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Revista Diálogo Educacional

versão impressa ISSN 1518-3483versão On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.23 no.76 Curitiba jan./mar 2023  Epub 05-Abr-2023

https://doi.org/10.7213/1981-416x.23.076.ds07 

Dossiê

Infância, natureza e animais não humanos: uma aposta na filosofia com crianças na escola

Childhood, nature and non-human animals: a bet on philosophy with children at school

Infancia, naturaleza y animales no humanos: una apuesta por la filosofía con niños en la escuela

Paola Silveira de Oliveiraa 
http://orcid.org/0000-0002-5862-572X

Paula Corrêa Henningb 
http://orcid.org/0000-0003-3697-9030

aUniversidade Federal do Rio Grande (FURG), Carreiros, RS, Brasil. Mestre em Educação Ambiental, e-mail: oliv-paola@hotmail.com

bUniversidade Federal do Rio Grande (FURG), Carreiros, RS, Brasil. Doutora em Educação, e-mail: paula.c.henning@gmail.com


Resumo

O texto objetiva discutir sobre uma experiência filosófica com crianças da Educação Infantil em uma escola pública do interior do Rio Grande do Sul. O objetivo do estudo é problematizar as nossas relações com o mundo, especialmente junto aos animais não-humanos. Potencializando a tríade infância, filosofia e escola, o artigo examina as múltiplas possibilidades de encontro com as nossas relações com o mundo e o modo como enxergamos a natureza e os animais não-humanos. A experiência com as crianças fez criar-se outras formas de relação com a natureza e com o não-humano, para além daquelas recorrentemente antropocêntricas fundadas na modernidade. Colocar em suspenso os modos hegemônicos de se relacionar com a natureza foi uma das propostas desse movimento filosófico com crianças. O exercício da filosofia com crianças pode nos levar a abrir passagem a experiência do pensamento, não aquela que insiste nas respostas às perguntas, mas naquela que nos mobiliza a invenção de problemas e de perguntas. O exercício filosófico junto a essa turma de crianças nos potencializa a criar perguntas e disparar o pensamento para elaboração de nós mesmos, na articulação com o mundo, com a natureza e com os animais não-humanos.

Palavras-chave: Infância; Filosofia; Animais

Abstract

The text aims to discuss about a philosophical experience with children of Early Childhood Education in a public school in the countryside of Rio Grande do Sul. The goal of the study is to problematize our relations with the world, especially with non-human animals. Potentiating the triad of childhood, philosophy and school, the article examines the multiple possibilities of encountering our relations with the world and how we see nature and non-human animals. The experience with children created other forms of relationship with nature and with the non-human, in addition to those recurrently anthropocentric based on modernity. Putting in abeyance the hegemonic ways of relating to nature was one of the proposals of this philosophical movement with children. The exercise of philosophy with children can lead us to open the experience of thought, not the one that insists on answers to questions, but in the one that mobilizes us on the invention of problems and questions. The philosophical exercise with this group of children enhances us to create questions and trigger the thought for the elaboration of ourselves, in the articulation with the world, with nature and with non-human animals.

Keywords: Childhood; Philosophy; Animals

Resumen

El texto discute una experiencia filosófica con niños de Educación Infantil en una escuela pública del interior de Rio Grande do Sul. El objetivo del estudio es problematizar nuestras relaciones con el mundo, especialmente con los animales no humanos. Haciendo hincapié en la tríada infancia, filosofía y escuela, el artículo examina las múltiples posibilidades de encuentro con nuestras relaciones con el mundo y la forma en que vemos la naturaleza y los animales no humanos. La experiencia con los niños creó otras formas de relación con la naturaleza y con lo no humano, además de las recurrentemente antropocéntricas basadas en la modernidad. Dejar en suspenso las formas hegemónicas de relacionarse con la naturaleza fue una de las propuestas de este movimiento filosófico con los niños. El ejercicio de la filosofía con los niños puede llevarnos a abrir camino a la experiencia del pensamiento, no el que insiste en las respuestas a las preguntas, sino el que nos moviliza a inventar problemas y preguntas. El ejercicio filosófico con este grupo de niños nos potencializa para crear preguntas y desencadenar el pensamiento para la elaboración de nosotros mismos, en articulación con el mundo, con la naturaleza y con los animales no humanos.

Palabras clave: Infancia; Filosofía; Animales

Introdução

O texto que apresentamos aqui é fruto de um trabalho de pesquisa desenvolvido junto ao xxxx. Nosso coletivo tem como objetivo provocar o pensamento para criação de outros modos de nos relacionarmos com o mundo em que vivemos e, para isso, toma assento a partir das perspectivas das chamadas Filosofias da Diferença. A investigação que discorre esse texto produziu-se ao longo de dois anos (2020-2022) e tomou como objeto de problematização a escola, a infância e as nossas relações com o mundo.

Assumimos as Filosofias da Diferença como uma perspectiva filosófica de exercício do pensamento. Elas foram criadas por filósofos franceses incomodados com a forma como enxergávamos o sujeito e o saber da modernidade. Tomamos como inspiração o pensamento de Friedrich Nietzsche, tais filosofias tensionam nosso modo de existir e conviver com o mundo, as relações e as verdades do nosso tempo. A aposta aqui é na afirmação da vida e, justo por isso, na criação de outras possibilidades para tensionar o pensamento e nosso modo de pensar os espaços em que nos situamos.

O estudo tomou como objetivo central problematizar as nossas relações com o mundo, especialmente junto aos animais não-humanos. Perguntávamos a nós mesmas: Como o exercício do pensamento pode ser provocado no encontro com crianças da Educação Infantil, acerca do mundo em que vivemos e das nossas relações com o planeta e com os animais? A partir de experiências filosóficas com crianças, buscamos provocar e potencializar o pensamento de uma turma de crianças onde a primeira autora desse artigo era professora regente. Essas crianças tinham idades entre 4 e 5 anos e frequentavam a rede pública de educação na cidade do Rio Grande/RS. Articulando escola, infância, filosofia e Educação Ambiental procuramos por espaços de respiro na escola e por brechas que nos levassem para possibilidades outras envolvendo o mundo em que vivemos e as nossas relações com o planeta.

As Filosofias da Diferença são assumidas nesse estudo por entendermos como potente para exercitar nosso pensamento na criação e invenção de experiências filosóficas com as crianças. Desse modo, o exercício da suspeita, a crítica aos universais e o escrutínio de nossas mais sólidas verdades foram assumidos a partir dos ensinamentos das Filosofias da Diferença e, por isso, foram elas os subsídios teóricos fundamentais para a realização de tais movimentos junto com a turma de crianças.

Para esse texto, apresentaremos a segunda experiência filosófica desenvolvida na escola, convidando os/as leitores/as para aventurarem-se conosco no mundo dos animais e enxergar o espaço do zoológico, problematizando nossas relações com esse ambiente e com os animais que convivemos, potencializando em nós, quiçá, outras relações possíveis.

