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Revista Diálogo Educacional

versión impresa ISSN 1518-3483versión On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.22 no.75 Curitiba oct./dic 2022  Epub 26-Dic-2022

https://doi.org/10.7213/1981-416x.22.075.ao11 

Artigos

Institutos Federais e oferta de cursos de formação de professores: avanços, desafios e possibilidades

Federal Institutes and offer of teacher training courses: advances, challenges and possibilities

Institutos federales y la oferta de cursos de formación de profesores: avances, desafíos y posibilidades

SANDRA MARIA NASCIMENTO DE MATTOSa 
http://orcid.org/0000-0003-2622-0506

JOSÉ ROBERTO LINHARES DE MATTOSb 
http://orcid.org/0000-0002-4075-6764

ROMARO ANTONIO SILVAc 
http://orcid.org/0000-0002-4370-0125

aUniversidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Seropédica, RJ, Brasil. Doutora em Educação, e-mail:

bUniversidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, Brasil. Pós-Doutor em Educação, e-mail:

cInstituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amapá (IFAP), Macapá, AP, Brasil. Doutorando em Educação, e-mail:


Resumo

O presente trabalho surge da motivação dos pesquisadores em analisar os avanços e desafios dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia no Brasil - IFs, após 13 (treze) anos de sua criação, realizada pela Lei n.º 11.892 de dezembro de 2008. O delineamento do trabalho versa sobre o atendimento de 20% da oferta de vagas para cursos de formação de professores, trazendo uma análise do percentual atingido por cada IF, bem como dados que refletem as taxas de evasão, retenção, políticas de estado para fomento à permanência nos cursos e dados das políticas de acesso e egresso em cada IF. O objetivo da pesquisa foi analisar o retorno para a sociedade, da missão institucional prevista em lei, de professores que possam contribuir no déficit do país. A metodologia utilizada para a realização da pesquisa foi a análise de dados de natureza qualitativa em um levantamento bibliográfico. Os resultados encontrados demonstram os desafios para a oferta de cursos de formação de professores no Brasil, evidenciam que a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica está distante do atendimento mínimo previsto em lei, mesmo após uma década de sua criação. Espera-se que este trabalho gere reflexões sobre a oferta de cursos de formação de professores, que contribua com nossos estudos com o mesmo objetivo e contribua com políticas públicas para o público em análise.

Palavras-chave: Formação de Professores; Rede Federal; Evasão; Ingresso; Retenção.

Abstract

The present work arises from the researchers' motivation to analyze the advances and challenges of the Federal Institutes of Education, Science and Technology in Brazil - IFs, after 13 (thirteen) years of its creation, performed by Law n.º 11.892 of December 2008. The outline of the work deals with meeting 20% of the offer of vacancies for teacher training courses, bringing an analysis of the percentage reached by each IF, as well as data that reflect the dropout and retention rates, state policies to encourage the permanence in courses and data on access and egress policies in each IF. The goal of the research was to analyze the return to society, of the institutional mission provided for by law, of teachers who can contribute to the country's deficit. The methodology used to carry out the research was the analysis of data of a qualitative nature in a bibliographic investigation. The results demonstrate the challenges for the provision of teacher training courses in Brazil, showing that the Federal Network for Professional, Scientific and Technological Education is far from the minimum service provided by law, even a decade after its creation. It is expected that this work will generate reflections on the offer of teacher training courses, which will contribute to our studies with the same objective and contribute to public policies for the public under analysis.

Keywords: Teacher training; Federal Network; Evasion; Admission; Retention

Resumen

El presente trabajo surge de la motivación de los investigadores para analizar los avances y desafíos de los Institutos Federales de Educación, Ciencia y Tecnología en Brasil - IFs, luego de 13 (trece) años de su creación, realizado por la Ley del n.º 11.892 de diciembre de 2008. El esquema de trabajo aborda el cumplimiento del 20% de la oferta de vacantes para cursos de formación docente, trayendo un análisis del porcentaje alcanzado por cada IF, así como datos que reflejan las tasas de deserción y retención, políticas estatales para incentivar la permanencia en los cursos y datos sobre políticas de acceso y egreso en cada IF. El objetivo de la investigación fue analizar el retorno a la sociedad, de la misión institucional prevista por la ley, de los docentes que pueden contribuir al déficit del país. La metodología utilizada para llevar a cabo la investigación fue el análisis de datos de carácter cualitativo en una investigación bibliográfica. Los resultados encontrados demuestran los desafíos para la provisión de cursos de formación docente en Brasil, mostrando que la Red Federal de Educación Profesional, Científica y Tecnológica está lejos del servicio mínimo que brinda la ley, incluso una década después de su creación. Se espera que este trabajo genere reflexiones sobre la oferta de cursos de formación docente, que contribuyan a nuestros estudios con el mismo objetivo y contribuyan a las políticas públicas para el público en análisis.

Palabras clave: Formación de profesores; Red federal; Evasión; Admisión; Retención

As determinações legais para execução de Políticas Públicas dificilmente nos preparam para recebê-las. No entanto, façamo-las nós. De preferência na concepção de uma metodologia interativa e dialógica. (Maria Celina de Assis, 2013, p. 37).

Introdução

Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia do Brasil (IFs), criados em dezembro de 2008 por meio da Lei n.º 11.892, compõem parte da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT) - e correspondem a um conjunto de instituições de ensino, as quais são instituições pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica (EPT) em todos os níveis e modalidades de ensino, instituídos no momento da constituição da Rede Federal.

