SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.23 número76Infância, natureza e animais não humanos: uma aposta na filosofia com crianças na escolaPor uma participação de corpo inteiro: refletindo sobre a dimensão corporal e participação de crianças nas práticas pedagógicas da Educação Infantil índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista Diálogo Educacional

versão impressa ISSN 1518-3483versão On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.23 no.76 Curitiba jan./mar 2023  Epub 05-Abr-2023

https://doi.org/10.7213/1981-416x.23.076.ds08 

Dossiê

Triangulação metodológica em pesquisas etnográficas com e sobre crianças

Methodological triangulation in ethnographic research with and about children

Triangulación metodológica en la investigación etnográfica con y sobre niños y niñas

Sandro Vinicius Sales dos Santosa 
http://orcid.org/0000-0002-9666-3639

Monica Correia Baptistab 
http://orcid.org/0000-0002-6645-0114

aUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil. Doutor em Educação, e-mail: sandrovssantos@gmail.com

bUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil. Doutora em Administração Escolar, e-mail: monicacb.ufmg@gmail.com


Resumo

Este artigo analisa os alcances e limites de metodologias de pesquisa e advoga pela importância da triangulação na construção e na análise de dados em estudos das infâncias, em especial, nas pesquisas com e sobre crianças. Situado na interseção dos Novos Estudos Sociais da Infância com a produção científica da área da Educação da Criança de Zero a Seis Anos, o texto parte da seguinte problematização: Que orientações metodológicas seriam adequadas para permitir que as investigações etnográficas considerem as peculiaridades das infâncias e as relações sociais que se estabelecem nos primeiros anos de vida, em especial em contextos educativos? Para debater esta e outras questões, são revisitados dados de uma pesquisa cujo trabalho de campo foi desenvolvido ao longo de nove meses do ano de 2012, em uma Unidade Municipal de Educação Infantil (UMEI), de Belo Horizonte, Minas Gerais. Participaram do estudo, dezoito crianças de quatro/cinco anos (oito meninas e dez meninos), além de duas professoras. A produção de dados ocorreu por meio de observação participante; de desenhos articulados com a oralidade; de fotografias produzidas pelas crianças, também conjugadas com suas falas e, finalmente, de entrevistas. As análises sugerem que a triangulação, quando associada aos princípios da etnografia, tais como a observação prolongada; a construção de análises holísticas e, ao mesmo tempo focalizadas, associadas à dimensão autocorretiva e reflexiva, possibilita a ampliação da interpretação dos dados e o alargamento da construção de sentidos e de possibilidades para a pesquisa com e sobre crianças e infâncias.

Palavras-chave: Educação infantil; Estudos da infância; Metodologias de pesquisa com e sobre crianças; Triangulação de métodos

Abstract

This article analyzes the scope and limits of research methodologies and advocates the importance of triangulation in the construction and analysis of data in childhood studies, especially in research with and on children. Situated at the intersection of the New Social Studies of Childhood with scientific production in the field of Early Childhood Education, the text starts from the following problematization: What methodological guidelines would be adequate to allow ethnographic investigations to consider the peculiarities of childhood and the social relationships in the first years of life, especially in educational contexts? To discuss this and other questions, data from a survey whose field work was carried out during nine months of 2012, in a Municipal Early Childhood Education School, in Belo Horizonte, Minas Gerais, are reviewed. Eighteen four/five-year-old children (eight girls and ten boys) participated in the study, as well as two teachers. Data production was carried out through participant observation; of drawings articulated with orality; of photographs produced by the children, also combined with their speeches and interviews. The analyzes suggest that triangulation, when associated with ethnographic principles, such as prolonged observation; the construction of holistic analyzes and, at the same time, focused, associated with the self-correcting and reflective dimension, makes it possible to broaden the interpretation of the data and expand the construction of meanings and possibilities for research with and on children and childhood.

Keywords: Early Childhood Education; Childhood Studies; Research methodologies with and about children; Triangulation of methods

Resumen

Este artículo analiza los alcances y límites de las metodologías de investigación y aboga por la importancia de la triangulación en la construcción y análisis de datos en los estudios de infancia, especialmente en la investigación con y sobre los niños. Situado en la intersección de los Nuevos Estudios Sociales de la Infancia con la producción científica en el campo de la Educación Infantil, el texto parte de la siguiente problematización: ¿Qué lineamientos metodológicos serían adecuados para permitir a las investigaciones etnográficas identificar las peculiaridades de la infancia y las relaciones sociales que se establecen en los primeros años de vida, especialmente en contextos educativos? Para discutir esta y otras cuestiones, se revisan los datos de una encuesta cuyo trabajo de campo se realizó durante nueve meses de 2013, en una Unidad Municipal de Educación Infantil (UMEI), en Belo Horizonte, Minas Gerais. Participaron del studio, dieciocho niños de cuatro/cinco años (ocho niñas y diez niños), además de dos maestras. La producción de datos se llevó a cabo a través de la observación participante; de dibujos articulados con la oralidad; de fotografías producidas por los niños, también combinadas con sus discursos y entrevistas. Los análisis sugieren que la triangulación, cuando se asocia con principios etnográficos, como la observación prolongada; la construcción de análisis holísticos y, a la vez, focalizados, asociados a la dimensión autocorrectiva y reflexiva, posibilita ampliar la interpretación de los datos y la construcción de sentidos y posibilidades para la investigación con y sobre los niños y las infancias.

Palabras clave: Educación infantil; Estudios de la Infancia; Metodologías de investigación con y sobre los niños; Triangulación de métodos

Introdução

Este texto problematiza a produção e a análise de dados na pesquisa com e sobre crianças. Posto que o campo dos estudos da infância tem proclamado os métodos etnográficos como forma privilegiada de aproximação entre as investigações e os pontos de vista das crianças, bem como de superação de perspectivas adultocentradas, que persistem nas análises sociais (BUSS-SIMÃO, 2014; ROSA; FERREIRA, 2019), nosso objetivo é refletir sobre o papel da triangulação nos estudos com e sobre crianças e infâncias.

O artigo inscreve-se, teórica e metodologicamente, na interseção dos Novos Estudos Sociais da Infância1 com a produção científica da área da Educação da Criança de Zero a Seis Anos, campos teóricos que, nas últimas décadas, têm contribuído ativamente para a construção de uma Pedagogia da Infância e da Educação Infantil (ROCHA, 1999). A partir da década de 1990, impulsionados pelas revisões dos quadros conceituais das ciências humanas e sociais, tanto os Estudos da Infância quanto as investigações sobre Educação Infantil têm se dedicado a compreender como a criança pequena elabora processos de apreensão do real, objetivando, desse modo, aproximações com seus universos de referência e com os sentidos que elas produzem acerca da vida social.

Os Novos Estudos Sociais da Infância compreendem um campo interdisciplinar, que reúne estudos e pesquisas provenientes de diferentes tradições teóricas: Sociologia, Antropologia, História, Pedagogia, Psicologia, entre outras. Tais estudos têm se tornado um campo fecundo, apesar de recente em todo o mundo, e apresentam importantes aportes ao pensamento social, pois “ao mesmo tempo em que se ancoram nos referenciais epistêmicos das distintas disciplinas, vêm estabelecendo interseções e transversalidades, buscando apreender a infância como fenômeno social” (GOUVÊA, 2011, p. 550 - 551).

Prout e James (1997), propositores do novo paradigma do Estudo da Infância, argumentam que não se deve investigar as crianças simplesmente como seres em desenvolvimento; futuros atores sociais, mas como sujeitos dotados de agência. Neste sentido, os Estudos da Infância têm reivindicado o reconhecimento da autonomia das formas de produção cultural da infância (SARMENTO, 2002), propondo a superação da visão de crianças como seres incompletos ou insuficientes. Nesta perspectiva, passam a ser consideradas como sujeitos dotados de capacidade de ação, que estabelecem relações sociais de um modo muito peculiar, tanto na interação com os adultos quanto com seus pares.

Dessa maneira, as investigações sobre os modos de vida infantil concebem as crianças como seres imersos em redes de significados culturalmente enredados, cujas habilidades sociais lhes consentem intervir ativa e propositivamente nas relações sociais em que se encontram imersos, se mostrando, portanto, igualmente capazes de falar em seu próprio direito (ALDERSON, 2009; BUSS-SIMÃO, 2014). Os Estudos da Infância também compreendem a complexidade dos universos de relações infantis, em que se articulam as relações intra e intergeracionais.