De provocações escolares e apostas filosóficas

Pensar é deparar-se com outras ideias, pontos de vista, conceitos. “O pensamento é liberdade em relação àquilo que se faz, o movimento pelo qual dele nos separamos, construímo-lo como objeto e pensamo-lo como problema” (FOUCAULT, 2004, p. 232). Pensar ocasiona acontecimentos no pensamento. Trata-se de uma prática que cria outras imagens no pensamento.

Kohan (2011) afirma que pensar sobre o pensamento é uma questão filosófica. Porém, o pensamento encontra-se pouco valorizado e incentivado socialmente, apesar de inúmeros discursos pedagógicos enfatizarem sua importância. Nessa perspectiva, percebemos que na escola geralmente só se pergunta sobre o que se pode responder. Como se o pensar envolvesse a busca por soluções. Quando as encontramos, fim! Tudo está resolvido!

Aqui não pensamos em uma filosofia para as crianças; nossa intenção foi trilhar o caminho para um pensar filosófico com as crianças1 Buscamos entender a filosofia como experiência que se alimenta de uma insatisfação, a qual abre espaço para o novo, para o inusitado, o imprevisto. Buscamos outros modos de pensar filosoficamente desprendendo-nos da imobilidade e do senso comum. Nossa intenção envolvia provocar no pensamento potências de criação, de inventividade inusitadas.

Ao praticar filosofia com crianças no ambiente escolar temos a oportunidade de questionar a própria escola, as formas de subjetivação que ela afirma e as verdades que a permeiam. Quando exercitamos o pensamento - para além da busca por respostas - aprendemos a questionar as práticas que nos levam a pensar da forma como se pensa.

Uma tal filosofia abrirá lugar à indisciplina do pensar, a um pensamento que afirme o valor de interrogar o que a escola parece não querer interrogar, que coloque como problema os modos inter/ trans/ pluri/ disciplinares, que pense e afirme formas de exercer o poder menos hierárquicas, autoritárias e discriminadoras que as imperantes, que dê espaço a subjetividades mais livres, imprevisíveis, menos controladas (KOHAN, 2011, p. 103).

Neste caminho incerto aprendemos que o pensar não está dado, ele nasce e vai se delineando a partir do ato de se desacomodar, experimentar, problematizar. “Mudar o que significa pensar, eis a tarefa da filosofia” (KOHAN, 2011, p. 227).

Assim, esse texto resulta da aposta na filosofia com crianças, na potência do pensamento, resistindo aos discursos que insistem no estabelecimento de verdades pedagógicas. Trata-se de investir no exercício diário de práticas docentes como possibilidades de torcer o pensamento, de cutucar os nossos modos de existir e conviver com o mundo e o ambiente em que vivemos, provocando o pensamento - o nosso, na condição de adulto e o das crianças.

Como um possível caminho para isso, ao longo de nossas experiências filosóficas íamos criando perguntas a partir das falas das crianças, nesse movimento de devolver a pergunta à criança em vez de simplesmente respondê-la. Assim, potencializamos a própria pergunta e instigamos a elaboração de novos questionamentos e pensamentos, considerando o fato de que não há perguntas boas e ruins, o que há é a relação com o perguntar que pode ampliar ou limitar o caminho ao pensar.

A experiência filosófica relatada aqui aconteceu em 2021, ao longo do ensino híbrido, com pequenos grupos de crianças que frequentavam a escola presencialmente, totalizando oito crianças. O fio condutor escolhido para esse exercício filosófico envolveu os animais e o principal disparador do pensamento2 para nós foi o livro de literatura infantil “Rinocerontes não comem panquecas”, de autoria de Anna Kemp, tradução de Hugo Langone e ilustração de Sarah Ogilvie (2011).

Ao realizar uma Hora do Conto com essa história, exercitamos o nosso pensamento sobre as relações que estabelecemos entre nós, com nossos familiares, com os animais que vivem no nosso entorno e, mais amplamente, em nosso planeta. A própria relação de escuta atenta abordada na história tem a ver com o espaço em que se vive, com o cuidado de si, com o cuidado com o outro. Gostaríamos de destacar que o livro foi escolhido por nós, pesquisadoras, por abordar a temática que coadunava com os exercícios investigativos que intencionalmente queríamos realizar com a turma de alunos.

Dessa forma, ao pensar sobre o zoológico, nos perguntamos que espaço é esse em que colocamos o humano “para fora” e assumimos a seguinte ideia: para que eu tenha um cuidado com a natureza, o humano não pode entrar; ou ao entrar podemos apenas visitar, seguindo um tempo máximo de permanência neste espaço e as restrições de distanciamento e cuidados (GODOY, 2000).

Não basta ser aprisionado em uma natureza inventada, o não-humano encontra-se ali também para atender aos interesses humanos dentro de uma concepção da existência de uma natureza única, universal, a qual propaga, define e direciona as melhores formas de cuidados e preservação das espécies.

Através de proposição com as crianças, tensionamos a relação que elas tinham com o espaço do zoológico e buscamos criar fissuras para pensar em outras possibilidades envolvendo os habitats dos animais. Buscamos fazer provocações que não nos levassem a uma moralização da ideia de conscientização ambiental, mas de algo que passava por uma relação das crianças com essa natureza. Nos distanciamos da concepção de consciência ambiental que propaga discursos de medo envolvendo a vida animal no planeta e a importância da proteção e continuidade da espécie (RATTO, HENNING e ANDREOLA, 2014); buscamos entender que essa relação de animais não-humanos também se estabelece sem depender de nós. É preciso colocar sob suspeita a visão antropocêntrica de que, todas as relações com o planeta passam, exclusivamente, pelo humano. Será?! É na potência do pensamento que investimos para, quiçá, “pensar diferente do que se pensa e olhar diferente do que se vê” (FOUCAULT, 2006, p.13).

Narrando a experiência filosófica inventada - Encontro 1

Era em uma manhã quente de final de primavera, quando as crianças estavam se organizando para ir ao refeitório tomar o café da manhã, quando elas receberam um pacote misterioso, deixado na caixinha de correspondência, na portaria da escola. Logo formou-se um alvoroço e a criança 13 disse: “A gente tem que limpar antes de tocar, por causa da Covid, né profe?”. E a criança 7 falou: “Pode deixar que eu pego o álcool em gel”. Elas higienizaram o pacote e logo perceberam algo diferente ao lado do remetente. Era uma raspadinha que escondia algo por baixo dela.