Os IFs têm como obrigatoriedade legal garantir em seu rol de ofertas, no mínimo, 50% das vagas para cursos técnicos de nível médio, prioritariamente na forma integrada, 10% das vagas para cursos de Qualificação Profissional no Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, validados pelo Decreto de n.º 5.478, de 24 de junho de 2005 (BRASIL, 2005) e, no mínimo, 20% das vagas para atender a oferta de cursos de licenciatura e programas especiais de formação pedagógica, com vistas à formação de professores para a educação básica, sobretudo para a educação profissional e nas áreas de ciência e matemática.

O termo formação de professores está diretamente relacionado com a formação inicial e continuada, podendo ser a oferta de cursos de licenciatura (integralização de no mínimo 2.800 h), cursos de formação inicial ou continuada FICs (com carga horária de até 320 h) e cursos de pós-graduação (com carga horária mínima de 360 h).

Segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - Inep, realizada em 2010, e levando em consideração o número de matrículas na educação básica e o número de egressos nos cursos de licenciaturas, o Brasil tinha um déficit de 250 mil docentes atuando da educação básica nas fases iniciais, intermediárias e finais já no ensino médio (BRASIL, 2010).

Na última década, os IFs tiveram um exponencial crescimento em número de unidades e matrículas, especialmente pelo processo de interiorização e democratização do acesso ao ensino superior, pauta defendida pelo então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Neste período, observamos que de acordo com dados da Rede EPT, em 2013 a rede contava com cerca de 500 mil estudantes distribuídos em 415 unidades para, em 2021, passar de mais de 1 milhão de estudantes e 653 unidades.

No entanto, mesmo com uma perspectiva de redução nas taxas de natalidade em todo mundo, até o presente momento não tem realizado impacto no número de matrículas na Educação Básica no país, uma vez que segundo dados presente no censo da educação básica (BRASIL, 2021), existiam no Brasil 179.533 escolas públicas e privadas de Educação Básica e um total de 47,3 milhões de matrículas nesse nível de ensino. O número de matrículas representou uma redução de 1,2% em relação a 2019, contudo, houve um aumento no número de matrículas no ensino médio na mesma proporção e as creches tiveram um aumento de 19,8% compreendendo o período de 2015 a 2020.

No centro deste debate que analisa a oferta de vagas pelos IFs, após essa década de criação, em paralelo à necessidade de professores para a educação básica no país, é que surge este estudo que tem como objetivo analisar o retorno para a sociedade da missão institucional prevista em lei de professores que possam contribuir no déficit do país. Dessa forma, foram analisados indicadores institucionais dos IFs relacionados aos cursos de formação de professores, levando em consideração: o número de vagas e o atendimento dos 20%; a evasão; a retenção; os programas de fomentos aos cursos de formação de professores; e a presença do estado em ações que visem contribuir com a formação de professores no país.

Os dados aqui evidenciados levam em consideração indicadores da Rede Federal, disponibilizados por meio da Plataforma Nilo Peçanha (BRASIL, 2018, 2019c, 2020), os estudos divulgados pelo Inep sobre formação de professores e, consequentemente, o censo da educação da básica e ensino superior no país, este último com foco nos cursos de formação de professores (BRASIL, 2019d).

Evidenciar os resultados dos IFs em mais de uma década de existência em uma oferta que é legalmente obrigatória e nacionalmente necessária também é parte do papel social da educação como agentes de controle social e cidadania. Obviamente que este trabalho terá outros desdobramentos se observarmos os diversos arranjos possíveis por meio dos dados aqui elucidados.

A história dos Institutos Federais

Antes de evidenciar a criação dos Institutos Federais no Brasil, faz-se necessário um resgate histórico da Educação Profissional no país. Este período está diretamente vinculado à criação das Escolas de Aprendizes Artífices em 1909, contudo, constata-se que antes disso, por séculos, a preocupação da educação se centrava na formação do trabalhador, no sentido de “ensinar um ofício aos elementos das mais baixas categorias sociais”, como foco no mercado de trabalho.

Registros remontam às primeiras experiências com a finalidade de “ensinar algum ofício” por intermédio do Colégio de Fábricas, em 1809, no Rio de Janeiro, o qual foi criado com o propósito de abrigar órfãos trazidos de Portugal (estes integravam a comitiva da Família Real que veio para o Brasil).

A eles se ensinavam diversos ofícios, com objetivos muito alinhados com os anseios políticos do império. Pode-se dizer que essa experiência de ensino profissional no Brasil deu origem (algumas décadas depois) às “Casas de Educandos Artífices” (entre 1840 e 1856), criadas pelos Estados Provincianos com a finalidade da “produção de manufaturas” e, no curso disso, instauram-se no Brasil os primeiros Liceus de Artes e Ofícios, os quais eram financiados por sócios, cotistas, benfeitores e alguns investimentos governamentais, que ofertavam cursos abertos (proibidos apenas para as pessoas escravizadas).

Assim, com o Decreto Federal número 7.566, em 23 de setembro de 1909, chegamos às Escolas de Aprendizes Artífices que garante no artigo primeiro que “em cada uma das capitaes dos Estados da República” mantidas pelo “Ministério da Agricultura, Industria e Commercio” para o “ensino profissional primário gratuito” que “procurará formar operários e contra-mestres” (BRASIL, 1909, s.p.). Em 1910 foram instaladas então 19 Escolas de Aprendizes Artífices (Mapa 01).

