvolvimento. Na busca por novas formas e metodologias de ensino e aprendizagem, que atinjam e deem conta dessas necessidades e potencialidades, há que se desenvolver pesquisas que possam responder às necessidades desse momento educacional, transformando o modelo reprodutivo do conhecimento em um modelo interativo e colaborativo, de forma responsável e inovadora.

Torres e Hilu (2017) apontam que, por meio da cultura participativa, se constrói um repositório em rede a partir do compartilhamento de cada um, mediante seu próprio conhecimento e experiência. A cultura participativa é o fenômeno pelo qual acontecem a criação e o compartilhamento de conteúdo entre os envolvidos, motivados pela ideia de colaboração, em que as contribuições de todos são importantes, sustentadas por um processo de compartilhamento, conexão social e engajamento cívico (JENKINS, 2009).

A cultura participativa se apresenta de forma híbrida, que implica em considerar os processos de ensinar e de aprender na coexistência entre os espaços geograficamente localizados e os espaços digitais virtuais (BACKES & SCHLEMMER, 2013). Este hibridismo possibilita o trânsito fluido na cibercultura, que para acontecer de acordos com os preceitos éticos e responsáveis devem levantar questões relativas à abertura e compartilhamento, sobre o que podem e o que não podem fazer com os conteúdos digitais que produzem e acessam e sobre a veracidade destes. É necessário pensar sobre esses aspectos, devendo ser ensinadas as responsabilidades, deveres e direitos dos usuários frente ao que se encontra no ciberespaço. São habilidades necessárias que permitirão aos indivíduos se tornarem tanto detentores quanto usuários dos conhecimentos e informações disponíveis de forma consciente e responsável. As instituições de ensino têm um papel importante nesse ensinamento, para fazer os estudantes compreenderem o status legal do compartilhamento e uso dos conteúdos disponibilizados, principalmente os on-line.

Por outro lado, as novas formas de construir conhecimento devem contemplar a democratização do acesso à informação, os novos estilos de aprendizagem e a emergência da inteligência coletiva. Esse movimento em prol de uma cultura do compartilhamento e da remixagem, com outras bases legais autorais, busca oportunizar e melhorar o ensino e aprendizagem, que, a partir da produção colaborativa e cooperativa de materiais, permitem a construção emancipatória de cada indivíduo. Facilitado pelas tecnologias digitais, esse processo permite a interação entre indivíduos e culturas, articulando múltiplos suportes e linguagens, ampliando a capacidade de circulação, via web, de produtos culturais produzidos fora dos grandes centros. Essa dinâmica depende do protagonismo de professores e estudantes, na construção de novas possibilidades para os sistemas educacionais, articulando os conhecimentos e saberes emergentes das populações locais com o conhecimento já estabelecido pela ciência contemporânea e pelas culturas (PRETTO; BONILLA, 2022).

De fato, aceder a conteúdos interativos e criar objetos culturais “remixados” permite repensar a forma como se realizam as aprendizagens e como se podem desenvolver competências transversais (DIAS-TRINDADE; RIBEIRO; MOREIRA). Por outro lado, sem a atuação da inteligência coletiva e dos preceitos de RRI, a cibercultura pode se tornar uma ferramenta de desinformação e manipulação. Assim, a educação deve resgatar seu papel fundamental e basilar de espaço de criação, colaboração e compartilhamento, dentro de preceitos legais que os sustentem. Visa-se à exploração de novas práticas e ambientes educativos, que permitam que os participantes do processo encontrem, criem e compartilhem recursos, além de criar suas próprias redes, conexões e espaços de conhecimento, com responsabilidade.

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Recebido: 25 de Abril de 2022; Aceito: 22 de Agosto de 2022

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