Cada criança segurou o pacote e, sem abri-lo, foi descrevendo suas características (pesado, leve, mole, duro, grande, pequeno...) e levantou hipóteses sobre o possível remetente. “É pesado. Não, não. Eu acho que é leve”, disse a criança 1. “Eu acho que é um coelho” (criança 7). “E se eu abrir esse pacote e o coelho sair pulando pela sala?” perguntou a professora pesquisadora, intrigada. Logo a criança 6 ficou surpresa e disse: “O que a gente vai fazer se for um coelho?”; “Eu não sei”, disse a criança 7. Rapidamente a criança 1 disse: “Abraçar!”. “E onde ele vai dormir?”, perguntou a professora pesquisadora. “Aqui na escola e você cuida deles, profe”, afirmou a mesma criança. Então, a criança 6 se levantou de seu lugar, ficou bem séria e disse: “O homem pequeno dos super-heróis pode cuidar do coelho. A profe já cuida de nós. Ela precisa descansar”. Já impaciente, a criança 7 falou: “Ai, ai, gente! Abram isso logo!”

E assim, o foco voltou a ser a raspadinha presa no pacote misterioso. Logo que a criança 8 mexeu no pacote, percebeu que ao passar o dedo na raspadinha dava para descobrir algo por baixo da tinta. “Olha pessoal! Se passar o dedo aparece algo”, ela disse. “Pode raspar com o dedinho, profe?” (criança 7). “Claro, pode sim!” (professora pesquisadora). “Sozinha?” (criança 1). “A gente raspa juntos, um pedacinho para cada” (criança 6). E assim, conversando, as crianças encontraram uma forma para que todas tivessem a oportunidade de descobrir o que havia embaixo da raspadinha, sem que a professora pesquisadora precisasse intervir diretamente.

“Gente! É alguma coisa. Olhem!”, disse a criança 1 ao raspar um pouquinho. “É o Amigo, que colecionava muitos lugares!”4, complementou com bastante empolgação. “E guardava tudo dentro de uma latinha, lembra profe?”, seguiu, bem feliz.

E assim, as crianças e a professora pesquisadora relembraram a história do menino que colecionava lugares e o medo que o Amigo tinha de esquecer esses lugares por onde ele passava. Logo, a professora pesquisadora perguntou se as crianças lembravam que no último encontro com o Amigo, ele despediu-se dizendo que ia se aventurar em uma nova viagem. Todos lembraram e então o pacote misterioso começou a ser aberto.

A primeira coisa que elas encontraram foi uma carta do Amigo. Logo que viu essa carta, a criança 1 comentou: “Tem letras e coisas que a gente não sabe o que é. Você pode ler, profe?”. “Sim, tem coisas escritas” (criança 7). “Que bonitinho, esse Amigo sapequinha!” (criança 6). E a professora pesquisadora leu a carta enviada pelo Amigo.

Olá crianças! Aqui é o Amigo. Estou com muita saudade de vocês.

Vocês sabiam que fui viajar e conheci um lugar cheio de animais? Durante um dos meus passeios visitei uma biblioteca e encontrei esse livro sobre um rinoceronte bem esfomeado e uma menina muito querida. Na mesma hora lembrei de vocês. Espero que gostem do meu presente.

Um beijo, com cheirinho de viagem para todos vocês.

Carinhosamente, Amigo.

Enquanto lia a carta, a professora pesquisadora ia fazendo algumas perguntas para as crianças: “Onde será esse lugar cheio de animais?”. “Eu não sei” (criança 1); “Uma fazenda” (criança 7). “Será que ele foi visitar essa fazenda?”, perguntou a criança 6. “Será que lá tinha uma galinha?” (criança 8). “Vamos ler e descobrir”, disse a professora pesquisadora.

No trecho da carta em que o Amigo conta que encontrou um rinoceronte muito esfomeado, a criança 8 perguntou: “O que é esfomeado?”. E a professora pesquisadora disse: “O que vocês acham que quer dizer quando alguém está esfomeado?”. As crianças ficaram pensativas e a criança 6 arriscou-se dizendo: “É um rinoceronte com fome?”. “Isso mesmo!” (professora pesquisadora). “A minha mãe chega do serviço sempre esfomeada”, disse a criança 7 enquanto balançava a cabeça e os amigos davam risada.

No final da carta, o Amigo mandou um beijo “com cheirinho de viagem” e a professora pesquisadora perguntou para as crianças: “Viagem tem cheiro?”. “Tem, tem cheiro de praia”, disse a criança 1. “Se for uma viagem na fazenda, tem cheiro de leite”, complementou a criança 7.

“Esse Amigo é muito querido, né crianças?”, falou a professora pesquisadora. E logo a criança 1 sugeriu: “Vamos fazer uma carta para ele também?”. “Vamos, bora!”, disse a criança 6. “Vocês preferem fazer a carta primeiro ou conhecer a história que o Amigo deu para vocês?”, perguntou a professora pesquisadora. A resposta de todas as crianças foi unânime: fazer a carta para o Amigo. E essa foi uma atividade que surgiu a partir da empolgação das crianças ao receber a carta e o presente do Amigo.

Enquanto desenhava, a criança 1 perguntou para a professora pesquisadora: “Você pode escrever ‘na mesma hora lembramos de você!’. E então, as crianças começaram a desenhar na carta que seria enviada para o Amigo.

Fonte: Produção coletiva das crianças (2021)

Figura 1 Uma carta para o Amigo 

Logo após a finalização da carta, as crianças mostraram-se curiosas para conhecer a história “Rinocerontes não comem panquecas”. O livro contava a história da Daisy, uma menina que adorava conversar, mas seus pais estavam sempre ocupados e não levavam a sério as coisas que ela falava.

Num belo dia, Daisy estava tomando café e foi surpreendida por um enorme rinoceronte roxo que entrou na cozinha. Ele era enorme e bem esfomeado! A menina ficou assustada e correu para contar aos seus pais sobre a chegada desse gigante inesperado. Eles estavam ocupadíssimos e não ouviram a menina. E então, ela e o rinoceronte roxo viraram bons amigos. Eles conversavam, brincavam, cozinhavam e os pais dela nem percebiam.

Um certo dia as panquecas do café da manhã acabaram. O grande rinoceronte roxo havia comido tudo! Só que os pais da Dayse não acreditaram, pois “rinocerontes não comem panquecas”, e deram risada da menina. A Daisy ficou muito triste pois seus pais dificilmente ouviam o que ela falava, e nas raras vezes em que ouviam, não acreditavam nem a levavam a sério.

Na continuidade da história, o rinoceronte pediu ajuda da menina para voltar para sua casa e Daisy ficou pensando em como ajudá-lo. No outro dia os pais da menina resolveram levá-la no zoológico para que lá ela pudesse ver um rinoceronte “de verdade”, já que eles acreditavam que o tal animal estava apenas na cabeça de Daisy.

No zoológico, a menina viu vários animais enjaulados e em espaços cercados. Quando foram visitar o espaço do rinoceronte, encontraram um cartaz: “DESAPARECIDO - Grande e roxo rinoceronte que adora panquecas”. E foi assim que os pais da Daisy perceberam que o que ela dizia era verdade. Eles correram para casa e encontraram o rinoceronte roxo deitado no sofá, assistindo televisão e comendo panquecas!