Fonte: Portal do MEC (http://portal.mec.gov.br).

Mapa 01 Escolas de Aprendizes Artífices 

Obviamente que de 1809 à 2008 houve diversas políticas públicas com vistas a ampliar, remodelar e destacar a Educação Profissional no país, contudo, o maior avanço chega com o advento da Lei n.º 11.892 de dezembro de 2008 (BRASIL, 2008). Essa lei estabelece no art. sexto que:

Os Institutos Federais têm por finalidades e características:

I - ofertar educação profissional e tecnológica, em todos os seus níveis e modalidades, formando e qualificando cidadãos com vistas na atuação profissional nos diversos setores da economia, com ênfase no desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional;

II - desenvolver a educação profissional e tecnológica como processo educativo e investigativo de geração e adaptação de soluções técnicas e tecnológicas às demandas sociais e peculiaridades regionais;

III - promover a integração e a verticalização da educação básica à educação profissional e educação superior, otimizando a infraestrutura física, os quadros de pessoal e os recursos de gestão;

IV - orientar sua oferta formativa em benefício da consolidação e fortalecimento dos arranjos produtivos, sociais e culturais locais, identificados com base no mapeamento das potencialidades de desenvolvimento socioeconômico e cultural no âmbito de atuação do Instituto Federal;

V - constituir-se em centro de excelência na oferta do ensino de ciências, em geral, e de ciências aplicadas, em particular, estimulando o desenvolvimento de espírito crítico, voltado à investigação empírica;

VI - qualificar-se como centro de referência no apoio à oferta do ensino de ciências nas instituições públicas de ensino, oferecendo capacitação técnica e atualização pedagógica aos docentes das redes públicas de ensino;

VII - desenvolver programas de extensão e de divulgação científica e tecnológica;

VIII - realizar e estimular a pesquisa aplicada, a produção cultural, o empreendedorismo, o cooperativismo e o desenvolvimento científico e tecnológico;

IX - promover a produção, o desenvolvimento e a transferência de tecnologias sociais, notadamente as voltadas à preservação do meio ambiente. (BRASIL, 2008, p. 3)

Nessa direção, de acordo com Eliezer Pacheco, ex-secretário da EPT que participou da criação dos Institutos Federais, esses Institutos rompem com um paradigma antigo de produção de conhecimentos fragmentados com relação à ciência, tecnologia, teoria e prática, nas suas ações pedagógicas de pesquisa e extensão (PACHECO, 2011). Ainda, segundo o autor:

O que está posto para os Institutos Federais é a formação de cidadãos como agentes políticos capazes de ultrapassar obstáculos, pensar e agir em favor de transformações políticas, econômicas e sociais imprescindíveis para a construção de outro mundo possível (PACHECO, 2011, p. 29).

Segundo dados do Ministério da Educação (BRASIL, 2019e), com o processo de interiorização e democratização da Educação Profissional no Brasil, fomentado fortemente desde 2008, já são mais de 661 unidades de ensino, a maioria com capacidade de 1200 alunos cada, sendo estas vinculadas a 38 Institutos Federais, a 02 Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefet) e à Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), e 22 escolas técnicas vinculadas às universidades federais e ao Colégio Pedro II, ao final do ano de 2019. São instituições de ensino com foco na verticalização, encontram-se não só nas capitais e grandes centros, como também em diversos pequenos municípios, seus cursos estão em consonância com as necessidades regionais e dialogam, especialmente, com os arranjos produtivos locais e com o desenvolvimento regional (Mapa 02).

Fonte: Ministério da Educação (BRASIL, 2019e).

Mapa 02 Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica do Brasil 

Neste trabalho, o foco encontra-se no art. 8º da lei de criação supramencionada, a saber:

Art. 8º No desenvolvimento da sua ação acadêmica, o Instituto Federal, em cada exercício, deverá garantir o mínimo de 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para atender aos objetivos definidos no inciso I do caput do art. 7º desta Lei, e o mínimo de 20% (vinte por cento) de suas vagas para atender ao previsto na alínea b do inciso VI do caput do citado art. 7º. (grifo nosso).

§1º O cumprimento dos percentuais referidos no caput deverá observar o conceito de aluno-equivalente, conforme regulamentação a ser expedida pelo Ministério da Educação.

§2º Nas regiões em que as demandas sociais pela formação em nível superior justificarem, o Conselho Superior do Instituto Federal poderá, com anuência do Ministério da Educação, autorizar o ajuste da oferta desse nível de ensino, sem prejuízo do índice definido no caput deste artigo, para atender aos objetivos definidos no inciso I do caput do art. 7º desta Lei. (BRASIL, 2008).

Aqui é o elo com o foco deste estudo, vinculado aos avanços nos cursos de formação de professores realizados pelos Institutos Federais.

Formação de Professores no Brasil

Formar professores no Brasil não é tarefa fácil. O ofício docente transforma-se aceleradamente e envolve a construção de uma identidade profissional. Além de suplantar o peso das malsucedidas reformas públicas e de ter que propiciar a aprendizagem dos estudantes advindos de variados grupos socioculturais, recai sobre o docente o estrondoso fracasso escolar, não por sua escolha, mas por inúmeras barreiras ao ensino satisfatório.