Do ponto de vista metodológico, os Estudos da Infância adotam procedimentos de pesquisa que, de uma perspectiva ética, tomam as crianças como informantes privilegiados, copartícipes nas investigações sobre seus modos de vida e não mais como meros objetos de estudo. Diante disso, os métodos etnográficos têm se mostrado potencialmente úteis para o estudo da infância, na medida em que “veiculam uma voz mais participativa e diretiva na produção dos dados sociológicos do que é usualmente possível por meio de métodos experimentais de pesquisa” (PROUT; JAMES, 1997, p. 8). Parece haver, portanto, uma compreensão de que a observação prolongada das interações infantis encerra uma metodologia privilegiada para aceder ao ponto de vista das crianças. Ao ancorarem-se na etnografia, os Estudos da Infância têm permitido a identificação das peculiaridades das relações sociais nos primeiros anos de vida.

Em pesquisas sobre infâncias e com crianças, os dados provenientes dos métodos observacionais, centrais em estudos etnográficos, demandam ser constantemente conjugados com uma multiplicidade de outros dados, o que ainda é pouco problematizado pelo campo de investigação que toma as crianças como participantes nas pesquisas. Em outros termos, metodologicamente, os Estudos da Infância consideram que, para aceder ao ponto de vista das crianças e fazer emergir as vozes de meninos e meninas, refinar e reestruturar métodos de pesquisa já consagrados na produção de dados é um exercício reflexivo salutar para o campo (ROCHA, 2008).

Diante disso, problematizamos: Que orientações metodológicas seriam adequadas para permitir a identificação das peculiaridades das infâncias e das relações sociais que se estabelecem nos primeiros anos de vida, especialmente nos contextos educativos? Dessa questão decorrem outras: Como conjugar diferentes ferramentas metodológicas diante do desafio complexo de ouvir a voz das crianças, dialogar com as culturas infantis, conferir às crianças o protagonismo na cena pedagógica? Em que medida a adoção de múltiplas estratégias metodológicas para a produção de dados pode refinar nossa compreensão dos sentidos que as crianças atribuem a diferentes aspectos da vida cotidiana? Quais os alcances e limites do uso da triangulação na pesquisa com métodos mistos?

Neste artigo, buscamos dialogar sobre estas e outras questões, contribuindo com o campo dos Estudos sobre Infância e Educação Infantil ao enfatizar a importância da triangulação como possibilidade de refinamento da construção e das análises de dados em investigações com e sobre crianças. Para tanto, realizamos esse empreendimento a partir de uma investigação que objetivou compreender os sentidos produzidos por crianças de quatro anos de idade sobre a experiência de frequentar uma instituição de Educação Infantil.

Etnografia, infâncias e as crianças

Ao reconhecer meninos e meninas a partir de outro estatuto, agora como atores sociais e não como receptáculos de informações do mundo adulto, o campo dos Estudos da Infância “tem radicado na defesa de uma agenda de pesquisa que, entre outras premissas, vê no uso da etnografia um contributo inestimável ao debate epistemológico, teórico-metodológico e ético em curso nas múltiplas disciplinas das ciências sociais” (FERREIRA; NUNES, 2014, p. 106).

A etnografia vai além de uma mera ferramenta de coleta de dados. Ela se conforma como uma postura epistemológica constante e uma busca pela produção do conhecimento sobre o exótico. É o que nos adverte Geertz (1989), ao opor-se a uma compreensão amplamente difundida, em distintos ramos das Ciências Sociais, segundo a qual o trabalho de campo etnográfico teria um caráter meramente instrumental e técnico, no qual o investigador necessitaria tão somente “estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um diário” (p. 15). Geertz (1989) refuta essa visão instrumental, que reduz a etnografia a uma questão meramente metodológica, afirmando não serem essas técnicas o que define o empreendimento etnográfico, mas sim “o esforço intelectual que ele representa: um risco elaborado para uma ‘descrição densa’” (p. 17). Parafraseando uma das citações mais conhecidas de Geertz, uma “descrição densa” seria aquela capaz de identificar e diferenciar “piscadelas originais”, de “falsas piscadelas” e de “tiques nervosos”2. Ou seja, a etnografia busca compreender o conjunto de significados culturais produzidos coletivamente e que se tornam públicos a ponto de serem interpretáveis.

Nesse sentido, o objetivo maior da investigação etnográfica consiste em buscar a compreensão dos significados que os “nativos” (no nosso caso, as crianças) “constroem nas suas ações situadas de todos os dias, isto é, situadas no contexto cultural e nos estados mutuamente intencionais de interação dos participantes” (GRAUE; WALSH, 2003, p. 59).

Por mais elementar que seja a descrição etnográfica, na visão de Geertz, ela é extremamente “densa”. Isso porque, para esse autor, a cultura deve ser lida como um texto e, nesse sentido, sua análise consiste em uma interpretação. Assim, fazer etnografia, explica-nos o autor, pressupõe tentar ler no sentido de realizar uma leitura de; uma interpretação de, “um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, não com os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios de comportamento modelado” (GEERTZ, 1989, p. 20). Nesse sentido, a tarefa do etnógrafo é apreender para posteriormente apresentar uma diversidade de estruturas conceituais altamente complexas, “muitas delas sobrepostas ou amarradas umas às outras, que são simultaneamente estranhas, irregulares e inexplícitas”.

Para Geertz (2013), uma das questões que envolve a descrição densa é a complexidade na busca pelo “ponto de vista do nativo”. Para ele, aceder ao ponto de vista do nativo não pressupõe necessariamente uma fusão afetiva entre os informantes e o investigador. Geertz parte do pressuposto de que o etnógrafo, por mais esforçado que seja, “não percebe - principalmente não é capaz de perceber - aquilo que seus informantes percebem. O que ele percebe, e mesmo assim com bastante insegurança, é o ‘com que’, ou ‘por meio de que’, ou ‘através de que’ (seja lá qual for a expressão) os outros percebem” (GEERTZ, 2013, p. 63). Segundo o autor, isso não seria possível nem mesmo se o etnógrafo conseguisse estabelecer os maiores níveis de empatia com os informantes. Uma das formas de compreender a questão do ponto de vista nativo é estabelecer distinção entre os conceitos de “experiência próxima” e “experiência distante”:

Um conceito de “experiência-próxima” é, mais ou menos, aquele que alguém - um paciente, um sujeito, no nosso caso um informante - usaria naturalmente e sem esforço para definir aquilo que seus semelhantes veem, sentem, pensam, imaginam etc. e que ele próprio entenderia facilmente se os outros o utilizassem da mesma maneira. Um conceito de “experiência-distante” é aquele que um especialista de qualquer tipo - um analista, um pesquisador, um etnógrafo, ou até um padre ou um ideologista - utilizam para levar a cabo seus objetivos científicos, filosóficos ou práticos (GEERTZ, 2013, p. 61).

Assim, entendendo as crianças como o Outro, o esforço empregado no trabalho de campo pelos/as pesquisadores/as contemporâneos/as da infância tem sido de aceder ao ponto de vista desse Outro, isto é, das crianças. Esse é um empreendimento que não apenas se fundamenta na identificação mútua entre investigador/a e seus/suas informantes, mas também em um conhecimento proveniente da síntese produzida a partir do confronto entre conceitos de experiência-próxima, aqueles com os quais as crianças operam nas situações da vida cotidiana, mesmo sem ter consciência de tal ato; e os conceitos teóricos, isto é, de experiência-distante, construtos abstratos elaborados no âmbito das Ciências Sociais.

Deste modo, ao invés de tentar enquadrar a experiência das crianças em nossa compreensão adulta, que segundo Geertz (2013, p. 64) “é o que a tão elogiada empatia acaba fazendo”, faz-se necessário, por meio de um exercício de alteridade, compreender a experiência do outro/criança, a partir de uma compreensão do ponto de vista de meninos e meninas sobre a vida social. Ou seja, ao se examinar de modo mais acentuado a agência das crianças, emerge, nas análises, a compreensão acerca das interpretações que meninos e meninas realizam sobre a cultura que os/as rodeia.

De uma perspectiva etnográfica com crianças, aqui compreendida como aquela que possibilitaria uma interpretação das culturas da infância, acedendo ao ponto de vista de meninos e meninas, isto é, interpretando os significados enredados nas práticas cotidianas que produzem (entre os pares e nas relações com pessoas jovens e adultas), apreendem-se os modos pelos quais as crianças decodificam as relações sociais por elas vivenciadas.