O rinoceronte ficou assustado e disse que não queria voltar para o zoológico e ficar preso novamente. Então, todos conversaram e decidiram pesquisar onde os rinocerontes moram livres. Eles se despediram e o rinoceronte pegou sua mala e partiu em viagem para sua verdadeira casa.

Daisy adorava conversar e contar suas histórias, assim como o menino que colecionava lugares. Porém, os pais da menina estavam sempre ocupados e dificilmente prestavam atenção na fala dela. Pensando nesses aspectos, a professora pesquisadora buscou conversar com as crianças sobre as partes da história em que a personagem tentou falar e não foi ouvida por seus pais. A partir disso, surgiram instigantes falas e pensamentos sobre o exercício da escuta na escola, em casa, ao interagir com os amigos e amigas, etc.

“Por que será que os pais da Daisy não a ouviam? E você, acha que sua família te escuta?”, questionou a professora pesquisadora. “Por que eles estavam trabalhando muito”, disse a criança 1. “Sim e não! Por que eles ficam trabalhando o dia todo” (criança 6). “Os meus pais trabalham amanhã e segunda. Eles nem dormem”, disse a criança 8. “Eles não dormem?”, perguntou surpresa a professora pesquisadora. “Não!”, reforçou a criança 8. “Os meus dizem: “Eu já vou.” E não vão.” (criança 7). “E os teus pais, te escutam?” perguntou a professora pesquisadora para a criança 1. “Eles escutam”, respondeu ela.

“Vocês lembram de algum momento em que tentaram falar e não foram ouvidos? Lembram o que queriam dizer?”, perguntou a professora pesquisadora para as crianças. “Não lembro nenhuma vez. “Nenhuminha!” (criança 1). Logo as outras crianças também negaram.

Então a professora pesquisadora instigou o pensamento das crianças com outra pergunta: “Na casa de vocês, quem te escuta mais? O papai, a mamãe, a avó, a dinda?” Rapidamente a criança 6 disse que em sua casa era seu pai que lhe ouvia mais. A criança 7 disse que era sua mãe. A criança 1 disse que sua dinda ouvia bastante o que ela falava e a criança 8 finalizou dizendo que tanto sua mãe quanto seu pai, a ouvia.

Com essas inquietações e perguntas, finalizamos o primeiro encontro de nossa experiência filosófica. Outros desdobramentos foram pensados a partir dos exercícios de pensamento elaborados pelas crianças. Passemos então ao segundo dia de junção entre Escola, Infância e Filosofia.

Narrando a experiência filosófica inventada - Encontro 2

No segundo encontro, a turma foi convidada a retomar a história e a professora pesquisadora lembrou que na história, a Daisy vai ao zoológico para conhecer alguns animais que vivem ali. Ela trouxe algumas questões para disparar o pensamento das crianças: “Você já foi a um zoológico?”, “O que você encontrou lá?”, “Se nunca foi, conta como imaginas que seja esse lugar”, “Você já viu um zoológico na televisão, em vídeos ou desenhos? Como ele era representado?”, “O que você acha do zoológico?”, “E se a gente pensar nos animais que vivem ali, qual relação faríamos entre eles e este espaço?”, “Como você acha que os animais se sentem neste local?”, “Quando você pensa no zoológico, qual seu sentimento? Por quê?”

Enquanto pesquisadoras, entendemos o espaço do zoológico como um lugar artificialmente construído pelos seres humanos, para acolher a vida animal, almejando a proteção ambiental. Neste lugar podemos perceber nitidamente o quanto a vida humana aparece acima do não-humano pois, apesar de estarem fisicamente no mesmo espaço, eles ocupam posições diferentes.

Dale Jamieson (2008) faz uma análise das relações estabelecidas entre zoológicos antigos e contemporâneos. O autor destaca que, por exemplo, os Romanos colecionavam animais para usá-los como iscas vivas, visando seu divertimento com jogos. “Durante os jogos, onze mil animais foram sacrificados, incluindo, leões, tigres, elefantes, rinocerontes, hipopótamos, girafas, búfalos, renas, crocodilos e serpentes” (2008, p. 51) - relatou Jamieson ao discorrer sobre os 123 dias de jogos consecutivos em comemoração à conquista de Dácia.

Em diversas partes do Império Romano, era comum encontrar arenas e coleções de animais. Assim como na Antiguidade ainda existiam essas coleções. Quanto maiores elas fossem, mais poderosos eram seus governantes. O autor também explica que os primeiros zoológicos modernos (em Viena, Madri e Paris) começaram a surgir em meados do século XVIII.

A presença de animais no espaço doméstico ou mesmo nas cidades (cavalos, galinhas, patos, cães, gatos, pombos-correio, vacas, porcos) começa a desaparecer com o crescimento e a complexização do regime da vida urbana, de que temos sido testemunhas, e é aí o momento em que os zoológicos emergem e o discurso científico se consolida, ratificando a distância entre humanos e animais (BRAVO, 2011, p. 233).

Com o crescimento populacional, as relações entre humanos e não-humanos foram modificando-se. Os espaços naturais foram tornando-se cada vez mais reduzidos e, em contrapartida, cresceram os espaços artificialmente construídos pelos humanos para o não-humano habitar. Contemporaneamente convivemos com várias espécies em extinção, algumas delas encontradas exclusivamente em zoológicos e com práticas de reprodução planejada de animais que vivem neste espaço.

Ao longo do tempo, as relações de cooperação e convivência entre humanos e animais mostraram-se indissociáveis e indispensáveis ao equilíbrio da vida natural. No entanto, em razão dos processos evolutivos, o Homo Sapiens transformou tudo ao seu redor: foi capaz de construir de ferramentas a armas potentes, de pequenas aglomerações a megalópoles, criaram o comércio, a agricultura e a domesticação de animais não-humanos e a partir daí os vínculos com as demais espécies foram esquecidos, negados, subjugados e o uso de animais não-humanos passou a ser normal e socialmente aceito (SPAREMBERGER E BERNARDES, 2020, p. 16) [grifo dos autores].

A proteção dos animais não-humanos não deveria ser proporcional aos interesses humanos; mas historicamente é assim. Convivemos com o egoísta e egocêntrico pensamento: “Vou proteger (o planeta, a natureza, os animais) pois isso me trará benefícios futuros”. Se não aprendermos a exercitar o pensamento para entender os seres não-humanos enquanto sujeitos de uma vida, com intrínseco valor, eles estarão sujeitos a essa condição de propriedade. Problematizando nossa relação com os animais, nos explica Sparemberger e Bernardes “[...] o animal não-humano tem valor na medida em que é útil à espécie humana” (2020, p. 16).