A mudança social é o foco central para entender como a identidade docente é afetada e vislumbrar caminhos para que possa ter sucesso na profissão (ESTEVE, 2007). Ludke (2007) afirma que a constante mudança ocorrida na sociedade não é acompanhada pelas instituições de ensino, o que favorece o deterioramento da profissão docente, principalmente no que diz respeito à formação inicial e continuada.

Diante disso, como Vaillant e Marcelo Garcia (2012), entendemos que preparar docentes é ensinar adultos, o que subentende que há um conjunto de ações de formação e de interação entre os formadores a fim de evidenciar a base conceitual, incorporada a uma dimensão pessoal de desenvolvimento global. O que significa que é a pessoa a responsável por seus processos formativos, mas que cabe à instituição formadora dar a base para o desenvolvimento profissional. “Em síntese, a formação pode ser um processo de aprendizagem guiado ou um processo de autoformação” (VAILLANT; MARCELO GARCIA, 2012, p. 35). É esse o vínculo estabelecido para a formação docente nos IFs.

Vaillant (2006) apresenta quatro fatores importantes para pensar na hora de construir políticas de formação docente que permitam atrair e reter os estudantes. O primeiro fator é a valorização social, dignificando a profissão e dando reconhecimento social a quem se dedica à profissão docente. O segundo fator é a construção de um ambiente profissional propício que aprimore as capacidades docentes e do sistema educacional.

Promover a formação inicial e continuada de qualidade é o terceiro fator proposto por Vaillant (2006), em que nessas formações o docente tenha oportunidades de adquirir conhecimentos com base em experiências exitosas e estabelecimento de acordos colaborativos em pesquisas educacionais. Por último fator, focar em uma avaliação que retroalimente a tarefa de ensinar, ou seja, as avaliações devem constituir a base para o aprimoramento dos programas de formação inicial e continuada dentro das instituições de ensino de formação docente.

Em consonância com esses pensamentos, Gatti, Barreto e André (2011, p. 89) alertam que:

[...] a formação inicial de professores tem importância ímpar, uma vez que cria as bases sobre as quais esse profissional vem a ter condições de exercer a atividade educativa na escola com as crianças e os jovens que aí adentram, como também, as bases de sua profissionalidade e da constituição de sua profissionalização.

Consequentemente, a formação inicial necessita ser bem realizada para possíveis avanços formativos. Compreendemos que a ideia de profissionalização data da década de 1990, designando um processo no qual formaliza saberes, habilidades e posturas necessárias à profissão do futuro docente. Gauthier (2006, p. 167) ressalta que a profissionalização docente “remete a dois processos diferentes, porém complementares: a profissionalidade e o profissionalismo”.

Gauthier (2006, p. 167) deixa evidente que profissionalidade é um processo interno, consistindo “em um conjunto de características mais ou menos formalizadas de uma profissão” na época em que ela ocorre. De maneira semelhante, profissionalismo é um processo externo, implicando o reconhecimento da sociedade de um corpus profissional. Diante disso, a docência é uma profissão, “ensinar é um trabalho” (GAUTHIER, 2006, p. 168), portanto, reside nesse aspecto a identificação de conhecimentos inerentes à profissão docente.

Estamos diante de uma confluência de formação inicial e continuada que carece relacionar-se e estabelecer a profissão docente. Roldão (2017) alerta-nos para a necessidade de conceber uma visão articulada e coerente para a formação inicial “do que sejam os percursos e elementos necessários à construção do saber” e para a formação continuada “sustentação e alimentação desses elementos na ação do profissional que se pretende formar” (ROLDÃO, 2017, p. 193). Portanto, há que se estabelecer dinâmicas educativas para o desenvolvimento profissional, integrando o momento estruturante de formação inicial e o aprofundamento para a formação continuada.

Caminhando nesse percurso, o Governo Federal lança a resolução n.º 2 de dezembro de 2019 (BRASIL, 2019a), definindo as diretrizes curriculares e instituindo a base nacional comum para a formação inicial de professores da educação básica. Com a Portaria n.º 259 do mesmo ano (BRASIL, 2019b), regulamenta o Programa de residência pedagógica e o Programa institucional de bolsa de iniciação à docência - PIBID. Era de se esperar que esses marcos legais incentivassem a formação docente e contribuíssem para a valorização da docência.

A Resolução CNE/CP n.º 2/2019 (BRASIL, 2019a) traz para o debate da formação inicial a questão das competências, fundadas em três dimensões essenciais: I - conhecimento profissional; II - prática profissional; e III - engajamento profissional. Entretanto, Shulman (2014, p. 200) evidencia que:

A retórica relacionada à base de conhecimento, no entanto, raramente especifica o caráter desse conhecimento. Não diz o que os professores deveriam saber, fazer, entender ou dizer que tornasse o ensino algo mais do que uma forma de trabalho individual, quanto mais ser considerado entre as profissões que requerem formação acadêmica.

Compreendemos que essa base nacional comum para a formação inicial de professores da educação básica deva focar uma base intelectual, prática e normativa da profissionalização do docente. É o que constatamos nas três dimensões fundamentais propostas para a formação inicial. Morgado (2011, p. 796-797) reforça esse entendimento quando afirma que:

Tratando-se de um processo que visa o desenvolvimento de competências profissionais, a profissionalização deve promover, em simultâneo, a apropriação de uma dada cultura profissional por parte dos formandos e favorecer a construção da sua identidade profissional, construção essa que irá prolongar-se ao longo da sua vida profissional.