Assim, no desenvolvimento da etnografia com crianças, as investigações que as têm como interlocutoras no processo de produção de dados, são regidas por princípios fundamentais no âmbito da empiria. Corsaro (2009) afirma que a etnografia na pesquisa com crianças possui três características centrais: i) ser sustentável e comprometida; ii) microscópica e holística e; iii) flexível e autocorretiva.

Afirmar que a etnografia é sustentável e comprometida significa reconhecer que ela envolve a imersão máxima do/a pesquisador/a nos universos sociais do grupo investigado. Por meio da observação intensiva, por longos períodos (meses ou anos), o/a etnógrafo/a se torna capaz de interpretar as falas, os gestos e as ações cotidianas das pessoas “nativas”, no caso corrente das crianças, bem como conhecer o ambiente físico e institucional em que vivem, produzem as rotinas, crenças e valores que orientam seus atos, a linguagem e demais sistemas simbólicos que medeiam seus contextos de vida. Esse empreendimento é realizado por meio da observação participante, uma observação em presença e que requer uma interação prolongada entre as crianças e o/a pesquisador/a (GRAUE; WALSH, 2003). A observação participante, quando realizada em estudos etnográficos com e sobre crianças, segundo Corsaro (2009, p. 85):

É sustentável e comprometida, e requer que o pesquisador não apenas observe repetidamente, mas também participe como membro do grupo. A aproximação mais efetiva ocorre quando o pesquisador toma a compreensão dos sentidos e da organização social como tema de pesquisa a partir de uma perspectiva de dentro, aprendendo a se tornar um membro do grupo, documentando e refletindo sobre o processo.

A segunda característica da investigação etnográfica com crianças pressupõe que ela seja, concomitantemente, microscópica e holística. Para Geertz (1989, p. 31) considerar essa dupla dimensão do conhecimento etnográfico implica no reconhecimento de que o/a etnógrafo/a constrói “interpretações mais amplas e análises mais abstratas de assuntos extremamente pequenos”. Isso permite aos/às investigadores/as elaborar conclusões abrangentes a partir de fatos pequenos, porém intensamente enredados (GEERTZ, 1989; BUSS-SIMÃO, 2014). Implica, pois, dispender um bom tempo observando e participando, com o objetivo de compreensão, dos aspectos cotidianos (micro) da vida diária dos sujeitos focalizados no estudo, isto é, das crianças e de suas infâncias (CORSARO, 2011).

A terceira e última característica da etnografia com crianças, conforme Corsaro (2009), é que ela possui também uma essência flexível e autocorretiva, isto é, se conforma como um método dialético (ou interpretativo-adaptativo), no qual as questões iniciais podem sofrer alterações no decurso da pesquisa. Segundo Corsaro (2011, p. 66):

Uma importante característica da etnografia é que ela fornece um retorno contínuo no qual as perguntas iniciais podem ser modificadas ao longo da investigação. Essa flexibilidade é acompanhada pela autocorreção, quando o etnógrafo procura suporte adicional para hipóteses emergentes, incluindo casos negativos, o que pode levar ao refinamento e à expansão das interpretações iniciais.

Compreendida como uma postura epistemológica para apreender o exótico, a pesquisa etnográfica, ao mesmo tempo em que se mostra uma possibilidade, é também, para as investigações com e sobre as crianças, uma aposta desafiadora, pois “ao que tudo indica, as crianças passaram a “falar” como sujeitos participantes, mas revelar e tornar essas vozes audíveis através dos textos etnográficos requer uma reflexão mais ampla sobre a sua tradução, interpretação e mediação” (FERREIRA; NUNES, 2014, p. 117).

Os desafios se inscrevem no compromisso de assegurar uma descrição densa de fenômenos que ocorrem no cotidiano de crianças, principalmente se considerarmos bebês e demais crianças pequenas, no qual os significados são construídos e expressos menos pela linguagem verbal e, principalmente, por meio de complexas estruturas repletas de significados e sentidos semiotizados, tais como manifestações e expressões corporais, balbucios, choros, uso de objetos, olhares, gestos, entre outros. A experiência de pesquisa, apresentada neste artigo, ajudará a visualizar essa complexidade. Porém, antes, convém refletir sobre possibilidades de análise nas pesquisas com crianças, por meio da triangulação metodológica.

Princípios da triangulação como estratégia analítica em estudos com e sobre crianças

A pesquisa com e sobre crianças, alinhada aos pressupostos da investigação qualitativa e fortemente orientada pelos princípios dos estudos etnográficos, é caracterizada pelo uso de uma multiplicidade de métodos no contexto da produção de dados. Comumente, o uso de metodologias orientadas por uma variedade de procedimentos exige formas de análise que deem conta das especificidades de cada conjunto de dados e os articule evidenciando a complexidade do objeto de estudo. Assim, a triangulação se mostra relativamente útil aos Estudos da Infância, na medida em que representa um esforço de compreensão mais profundo dos modos de vida das crianças.

Embora pouco sistematizada conceitualmente, a triangulação é muito comum na pesquisa social (FLICK, 2009), pois, de modo implícito ou explícito, ela aparece em diversas metodologias de pesquisa, como por exemplo: nos estudos de caso; em estudos etnográficos; em pesquisas-participantes, entre outras. Importante destacar que, em função da complexidade da investigação social em torno das crianças e de suas formas de significação do real, os Estudos da Infância têm utilizado uma multiplicidade de instrumentos metodológicos, o que torna a triangulação uma metodologia de produção e de análise de dados relativamente útil, embora seja pouco sistematizada no âmbito das pesquisas.

Inicialmente, a triangulação era utilizada como forma de validar a objetividade dos dados. Suas origens se encontram na agrimensura (BLAIKIE, 1981 apudFLICK, 2009), bem como na navegação e na estratégia militar (CLARCK, 1951 apud FLICK, 2009), áreas nas quais a triangulação era utilizada como forma de verificação e de localização aeroespacial. Sua inserção no campo das Ciências Sociais se deu por meio de Webb et al. (1966), com o intuito de verificar se uma hipótese se sustentava frente ao cruzamento de diversos instrumentos de construção de dados.

Para Denzin e Lincoln (2006), a triangulação é vista como uma estratégia de combinar metodologias, na busca por uma compreensão mais aprofundada de uma questão de pesquisa, fazendo com que cientistas sociais se preocupem muito menos com a validade e a objetividade dos dados. Isto é, no debate contemporâneo sobre a qualidade da pesquisa orientada por pressupostos da abordagem qualitativa, a triangulação transcende a questão da fidedignidade dos dados de pesquisa, superando uma mera ferramenta para validação, ao combinar “rigor, fôlego, complexidade, riqueza e profundidade a toda e qualquer investigação que disponha de mais de um método de produção de dados” (DENZIN; LINCON, 2006, p. 19).

Conforme argumentam Sá e Henrique (2019), no contexto das pesquisas que empregam a metodologia da triangulação, observa-se “a riqueza e o entrelaçamento crítico de informações que o pesquisador pode obter por meio das várias fontes, técnicas, métodos ou estratégias, a fim de conseguir captar uma versão ampla, e cheia de detalhes, a respeito do objeto ou fenômeno estudado” (p. 653).

Denzin (1970) distingue quatro formas de triangulação comumente identificáveis nas Ciências Sociais. A primeira delas, “triangulação de dados”, compreende a recolha de dados por meio de várias estratégias de amostragem. A segunda, “triangulação de investigadores/as”, refere-se ao uso de mais de um/a investigador/a no campo para recolher e interpretar dados. A terceira, “triangulação teórica”, compreende o uso de mais de uma posição teórica na interpretação dos dados. A quarta e última, “triangulação de instrumentos (metodológica)”, abarca o uso de mais de um instrumento para recolha de dados.

Essa última forma de triangulação, a que Flick, (2009, p. 65) denomina “triangulação entre métodos”, incide, pois, no cruzamento entre dados provenientes de diferentes instrumentos de pesquisa. Para ele, essa forma de triangulação consiste na “combinação de diferentes métodos para limitar sua reatividade [...] quando demanda superar as limitações de cada método por meio da combinação de mais de um deles”. Essa forma de triangulação, segundo Spradley (1979); Hammerseley e Atkinson (1983) e Flick (2009), tem suas origens nas Ciências Sociais, mais precisamente, no âmbito dos estudos etnográficos. Dito de outro modo, a triangulação é inerente aos estudos etnográficos, sobretudo, quando os informantes são as crianças.