Essa visão de colonialidade entre humanos e animais não-humanos, demonstra o quanto a espécie humana ocupa o mais elevado lugar entre todos os seres que habitam nosso planeta. A partir dessa perspectiva, nessa prática colonial, os animais não-humanos são vistos enquanto propriedade. Eles são aprisionados nos zoológicos para atender aos interesses e a satisfação humana. Se propaga o entendimento acerca da existência de uma natureza universal, onde são apresentadas definições e direcionadas as melhores formas de preservação. A partir do surgimento de novas tecnologias e do avanço científico se fortalece uma rede discursiva sobre a natureza, suas espécies, o humano, o não-humano, o que “precisa” ser preservado, descartado, modificado. “Trata-se de definir a natureza criando a explicação científica que a certifica e que, tornada autônoma, converte-se em medida da natureza o objeto cuja circulação representa o coletivo de cientistas que o havia inventado” (GODOY, 2000, p. 132).

A autora Ana Godoy (2000) busca problematizar a criação de áreas protegidas que pairam no entendimento da existência de uma única natureza. Ela investiga os caminhos trilhados pela ecologia na consolidação de um território científico que busca definir a natureza e o que há nela que precisa ser preservado. Assim, nos deparamos com práticas ditas “ecológicas”, que alertam para a escassez da vida na Terra e a necessidade da criação de áreas protegidas, como se elas fossem uma solução para isso.

No Brasil, como também no restante da América Latina, África e Ásia, associa-se o modelo de Unidades de Conservação àquele desenvolvido pelos Estados Unidos a partir da criação do Parque Nacional de Yellowstone em 1872. Esse parque corresponde não só a um marco da preservação de áreas silvestres de grande escala e do interesse público mas, principalmente, estabelece os fundamentos do chamado modelo de Unidades de Conservação: a proteção de amplos espaços naturais, de grandes belezas cênicas capazes de assegurar a continuidade dos processos biológicos sem interferência humana (GODOY, 2000, p. 129).

Os parques e áreas de proteção representam uma natureza inventada e criam um “modelo” acerca da forma como devemos pensar o espaço e dele nos apropriar. Neste sentido, notamos o quanto a ideia de um modelo de natureza está aí imbricado, tornando-se um padrão a ser seguido, constituindo uma cultura e fortalecendo a legitimidade de uns - os humanos - sobre os outros - o não-humanos. Ao criar áreas de proteção, opera-se sobre os lugares, sobre os humanos e não-humanos, estabelecendo seus territórios a partir de diferentes domínios explicativos que vão tecendo tramas e ações. A cada área que surge afina-se a relação humano e não-humano com uma natureza inventada. “O que está em jogo não é a ocupação do espaço, mas a transformação do espaço em lugar propriamente humano” (GODOY, 2000, p. 133).

Não queremos dizer com isso que o modelo esteja certo ou errado, mas buscamos desnaturalizar nosso olhar para os conceitos que o formam, para essa “natureza universal”. Trata-se de um movimento de interações que se deslocam, se atravessam, estabelecem novas ligações.

É a invenção constante de relações sempre inéditas entre o território e os corpos que o atravessam que produz aquelas construções culturalmente compartilhadas, ensinadas e apreendidas, que motivam a ação, transformam o humano e o natural em que são configuradas, relações essas transformadas todo o tempo. Para entender o funcionamento de tais redes é necessário seguir o emaranhado das linhas, de um domínio a outro, atravessando mundos, diferentes naturezas. Uma viagem tão fascinante quanto perigosa, pois os caminhos só se revelam à medida que os seguimos (GODOY, 2000, p.130).

Para nós, é difícil pensar em uma definição para a natureza, pois entendemos que ela pode ser muitas coisas e envolver inúmeras possibilidades que desviam da cientificidade que tenta cercá-la. É neste sentido que nossa pesquisa caminhou; tomadas por essas inquietações buscamos explorar diferentes possibilidades e descobrir novas e inusitadas formas de nos relacionarmos com a natureza, considerando toda sua potência.

Neste movimento, outras questões também nos inquietam. Nós entendemos que os zoológicos são espaços exóticos para as pessoas terem contato com a natureza e os animais que se encontram ali cercados, enjaulados em lugares artificialmente construídos, para “manter a espécie”. Manter a espécie para quê? Para quem? Para manter uma espécie que está ali para visitação? Para que serve a manutenção de uma natureza que a gente não respeita?

As autoras Sparemberger e Bernardes (2020) também discorrem sobre o aprisionamento animal em jardins zoológicos como uma prática colonial humana, submetendo os animais não-humanos a diversas formas de exploração. Como destacamos no início dessa escrita, existe uma hierarquização da vida onde o humano está sempre acima, sobreposto aos animais não-humanos. É exercitando nosso pensamento sobre essas e outras questões que procuramos por brechas e outros modos de ver nossa relação com os animais não-humanos.

A próxima atividade de nossa prática filosófica envolveu a ida até a sala de vídeo da escola para realizar um passeio virtual ao Zoológico de São Paulo. Mas, antes de sair da sala, a turma realizou uma brincadeira de imaginação. Para isso, a professora pesquisadora e as crianças conversaram sobre possíveis meios de transporte que poderiam ser utilizados para chegar ao zoológico. Após ouvir as opções das crianças, foi realizada uma votação e o trem foi o meio de transporte escolhido.

Brincando de imaginar, as crianças organizaram as cadeiras da sala para criar o trem e “viajar” até o zoológico. Foram muitos os desafios e imprevistos que a turminha encontrou pelo caminho: pegaram chuva, um vento muito forte, depois fez um “calorão de derreter o cérebro” (criança 8). O trem sacudia tanto, mas tanto que “era difícil conseguir ficar sentado” (criança 5)!

Depois de toda essa aventura, as crianças chegaram ao zoológico e realizaram a visita virtual. Lá, conheceram vários animais e os guias que iam explicando curiosidades sobre os animais que ali viviam, suas preferências alimentares e seus hábitos e costumes. Quando a visita acabou, as crianças embarcaram no trem e voltaram para a sala.

Após realizar o passeio virtual ao zoológico, a turma conversou sobre os animais que encontrou e como achavam que era a vida deles neste espaço. Ao longo da conversa, a professora pesquisadora trouxe algumas perguntas para disparar o pensamento das crianças. Dentre as potentes falas que surgiram, uma sequência merece destaque devido a sensibilidade com que foi se tramando.

A professora pesquisadora iniciou perguntando qual era a opinião de cada criança sobre os animais vivendo no zoológico. A criança 1 disse: “Eles ficam presos lá”. “O macaco parecia solto, mas tinha uma grade bem lá atrás. Ele me lembrou do rinoceronte roxo da história” (criança 7). “Por quê?”, perguntou a professora pesquisadora. “Por que ele queria ficar solto e o macaco achava que tava solto”, respondeu a mesma criança. “E os outros animais?” (professora pesquisadora). “Eles tavam presos”, respondeu a criança 8 com uma voz triste. “Eu fiquei triste quando vi eles ali no zoológico, presos”, disse a criança 1, com a voz embargada. “É, eu também fiquei um pouco triste quando vi eles assim”, (professora pesquisadora).

