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Revista Diálogo Educacional

versión impresa ISSN 1518-3483versión On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.22 no.75 Curitiba oct./dic 2022  Epub 26-Dic-2022

https://doi.org/10.7213/1981-416x.22.075.ao01 

Artigos

A matematização da pedagogia: vestígios do cientificismo nas escolas paranaenses

The mathematization of pedagogy: vestiges of scientism in schools in Paraná

La matematización de la pedagogía: vestigios del cientificismo en las escuelas de Paraná

WALÉRIA ADRIANA GONÇALEZ CECÍLIOa 
http://orcid.org/0000-0001-6650-4381

aPontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, PR, Brasil. Doutora em Educação, e-mail:


Resumo

Este artigo é fruto da pesquisa realizada para a tese de doutorado intitulada “Avaliação da matemática escolar: contribuições da Pedagogia da Escola Nova”. A pesquisa, bibliográfica e documental tem como objetivo apreender as ações implementadas pelo Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais (CEPE) na segunda metade da década de 1950 e busca responder à questão norteadora: quais vestígios da matematização da pedagogia podem ser apreendidos nas fontes históricas que fazem parte do acervo pessoal da Professora Pórcia Guimarães Alves, uma representante da Avaliação Objetiva? A investigação, orientada pela História Cultural, tem como conceitos norteadores o de cultura escolar (JULIA, 2001), estratégias e táticas (DE CERTEAU, 2011), e os estudos sobre pedagogia científica (VALENTE, 2016) e (PINHEIRO; VALENTE, 2015). O estudo mostrou forte movimento de observação e direcionamento do ensino, tal que os estudos realizados pelo CEPE, por meio de ferramentas estatísticas, quantificavam o aprendizado e ampliavam a prática de novas estratégias metodológicas e avaliativas a partir de experiências que levavam em consideração os conhecimentos matemáticos. Também foi possível constatar que as práticas inovadoras, adotadas pelas escolas primárias no período de estudo, revelam a preocupação com a matematização da pedagogia e a adoção de critérios e processos que assegurem a objetividade na verificação do rendimento escolar a partir de práticas pedagógicas orientadas e organizadas pelo Centro de Demonstração do Ensino Primário do Paraná.

Palavras-chave: Testes Pedagógicos; Pedagogia Científica; Formação de Professores; CEPE.

Abstract

This article is the result of research carried out for the doctoral thesis entitled “Avaliação da matemática escolar: contribuições da Pedagogia da Escola Nova”. The bibliographical and documentary research aims to apprehend the actions implemented by the Center for Educational Studies and Research (CEPE) in the second half of the 1950s, and seeks to answer the guiding question: which traces of the mathematization of pedagogy can be apprehended in the sources stories that are part of the personal collection of professor Pórcia Guimarães Alves, a representative of objective evaluation? The research, guided by Cultural History, has as guiding concepts the school culture (JULIA, 2001), strategies and tactics (DE CERTEAU, 2011) and studies on scientific pedagogy (VALENTE, 2016) and (PINHEIRO; VALENTE, 2015). The study showed a strong movement of observation and direction of teaching, such that the studies carried out by CEPE, through statistical tools, quantified learning and expanded the practice of new methodological and evaluative strategies based on experiences that took knowledge into account. mathematicians. It was also possible to verify that the innovative practices adopted by primary schools during the study period reveal the concern with the mathematization of pedagogy and the adoption of criteria and processes that ensure objectivity in the verification of school performance based on pedagogical practices guided and organized by the Paraná Primary Education Demonstration Center.

Keywords: Pedagogical Tests; Scientific Pedagogy; Teacher training; CEPE

Resumen

Este artículo es el resultado de la investigación realizada para la tesis doctoral titulada “avaliação da matemática escolar: contribuições da pedagogia da escola nova”. La investigación bibliográfica y documental tiene como objetivo aprehender las acciones implementadas por el centro de estudios e investigaciones educativas (CEPE) en la segunda mitad de la década de 1950, y busca dar respuesta a la pregunta orientadora: qué huellas de la matematización de la pedagogía se pueden captar fuentes historias que forman parte de la colección personal de la Profesora Pórcia Guimarães Alves, representante de la evaluación objetiva? La investigación, guiada por la historia cultural, tiene como conceptos rectores la cultura escolar (Julia, 2001), las estrategias y tácticas (de Certeau, 2011) y los estudios sobre pedagogía científica (Valente, 2016) y (Pinheiro; Valente, 2015). El estudio mostró un fuerte movimiento de observación y dirección de la enseñanza, de tal manera que los estudios realizados por CEPE, a través de herramientas estadísticas, cuantificaron los aprendizajes y ampliaron la práctica de nuevas estrategias metodológicas y evaluativas basadas en experiencias que tomaron en cuenta los conocimientos matemáticos. También se pudo constatar que las prácticas innovadoras adoptadas por las escuelas primarias durante el período de estudio revelan la preocupación por la matematización de la pedagogía y la adopción de criterios y procesos que aseguren la objetividad en la verificación del desempeño escolar a partir de prácticas pedagógicas guiadas y organizadas por el centro demostrativo de educación primaria de Paraná.