Para Flick (2009), a triangulação entre métodos, perspectiva de cruzamento de dados adotada no estudo apresentado neste artigo, não se resume à mera validação ou controle da objetividade dos dados, mas sim, a uma compreensão mais aguçada de determinadas questões, algumas delas previstas antecipadamente e outras emergentes que vão surgindo no âmbito do trabalho de campo. O pesquisador adverte ainda que pode haver equívocos na compreensão da triangulação e, consequentemente, incoerências quanto ao seu uso na pesquisa social. Para ele, combinar métodos não significa que um deles seja utilizado para produzir os dados de pesquisa e outro para analisá-los; tampouco compreende a utilização em caráter exploratório de metodologias qualitativas antes de métodos padronizados (quantitativos). Em suma, a triangulação entre métodos pressupõe um processo complexo de cotejamento entre os instrumentos de produção de dados com o objetivo de ampliar a compreensão acerca de uma questão de pesquisa ou um fenômeno social (Flick, 2009).

A triangulação, como recurso metodológico empregado em pesquisa social, compreende que cada instrumento de produção de dados revela aspectos específicos da realidade empírica. Reconhece, pois que nenhum método, por si próprio, possibilita que um/a investigador/a desenvolva proposições causais livres de interpretações variadas. Para Denzin (2000, p. 186), a combinação de múltiplos métodos em uma investigação “permite ao sociólogo criar proposições válidas que consideram cuidadosamente os fatores causais opostos proeminentes”. Para ele, a triangulação propõe uma nova forma de ação para o/a investigador/a social, bem como um conjunto de novos sentidos para o processo de investigação qualitativa (DENZIN, 2000).

Como veremos a seguir, ao triangular dados de pesquisa produzidos por meio de diferentes instrumentos (observação participante, desenhos e fotografias articulados com as falas das crianças e entrevistas com elas e com os adultos), evidenciaram-se tanto as experiências vividas pelas crianças na UMEI, quanto os sentidos que elas produziam sobre as variadas situações vivenciadas naquele contexto.

Escolhas metodológicas em uma pesquisa etnográfica com crianças em um contexto de Educação Infantil

Considerando os pressupostos da pesquisa etnográfica com crianças, a produção de dados foi desenvolvida ao longo de nove meses do ano de 2013, em uma Unidade Municipal de Educação Infantil (UMEI), situada na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. Participaram do estudo 18 crianças de quatro/cinco anos do turno matutino, oito meninas e dez meninos, além de duas professoras que atuavam diariamente com esse grupo. A produção de dados teve como principais instrumentos: observação participante, com notas em caderno de campo; desenho articulado com a oralidade; fotografias e filmagens produzidas pelas crianças, também conjugadas com suas falas; registros orais das crianças em momentos informais e entrevistas.

Tais procedimentos foram articulados obedecendo o princípio da simetria ética entre crianças e adultos (CHRISTENSEN; PROUT, 2002). Segundo esse princípio, as mesmas posturas éticas adotadas em relação aos adultos devem ser simetricamente adotadas no âmbito da pesquisa com crianças, isto é, deve haver a preocupação constante de assegurar a privacidade e a confidencialidade (CHRISTENSEN; PROUT, 2002).

Paradoxalmente, considerando que, entre adultos e crianças, as relações de poder são sempre desiguais, as questões éticas em pesquisas que tomam as crianças como copartícipes ganham relevância e adquirem contornos específicos. Tais especificidades estão presentes tanto nos estudos nos quais as crianças participam de forma colaborativa, nas diferentes etapas da investigação, ou seja, nas pesquisas com crianças; quanto naquelas em que as crianças e suas infâncias são objetos da investigação, isto é, pesquisas sobre crianças.

A discussão sobre ética na pesquisa com e sobre crianças requer a adoção, por parte dos/as pesquisadores/as, de uma concepção segundo a qual meninos e meninas, desde a mais tenra idade, são sujeitos que interagem ativamente com os conteúdos materiais e simbólicos presentes nas práticas culturais em que se encontram imersos. Nesse sentido, são também considerados coprodutores dessas práticas culturais, atuando tanto na reprodução quanto na transformação dos conteúdos simbólicos a elas correspondentes. Tal perspectiva exige do pesquisador/a abertura para conhecer e aproximar-se respeitosamente das culturas infantis.

Uma decisão ética bastante problematizada por pesquisadores/as do campo (CHRISTENSEN; PROUT, 2002; KRAMER, 2002; BARBOSA, 2014, entre outros/as) refere-se à maneira como a investigação científica que toma as crianças como principais interlocutoras nomeia os sujeitos participantes do estudo. Para Kramer (2002), por exemplo, se partimos de um quadro teórico-conceitual no qual a infância se conforma como categoria social e no qual meninos e meninas são compreendidos/as “como cidadãos, sujeitos da história, pessoas que produzem cultura” (KRAMER, 2002, p. 42), a manutenção do nome verdadeiro seria a opção mais coerente. Ainda que considere que tal decisão possa acarretar sérias implicações quanto à integridade de meninos e meninas, a pesquisadora argumenta que a troca de nomes das crianças pode fazer com que elas, no momento da devolução dos resultados, não se reconheçam. Ao suprimir os nomes verdadeiros (marcas importantes de suas identidades pessoais), nega-se sua autoria e, mais uma vez, mantém-se esses sujeitos no anonimato (KRAMER, 2002, p. 50).

No caso da pesquisa aqui apresentada, mesmo reconhecendo as implicações que resultariam da troca de nomes, reservamo-nos a opção de substituir os nomes verdadeiros por nomes fictícios. Como forma de atenuar os problemas ocasionados pelo anonimato, as crianças foram convidadas a participar da escolha dos nomes fictícios, tendo as decisões resultado de negociações diretas entre pesquisador e crianças. Esse mesmo procedimento foi adotado com os demais participantes da pesquisa. O nome da instituição também foi substituído por um nome fictício.

Outro ponto importante no que concerne à ética na pesquisa com crianças compreende a veiculação das imagens. Kramer (2002, p. 52) afirma que “no caso de pesquisas com adultos, uma assinatura aposta a um documento assegura aparentemente que o pesquisador está autorizado a usar a imagem e o protege na sua divulgação”. Entretanto, quando se trata de pesquisas com crianças - e que as têm como coautores - quem de fato autoriza o uso de nomes e imagens nas pesquisas? Como problematizou Rosemberg (1996), a autorização do uso de imagens das crianças em um estudo que se ocupa em compreender as experiências sociais de meninos e meninas não é dada por eles/as, mas por uma heteroautorização, isto é, quem autoriza e permite a veiculação de imagens na pesquisa que envolve crianças não são elas e sim os adultos responsáveis (ROSEMBERG, 1996).

Buscando equacionar esse problema que mais uma vez aponta para o risco de inviabilizar os principais interlocutores da investigação, optamos por explicar para as famílias das crianças os procedimentos da pesquisa em reunião3 realizada no início do ano letivo. Além dos assuntos pedagógicos e institucionais tratados nessa reunião, tivemos a oportunidade de apresentar oficialmente a pesquisa aos pais e familiares das crianças e recolher suas assinaturas - autorizando a participação dos/as filhos/as na investigação, bem como o registro fotográfico das crianças - em Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

No caso das crianças, o processo de aceitação e de estabelecimento do estatuto de participante (ou de membro do grupo) se deu por meio de um trâmite tácito (SANTOS, 2015), construído progressivamente, respeitando as distintas temporalidades das crianças e pelo estabelecimento de uma conduta atípica4 por parte do/a investigador/a. Como salienta Mayall (2009, p. 110), “a observação participante de crianças requer tentar adotar o “papel menos adulto”, misturando-se com o mundo social das crianças, não tomando o lado dos adultos, operando física e metaforicamente ao nível das crianças nos seus mundos sociais”.

A partir desses procedimentos e de outros mais sutis, que revelavam confiança, cumplicidade e afeto mútuo, estabelecidos ao longo da investigação, entre pesquisador e grupo de crianças, foi-se constituindo uma perspectiva êmica, isto é, um olhar mais próximo da perspectiva das crianças, refutando visões distanciadas e preconceituosas, portanto, adultocentradas. Boa parte da informação foi obtida na interação direta com as crianças e com adultos, em diversas situações do cotidiano, por meio de observação participante. O registro das experiências vividas pelas crianças e suas professoras, no contexto da Educação Infantil, foi feito em caderno de campo.