Aqui, convidamos as leitoras e os leitores a pensar sobre as condições estabelecidas entre os animais não-humanos, o espaço do zoológico e o espetáculo que se espera encontrar neste espaço. Infelizmente, é ali que muitas vezes, acontecem maus-tratos aos animais. Eles são adestrados, treinados, e precisam se adequar ao que os humanos esperam deles ou almejam que eles façam. Eles se alimentam em horários estabelecidos e até mesmo a quantidade especificada desse alimento é determinada pelo humano.

O nosso olhar está tão condicionado a entender o zoológico enquanto espaço de “proximidade”, de “contato” com a natureza, que não enxergamos as condições cruéis às quais os animais não-humanos são submetidos. Não queremos aqui apelar à necessidade de piedade, de compaixão aos animais que habitam involuntariamente o espaço do zoológico. Buscamos gerar uma inquietação ao pensamento, um desconforto às formas como vínhamos compreendendo esse espaço. Para então, a partir dessa inquietude, pensar em outras formas de relação com o não-humano.

Apesar de existirem programas de reprodução no zoológico, os níveis de mortalidade entre os filhotes são enormes. Segundo Jamieson (2008, p. 59) “Há outro problema com o programa de reprodução dos zoológicos: eles criam muitos animais que não se quer”. Esses animais “extras” tornam-se um gasto a mais e muitos são vendidos para instituições carentes de recursos ou são mortos.

Para evitar estes problemas, alguns zoológicos têm considerado a proposta de “reciclar” animais em excesso: um eufemismo em matá-los e alimentar os outros animais com sua carne. Muitas pessoas se surpreendem quando ouvem que zoológicos matam animais. Zoológicos tem capacidade limitada e querem manter uma coleção diversificada (JAMIESON, 2008, p. 59) [grifo do autor].

Antes de “preservar” uma espécie em extinção, confinando-a em um zoológico, talvez pudéssemos nos perguntar se é realmente melhor para ela viver assim, nesse ambiente artificial. Se, por ser extinto, esse animal não tem mais acesso ao seu ambiente natural, qual o sentido de confiná-lo no zoológico? Preservação genética? Será que esse animal extinto conseguirá ter acesso ao que tinha em seu habitat natural, quando era livre?

Movimentando nosso pensamento sobre as relações que estabelecemos com o zoológico, entre o humano e o não-humano, nos deparamos com algumas inquietações como, por exemplo, o que ensinamos para uma criança que visita o zoológico? O que “transmitimos” a ela mostrando animais dentro de jaulas, de celas, de ambientes construídos artificialmente por nós, humanos? O que pensar sobre esses espaços extremamente menores que o habitat natural dos animais? O que queremos ensinar nas visitas ao zoológico? Existe uma “regra” de preservação das espécies? Se as pessoas precisam ser educadas, por que são os animais que são presos? E se exibíssemos celas vazias, em vez de trancafiar os animais nelas? Talvez explicando o motivo delas estarem assim, quem sabe despertaríamos olhares curiosos e pensativos sobre essa perspectiva? Por que o espaço do zoológico é visto como um local com fins educativos? Por que certos objetivos educacionais precisam necessariamente ser alcançados ali? Para satisfazer aos interesses educativos humanos? De que forma é representado o animal não-humano no zoológico? Qual o sentido da exibição dos animais? Qual o sentido que damos a esse espaço? Que tipo de relação é estabelecida entre o humano e o não-humano em uma visitação ao zoológico?

Ao pensar em uma visitação ao zoológico, logo nos remetemos à noção de “sujeito humano” como ser separado da natureza. É preciso criar uma natureza artificial, uma natureza inventada para que os animais não-humanos fiquem à disposição dos seres humanos. Qual o sentido disso?

O zoológico opera como fragmento de vida selvagem incrustado no espaço urbano do qual se aproxima e se distingue, roçando-o e limitando-o. O crescimento da vida urbana distanciou os animais do espaço comum (compartilhado) com os humanos e os confinou a celas onde podiam ser observados pelas massas urbanas (BRAVO, 2011, p. 226).

No espaço do zoológico encontramos animais enjaulados, cercados, exibidos para entretenimento humano. A administração humana domina, regula, controla e reduz os espaços naturais. Em contrapartida, aumenta os espaços artificiais para o não-humano habitar, assim como aumenta a reprodução planejada de animais e a restrição de algumas espécies em extinção (encontradas exclusivamente em zoológicos).

E nesse exercício de pensamento convidamos as leitoras e os leitores a pensar sobre o argumento que justifica a existência do zoológico como lugar de preservação de espécies em extinção. Isso seria necessário, se o ser humano não estivesse tirando mais os animais do seu habitat, do que os devolvendo?

Jamieson (2008, p. 62) considera que os “[...] zoológicos nos ensinam um falso senso do nosso lugar na ordem natural. Os meios de encarceramento marcam uma diferença entre humanos e animais.” Os animais estão ali para atender aos interesses humanos (diversão, educação, ciência), demarcando uma verdade cristalizada a qual buscamos aqui tensionar e fissurá-la: A espécie humana está acima das outras?! Alguns podem até tentar justificar a existência desses espaços (zoológicos) por sua “função” educacional, recreativa, científica, etc. Mas, essas razões não nos parecem nenhum pouco razoáveis pois ferem a integridade dos animais, restringem seus corpos, sua liberdade e, em alguns casos, os expõe à crueldade.

Buscando provocar às crianças a pensar nas nossas relações com os animais não-humanos, a professora pesquisadora perguntou: “Como tu pensas que esses animais enjaulados convivem? Vamos pensar em algum daqueles animais que vimos no zoológico: quais atividades, divertimento, vida que eles têm dentro daquelas jaulas?

Se não fosse ali, onde esses animais poderiam morar? Por quê? Em que outros espaços esses animais poderiam viver?” E as respostas das crianças variaram bastante, mas tinham um aspecto em comum: liberdade! “Na rua!”, disse a criança 1. “Na rua não, na floresta” (criança 6). “Eu acho que pode ser na praia” (criança 7). “Na natureza, igual o rinoceronte roxo queria” (criança 8). “E se eles fossem para esses lugares que vocês falaram, como iriam se alimentar?”, perguntou a professora pesquisadora. Um longo minuto de silêncio tomou conta da sala, até que a criança 1 disse: “Comendo grama. E encontrando comida.” Logo, a criança 8 perguntou: “Mas onde eles iam encontrar comida? E a criança 6 respondeu: “Na natureza, ué”.

Dando continuidade a conversa, a professora pesquisadora perguntou: “Se não existisse zoológico, como você acha que seria a vida dos animais?”, “E se não existissem animais, como você acha que seria nosso planeta?” Depois de mais um longo silêncio, a criança 8 disse: “Coitadinhos, profe” e a criança 1 colocou as duas mãos na cabeça e gesticulando falou: “Ai, ia ser tudo muito confuso!”

Em seguida a turma conversou sobre os animais que costumavam ver perto das suas casas. Onde será que esses animais ficavam à noite? Será que eles dormiam? Onde? “Eu enxergo cachorros perto da nossa casa”, disse a criança 7. “Quando eu estou chegando na minha casa, eu enxergo cachorros e, às vezes, até vaquinhas”, complementou a professora pesquisadora. “Tem bastante passarinhos, perto da minha casa”, destacou a criança 8. “Eu já vi uma coruja. Quando eu vi, a coruja virou a cabeça assim ó (ela movimentou a cabeça imitando a coruja) e eu só olhei e não me assustei” (criança 7). “Onde é que você viu essa coruja?”, perguntou a professora pesquisadora. “Lá na pista de skate. Mas eu não tenho skate. Só subo na pista. É uma coruja marrom que mora lá. Só que de dia ela vai embora”, explicou.

Bem pensativa, a criança 1 perguntou: “Onde a coruja dorme?” e a criança 8 complementou a pergunta: “E os passarinhos?” Ligeiramente a criança 7 disse: “Eles pegam um colchão que tem na rua e dormem nele”. Logo todos começaram a rir, inclusive ela. Quando a turma se acalmou, a mesma criança disse: “A coruja fica acordada de noite. Ela dorme de dia. Mas eu não sei onde”. “Eu posso te falar uma coisa?” perguntou a criança 1 para a professora pesquisadora. E logo complementou: “Ela tá certa!” (referindo-se a resposta da criança 7) e complementou: “Ela dorme de dia e fica acordada de noite”. “Sim, ela vai embora e ninguém consegue ver ela dormindo de dia” (criança 7). “Sim, e vocês já viram os passarinhos dormindo?”, perguntou a professora pesquisadora. “Eu não”, disse a criança 8. “Eu também nunca vi!”, reforçou a criança 1. “Eles dormem no ninho”, disse a criança 6. E a criança 7 pensativa falou: “Eu nunca vi uma águia”. “Eu também não. Eu já vi um gavião voando no céu. Mas eu nunca vi de pertinho” (professora pesquisadora). “Você já viu um gavião dormindo, profe?”, perguntou espantada a criança 1. “Não!”, respondeu a professora pesquisadora. “Nem eu”, destacou a mesma criança.

As provocações das crianças, seus pensamentos, suas perguntas mobilizaram a professora pesquisadora e possibilitaram a invenção de outros possíveis para tensionar nossas relações com o mundo na companhia dos animais. Foi inspirada por esses exercícios de pensamento junto às crianças que elaboramos o terceiro encontro de experiências filosóficas na escola.

Narrando a experiência filosófica inventada - Encontro 3

No último encontro desse eixo de experiências filosóficas, a turma conversou sobre o fato de alguns animais aparentemente estarem livres no zoológico, mas na verdade estarem em um ambiente amplo, porém cercados por telas, vidros e/ou paredes que, distantes, parecem passar despercebidos por nossos olhares. Mas, pelos olhares atentos dessa turminha, isso não aconteceu e as crianças ficaram bastante incomodadas.

Para iniciar a conversa, a professora pesquisadora comentou: “Lembram que em nosso último encontro, eu perguntei para vocês onde os animais poderiam viver, se não houvessem zoológicos? O lugar preferido de vocês foi a floresta. Por quê?” Para a criança 1, a floresta foi escolhida porque qualquer um pode entrar. E quando questionada sobre a quem ela queria se referir dizendo “qualquer um”, ela respondeu: “Qualquer um. Pessoas ou animais”. E a criança 7 complementou: “Essa floresta não pode ter paredes nem cercas porque eles (referindo-se aos animais e as pessoas) ficam livres na natureza”.

Depois de algum tempo de conversa, a professora pesquisadora lançou o “desafio do animal companheiro”. Ele consistiu em cada criança escolher um animal para ser seu companheiro na escola. Conforme a turma ia sinalizando suas escolhas, a professora pesquisadora anotava-as.

A criança 8 foi a primeira a escolher; bem empolgada ela disse: “Uma onça, eu escolho!” Em seguida, a criança 1 destacou: “Eu escolho o leão”. “Um macaco”, disse a criança 7. “Um hipopótamo bem grande” (criança 6). “Se eu pudesse escolher um animal companheiro, eu escolheria a girafa”, finalizou a professora pesquisadora.

Enquanto faziam suas escolhas, algumas questões foram surgindo tanto por parte da professora pesquisadora para as crianças, quanto das próprias crianças entre si. Elas queriam saber o motivo da escolha de cada amigo e amiga, onde esse animal poderia morar, qual o nome ele poderia ter. Quando a professora pesquisadora perguntou como poderiam fazer para que esses animais fossem companheiros das crianças, ela sugeriu que eles viessem para a sala de aula deles/as e lançou a próxima proposta: criar seu animal companheiro utilizando massinha de modelar e pensar em um habitat onde eles pudessem morar.

As crianças adoravam brincar de massinha de modelar e com entusiasmo acolheram a ideia. Enquanto elas modelavam os animais, a professora pesquisadora ia trazendo algumas provocações para “sacudir as ideias” e dar coceirinhas nos pensamentos. Ela foi perguntando para cada criança o motivo da escolha de seu animal. As respostas foram bem curiosas: “Por que leão é mais fácil de fazer”, disse a criança 1. “Por que eu gosto do macaco”, (criança 7). “Por que eu acho legal suas pintinhas” (criança 8). “Por que eu gostei do rinoceronte da nossa história” (criança 6).

Então a professora pesquisadora fez uma pergunta que acabou dando algumas ideias inusitadas que mudaram o rumo da atividade: “O que tem que ter na natureza para o macaco, o leão, a girafa, o rinoceronte e a onça viverem?” Nesse momento, a turma percebeu que nada do que tinha na sala servia e deram suas sugestões e ideias. “Tem que ter folhas, árvores e capim” (criança 7). “Galhos e pedras” (criança 1). “Ah, tem que ter dentes-de-leão!” (criança 7 novamente). “Folhas e água” (criança 6). “Mas se a gente colocar água agora, pode virar” (criança 8). Então, a professora pesquisadora perguntou sobre o que poderia ser feito sobre isso. E a resposta da criança 1 foi: “Deixa para colocar a água de último, quando a natureza estiver pronta.” “Vocês concordam?”, perguntou a professora pesquisadora. Todos sinalizaram que sim! Então ela perguntou: “O que vocês acham de escolher nomes para seus animais?” Muito feliz, a criança 6 disse: “A minha vai ser Florzinha!”, referindo-se a sua rinoceronte fêmea. “O nome da minha girafa vai ser Chiclete” (professora pesquisadora). Todos deram muita risada! “O meu macaco é o Mickey” (criança 7). “O meu leão... deixa eu pensar um pouquinho. É o Répigol” (criança 1). Novamente a turma deu muita risada. E a criança 8 finalizou a escolha dos nomes optando por chamar sua onça de Sassá.

Após a modelagem e a escolha dos nomes dos animais companheiros, as crianças pediram para ir ao pátio da escola procurar materiais presentes na natureza (gravetos, pedrinhas, areia, folhas, dentre outros) pois entenderam que em nossa sala não tinham os materiais que elas acreditavam que mereciam fazer parte do ambiente que estavam elaborando para seus animais. Enquanto as crianças procuravam elementos da natureza pelo pátio da escola, a professora pesquisadora fazia mais perguntas para provocar a turma: “Como vocês imaginam a natureza para os animais que criaram?”; “O que eles precisam para viver confortavelmente neste espaço?”; “O espaço de vocês vai ser igual ou diferente do zoológico que conhecemos? Por quê?”; “Se vocês pudessem modificar o espaço do zoológico, como fariam?” Essas e outras questões foram retomadas quando as crianças retornaram para a sala e começaram a criar o espaço representando a natureza a partir de seus olhares. Como as crianças enxergavam a natureza? Qual era a relação que elas estabeleciam com os animais? E com a natureza? Essas e outras provocações permearam a presente escrita e nos fizeram pensar sobre as formas como vimos nos constituindo enquanto seres humanos e possibilidades outras que podem surgir na relação entre humano, natureza e não-humano.

Encaminhando-se para as últimas atividades de nossa proposta de trabalho, a professora pesquisadora perguntou para as crianças o que elas achavam que poderiam fazer para que os animais escolhidos se tornassem seus companheiros, seus amigos. “A gente pode dar uma banana para o macaco”, disse a criança 1. “Dando um dente-de-leão para o leão” (criança 7). “Eu ia dar um morango para ele”, disse a criança 6 referindo-se ao hipopótamo. “Você me dá um morango para eu dar para minha onça?”, perguntou a criança 8. Bem pensativa, a professora pesquisadora perguntou: “O que eu poderia fazer para a girafa ser minha amiga?” Rapidamente a criança 7 disse: “Profe, dá folhas pra ela”. Então a professora pesquisadora conversou com as crianças sobre a alimentação dos animais na natureza e a forma como essa alimentação acontece no zoológico. Elas se surpreenderam ao saber que os animais não tinham acesso a alimentação livre e uma das crianças perguntou: “Por que uma pessoa decide o que os bichinhos gostam de comer? Os bichinhos que sabem, não as pessoas”. A partir disso, outras questões surgiram por parte das crianças e, assim, elas foram modelando seus animais, conversando, dando risadas e por mais que alguns “tempos da escola” atravessassem as manhãs (horário da merenda, almoço, higiene, saída) a turma foi conseguindo se desvincular, em alguns momentos, por alguns instantes, dessa cronologia que invade a escola e nos condiciona a fragmentar tudo o que fazemos em tempos cronometrados.

E assim nasceu uma natureza a partir dos olhares das crianças. Notava-se que a maior preocupação das crianças era criar uma natureza em que os animais estivessem livres, com liberdade. Em nenhum momento elas cogitaram a possibilidade de cercar o espaço criado, pelo contrário, elas preocupavam-se em dar a maior liberdade possível para os animais. Uma natureza pensada com materiais presentes em um dos espaços da escola que as crianças mais gostavam de estar: o pátio. Essa natureza é permeada de animais, de alimentos, de árvores, tem um lago e é toda aberta; sem grades, sem cercas nem muros.

Fonte: Autoria própria (2021)

Figura 2 A natureza das crianças 

Considerações finais

Pensar experiências filosóficas com crianças pode nos levar ao exercício de tensionar o pensamento, lá onde insistimos em definir ações, determinar condutas e agir em nome de uma pedagogia estabelecida. Talvez por isso, o encontro entre infância, filosofia e escola pode levar nosso pensamento ao limite e potencializar outros modos de enxergar o mundo.

A experiência com essa turma de crianças nos fez ver o quanto é possível criar outras formas de relação com a natureza e com o não-humano. Aqui não percebemos, em momento algum, o humano sobressaindo-se; pelo contrário, as crianças preocuparam-se a todo o momento com o bem-estar dos animais não-humanos e cuidaram de todos os detalhes para que eles tivessem uma vida tranquila e confortável.

Ao nos encaminharmos para o final desse texto, esperamos que as leitoras e os leitores tenham vivenciado uma experiência de leitura que proporcione em seus pensamentos pequenas dúvidas, pequenas fissuras e brechas que ajudem a desconstruir essa visão antropocêntrica que permeia o espaço do zoológico e que, a partir do movimento da infância aqui narrada, possamos juntas e juntos, aprender com as crianças outras formas de relação entre nós e o mundo que nos cerca.

A turma de crianças nos ensinou a pensar sobre o zoológico de formas inusitadas, a partir de múltiplas possibilidades criadas pelas crianças quando se provoca o pensamento num exercício bastante distinto do que temos hoje ao tratar de humanos e não-humanos. Desconstruindo os papéis de entretenimento, diversão, lazer, educação, conservação e as relações de dominação; as crianças dessa turminha nos apresentaram possibilidades, vivências, experiências e muita, mas muita curiosidade!

Uma aposta na filosofia com crianças talvez mereça ser assumida na escola. Não se trata de definir uma metodologia pedagógica escolar. Bastante longe disso, trata-se, quiçá, de exercitar o pensamento com perguntas que talvez nossos olhares modernos, carregados de certezas, tenha bastante dificuldade em enxergar. “Ver o que está faltando no que há, para ver o que está escondido pelo que se vê” (KOHAN; OLARIETA; WOZNIAK, 2012, p. 188). A problematização de nossas verdades passa, efetivamente, pelo exercício de fazer perguntas. Nossa aposta é na potência de criação que o exercício da filosofia com crianças pode nos levar a encontrar, uma vez mais, em nós.

Referências

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1A filosofia para crianças foi uma proposta bastante inusitada de Matthew Lipman. Porém, é com Walter Kohan que temos um desdobramento dessa ideia com um pensamento voltado para a filosofia com crianças. Na visão de Lipman, o professor é o centro do diálogo filosófico e dos procedimentos de investigação e as crianças seguem a lógica do seu raciocínio. Kohan parte dos estudos de Lipman, mas os direciona a compreensão da filosofia como uma forma de pensamento infantil onde o professor parte do pensamento das crianças.

2No nosso grupo de estudos chamamos de disparador do pensamento os diferentes materiais que nos mobilizam o pensar e desafiam nossas verdades.

3Para preservar o anonimato da criança, optamos por indicar cada integrante por um número.

4A primeira experiência filosófica da investigação maior e proposta às crianças resultou na criação de um personagem nomeado por eles de Amigo. O Amigo mobilizou a turma a pensar nas relações das crianças com seu bairro, família, escola e casa.

Recebido: 09 de Junho de 2022; Aceito: 06 de Janeiro de 2023

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