Palabras clave: Pruebas pedagógicas; Pedagogía científica; Formación de profesores; CEPE

Introdução

Desde 1914, o Brasil contava com um Laboratório de Pedagogia Experimental anexo à Escola Normal Secundária de São Paulo (COSTA; MENDES; FREITAS, 2014). Em meados da década de 1930, a psicologia e a pedagogia experimental ganharam visibilidade e diferentes tipos de testes passaram a permear as escolas primárias. Nesse cenário, as mudanças propostas na educação foram marcadas pela “[...] aprendizagem em lugar de ensino. A psicologia experimental dava suporte à cientificidade da pedagogia [...]. Os métodos buscavam na ‘atividade’ sua validação” (VIDAL, 2010, p. 498). No entanto, segundo Cecílio (2018), somente a partir da década de 1940 emergiu no Paraná um movimento caracterizado pela experimentação e implementação de um novo ideário de educação marcado por laboratórios e padronização de testes, utilizados para determinar a capacidade de aprender.

No que toca às razões relativas à entrada da pedagogia científica, Pinheiro e Valente (2017, p. 347) assinalam:

[...] a pedagogia científica teve sua entrada justificada na cena escolar em razão dos investimentos, que os estados aplicavam em educação, e a necessidade de que fosse possível avaliar o bom gasto do dinheiro público, obtendo-se bons resultados no ensino e aprendizagem dos alunos.

Nessa direção, Valente (2016, p. 13-14) sublinha:

[...] a profissionalização da pedagogia liga-se ao crescimento do número daqueles que a ela recorrem e, sobretudo, das necessidades da administração do sistema de ensino. [...] em tempos da pedagogia científica difunde-se representações como a de que classes homogêneas permitem que seja realizado um trabalho pedagógico melhor, convicção de muitos professores até hoje. A partir dessa época, difunde-se também a divisão, hoje naturalizada no cotidiano escolar, de classificar alunos como fracos, médios e fortes, bem como a elaboração de questões de provas distribuídas nessa mesma escala de avaliação. Essas são algumas das representações construídas à época do impacto do movimento que ficou conhecido como pedagogia científica.

Com foco nesse cenário, este artigo, que é fruto da tese de doutorado intitulada “Avaliação da matemática escolar: contribuições da Pedagogia da Escola Nova”, pretende destacar iniciativas e práticas implementadas pelo Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais (CEPE) e pelo Centro de Demonstração do Ensino Primário do Paraná na década de 1950.

A pesquisa adentra o movimento de matematização da pedagogia que ocorreu no Paraná em meio à pedagogia científica, período em que laboratórios foram implantados para aplicação prática e teórica da psicologia experimental. Assim, este estudo tem como objetivo apreender as ações implementadas pelo CEPE na década de 1950 no estado do Paraná e busca responder à questão norteadora: quais vestígios da matematização da pedagogia podem ser apreendidos nas fontes históricas que fazem parte do acervo pessoal da Professora Pórcia Guimarães Alves, uma representante da Avaliação Objetiva no ensino primário? Para que houvesse melhor entendimento dos movimentos associados à pedagogia científica, ao controle da aprendizagem e à sua relação com a formação de professores no estado do Paraná, destacamos vários documentos que fazem parte do acervo pessoal da Professora Pórcia Guimarães Alves.

Dentre as fontes, doadas ainda em vida ao Instituto Histórico e Geográfico do Paraná (IHGPR), encontram-se uma entrevista em Educar em Revista; o regulamento do Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais; descritivo da fala da Professora Pórcia em uma rádio sobre o tema Avaliação Objetiva; a obra Contribuição ao estudo da Repetência Escolar; relatos de experiências; relatórios; anotações de reuniões e muitos outros documentos que fizeram parte de uma vida dedicada à educação.

Referenciais teórico-metodológicos

A pesquisa supracitada visa permitir uma compreensão histórica da matematização da pedagogia, em meio às ações realizadas pelo CEPE. Nesse contexto, a matematização da pedagogia pode ser entendida como “termo genérico que exprime consensos sobre avaliações e experiências realizadas em turmas piloto, originando problemas e questões consideradas como referência para medirem a aprendizagem” (VALENTE, 2015, p. 25). Além disso, “[...] permitiria a racionalização do ensino através de testes de inteligência, que resultavam na organização de classes homogêneas, atendimento aos interesses e habilidades individuais dos alunos, [...], a fim de não resultar em esforços inúteis e tempo perdido” (FIGUEIRA, 2010, p. 28).

Este foco nos levou a investigar os movimentos e experimentos realizados na capital, Curitiba, em prol de uma escola nova. Nesse percurso, emergiu o estudo sobre as iniciativas e ações do Centro de Demonstração do Ensino Primário do Paraná.

A parte inicial da pesquisa deu-se com a seleção e classificação dos materiais que fazem parte do acervo da Professora Pórcia Guimarães Alves, doados ainda em vida ao IHGPR, para, a partir da questão de pesquisa, interrogar as fontes e iniciar a escrita da história.

A partir da perspectiva da História Cultural, a metodologia de pesquisa privilegia os conceitos de estratégias e práticas (DE CERTEAU, 2011) e da cultura escolar (JULIA, 2001). A escolha da História Cultural como norteadora metodológica está ligada ao fato de se querer chegar à essência pela interpretação, isto é, desvendar por meio de fontes, como e por que o objeto de estudo se estabeleceu nas práticas escolares.