Cohn (2005) afirma que para aceder ao ponto de vista das crianças, faz-se necessário articular a observação participante e os registros em caderno de campo a outros recursos e técnicas de construção de dados. Desse modo, foram produzidos desenhos5 que, quando conjugados com as falas dos/as pequenos/as, permitiram interpretar as experiências das quais eles/as mais gostavam, mas também aquelas vivências que menos lhes agradavam.

Para Sousa e Pires (2021, p. 63) “o desenho é uma técnica eficaz de pesquisa, grande aliada nas investigações com crianças, cuja importância estaria no auxílio à manifestação das ‘vozes’ de crianças - menores ou maiores - na construção retórica lúdica e imagética de suas percepções”. Nesse sentido, os desenhos infantis são especialmente apropriados para nos aproximar das formas de expressão próprias das crianças e, desse modo, é possível interpretá-los “como actos de criação cultural que revelam, mais que processos biopsicológicos de desenvolvimento, formas específicas de acção social das crianças” (SARMENTO, 2011, p. 40).

Além de corroborar essa perspectiva teórica, ressaltando a potência dos desenhos de crianças para a análise investigativa, Pires (2007, p. 242) acrescenta mais um importante elemento, ao afirmar que “os desenhos úteis para a pesquisa antropológica são, sem dúvida, aqueles nos quais as crianças se esmeraram nos comentários”. Com isso, deixamos claro que, no processo de análise, não nos centramos tão somente na produção gráfica das crianças (nos seus desenhos), mas também no que se dizia sobre esses desenhos, no momento da produção dos mesmos (PIRES, 2007; SOUSA; PIRES, 2022).

Desse modo, foram produzidos cerca de 150 desenhos6 em papel formato A4 que, depois de catalogados, foram digitalizados em scanner de mesa convencional sem prejuízo das imagens. Todas as etapas de produção dos desenhos foram registradas em audiovisual, o que favoreceu o processo de organização das produções gráficas, articulando-as às falas das crianças, facilitando as análises desse material posteriormente.

Também realizamos entrevistas com as crianças e com as professoras responsáveis por essa turma na UMEI. Para Sarmento (2003), as entrevistas configuram uma oportunidade dos/as informantes (em nosso estudo, as crianças e suas professoras) “se explicarem, falando de si, encontrando as razões e as sem-razões por que se age e se vive” (p. 193). Para o autor, as entrevistas formais não fazem muito sentido para as crianças pequenas, devendo os/as pesquisadores/as realizar a recolha de informações por meio da observação e análise de documentos reais, conversas informais pelas quais as crianças utilizam sua fala de modo mais autônomo e livre.

As conversas com o grupo de crianças foram realizadas de três modos distintos, objetivando tornar o processo de conversação o mais informal possível. Em alguns casos, as entrevistas contaram com o auxílio de estímulos visuais (fotografias de espaços e de situações por elas vivenciadas na UMEI). O uso desse apoio visual foi empregado como forma de fomentar as conversas com os/as pequenos/as, sobretudo com aquelas crianças que não demonstravam estar confortáveis com o ambiente formal de conversação. Como aponta Scott (2009, p. 91), “os estímulos visuais podem ser especialmente úteis no processo de ‘questionamento’, porque as imagens tornam o assunto muito mais concreto do que a representação verbal sozinha”. Em outros casos, as crianças eram entrevistadas em momentos de brincadeiras, que ocorriam sem o direcionamento de pessoas adultas. Todas as entrevistas foram realizadas nos meses de setembro e outubro de 2013. A escolha desse período se deu em razão de que, nesses meses, as crianças já estavam habituadas com a presença do pesquisador e, ao mesmo tempo, atribuindo-lhe um estatuto de adulto distinto daqueles com os quais elas conviviam na UMEI (professoras, gestoras, auxiliares de limpeza, profissionais de apoio à inclusão, cantineiras e porteiros).

Partindo do pressuposto de que o emprego de um único instrumento de produção de dados pode levar a uma leitura superficial do objeto em estudo, compreendemos que em uma etnografia com crianças “um bom registro de dados contém pontos de vistas recolhidos de tantas perspectivas quanto possível” (GRAUE; WALSH, 2003, p. 127), o que exige uma maior diversidade de instrumentos de pesquisa.

Conforme sugere Rocha (2008), na investigação com crianças, faz-se necessário articular vários instrumentos, aliados a diferentes suportes, de modo a oportunizar a expressão das demandas infantis, das interpretações e dos significados que elas constroem para suas experiências, por meio de diferentes linguagens. É nesse contexto que se insere a triangulação, como estratégia para assegurar uma descrição densa de dados.

Triangulação metodológica: contribuições de uma pesquisa etnográfica com crianças

O contato que estabelecemos com as crianças na instituição de Educação Infantil permitiu apreender elementos que ampliaram nossa compreensão acerca de como elas percebiam a própria experiência naquele contexto, evidenciando vivências relativas ao espaço físico, aos adultos, aos pares, às atividades, situações e condições a elas oferecidas. Nessa perspectiva, as expressões das crianças apreendidas por meio de diferentes instrumentos metodológicos nos impuseram uma questão que perpassou o processo de análise: o que uma criança diz quando fala ao/à pesquisador/a? Para superar esta questão, a triangulação de métodos tornou-se essencial no momento de organização e análise do material empírico.

Para Geertz (1989), a cultura, em função de sua dimensão semiótica, deve ser compreendida como um sistema enredado de signos interpretáveis. Desse ponto de vista, a cultura se conforma como um documento de atuação coletiva e, portanto, público. Configura-se, pois em um saber local, situado, contextualizado. Partindo desse pressuposto, compreendemos que os sentidos construídos por professores/as e pelas crianças, sobre suas experiências na Educação Infantil, são passíveis de serem por nós interpretados à luz de signos locais. Nessa perspectiva, um dos sentidos apreendidos por nós foi o fato de que, para as crianças, havia um modelo de escola referenciado nas aprendizagens tradicionalmente atribuídas ao processo de escolarização, isto é, escola como local de aprender a ler, a escrever e a contar. As fotografias produzidas por Gabriel (figuras 1 e 2), a partir da solicitação de que registrasse o que mais gostava na UMEI, são ilustrativas dessa afirmação.

Fonte: arquivos da pesquisa.

Figuras 1 e 2 Fotos de Gabriel 

Gabriel, ao ser solicitado a fotografar as coisas de que ele e as demais crianças gostavam de realizar cotidianamente na UMEI, se dirigiu à sala de referência e fotografou os cadernos e os potes de lápis, ambos colocados no armário da sala e ao alcance das crianças. No dia anterior, as crianças tinham levado tarefas para serem realizadas em casa, com suas famílias, e tinham entregado os cadernos à professora, logo no início do dia. Essa escolha parece indicar a aderência do menino às situações vividas por ele e seus colegas, no contexto da UMEI. Caracteriza-se, assim, a experiência infantil como uma forma própria (e plena) de as crianças vivenciarem determinadas situações sociais ao mesmo tempo em que atribuem sentido ao mundo e ao seu entorno (SANTOS, 2015).

Assim como nas fotografias, a ideia da UMEI como um espaço de aprendizagem da leitura e da escrita também se mostra presente nos desenhos7 de boa parte das crianças, como no caso de Ana e Maria Clara que, nos seus esboços, dão centralidade às tarefas escolares ligadas predominantemente à aprendizagem do Sistema de Escrita Alfabético ou ao Sistema de Numeração.

Fonte: arquivos da pesquisa.

Figura 3 Ana desenha “O lugar da UMEI em que eu fico mais tempo” 

Fonte: arquivos da pesquisa.

Figura 4 Maria Clara desenha “Eu e meus amigos na UMEI” 

Parece-nos que, do ponto de vista das crianças, estar na escola subentende determinado tipo de trabalho, que implica em um conjunto de atividades realizadas por todos/as. Parece-nos que as crianças também partilham e participam de uma cultura escolar que concebe a escola, nesse caso a UMEI, como local privilegiado para o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita (BAPTISTA, 2022).