Fundamenta-se a isso a preparação docente para o futuro profissional e a relação universidade-escola, além do incentivo à pesquisa, resultantes propositivas da Portaria n.º 259/2019 (BRASIL, 2019b).

Aspectos metodológicos

Os dados aqui apresentados compõem uma pesquisa de análise de dados realizada no primeiro semestre de 2021, por meio das seguintes fontes: Plataforma Nilo Peçanha nos anos bases de 2017 e 2019 (BRASIL, 2018, 2020), os Censos do Inep da Educação Básica e do Ensino Superior (BRASIL, 2019d), este último com foco em cursos de formação de professores. A natureza da pesquisa é classificada como qualitativa. A pesquisa tem caráter bibliográfico e foi conduzida de acordo com Marconi e Lakatos (1996).

Para Mattos (2020), faz-se importante realizar uma reflexão sobre a condução das pesquisas, alguns aspectos que podem inviabilizar algumas pesquisas e, portanto, devem ser considerados no contexto do desenvolvimento da pesquisa.

Desenvolver uma pesquisa envolve procedimentos com os quais o pesquisador assume seu compromisso com a veracidade, credibilidade e confiabilidade para com os resultados encontrados. “Envolve, ainda, o planejamento minucioso de um projeto de pesquisa com o qual o pesquisador se orientará, com o rigor necessário, para a implementação da investigação” (MATTOS, 2020, p. 131).

Diante das considerações apresentadas por Mattos (2020), destacamos nesta pesquisa um cenário que, embora ocupe um espaço secundário nas principais discussões educacionais e nas políticas públicas de cursos de graduação, representa uma demanda de profissionais no mercado de trabalho e com forte impacto no desenvolvimento do país, especialmente porque está diretamente ligada à formação de outras pessoas.

O trabalho proposto não se restringe a identificar as produções a respeito do tema investigado, tampouco os bancos de dados, mas analisá-las crítica e reflexivamente, o que nos permite apresentar os desafios, avanços e possibilidades dos IFs ante a questão da formação docente. Segundo Casagrande e Adam (2016, p. 970):

Um aprofundamento dessa etapa se dá com o que Salvador (1986) denomina leitura reflexiva ou crítica. Ela corresponde a um estudo crítico do material, sendo realizada nos textos escolhidos como definitivos e com o intuito de responder aos objetivos da pesquisa.

É esse aprofundamento que buscamos com este trabalho, no intuito de alcançar respostas ao problema de pesquisa.

Uma análise dos cursos de Formação de Professores nos institutos Federais

Conforme mencionado anteriormente, diferentemente das Universidades, os Institutos Federais possuem uma lei de criação (Lei de n.º 11.892 de dezembro de 2008), assim, este ato normativo traz determinações dos mínimos legais. Nestes mínimos, está determinado que 20% do total de vagas deverá ser obrigatoriamente para cursos de licenciaturas e formação inicial e continuada de professores. “Cursos de licenciatura, bem como programas especiais de formação pedagógica, com vista na formação de professores para a educação básica, sobretudo nas áreas de ciência e matemática e para a educação profissional” (BRASIL, 2008, p. 40).

Assim, se considerarmos que, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) em 2018, os IFs tinham um total de 1 milhão de matrículas ativas, a rede deveria ter um total de 200 mil alunos matriculados em cursos de formação de professores, porém o cenário é bem diferente dos mínimos legais obrigatórios, conforme apresentado no Quadro 1, com dados extraídos da Plataforma Nilo Peçanha (Censo oficial da Rede Federal) em referência ao ano base 2017, uma década após a criação dos IFs.

Quadro 1 Atendimento ao mínimo de 20% de oferta dos cursos de formação de professores nos Institutos Federais 

Instituição| Sigla Ano base 2018 (Uma década de criação dos IFs) Ano base 2020
(Último censo da Rede)
IFAC 17,4% 18,1%
IFAL 4,2% 7,1%
IFAM 3,9% 6,2%
IFAP 16,9% 4,3%
IFB 13,8% 16,8%
IFBA 7,9% 15%
IFBAIANO 7,9% 9,6%
IFC 10,6% 14,3%
IFCE 15,2% 20,7%
IFES 7,7% 12,3%
IFF 8,4% 13%
IFFarroupilha 14% 16,9%
IFG 15,8% 22%
IFGoiano 9,3% 13%
IFMA 12,5% 15,7%
IFMG 5,1% 8,0%
IFMS 3,7% 8,9%
IFMT 4,8% 7,9%
IFNMG 8,8% 10,8%
IFPA 12% 12,1%
IFPB 10,3% 13,7%
IFPE 4,1% 5,1%
IFPI 14,2% 16,7%
IFPR 10,6% 10,2%
IFRJ 14,1% 17,6%
IFRN 10,7% 14,4%
IFRO 6,4% 9,3%
IFRR 14,8% 17,2%
IFRS 8,9% 10,0%
IFS 5,0% 6,5%
IFSC 3,8% 9,4%
IF Sertão PE 16,1% 18,5%
IFSP 10,0% 12,5%
IFSudeste de MG 10,0% 12,5%
IFSul Rio Grandense 4,1% 6,3%
IFSul de MG 9,7% 14,0%
IFTM 4,7% 13,9%
IFTO 13,6% 12,8%

Fonte: Plataforma Nilo Peçanha, ano base 2017 e 2019 (BRASIL, 2018, 2020).