Segundo De Certeau (2011), os discursos não são neutros e, quando incorporados pelos sujeitos, produzem estratégias e táticas que tendem a legitimar ou justificar escolhas e condutas. Assim, coexistem as representações e as táticas. Enquanto as representações são estratégias forjadas por grupos dominantes, as táticas impregnam os espaços da prática. Nesse contexto, a tática, entendida como a “arte do mais fraco”, utiliza-se de reinvenções do cotidiano e, nessa inventividade do mais fraco e seu poder de mobilidade tática frente às estratégias do mais forte, evidenciam maneiras de fazer que envolvem relações de interesses convergentes e divergentes.

Nesse cenário, Julia (2001, p. 10) sublinha que normas e práticas elaboradas segundo uma finalidade podem variar segundo a época e não podem ser analisadas sem levar em conta os agentes que criaram tais normas, bem como os profissionais que as põem em prática. Ainda segundo o autor (p. 15), a coleta e a análise de materiais diversos, perguntando-nos a cada vez sobre a representatividade que podemos atribuir a cada documento e a cada momento e o descontextualizar as fontes, é que nos permitirão reconstruir o objeto de estudo.

Agentes de transformação

Na década de 1950, em meio à necessidade de assistir com maior cuidado à formação de professores, em especial as ações realizadas no contexto da Escola Normal e dos Cursos Normais Regionais, deu-se autonomia ao Serviço de Ensino Normal (SEN). Segundo a mensagem apresentada à Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, pelo Governador do Estado Bento Munhoz da Rocha Netto, em 1953, “a supervisão do Ensino Normal estava entregue, juntamente com a do Ensino Ginasial e Superior, ao Serviço Médico e Superior (SEMS)”. Porém, devido à necessidade de melhor atender a cada um desses setores, fez-se o desdobramento do SEMS, ficando autônomo o Serviço de Ensino Normal (SEN) (ROCHA NETTO, 1953, p. 181).

O SEN começou por fazer um levantamento nas escolas e cursos, colocando-se em contato permanente com seus diretores e professores. Verificou-se que as Escolas Normais tinham, de modo geral, grande deficiência e que havia grande disparidade entre diversas escolas. Dessa forma, o Setor de Ensino Normal foi objeto de grande atenção.

Dentre as ações desenvolvidas pelo SEN, a mensagem do então Governador do Estado do Paraná destaca o aumento na matrícula escolar nos Cursos Normais Regionais; a reorganização do corpo docente (ampliou e melhorou o quadro de professores, transferindo para vários estabelecimentos regionais professores da capital); a reorganização das Escolas de Aplicação; e o aparelhamento de diversos estabelecimentos de Ensino Normal (ROCHA NETTO, 1953, p. 182-184).

Com o propósito de elevar o nível pedagógico dos professores, no ano de 1953, iniciou-se uma série de semanas educacionais para o professorado primário do interior. Paralelamente, fez-se uma semana de Orientações Educacionais (curso de metodologia, alimentação escolar, canto orfeônico, estágios etc.), realizada por ocasião do 30.º aniversário do Instituto de Educação do Paraná - principal centro de formação de professores do estado -, sob o patrocínio do CEPE.

Regulamentado pela Lei n.º 170, de 14 de dezembro de 1948, o CEPE estava ligado diretamente ao Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP). Dentre muitas finalidades, o Regulamento revela que o CEPE tinha como objetivo as investigações e os estudos psicopedagógicos destinados a manter em bases científicas o trabalho escolar; elaborar medidas para a organização das classes; verificar a matrícula, frequência e repetência; organizar, com fundamento nos estudos realizados, programas de ensino e de verificação do rendimento escolar; organizar e aplicar provas, para a verificação do rendimento escolar e criação de classes homogêneas; prestar orientação aos professores; fazer a preparação e a divisão da matéria para organização das provas; e aplicar provas experimentais em grupos escolares de diversas zonas da capital. Dessa forma, as estratégias desenvolvidas por meio do CEPE colocaram em prática a matematização da pedagogia com foco na obtenção de bons resultados no ensino e aprendizagem dos alunos, fazendo jus aos gastos do dinheiro público.

Ainda em relação às estratégias realizadas pelo CEPE, no que se refere à competência de análise e controle das atividades realizadas (de acordo com os resultados dos testes), a seção de Estatística Educacional realizava o tratamento estatístico. Essa seção era destinada a avaliar os resultados para estabelecer os limites de promoção, homogeneizar classes e verificar o rendimento escolar. Semestral e anualmente, a seção apresentava o resultado dos trabalhos e das pesquisas realizadas por meio de gráficos demonstrativos e comparativos à Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Paraná.

Ao observar o organograma da Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Paraná, é possível perceber a importância do CEPE. No topo, Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Paraná, seguida do Centro de Estudos e Pesquisa Educacionais e o Conselho de Educação e Cultura, ambos no primeiro nível hierárquico, os quais respondiam diretamente ao Gabinete do Secretário de Educação e Cultura. Ainda, considerando a estrutura completa do CEPE, a relação de representação apresenta a divisão em cinco seções: Seção de Programas e Medidas Experimentais, Seção de Estatística Educacional, Seção de Cadastro dos Professores, Seção de Prédios e Equipamentos Escolares e Seção de Orientação Educacional.