Se analisadas em si mesmas e de maneira isolada, tanto as fotografias quanto os desenhos poderiam dar a entender que as crianças não apenas percebiam a UMEI como espaço para se aprender a ler, a escrever, a conhecer os números e a contar, como também que elas avaliavam positivamente as atividades ligadas a essas aprendizagens. Entretanto, conforme salienta Alisson James (2019), extrair sentidos para as situações e interações observadas durante a pesquisa com crianças é tarefa bastante complexa. Captar as vozes das crianças, para James (2019), é um exercício analítico-reflexivo, que transcende a mera organização de situações para elas falarem. Trata-se, isso sim, “de explorar a contribuição única que as perspectivas das crianças podem proporcionar à nossa compreensão e teorização acerca do mundo social” (p. 221).

Conforme buscaremos demonstrar, a seguir, a triangulação na produção dos dados nos possibilitou construir sentidos mais complexos para o fenômeno observado. Se por um lado, como vimos acima, procuramos perceber o envolvimento das crianças em determinadas práticas sociais vivenciadas no âmbito da Educação Infantil, por outro lado, tornou-se possível também verificar aquilo de que as crianças não gostavam, ou seja, aquelas situações às quais elas demonstravam dificuldades para se engajarem e, em alguns momentos, chegavam inclusive a não aderir a elas. Nessas situações em que eram perguntadas sobre o que elas não gostavam na UMEI, algumas crianças mencionaram as atividades de escrita:

“Ah... de escrever. Eu não gosto de ficar escrevendo porque minha mão fica doendo”. (Ana - 05/08/2012)

“Eu não gosto quando tem que desenhar as letras”. (Maria Clara - 06/08/2012).

Flick (2009) considera que, no processo de análise, a triangulação compreende camadas de dados sobrepostas até que se alcance uma compreensão mais aprofundada de um fenômeno social intrínseco ao objeto de estudo ou dele emergente. Para ele, os registros provenientes de diferentes instrumentos de produção de dados são aplicados e analisados individualmente e assim, produzem um conjunto de dados observacionais. No caso da nossa pesquisa, produziu-se também um volume significativo de imagens feitas pelas crianças, articuladas com suas falas. Seguindo as orientações desse autor, os dados produzidos por estes instrumentos foram cotejados, articulados e interpretados, com o objetivo de estabelecer regularidades e/ou distanciamentos, isto é, foram analisados em busca de semelhanças e diferenças entre eles, pois, a triangulação articula os resultados de cada instrumento e os coloca em relação nas análises (FLICK, 2009, p. 108). Esse processo é o que, na perspectiva do autor, permite a imersão do/a pesquisador/a nos meandros das significações presentes nas entrelinhas daquele contexto de produções simbólicas.

Pelo exposto, não se pode desconsiderar que as vozes das crianças apresentam evidências sobre seus modos de experimentar o mundo ao seu redor. Entretanto, pela complexidade inerente às pesquisas em Ciências Sociais, especialmente, aquelas com e sobre crianças, as falas, para serem legitimadas no contexto das investigações, demandam “serem amenizadas pelo reconhecimento cuidadoso dos contextos culturais da sua produção” (JAMES, 2019, p. 231). Assim, se os resultados das entrevistas com as crianças criam um quadro de instabilidade se relacionados com os desenhos e fotografias, as observações participantes “possibilitam revelar práticas e relações sociais que são características do campo” (FLICK, 2009, p. 114).

Como veremos a seguir, os sentidos subjetivos produzidos pelas crianças sobre o processo de apropriação da leitura e da escrita, associados às representações coletivamente elaboradas por elas e também pelos adultos naquele contexto, tornam-se mais facilmente verificáveis quando combinamos os dados de diferentes instrumentos. A afirmação de Ana: “Eu não gosto de ficar escrevendo porque minha mão fica doendo” carece ser interpretada de maneira microscópica e holística (CORSARO, 2009), ou seja, é preciso lançar mão do conjunto de dados construídos junto com as crianças para evitar interpretações superficiais, dentre as quais a de que, à menina, não lhe agradavam as atividades que envolviam a aprendizagem da escrita. Parece-nos que a não adesão de Ana a atividades de escrita coincide com situações, momentos e espaços, nos quais lhe era vedado (ou negado) o protagonismo das ações (SANTOS, 2015).

Estudos como os de Baptista (2022) mostram que é comum atribuir à Educação Infantil a função de preparar as crianças para a escolarização na etapa subsequente. A pesquisadora revela ainda que a pedagogia adotada para essa “preparação” desconsidera as especificidades da primeira infância, reproduzindo práticas inadequadas de alfabetização, com tarefas mecânicas de memorização de sons de letras, de sílabas, de palavras ou o treinamento de suas grafias. E acrescenta:

Mesmo quando empregam estratégias pedagógicas consideradas mais lúdicas, tais como jogos didáticos para reconhecimento de letras, ou para o treinamento de grafias, o reconhecimento de sons, a memorização de letras, de palavras; a leitura e a escrita são entendidas como um conteúdo escolar e não como práticas sociais, que integram o cotidiano das crianças e das suas professoras. [...] a preocupação com o ensino e a aprendizagem da escrita ocorre de maneira isolada, sem interação com as outras linguagens e outras dimensões da formação das crianças, ocupando o maior tempo do trabalho pedagógico (BAPTISTA, 2022, p.18).

Nesse sentido, as tarefas ditas “pedagógicas” da instituição que foi campo da pesquisa eram, prioritariamente, exercícios e atividades realizados de modo mecânico e pautados na prática de instrução. É desse ponto de vista que as crianças demonstravam não gostar de “quando tem de desenhar as letras”, assim como afirma Maria Clara.

Por outro lado, as observações, as anotações no diário de campo e as reflexões por elas suscitadas dão conta de que as crianças, inclusive Ana, se engajavam em atividades dotadas de significado para elas. O excerto abaixo é elucidativo dessa afirmação:

A professora Bruna iniciou o dia propondo à turma uma experiência diferente: uma brincadeira com massinha de modelar. No entanto, ao invés de utilizar as massinhas que habitualmente estavam disponíveis na sala, ela produziu as massinhas com as crianças. O ambiente da sala de referência havia sido preparado anteriormente. A professora havia levado bacias, farinha de trigo, anilina com cores primárias (azul, amarelo e vermelho), óleo de cozinha e sal. Os ingredientes foram misturados com a ajuda das crianças, permitindo-se, aos meninos e às meninas, que experimentassem as misturas das cores na confecção de suas bolinhas de massa. Assim, passaram-se as duas primeiras horas da manhã com as crianças engajadas na produção das massinhas. Uma vez terminada a confecção do brinquedo, a professora pediu que as crianças pegassem suas bolinhas de massa. Em seguida, lhes entregou um palitinho de picolé e sugeriu a elas criar o que quisessem.

Enquanto as crianças brincavam, a professora fazia a correção dos cadernos de Para Casa. Assim que corrigiu todos os cadernos, Bruna interferiu na brincadeira de massinha, sugerindo que cada criança fizesse a primeira letra do nome próprio. Àquelas que não conseguiam realizar a tarefa, Bruna sugeriu que fizessem uma letra qualquer, a que escolhessem. A grande maioria conseguiu modelar a letra inicial de seu nome e, assim que concluíam, eram desafiadas pela professora a escolherem outra letra e a modelarem-na com a massinha. Após várias construções, Bruna passou a desafiar as crianças a modelarem a primeira letra do meu nome: a letra “S”. Na tentativa das crianças, Júlio demonstrou maior competência e criatividade frente ao desafio. Levantou-se da mesa, colocou a massinha em cima da letra “S”, que estava no painel da parede, e começou a modelá-la. A partir disso, as crianças passaram a usar essa mesma “técnica” para construírem suas letras.

Em dado momento, a professora propôs uma modificação na atividade: solicitou que as crianças deixassem as massinhas e, em uma folha de papel, escrevessem as letras que tinham sido “esculpidas”. Todas realizaram a atividade sendo que, aquelas que tinham mais facilidade eram incentivadas pela professora a ajudarem as que tinham dificuldades. Paula Beatriz e Ana, após grafarem as letras de seus nomes, me perguntaram se eu gostaria de vê-las escreverem também as letras de meu nome (a professora havia feito para mim uma ficha - igual a das crianças com minha foto e meu nome completo). Respondi a elas positivamente, e as meninas então começaram a esboçar, em suas folhas, as letras de meu nome. (notas do caderno de campo - 14/05/2012)

Esse episódio traz à tona algumas questões para análise e reflexão: i) o engajamento das crianças em uma atividade lúdica, a brincadeira com massinha de modelar, que integra as culturas infantis; ii) o fato de as crianças se envolverem em uma atividade desafiadora, na medida em que a professora vai gradativamente levando-as a manipular os ingredientes para a confecção da massinha, em seguida, construir livremente objetos modelados até a modelar letras iniciais de nomes próprios; iii) o envolvimento da totalidade das crianças presentes nas atividades propostas; iv) o reconhecimento, por parte da professora, da necessidade de tornar a atividade significativa para as crianças; v) a ampliação da atividade por parte das crianças, por exemplo, quando Ana e Paula Beatriz escrevem as letras de seus nomes e perguntam ao pesquisador se ele gostaria de vê-las escreverem também as letras do nome dele. Importante destacar que Ana é a mesma menina que alega, no momento da entrevista, que não gostava de escrever o nome na UMEI, pois a mão ficava doendo.