De acordo com os dados da Plataforma Nilo Peçanha (BRASIL, 2018), evidenciados no Quadro 1, nenhum dos 38 IFs conseguiram atingir o mínimo legalmente estipulado para a oferta de cursos de formação de professores, mesmo diante do imenso crescimento da Rede Federal em número de unidades e de matrículas. Os dados apresentados mostram justamente um déficit significativo, se considerarmos uma década da criação.

O não atendimento dos IFs nos cursos de formação de professores, podem estar diretamente relacionados a diversos fatores, mas cabe destacar que, por um lado, historicamente no Brasil, esses cursos são menos onerosos aos cofres públicos, considerando especialmente a infraestrutura mínima laboratorial de funcionamento, por outro lado, destacamos também que são cursos considerados menos elitizados, uma vez que, por décadas, a formação docente foi tratada em segundo plano nas políticas públicas.

Neste mesmo enfoque, Rui Canário (2000, p. 4) traz a seguinte reflexão:

A transformação de um ensino superior orientado para a formação de elites num ensino superior de massas modificou, de forma radical, a relação entre o ensino superior, o mundo do trabalho e a problemática da formação profissional. Esta é, hoje, uma questão chave para pensar as políticas relativas ao ensino superior. Não faz sentido pensar em cursos ou formação em nível superior, à margem de qualquer preocupação profissionalizante.

Cabe destacar que o baixo percentual atingido pelo IFs apresentados no quadro 1 causam preocupações, especialmente para os pesquisadores que atuam em defesa de um estado com amplo acesso ao ensino superior. Contudo, este cenário pode ser um pouco mais complexo quando, ao invés de avaliar o percentual atingido pelo total do IF, observamos o total atingido por cada uma das unidades do IF, conforme demonstrado com Instituto Federal do Amapá - Ifap, por exemplo (Quadro 2).

Quadro 2 Atendimento ao mínimo de 20% de oferta dos cursos de formação de professores no Ifap 

Instituição | Sigla Unidade Ano base 2018 (Uma década de criação dos IFs) Ano base 2020
(Último censo da Rede)






Ifap
Campus Laranjal do Jari 13,4% 14,8%
Campus Macapá 28,9% 30%
Campus Porto Grande 0,0% 0,0%
Campus Santana 0,0% 1,5%
Campus Oiapoque (Avançado) 0,0% 11,7%
Centro de Referência em EaD de Pedra Branca do Amapari 0,0% 0,0%

Fonte: Plataforma Nilo Peçanha, ano base 2017 e 2019 (BRASIL, 2018, 2020).

Como observado no exemplo do Ifap, quando se analisa cada uma das mais de 600 unidades que compõem os campi dos 38 IFs, o cenário causa maior preocupação, uma vez que um número significativo de unidades pode inclusive não realizar nenhuma oferta de cursos de formação de professores. Neste sentido, o processo de interiorização e democratização ao acesso no ensino superior, quando se trata de cursos de formação de professores, torna-se frágil e os dados apresentados em uma análise ampla podem não retratar bem a realidade dos cursos de formação de professores no país, ou ainda, deixar macrorregiões sem esses cursos tão necessários para o país.

Mesmo em comparação com o cenário nacional, nos anos de 2018 e 2020, o percentual de 20% não é atendido no cenário regional de cada IF e no somatório nacional, conforme se observa nos Gráficos 1 e 2, a seguir.

Fonte: Plataforma Nilo Peçanha, ano base 2017 (BRASIL, 2018).

Gráfico 1 Atendimento aos mínimos previstos na Lei n.º 11.892-2008 em 2018. 

Fonte: Plataforma Nilo Peçanha, ano base 2019 (BRASIL, 2020).

Gráfico 2 Atendimento aos mínimos previstos na Lei n.º 11.892-2008 em 2020. 

O não atendimento ao mínimo exigido gera preocupação e, ao mesmo tempo, estranheza, considerando a atuação dos órgãos de controle, tais como o Tribunal de Contas da União - TCU e a Controladoria Geral da União - CGU, no sentido de analisar os motivos pelo qual, mesmo após uma década, o pedido preconizado em lei não seja cumprido pelos IFs.

Evidenciamos alguns fatores que poderiam ser variáveis que, de alguma maneira, tenham impossibilitado o atendimento dos mínimos legais pelos IFs. Dentre eles, encontram-se fatores como: cursos com pouca procura pela comunidade, ausência de investimentos do Governo Federal na formação de professores, de interesse na própria carreira, considerando especialmente o piso salarial, de reconhecimento social e de infraestrutura das escolas públicas.

No entanto, se as portas de ingresso em cursos de formação de professores ocupam um espaço secundário ante a cursos elitizados, a permanência nos cursos de formação de professores se torna ainda mais difícil, é o que evidenciam os dados da Plataforma Nilo Peçanha - PNP (BRASIL, 2018, 2020), conforme se observa nos gráficos 3 e 4, quando comparado aos cursos de tecnologia e aos bacharelados. Cabe evidenciar que os cursos de tecnologia são também uma expertise dos IFs, transformados em polos de inovação e de pesquisa, obtendo investimento maior que os cursos de formação de professores.

Fonte: Plataforma Nilo Peçanha, ano base 2017 (BRASIL, 2018).

Gráfico 3 Taxa de evasão nos cursos de graduação nos IFs - 2018. 

Fonte: Plataforma Nilo Peçanha, ano base 2019 (BRASIL, 2020).

Gráfico 4 Taxa de evasão nos cursos de graduação nos IFs - 2020. 

Os demonstrativos da evasão nos cursos superiores dos Institutos Federais nos chamam atenção por dois fatores: o fato dos cursos de tecnologia terem uma evasão alta, sendo cursos prioritariamente mais ofertados pelos IFs, e o alto percentual de evasão nos cursos de licenciaturas, que provavelmente está ligado à ausência de investimentos e de assistência estudantil. Menezes Neto et al. (2012, p. 72) afirmam que “os cursos de tecnólogo representam importante ramo da educação profissional em que a aplicabilidade e a instrumentalização dos alunos para a prática profissional são considerados como princípios fundamentais” e as licenciaturas assumem relevância para a expansão dos IFs. Consideram, ainda, que “a evasão representa um importante vazamento o qual impede que parcela considerável dos alunos concluam os cursos” (MENEZES et al., 2012, p. 73). Diante disso, o combate a evasão é uma estratégia relevante para as políticas de educação profissional.

Se o ingresso nos cursos superiores no país já é um desafio com altas demandas e um número de vagas inferior à procura, a permanência nesses cursos é um desafio ainda maior, especialmente se for levado em consideração nessa análise a renda familiar dos alunos matriculados nos cursos de licenciatura, conforme evidenciado nos gráficos 5 e 6, a seguir:

Fonte: Plataforma Nilo Peçanha, ano base 2017 (BRASIL, 2018).

Gráfico 5 Renda e Declaração Racial dos alunos de licenciatura em 2018. 

Neste cenário, é provável que a maioria dos alunos nestes cursos dividam sua formação com trabalhos paralelos para ter condições mínimas de sobrevivência e ajudar na renda familiar. Cabe destacar que a relação das rendas familiares têm relação direta com os índices de evasão e retenção. Neste contexto, o Decreto n.º 7.234 de 19 de julho de 2010 (BRASIL, 2010) que versa sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil - PNAES, executado no âmbito do Ministério da Educação, tem como finalidade ampliar as condições de permanência dos jovens na educação superior pública federal, tendo um papel fundamental para permanência desses educandos e, ao mesmo tempo, para o seu êxito.

Fonte: Plataforma Nilo Peçanha, ano base 2019 (BRASIL, 2020).

Gráfico 6 Renda e Declaração Racial dos alunos de licenciatura em 2020. 

Os dados apresentados evidenciam as gritantes desigualdades sociais no país. Verificamos que os alunos dos cursos de licenciatura, em sua maioria, são considerados em vulnerabilidade social, uma vez que a renda familiar está abaixo de 1 salário-mínimo e meio percapita. No caso das minorias (negros, pardos e indígenas), a vulnerabilidade social é ainda mais gritante. Nessa ótica, é possível perceber que os grupos socioculturais menos favorecidos continuam segregados socioeconomicamente, principalmente no que tange à opção por uma carreira profissional, visto que, mesmo que tenham interesse em serem docentes, não encontram subsídios para permanecerem investindo em tal profissão. Segundo Heringer (2002, p. 60), o acesso à Educação, para a maioria da população de baixa renda, “é visto como o principal caminho de mobilidade social ascendente dos indivíduos”. Diante disso, constatamos que mesmo com a ampliação do acesso às instituições de ensino superior, esta não se traduz por diminuição das desigualdades raciais e socioeconômicas.

Uma análise da conjuntura geral e prospecções para os próximos anos em cursos de formação de professores

Não existe uma receita pronta e acabada para os desafios que envolvem a formação de professores no Brasil e, consequentemente, nos Institutos Federais, mas faz-se necessário um olhar sensível dos agentes públicos (gestores) no cumprimento dos 20% da oferta de vagas em cursos de formação de professores, previstos em lei, para que se ampliem as oportunidades de acesso ao ensino superior e possibilitem, em curto intervalo de tempo, corrigir o déficit de docentes nas fases iniciais da educação básica. Para além disso, como alertam Casagrande e Adam (2016, p. 974-975), existe a necessidade de

[...] uma parceria real entre escolas e universidades, que permita o intercâmbio mútuo entre a investigação e a prática; desenvolvimento de uma estrutura diferenciada para a oportunidade profissional; a criação de normas para a entrada na docência e o reconhecimento da escola como espaço de trabalho e de aprendizagem.

Ao mesmo tempo, esses gestores precisam atuar para que cursos de formação de professores passem a ocupar um espaço em primeiro planejamento institucional, especialmente nos Planos de Desenvolvimento Institucional - PDI.

É importante, também, deixar de pensar na profissão docente apenas como uma atividade intelectual, que transmite conteúdo ou conhecimento, mas também passar a olhar o profissional integralmente, levando em conta sua saúde física, mental e afetiva, condições de plano de carreira e estrutura de atuação.

Diante do exposto, cabe destacar que a formação docente é, reconhecidamente, uma ação complexa, sobretudo quando refletimos a respeito do papel do professor, no sentido amplo das ações e como formador social. Essa reflexão é corroborada por Serrazina (2012, p. 267) quando assegura que “ser professor sempre foi uma profissão complexa. Esta complexidade tem tendência a acentuar-se com a incerteza e imprevisibilidade que caracteriza este início do século XXI”. Por sua vez, Imbernón (2009, p. 8) apresenta fatores que contribuem para a compreensão do que seriam essas incertezas, que dizem respeito a certas modificações e ao fato de que “os contextos sociais e educativos que condicionam todo o ato social, e, portanto, a formação, mudaram muito”.

Outro fator essencial é a inserção de políticas públicas que auxiliem a implementação de atividades de pesquisas e extensão no currículo dos cursos de licenciatura. Neste contexto, comparativamente, os cursos de tecnologia e bacharelado recebem mais incentivos de programas de iniciação científica que os cursos de licenciatura. Cabe destacar que os últimos editais para o PIBID e Residência Pedagógica tiveram reduções significativas no número de bolsas e, ao mesmo tempo, há divisões de bolsas por unidades da federação sem critérios claros e objetivos constantes nos editais de seleção. Análogo a isso, alguns estados receberam um número de bolsas maior que outros, os quais possuíam a mesma proporção de cursos de formação de professores e licenciaturas.

Por fim, diante dos desafios e dilemas, espera-se que, nos próximos anos, possa existir mais investimentos para a formação de professores e, também, uma atuação incisiva dos órgãos de controle para o cumprimento da Lei n.º 11.892 de 2008.

Considerações finais

Os IFs foram criados para reorganizar a formação profissional e tecnológica, bem como a tentativa de interiorizar e democratizar a educação profissional no país. A regulamentação da Lei n.º 11.892 de 2008 (BRASIL, 2008) que cria essas instituições, coloca como obrigatoriedade a abertura de vagas, com percentual estabelecido, para cursos de formação docente, aspecto esse que, apesar de terem passados pouco mais de dez anos, ainda não foi atendido em sua totalidade e, muitas vezes, é quase nula.

Cabe recordar que os IFs têm um histórico profissionalizante voltado para a área tecnológica, o que nos permite refletir sobre a possibilidade frágil e pouca experiência para cursos de licenciatura e para a formação docente. Fazendo uma análise quantitativa, por um lado constatamos que os IFs estão longe de atingir o montante exigido pela lei, por outro constatamos que os alunos os quais buscam os IFs apresentam características peculiares, as quais imperam a permanência em cursos de licenciatura, visto que, necessitam suprir suas necessidades básicas, evidenciando o estado de vulnerabilidade e fragilidade socioeconômica.

Colocando em foco a formação docente no Brasil, na última década, constatamos a criação de algumas legislações com as quais é busca-se garantir a permanência dos alunos em cursos de licenciatura. Na política nacional de formação docente para a Educação Básica houve a criação de uma base nacional comum, o que dificulta pontos de vista divergentes quando pensamos que os IFs foram criados para a interiorização e democratização educacional e profissional. Diante disso, tornamos hegemônicos os modos de pensar, sentir e ver o mundo em diferentes locais.

Ainda colocando a lente sobre as políticas públicas, a criação da residência pedagógica veio reforçar o caráter hegemônico da base nacional comum, apesar de possuir importância por fortalecer a relação universidade-escola, fomentar a articulação teoria-prática. A imersão dos licenciandos no contexto da escola, na qual têm a oportunidade de compreender a realidade com a qual irão atuar, deixa visível o que necessita ser transformado nos cursos para que trabalhem com mais qualidade. Entretanto, não há qualquer menção de modificar os cursos com base nas dificuldades encontradas pelos futuros docentes.

Por fim, não menos importante, é criada a possibilidade de introduzir o futuro licenciando em trabalhos de pesquisa com o advento do PIBID, o que contribui significativamente para a formação docente. Com o PIBID o licenciando vai buscar entender as características locais, já que estará no cotidiano da escola, para a reconstrução do conhecimento local. Nessa perspectiva, há a valorização da docência com elevação da qualidade das ações e atitudes docentes para a superação das dificuldades ocorridas no ensino e na aprendizagem. Cabe-nos evidenciar que também não há qualquer menção para a modificação dos cursos diante das dificuldades encontradas pelos licenciandos.

Pelo exposto neste artigo, evidenciamos uma significativa fragilidade da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica do Brasil. Por um lado, destacamos que, após mais de uma década de criação, os IFs ainda não conseguiram garantir eficiência e eficácia na oferta de cursos de formação de professores. Os dados apresentados, os quais evidenciam a realidade socioeconômica dos alunos inseridos nesses cursos, deixam visível que, em sua maioria, esses alunos vivem em situação de vulnerabilidade e, como consequência, apresentam uma alta da taxa de evasão. Por outro lado, observamos que nos últimos cinco anos houve significativas reduções nos orçamentos destas instituições e, em alguns casos, os cortes orçamentários chegaram a quase 30% se comparado a anos anteriores como 2012 e 2013.

Compreendemos perfeitamente os desafios específicos que as instituições brasileiras enfrentam, como é o caso da redução orçamentária, em razão de constantes mudanças na economia do país, nas próprias políticas educacionais e outros fatores que dificultam, de certa forma, a consolidação dos cursos de formação inicial. Compreendemos, também, que não há mais tempo para tentativas e experimentos, muitas vezes obsoletos, evasivos e que deterioram a qualidade dos cursos de profissionalização. Faz-se necessário assumir um currículo consolidado com a equidade de oportunidades e a justiça social, tal qual, a implementação de investimentos significativos para que tenhamos uma formação de qualidade.

*Não estão incluídos CEFETs, Colégio Pedro II e Escolas Técnicas vinculadas às UFs.

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Recebido: 05 de Janeiro de 2022; Aceito: 04 de Abril de 2022

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