No tocante à instalação do CEPE, a publicação de Berg e Miranda (1988) em Educar em Revista, edição comemorativa dos 50 anos do Curso de Pedagogia, traz uma entrevista com a Professora Pórcia Guimarães Alves. Entre muitos assuntos, a entrevista destaca que, em 1951, a professora teve a oportunidade de participar da instalação do CEPE.

Pórcia Guimarães Alves desenvolveu projetos que deixaram marcas na história da educação do Paraná. Nascida em Curitiba, em 9 de novembro de 1917, Pórcia teve uma educação privilegiada. Em 1941, formou-se na primeira turma do curso de Pedagogia pela Universidade Federal do Paraná, com cursos e estágios no Brasil e exterior. Ao longo de 45 anos, exerceu o magistério, tendo lecionado do curso primário ao curso superior. Em meio às experiências pedagógicas, destacou-se como uma representante da avaliação objetiva no ensino primário.

Segundo o artigo Mulheres paranaenses: conheça uma pioneira da pedagogia paranaense (2020), a carreira de Pórcia teve início no ano de 1938, como professora primária no Grupo Escolar 19 de Dezembro. “Em 1954, quando instalou e dirigiu o CEPE, Pórcia declarou durante a inauguração que: ‘Já não me é mais possível prever até onde podemos chegar’.” (RIBEIRO; VIEIRA, 2020, [n.p.]).

Corroborando o exposto, Berg e Miranda (1988, p. 133-134) evidenciam como se deu o início da trajetória da professora Pórcia no CEPE:

[...] quando Anísio Teixeira era diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, no gabinete do Secretário de Educação, e eu, encarregada dos projetos da Secretaria junto ao INEP, tive ocasião de discutir e resolver com ele muitos problemas de educação. [...] quando o prof. Anísio me enviou professoras do Recife, do Território do Acre, para fazer estágio comigo em Curitiba, tinha fundado (porque era assessora do professor Newton Carneiro) o CEPE, reunindo grupo de professoras formadas pelo INEP. Os cursos do INEP formaram quadros que tiveram ação muito destacada em vários estados brasileiros. Essas professoras, que de volta ao curso, voltaram à sala de aula sem recurso nenhum, nos assessoravam, [...]. Mas, onde atender essas professoras? Na sede do CEPE, não havia espaço. Ficava na atual Secretaria da Cultura. Então, consegui, com grupos escolares, que atendessem as alunas. Quando fez um ano da instalação do CEPE, já era então Secretário da Educação o professor João Xavier Vianna, que tinha sido meu professor na Faculdade. No jantar, ao qual estive, disse ao Secretário: Eu estou precisando de uma escola para fazer experiência, uma escola para atender essas professoras que o professor Anísio está enviando, está bem? Recebi, para isso, uma escola [...] Aceitei o desafio. A escola estava paralisada desde o 1º governo de Moisés Lupion e só tinha a estrutura concluída.

A escola, Centro Educacional Guaíra, foi inaugurada em janeiro de 1954, quando da realização do Congresso Nacional de Educação em Curitiba, do qual Pórcia era Secretária Executiva. O Professor Anísio esteve presente na inauguração e recebeu a chave da escola para, simbolicamente, inaugurar a nova unidade escolar. Ao longo do primeiro ano de funcionamento, a escola passou por grandes transformações estruturais e mobiliários e se tornou uma escola experimental. Nela, passou a funcionar o Centro de Demonstração do Ensino Primário e o Estágio de Aperfeiçoamento para Professores no Paraná, sob a responsabilidade do CEPE e direção da Professora Pórcia. Assim, a conjunção desses fatos levou à intensificação das bases consideradas científicas da educação no Paraná.

Na Figura 1 a seguir, vê-se o Centro Educacional Guaíra, local de trabalho da Professora Pórcia no ano de 1954.

Fonte: ACERVO COLÉGIO ESTADUAL GUAÍRA.

Figura 1 Centro Educacional Guaíra (1954) e Colégio Estadual Guaíra (2021) 

Nesse contexto, a Professora Pórcia foi designada pelo professor Anísio Teixeira para instalar no Paraná o Centro de Demonstração do Ensino Primário e dirigir o Estágio de Aperfeiçoamento para Professores, com o objetivo de desenvolver técnicas e atividades pioneiras na prática de educação1.

A formação de professores e a matematização da pedagogia

No decorrer do 1.º ano de funcionamento, o Professor Anísio Teixeira concedeu, por meio do Inep, 50 mil cruzeiros para a completa transformação da escola. Nesse ambiente inovador, a Professora Pórcia pode levar suas alunas de pedagogia para participar das atividades pedagógicas e ainda suprir uma lacuna em parte da cadeira de Psicologia da Educação.

O Centro estava motivado em realizar laboratórios de experiências. Uma dessas realizações foi a divisão das classes em função dos resultados apresentados pelos alunos nas provas de matemática. Seguindo a mesma linha de raciocínio, o número de alunos matriculados nas classes também estava associado ao desempenho em matemática. Assim, segundo Berg e Miranda (1988, p. 137), foram realizadas muitas pesquisas interessantes no Centro:

[...] fizemos a divisão das classes pela Matemática, porque, quando o aluno ia bem em Matemática, já sabíamos, pela experiência, que ia bem nas demais disciplinas. Então, as classes com nossos melhores alunos em Matemática tinham 25 alunos. As classes onde os alunos tinham dificuldade em Matemática tinham de 17 a 20 alunos. Então, essa experiência deu resultados excelentes. [...] dividimos as 3.ªs e 4.ªs séries por sexo, meninas e meninos em separado, porque alguém, em reunião pedagógica dos professores, sugeriu que seria mais interessante, considerando o vocabulário diferente, preconceitos sociais etc. [...] A experiência só durou seis meses. Não deu certo. Sabem por quê? As meninas ficaram mais passivas, desinteressadas, não rendiam. Os meninos ficaram indisciplinados, tumultuados etc. No segundo semestre, colocamos os meninos na classe das meninas e vice-versa. Observamos que o resultado deu certo. As meninas serviram como elemento moderador na sala dos meninos. As meninas passaram, com a presença dos meninos, a exibir qualidades, a trazer mais coisas para fazer, para mostrar e os meninos ficaram mais calmos com a presença delas.

Com isso, o cotidiano de uma instituição escolar, sujeita a implementar as estratégias traçadas pelo CEPE, definia uma série de ações que impunham determinadas condições a serem observadas e executadas por seus professores. Com isso, o cotidiano de uma instituição escolar, sujeita a implementar as estratégias traçadas pelo CEPE, definia uma série de ações que impunham determinadas condições a serem observadas e executadas por seus professores. Neste cenário, os professores dependentes da realização das práticas, articulavam/manipulavam ações em busca de adaptação às orientações do CEPE, construindo táticas.

Outro aspecto de grande importância refere-se à inovação. Nessa escola inovadora, a sala de aula modelo, assim como a biblioteca, era um ambiente muito agradável e motivo de frequentes visitas de professores e estudantes, como pode ser verificado nas Figuras 2 e 3 a seguir, que mostram respectivamente a sala de aula modelo e a biblioteca.

Fonte: Contribuições ao Estudo da Repetência Escolar (ALVES, 1961, p. 7-19).

Figura 2 Sala de aula modelo e espaço da biblioteca infantil - 1954 

Fonte: ACERVO CENTRO EDUCACIONAL GUAÍRA.

Figura 3 Alunos na Biblioteca do Centro Educacional Guaíra 

Considerada uma escola de experimentação pedagógica, em 1957, o Centro Educacional Guaíra recebeu técnicos em Antropologia e Educação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), que vieram a convite do Ministério da Educação. A escola, preocupada com o requinte em todos os sentidos, providenciou uma nova indumentária. O uniforme, impecável. Para facilitar a identificação do aluno e diferenciar de todas as demais escolas da capital, os meninos e meninas usavam camisa branca com emblema do colégio. Meninas usavam saia e meninos usavam calça, ambos azul-marinho. Tais indumentárias podem ser vistas na Figura 4 a seguir.

Fonte: ACERVO CENTRO EDUCACIONAL GUAÍRA.

Figura 4 Uniforme escolar do Centro Educacional Guaíra 

Com relação à organização, materiais e práticas inovadoras realizadas no Centro, destacam-se algumas medidas que foram tomadas e colocadas em prática. Mobiliários especiais foram escolhidos para atender aos métodos ativos de ensino e materiais didáticos diferenciados para servir de motivação e ajuda na fixação das matérias. Além disso, a escolha das professoras para atuar no Centro foi diferenciada. Foram selecionadas somente as professoras que haviam apresentado, de acordo com o critério vigente, alto índice de aprovações como regente de classe. Por intermédio do Professor Anísio Teixeira, dois ou três professores do corpo docente do Centro foram ao Rio de Janeiro realizar o curso de Especialização em Metodologias do Ensino Primário. De fato, nas palavras da Professora Pórcia, “o corpo docente se tornou atualizado e excelente” (ALVES, 1954, [n.p.]).

Além da preocupação com a formação de professores, muitas experiências inovadoras foram realizadas. Com o objetivo de compor classes homogêneas, a organização das classes de 1.ª série foi realizada por meio do Teste ABC e as matrículas com no máximo 25 alunos em cada classe. Já a organização das demais séries foi realizada por meio de metodologias experimentais, com base no desenvolvimento da inteligência. Nas palavras da Professora Pórcia, “procedemos para aplicação nas séries do curso primário, a graduação das dificuldades em matemática, uma vez que era esta matéria responsável pelo maior índice de repetência” (ALVES, 1961, p. 7).

Diante das experiências vivenciadas, decorrentes do caráter tático ou estratégico, o Centro consideraria as possibilidades ou não de a coordenação e de os professores tomarem iniciativas que pudessem levar a erros, acertos, avanços e retrocessos com a finalidade de definirem procedimentos que atenderiam às orientações iniciais.

Em 1954, as salas do Centro de Demonstração do Ensino Primário tinham capacidade para 25 alunos, sendo realizada no ano da inauguração a matrícula de 319 alunos, distribuídos em 14 classes: sete de primeira série, duas de segunda série, duas de terceira série, duas de quarta série e uma de quinta série; a menor tinha 18 alunos.

No ano de 1955, as classes eram mistas de 1.ª a 5.ª série, sendo as de 1.ª série organizadas de acordo com o resultado dos Testes ABC. Da 2.ª a 5.ª série, as divisões das classes eram realizadas em fortes, médias e fracas, de acordo com os resultados em matemática. É importante observar que as classes fracas em matemática eram numericamente menores, tendo em vista que as observações realizadas pelo Centro mostraram que os alunos fortes em matemática venciam facilmente as demais matérias.

Anteriormente a essas ações (1948), o Regulamento do CEPE já prescrevia a prática de atividades inovadoras com relação à aplicação de provas objetivas, vulgarmente chamadas de testes.

[...] substituirão as provas subjetivas ou clássicas para o critério de promoção dos alunos [...] serão inicialmente aplicadas nos grupos escolares da capital, e se estenderão progressivamente a todas as escolas do estado [...] fornecerão elementos para o estudo mais seguro e científico do rendimento escolar (PARANÁ, 1948, p. 3).

Nesse cenário, a mensagem de Moysés Lupion, Governador do Estado do Paraná, em 1957, revela que:

[...] realizou vários trabalhos de investigação pedagógica, [...] onde, por meio de seus diversos serviços, procura estabelecer o nível justo e exequível do ensino primário, estabelecendo provas objetivas, aferição contínua da execução dos programas de português e matemática, e outros. Realizou alguns cursos de aperfeiçoamento de pessoal de magistério primário, [...] e manteve regular colaboração com o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (LUPION, 1957, p. 135-136).

Sendo assim, as estratégias implementadas pelo Governo do Estado impulsionaram as práticas de testes aplicados constantemente pelos professores, fomentando o ato quantitativo de avaliar, com o objetivo de sondar e guiar a escola para uma instrução de qualidade.

Já a mensagem de Moysés Lupion, de 1958, revela o grande volume de atividades realizadas pelo CEPE, como a formação de professores e as práticas de provas experimentais e diagnósticas aplicadas, em colégios públicos e particulares, na capital Curitiba e em outras cidades do estado. Segundo o relatório, o CEPE colaborou com o Departamento de Educação na organização do 1.º Curso de Aperfeiçoamento do Professor Primário do Estado do Paraná; elaborou programas a serem desenvolvidos; organizou súmulas de orientações das matérias; orientou professores da capital e do interior; organizou provas diagnósticas a serem aplicadas no início do curso; preparou a prova final para verificar o rendimento geral; e, ainda, apreciou o resultado do curso, após a correção das provas dos municípios submetidos às orientações do CEPE. Também realizou orientação de provas mensais para diversos grupos escolares da capital e organizou normas de correção para a parte subjetiva das provas finais de conhecimentos gerais.

Com relação aos serviços prestados ao Ensino Normal, o CEPE colaborou com orientações aos diretores sobre provas de critérios objetivos, subjetivos e mistos. Ainda orientou os professores de matemática em cursos realizados nos municípios de Apucarana e de Castro. A mensagem ainda revela que o CEPE contribuiu com a 1.ª Delegacia de Ensino, realizando orientações aos professores responsáveis pelo estudo estatístico do rendimento escolar das Escolas Isoladas de Curitiba.

Escolas particulares também estabeleceram orientações do CEPE, que colaborou em trabalhos relacionados ao curso primário, atendendo, por solicitação, ao Colégio Santa Maria e ao Colégio Sagrado Coração de Jesus. Também executou reuniões sobre as matérias da 1.ª série no Colégio Nossa Senhora de Sion; orientação geral no Colégio da Irmãs Passionistas; orientação geral às várias 1.ª séries no Colégio Bom Jesus. Segundo a mensagem, além destes, muitos outros colégios foram atendidos com distribuição de súmulas de orientação geral de ensino. A mensagem sublinha ainda que os estabelecimentos de ensino particulares: Recanto Infantil, Colégio Santa Terezinha, Colégio Sacre Couer de Jesus e Colégio Santa Maria também aplicaram as provas organizadas pelo CEPE.

Outros documentos que devem ser destacados são as anotações de reuniões de professores que ocorriam com frequência, tendo como objetivo pesquisar formas de diminuir o índice de reprovação que vinham ocorrendo nos grupos escolares. Essas fontes são vestígios de que, na ausência de poder, táticas foram desenvolvidas como mecanismo de fazer manobras, sem qualquer intenção furtiva. Em suma, as táticas inventam e reinventam o cotidiano, fazendo uso das próprias normas e regras.

Pelos relatórios de reuniões que ocorreram nos dias 24, 26 e 29 de setembro e 1.º e 2 de outubro de 1958, foi possível perceber como se deu o trabalho de identificação e controle dos alunos com dificuldades de aprendizagem em várias instituições de ensino de Curitiba.

Na primeira reunião, estabelecia-se o seguinte: “Anotar o total de alunos repetentes do 1.º ao 5.º ano - dados tirados das folhas de exame. Tirar uma amostra de 20% de cada turma. Fazer o mesmo com o total de aprovados, a fim de se poder fazer o confronto no final da pesquisa” (ALVES, 1954, [n.p.]). Na sequência, foram aplicados testes (seis de grafismo e um de inteligência), seguidos de entrevistas com os alunos em 17 Grupos Escolares da capital: Julia Wanderley, Rio Branco, Alba G. Plaisant, Professor Cleto, Lysimaco Ferreira da Costa, Tiradentes, Barão do Rio Branco, Conselheiro Zacarias, Novo Mundo, 1.º de Dezembro, Boqueirão, Cristo Rei, Xavier da Silva, Paula Gomes, D. Pedro II, Guabirotuba e Centro de Educação Guaíra.

Para a análise dos dados, foram criados quadros que compreendiam informações sobre cada aluno repetente. Nesses quadros, constavam: o índice de referência do Teste ABC - aplicado no primeiro ano; classe; sexo; idade; I. M. (Índice Mental); Q.I. (Coeficiente de Inteligência); se faz lição na escola; em que matéria reprovou; instrução e profissão dos pais; organização da casa (boa, regular, péssima); e se tem acesso a rádio, livros e revistas. Nos registros do estudo, foi possível perceber detalhes sobre cada aluno em relação à que condição estava: Reprovado Geral ou Reprovado em (nome da matéria). O fato de as anotações apresentarem a matéria de reprovação traz vestígios de que a causa dessa reprovação poderia estar associada à uma matéria específica. Após a análise dos quadros, foi possível identificar que a matemática e a aritmética ganharam destaque no quesito matéria de reprovação.

Também foram encontrados registros do uso de sociogramas para apontar os líderes das classes, visualizar as relações de afinidade, detectar subgrupos dentro do grupo principal, de forma a atuar sobre um grupo, ativando ou desativando potenciais vínculos existentes. Segundo a Professora, estes foram de extrema importância, tendo em vista que seria possível chegar à quase totalidade dos alunos pelo contato com seus líderes. “A técnica era simples e os resultados poderiam ser representados graficamente, através do sociograma” (ALVES, 1997, p. 75). Nesse sentido, Lourenço Filho (1969, p. 217) sublinha que com esse tipo de técnica é possível analisar as relações entre os sujeitos, as relações que os sujeitos mantêm com o sistema e o grau de coesão que existe na estrutura social, bem como apresenta um exemplo de um sociograma, segundo a técnica de círculos concêntricos de Northway.

O registro de cartas trocadas pelo Professor Robert J. Havighurst e a Professora Pórcia, datadas de 1958, revelam que alguns resultados das pesquisas da aplicação do sociograma durante o Serviço de Orientação Psicopedagógico no Centro Educacional Guaíra foram publicados em 1962 pela Unesco, como um capítulo do livro La Sociedad y la Educación en América Latina.

Outra experiência de grande relevância foi a disseminação da Avaliação Objetiva. Fontes preservadas nos arquivos da Professora Pórcia revelam que com a meta de avaliar o rendimento escolar, em caráter experimental, foi colocada em prática, em algumas unidades escolares, a Avaliação Objetiva do rendimento da aprendizagem.

A totalidade dos registros da Professora nos mostra que a Avaliação Objetiva foi aplicada em 19 escolas, com matrículas na 1.ª série, 15 escolas com matrículas na 2.ª série, 21 escolas com matrículas na 3.ª série e 19 escolas com matrículas na 4.ª série. Todas essas escolas eram da capital, Curitiba. Para 4.752 alunos matriculados na 1.ª série, houve um total de 3.137 alunos aprovados (66%); para 3.433 alunos matriculados na 2.ª série, houve um total de 3.011 alunos aprovados (88%); para 2.699 alunos matriculados na 3.ª série, houve um total de 2.232 alunos aprovados (83%); e para 2.082 alunos matriculados na 4.ª série, houve um total de 1.841 alunos aprovados (88%).

Pelo percentual de alunos aprovados e reprovados em vários grupos escolares e escolas de Curitiba, foi possível perceber que havia forte movimento, por intermédio do CEPE, em conquistar a excelência do ensino primário. Para tanto, utilizavam-se testes como meio para identificar os problemas.

Com o passar do tempo, as queixas quanto às muitas medidas tomadas pelo CEPE, com relação aos testes, apresentavam-se de forma expressiva na sociedade paranaense. Em meados do mês de junho de 1957, segundo registros disponíveis no IHGPR, Pórcia publicou no jornal O Estado do Paraná um parecer referente à prova objetiva aplicada na escola primária (vulgarmente chamada de testes) e o fracasso do Ensino Médio. Em 3 de junho de 1957, leu ao microfone para o programa A voz do professor, da Emissora Paranaense, um parecer que se referia a Henrique Bettes, como o professor responsável por associar o problema da decadência do ensino médio ao “sistema de se pretender aferir o conhecimento das crianças pelo sistema de testes”. A professora iniciou sua fala agradecendo a oportunidade de comentar as considerações do referido professor, uma vez que se sentia responsável pela oficialização dos testes no estado do Paraná. Relata que não era possível atribuir aos testes a responsabilidade pelo fracasso do Ensino Médio, tendo em vista que há apenas cinco anos havia sido instalado o Instituto de Pesquisas Educacionais na Secretaria de Educação, órgão que introduziu e passou a elaborar e aplicar testes pedagógicos nos alunos do curso primário. Dessa forma, ressaltava que não havia tempo suficiente para formar uma geração de alunos do curso primário à base de testes. Explicava que o teste não era uma forma de ensino, e sim uma maneira de fazer a verificação do rendimento escolar mediante um diagnóstico preciso quanto às dificuldades dos alunos:

Ao invés do tradicional exame, organizado na dependência do bom humor e competência de cada professor, a prova objetiva, vulgarmente chamada de teste, é construída e organizada em bases científicas, com questões graduadas e previamente experimentadas, cobrindo o programa todo. No Paraná, depois das experiências iniciais - com questões de fácil e curta resposta - introduziu-se questões de redação, de compreensão e interpretação de textos, que não só medem o grau de conhecimento da língua, mas também os conceitos de história e geografia. [...] os testes concorreram para a melhoria do ensino primário [...]. Podemos comparar - através da aplicação dos testes - os rendimentos das diversas classes, escolas ou cidades, fazendo o diagnóstico das dificuldades encontradas, o que seria impossível com o tradicional exame. [...]. (ALVES, 1957, [n.p.]).

A Professora relatou que as primeiras experiências com os testes datavam de 1890, com Thorndike, que os utilizou no limiar do século a fim de medir o grau de escolaridade nas escolas. Sublinhou que no Brasil, já então há 25 anos, eram empregados os testes e que o Paraná não era o pioneiro nas aplicações, apenas aproveitou as experiências de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul e adaptou-as ao nosso contexto.

Contudo, as escolas, com o passar dos anos, mostraram-se imersas em uma sucessão de dificuldades. Segundo Alves (1997), com o número de alunos cada vez maior, a quantidade substituiu a qualidade, levando a mudanças estruturais dentro das escolas. Relativo às classes na Escola Guaíra, estas passaram a ter 30, 40 ou mais alunos, o que tornava difícil a implementação das atividades que vinham sendo realizadas. Ainda, no período em que Jucundino Furtado foi Secretário de Educação, suprimiram-se as classes do pré-escolar para dar espaço a outras turmas de primeira série. Devido ao aumento sucessivo de alunos, o mobiliário passou a ser completado por carteiras grandes e feias que vinham de outras unidades escolares. Assim, o sonho de uma escola bem equipada, de atendimento pessoal, humano, de entrosamento e de alegria entre os que nela trabalhavam foi desaparecendo. Em 1962, a política educacional já não era favorável e, nesse contexto, a Professora Pórcia pediu demissão da direção do Centro Educacional Guaíra.

Partindo das considerações de Julia (2001) e com um olhar atento para os acontecimentos aqui apresentados, evidenciou-se que as instituições escolares deixaram de ser apenas um local de aprendizagem de saberes para tornarem-se também um lugar de incorporação de comportamentos, justificada na cena escolar em razão dos investimentos e da necessidade de que fosse possível avaliar o bom gasto do dinheiro público.

Considerações finais

A proposta deste artigo era responder à seguinte questão: quais vestígios da matematização da pedagogia podem ser apreendidos nas fontes históricas que fazem parte do acervo pessoal da Professora Pórcia Guimarães Alves, uma representante da Avaliação Objetiva?

Diante do exposto, o estudo mostrou um forte movimento de observação e direcionamento do ensino, tal que os estudos realizados pelo CEPE, por meio de ferramentas estatísticas, quantificavam o aprendizado e ampliavam a prática de novas estratégias metodológicas e avaliativas a partir de experiências que levavam em consideração principalmente os conhecimentos matemáticos.

De forma intensa, na década de 1950, o CEPE formulou e aplicou provas experimentais, objetivas e diagnósticas nos colégios públicos e particulares da capital Curitiba e em outras cidades do estado; aferiu continuamente a execução dos programas de ensino; preparou e realizou, por meio do Centro de Demonstração do Ensino Primário, a formação de professores, as orientações nas escolas e formulou um estudo comparativo do rendimento escolar de diversos Grupos Escolares da capital.

A análise das fontes nos permite inferir que, por meio das iniciativas implementadas pelo CEPE e das ações coordenadas pela Professora Pórcia Guimarães Alves, a década de 1950 deixou vestígios de um período dedicado à matematização da pedagogia na escola primária paranaense.

Assim, um olhar atento e minucioso para as fontes permitiu uma compreensão histórica sobre a formação de professores e a matematização da pedagogia, em meio ao auge do cientificismo no Paraná.

1De forma muito semelhante, “em 22/6/1956, o Ministério da Educação e Cultura assinou um acordo com a United States Operation Mission - Brasil (Usom-B), dando início a um Programa de Assistência Brasileiro-Americana ao Ensino Elementar, que ficou conhecido por sua sigla - Pabaee. A estratégia de implantação do programa previa a criação de um centro piloto no Instituto de Educação em Belo Horizonte e o estabelecimento de centros similares em São Paulo, Belém, Manaus, Rio de Janeiro e Porto Alegre (BRASIL, 1995, p. 111-112).

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Recebido: 11 de Agosto de 2021; Aceito: 10 de Julho de 2022

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