Tomando como referência uma postura analítica baseada na triangulação metodológica (DENZIN; LINCOLN, 2006; FLICK, 2009), evidencia-se que, na relação das crianças com a instituição de Educação Infantil, ganha centralidade a aprendizagem da leitura e da escrita. Essa centralidade se revela tanto nas atividades propostas pela professora quanto no reconhecimento e na legitimação, por parte das crianças, expressa nos desenhos, nas entrevistas e nas observações realizadas. Se tomássemos esses elementos de forma descontextualizada e isolada, poderíamos concluir, por exemplo, que as crianças eram refratárias à aprendizagem da língua escrita.

O exercício reflexivo e holístico do material produzido, por meio de diferentes estratégias metodológicas, nos levou a inferir que, no caso dos sentidos produzidos pelas crianças sobre a leitura e a escrita, a triangulação se mostrou necessária para uma descrição densa do fenômeno observado (GEERTZ, 1989). A recusa a determinada atividade se dava nas situações em que a escrita era apresentada (quiçá imposta) às crianças de modo mecânico e descontextualizado. Meninos e meninas evidenciaram, de modo complexo e sutil (SANTOS, 2015), que quanto mais a escrita e a leitura eram apresentadas como práticas sociais e de maneira contextualizada, lúdica e repleta de significados, mais as crianças se engajavam ativamente nas atividades propostas.

Considerações finais

Neste artigo, objetivamos refletir acerca de questões metodológicas e de possibilidades de análises na pesquisa com e sobre crianças, nos indagando sobre que orientações metodológicas seriam adequadas para permitir a identificação das peculiaridades das infâncias e das relações sociais que se estabelecem nos primeiros anos de vida, especialmente nos contextos educativos. Evidenciou-se que, a necessária captação da densidade e da complexidade dos modos de vida das crianças, conforme demonstram os Estudos da Infância, demanda o emprego de uma multiplicidade de instrumentos para a produção de dados, o que torna a triangulação uma metodologia de análise de dados relativamente útil e que mereceria um maior espaço de reflexão crítica no âmbito das pesquisas com crianças e sobre infâncias.

A triangulação configura-se como uma metodologia de construção e de análise de dados em pesquisa social, no qual cada instrumento revela aspectos específicos da realidade empírica. Tais aspectos, quando combinados, evidenciam a complexidade dos modos de vida das crianças; seus modos peculiares de interagir com o mundo em seu entono; suas ações, relações e interpretações sobre as práticas culturais. Esses fatores, quando combinados, reduzem o adultocentrismo aproximando os/as pesquisadores/as dos universos de referências de meninos e meninas. Associada aos princípios da etnografia, notadamente a observação prolongada; a construção de análises holísticas e, ao mesmo tempo focalizadas, associadas à dimensão autocorretiva e reflexiva, a triangulação possibilita um conjunto de novos sentidos para a pesquisa com crianças e sobre as infâncias.

Em síntese, a triangulação é um processo de análise que permite conjugar diferentes ferramentas metodológicas para que os/as pesquisadores/as possam compreender os ditos, os não ditos, os interditos e os contraditos em torno dos modos ativos, interativos e interpretativos de inserção das crianças nas práticas sociais. A adoção de múltiplas estratégias metodológicas, combinadas entre si, por meio da triangulação, pode assegurar uma produção de dados efetiva e coerente com o modo de as crianças experimentarem o mundo, podendo constituir-se como ferramenta estratégica para uma compreensão mais refinada dos sentidos e significados construídos pelas crianças.

Agradecimentos

Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq pela bolsa de produtividade de pesquisa e pelo apoio financeiro.

Referências

ALDERSON, Priscilla. Children as researchers: the effects of participation rights on research methodology. In: CHRISTENSEN, Pia; JAMES, Allison (Ed.). Research with children: perspectives and practices. London: Routledge, 2008 (second edition). p. 271 - 290. [ Links ]

BAPTISTA, Mônica Correia. As crianças e o processo de apropriação da linguagem escrita: consensos e dissensos nos campos da alfabetização e da Educação Infantil. Revista Brasileira de Alfabetização, Edição Especial, n. 16, p. 15-32, 2022. [ Links ]

BARBOSA, Maria Carmem Silveira. A ética com pesquisa etnográfica com crianças: primeiras problematizações. Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 9, n. 1, p. 235-245, jan./jun. 2014. [ Links ]

BUSS-SIMÃO, Márcia. Pesquisa etnográfica com crianças pequenas: reflexões sobre o papel do pesquisador. Revista Diálogo Educacional, [S. l.], v. 14, n. 41, p. 37-59, 2014. [ Links ]

CHRISTENSEN, Pia; PROUT, Alan. Working with ethical symmetry in social research with children. Childhood, v. 9, n. 4, p. 477-497, 2002. [ Links ]

COHN, Clarice. Antropologia da Criança. São Paulo: Jorge Zahar, 2005. [ Links ]

CORSARO, William Arnold. Entrada no campo, aceitação e natureza da participação dos estudos etnográficos com crianças. Educação & Sociedade, Campinas, v. 26, n. 91, p. 443-463, maio/agosto. 2005. Disponível em: www.cedes.unicamp.br. Acesso em: ago. 2022. [ Links ]

CORSARO, William Arnold; MOLINARI, Luiza. Entering and Observing in Children’s Worlds: a reflection on a longitudinal ethnography of early education in Italy. In: CHRISTENSEN, P.; JAMES, A. Research with children: perspectives and practices. London: Falmer Press, 2009. p. 179-201. [ Links ]

CORSARO, Willian Arnold. Métodos etnográficos no estudo da cultura de pares e das transições iniciais na vida das crianças. In: MÜLLER, Fernanda; CARVALHO, Ana Maira Almeida (Org.). Teoria e prática na pesquisa com crianças: Diálogos com Willian Corsaro. São Paulo: Cortez, 2009. p. 31-50. [ Links ]

CORSARO, Willian Arnold. Sociologia da Infância. São Paulo: Artmed, 2011. [ Links ]

COUTINHO, Angela Scalabrin. Os novos estudos sociais da infância e a pesquisa com crianças bem pequenas. Educativa. Goiânia, v. 19, n. 1, p. 762-773, set./dez. 2016. [ Links ]

DENZIN, Norman K. El punto de vista interpretativo. In: DENMAN, C.; HARO J. A. Compiladores. Por los rincones. Antología de métodos cualitativos en la investigación social. Hermosillo: El Colegio de la Sonora, 2000. p. 158. [ Links ]

DENZIN, Norman K. The Research Act. Chicago: Aldine, 1970. [ Links ]

DENZIN, Norman K.; LINCOLN, Yvonna S. O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. São Paulo: Artmed, 2006. [ Links ]

FERREIRA, Manuela; NUNES, Ângela. Estudos da infância, antropologia e etnografia: potencialidades, limites e desafios. Linhas Críticas, Brasília, Distrito Federal, v. 20, n. 41, p. 103-123, jan/abr., 2014. [ Links ]

FLICK, Uwe. Qualidade na pesquisa qualitativa. Coleção Pesquisa Qualitativa. Porto Alegre: Bookman, Artmed, 2009. [ Links ]

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas- l. ed., 13ª reimp. Rio de Janeiro: LTC, 1989. [ Links ]

GEERTZ, Clifford. O Saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 2013. [ Links ]

GOUVEA, Maria Cristina Soares de. A escrita da História da Infância: periodização e fontes. In: SARMENTO, Manuel Jacinto; GOUVEA, Maria Cristina Soares de (Org.). Estudos da Infância: educação e práticas sociais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. p. 97-118. [ Links ]

GRAUE, Elizabeth; WALSH, Daniel J. Investigação etnográfica com crianças: teoria, métodos e técnicas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. [ Links ]

HAMMERSLEY, M.; ATKINSON, P. Ethnography. Londres e Nova Iorque: Principles in Practice, 1983. [ Links ]

JAMES, Allison; GRAJZER. Dando voz às vozes das crianças: práticas e problemas, armadilhas e potenciais. Zero-a-seis, v. 21, n. 40, p. 219-248, 2019. [ Links ]

KRAMER, Sonia. Autoria e autorização: questões éticas na pesquisa com crianças. Cadernos de Pesquisa. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 2002. n. 116, p. 41- 59. [ Links ]

MAYALL, Berry. Conversation with Children: working with generation issues. In: CHRISTENSEN, Pia; JAMES, Allison (Ed.). Research With Children: perspectives and practices. 2. ed. London: Routledge, 2008. p. 109 - 124. [ Links ]

PIRES, Flávia Ferreira. Ser adulta e pesquisar crianças: explorando possibilidades metodológicas na pesquisa antropológica. Revista de Antropologia, (USP), 2007. [ Links ]

PROUT, Alan; JAMES, Allison. A new paradigm for the Sociology of childhood? Provenance, Promise and Problems. In: JAMES, Allison; PROUT, Alan (Ed.). Constructing and reconstructing childhood: Contemporany Issues in the Sociological Study of Childhood. 2. ed. London: The Falmer Press, 1997. p. 7-34. [ Links ]

ROCHA, Eloisa Acires Candal. Por que ouvir crianças? Algumas questões para um debate científico multidisciplinar. In: CRUZ, Silvia Helena Vieira (Org.). A criança fala: a escuta de crianças em pesquisas. São Paulo: Cortez, 2008. p 43-51. [ Links ]

ROCHA, Eloisa Arcires Candal. A Pesquisa em Educação Infantil no Brasil: trajetória recente e perspectivas de consolidação de uma pedagogia. Florianópolis: Núcleo de Publicações, CED/UFSC, 1999 (Série tese: 2). [ Links ]

ROSA, Ivana Martins; FERREIRA, Manuela. Ganhar acesso numa etnografia com crianças em espaços públicos abertos: dilemas de confiabilidade em tempos de risco. Zero-a-seis, v. 21, n. 40, p. 249-275, 2019. [ Links ]

ROSEMBERG, Fúlvia. Teorias de gênero e subordinação de idade: um ensaio. Pro-Posições, Campinas, SP, v. 7, n. 3, p. 17-23, nov. 1996. [ Links ]

SÁ, Lanuzia Tércia Freire de; HENRIQUE, Ana Lúcia Sarmento. Revista Práxis Educacional, Vitória da Conquista, Bahia. v. 15, n. 36, p. 645-660, Edição Especial, 2019. [ Links ]

SANTOS, Sandro Vinicius Sales dos. Crianças e Educação Infantil: ampliação e continuidade das experiências infantis em contextos de cuidado e educação. Jundiaí: Paco Editorial, 2015. [ Links ]

SARMENTO, Manuel Jacinto. Conhecer a infância: os desenhos das crianças como produções simbólicas. In: MARTINS FILHO, Altino José; PRADO, Patricia Dias. Das pesquisas com crianças à complexidade da infância. Campinas: Autores Associados, 2011. p. 27-60. [ Links ]

SARMENTO, Manuel Jacinto. O Estudo de caso etnográfico em educação. In: ZAGO, Nair. et al. Itinerários de pesquisa: perspectivas qualitativas em Sociologia da educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 137-179. [ Links ]

SARMENTO, Manuel. Jacinto. As culturas da infância nas encruzilhadas da 2ª modernidade. Braga: Portugal. Universidade do Minho. Centro de Estudos da Criança, 2002 (mimeo.). Disponível em: www.iec.minho.pt/cedic/textos de trabalho. Acesso em: maio 2022. [ Links ]

SCOTT, Jacqueline. Children as Respondents: The Challenge of quantitative Methods. In: CHRISTENSEN, Pia; JAMES, Allison (Ed.). Research with children: perspectives and practices. 2. ed. London: Routledge, 2008. p. 87-108. [ Links ]

SOUSA, Emilene Leite de; PIRES, Flávia Ferreira. Entendeu ou quer que eu desenhe? Os desenhos na pesquisa com crianças e sua inserção nos textos antropológicos. Horizontes Antropológicos, v. 27, p. 61-93, 2021. [ Links ]

SPRADLEY, James P. Participant observation. New York: Holt, Rinehart and Winston Ed., 1979. [ Links ]

1Segundo Coutinho (2016), apesar de existirem desde o século XIX, os estudos sociais da infância apresentam, na atualidade, duas especificidades: a interdisciplinaridade e uma maior incidência nas Ciências Sociais e Humanas. Em função disso, a autora, recorrendo às proposições de Halldén (apud Coutinho, 2016, p.763), sugere empregar a denominação “Novos Estudos Sociais da Infância”. Neste texto, utilizaremos indiscriminadamente as duas denominações para designar esse campo sem, contudo, desconsiderar o caráter interdisciplinar e sua interseção com as Ciências Sociais e Humanas.

2Nesta famosa citação, Geertz (1989) recorre a uma comparação feita por Ryle (apud Geertz, 1989, p. 16-17) entre três garotos que piscam rapidamente o olho direito. O primeiro deles pisca como resultado de um tique involuntário. O segundo, como um ato conspiratório. E, finalmente, o terceiro garoto pisca para “divertir maliciosamente seus companheiros” (p.16), imitando, sarcasticamente, a piscadela do primeiro como forma de ridicularizá-lo. O que o autor pretende por meio dessa citação é demonstrar qual é o objeto da etnografia, ao localizá-lo entre uma “descrição superficial”, que se restringe ao ato de piscar, e uma “descrição densa”, capaz de revelar os significados subjacentes ao mesmo ato.

3Essa reunião foi realizada juntamente com a professora da turma, a direção e a coordenação pedagógica da UMEI. Nessa reunião, todos os objetivos do estudo, os procedimentos de construção de dados com as crianças, a leitura atenta e cuidadosa dos Termos de consentimento livre e esclarecido, bem como os contatos dos pesquisadores (orientadora e orientando) foram realizados antes de se colher as assinaturas dos pais e familiares.

4Por conduta atípica compreendemos a construção de uma postura distinta da dos demais adultos que convivem com as crianças em um contexto regulado (institucional) como a UMEI (que por um pacto estabelecido institucionalmente costuma revelar uma relação hierarquizada e, via de regra, demanda controle e disciplina para a consolidação da relação pedagógica entre crianças e adultos). O termo se contrapõe à ideia apresentada por Corsaro e Molinari (2009) e Corsaro (2005; 2009; 2011) que versam, na grande maioria dos casos, sobre a conduta de um pesquisador estrangeiro que se relaciona com crianças com demarcadas diferenças linguísticas e idiomáticas e nesse sentido, se conforma como um adulto incompetente frente às crianças. Grande parte das pesquisas de Corsaro foi com crianças italianas e ele, sendo norte-americano, não possuía grandes conhecimentos idiomáticos o que possibilitava às crianças perceberem-no como um adulto incompetente linguisticamente. Desse modo, Corsaro era um adulto com o qual as crianças podiam ter relações menos verticais. Como nós e as crianças comungamos do mesmo idioma, produzir uma conduta atípica foi um exercício de reflexividade que se deu por outros trâmites.

5De acordo com Pires (2007, p. 236), a técnica de produção de desenhos já é usada em pesquisas antropológicas há algum tempo. Segundo ela, Margaret Mead e Gregory Bateson “coletaram em Bali mais de 1.200 desenhos, entre os anos de 1937 e 1939, feitos por adultos em sua maioria e que são acrescidos de um relato sobre tais produções”.

6A produção dos desenhos por temáticas específicas transcorreu do seguinte modo: inicialmente conversávamos brevemente sobre o tema a ser desenhado, em seguida, as crianças desenhavam sentadas em pequenos grupos e, quando terminavam, eram convidadas a falar sobre suas produções.

7Cumpre esclarecer que tanto as fotografias quanto os desenhos das crianças foram produzidos mediante temáticas pré-definidas e propostas pelo pesquisador. Tais temáticas, inclusive, intitulam as figuras apresentadas nas análises desta seção.

Recebido: 31 de Outubro de 2022; Aceito: 05 de Fevereiro de 2023

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons