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Revista Diálogo Educacional

versión impresa ISSN 1518-3483versión On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.23 no.76 Curitiba ene./mar 2023  Epub 05-Abr-2023

https://doi.org/10.7213/1981-416x.23.076.ds17 

Dossiê

Percursos formativos na educação infantil: O que nos dizem os professores?

Formative pathways in early childhood education: What do teachers tell us?

Caminos formativos en la educación infantil: ¿que nos dicen los profesores?

Julianna Britto Santosa 
http://orcid.org/0000-0001-5101-3782

Luiz Anselmo Menezes Santosb 
http://orcid.org/0000-0001-5857-9420

Priscila Soares Silvac 
http://orcid.org/0000-0002-8926-6889

aUniversidade Federal de Sergipe (UFS), São Cristóvão, SE, Brasil. Mestre em Educação, e-mail: juliannabritto1980@gmail.com.

bUniversidade Federal de Sergipe (UFS), São Cristóvão, SE, Brasil. Doutor em Educação, e-mail: luizanselmomenezes@gmail.com.

cUniversidade Federal de Sergipe (UFS), São Cristóvão, SE, Brasil. Mestre em Sociologia, e-mail: sociologiahibrida@gmail.com.


Resumo

A formação docente contínua é condição de qualificação para os professores da educação infantil. Autores como Gatti (2011; 2018), Kramer (2005), Zabalza (2007), entre outros, defendem a formação continuada como construção de competências para o exercício do magistério. Em consonância com as ideias defendidas por esses estudiosos, os trabalhos de Abuchaim (2018), Campos (2018) e Barbosa (2016) demonstram a relevância do aperfeiçoamento permanente para a reflexão e a consolidação de práticas pedagógicas concernentes à primeira infância. Diante dessas pesquisas, a seguinte pergunta se impõe: quais são as necessidades de formação dos docentes que atuam na educação infantil? Motivado por este questionamento, o presente artigo primou pela escuta dos docentes em relação a seus percursos formativos. O objetivo, portanto, foi reconhecer quais são as necessidades e as dificuldades formativas vivenciadas pelos docentes da educação infantil na rede municipal de ensino de Aracaju/SE. Quanto ao percurso metodológico, ele apresenta natureza qualitativa. Para a produção do material de análise, foram realizadas entrevistas individuais com 44 docentes atuantes na pré-escola, em instituições localizadas na referida cidade. Entre os resultados, foi evidenciado que a fragilidade ou a ausência de formação docente impacta negativamente na relação do professor com a sua identidade profissional. Por essa razão, escutar os docentes, promovendo a reflexão de suas necessidades e dificuldades de formação contínua, no contexto da primeira etapa da educação básica, constitui relevante contribuição para o movimento de qualificação da docência orientada à primeira infância.

Palavras-chave: Educação Infantil; Formação continuada docente; Percursos formativos

Abstract

The continuous teacher training is a condition for qualification of teaching for teachers working in early childhood education. Theoretical deepening undertaken in Gatti (2011;2018), Kramer (2005) Zabalza (2007) reaffirms continuing teacher education as the construction of skills for teaching, as well as in the studies of Abuchaim (2018), Campos (2018), Barbosa (2016) present its relevance for the reflection and consolidation of pedagogical practices with early childhood. So, what are the training needs of teachers working in early childhood education? In this perspective, this article excelled in listening to teachers about their training paths in the context of pedagogical work with young children. The objective was to recognize the training needs and difficulties experienced by early childhood education teachers in the municipal network of Aracaju-SE/Brazil. The qualitative and descriptive methodological path, conducting individual interviews with 44 teachers working in preschool, in institutions in Aracaju-SE/Brazil. Among the results, the teachers' feelings of identity stood out, as well as the needs and difficulties encountered by them in their formative trajectory in the face of the specificities of early childhood education. It was evidenced that the fragility or absence of teacher training impacts the teacher's relationship with their professional identity, increases the lack of knowledge of the role and specifics of early childhood education and consolidates deformed actions of pedagogical work in the school environments of young children. Listening to teachers, promoting the reflection of their needs and difficulties of continuing education in the context of early childhood education constitutes a relevant contribution to the movement of qualification of teaching with early childhood.

Keywords: Child Education; Continuing teacher training; Formative Paths

Resumen

La formación continua del profesorado es una condición para la cualificación de la docencia de los docentes que trabajan en la educación infantil. La profundización teórica emprendida en Gatti (2011; 2018), Kramer (2005) Zabalza (2007) reafirma la formación continua del profesorado como construcción de competencias para la docencia, así como en los estudios de Abuchaim (2018), Campos (2018), Barbosa (2016) presentan su relevancia para la reflexión y consolidación de prácticas pedagógicas con la primera infancia. Entonces, ¿cuáles son las necesidades de formación de los docentes que trabajan en educación infantil? En esa perspectiva, este artículo se destacó por escuchar a los docentes sobre sus caminos de formación en el contexto del trabajo pedagógico con niños pequeños. El objetivo fue reconocer las necesidades y dificultades de formación experimentadas por los docentes de educación infantil de la red municipal de Aracaju-SE/Brasil. El camino metodológico, cualitativo y descriptivo, realizando entrevistas individuales con 44 docentes que trabajan en preescolar, en instituciones en Aracaju -SE/Brasil. Entre los resultados se destacaron los sentimientos de identidad de los docentes, así como las necesidades y dificultades encontradas por ellos en su trayectoria formativa frente a las especificidades de la educación infantil. Se evidenció que la fragilidad o ausencia de formación docente impacta la relación del docente con su identidad profesional, aumenta el desconocimiento del rol y las especificidades de la educación infantil y consolida acciones deformadas del trabajo pedagógico en los ambientes escolares de los niños pequeños. Escuchar a los docentes, promoviendo la reflexión de sus necesidades y dificultades de la formación permanente en el contexto de la educación infantil, constituye un aporte relevante para el movimiento de cualificación del profesorado con la primera infancia.

Palabras clave: Educación infantil; Formación continuada docente; Recursos Formativos

Introdução

A formação continuada imbuída na ação da docência é condição primordial para a construção e dinamização das teorias e práticas educativas, como processos de reconhecimento e reflexão dos conhecimentos pedagógicos existentes, bem como dos saberes práticos e contextuais produzidos no âmbito educativo.

Os professores, nesta perspectiva, são aprendizes constantes, profissionais construindo habilidades e competências que os possibilitam forjar-se para o ofício para o qual se dispõe. Nesse contexto, a formação continuada é condição de qualificação, desenvolvimento profissional e valorização da atuação docente. Portanto, é um processo estruturante, reflexivo, contínuo e coletivo.

Os processos de formação continuada são estabelecidos segundo o critério e a finalidade de quem os oferta e de quem os procura. Essa relação define as temáticas, a carga horária, o sentido e o significado da formação, o grau de relação com a prática cotidiana e dos saberes já construídos pelos docentes em sua experiência na profissão. Em meio a essas especificidades, vale ressaltar que a formação continuada tem se configurado como foco de múltiplos entendimentos, formas, realizações e resultados.

A formação continuada reconhece-se sob forma de palestras, encontros, ciclo de narrativas de experiências, trabalhos colaborativos em serviço, cursos, treinamento, pós-graduações, entre outros. Cabe refletir a relação direta destas formações com a melhoria da ação docente no enfrentamento das situações conflituosas, inibidoras ou cerceadoras do desenvolvimento docente e, consequentemente, na promoção do ensino e da aprendizagem.

Neste contexto surge uma problemática: os programas de formação continuada se aproximam dos contextos da educação infantil a fim de reconhecer suas demandas, bem como as necessidades e dificuldades formativas advindas destes?

Nesta perspectiva esta pesquisa visa reconhecer as dificuldades e necessidades formativas dos professores de Educação Infantil de Aracaju, discutindo, a partir da escuta de suas narrativas, as dificuldades e necessidades formativas enquanto elemento do desenvolvimento profissional docente.

Balizada na abordagem qualitativa, foram empreendidas visitas e conversas informais para a realização de entrevistas individuais semiestruturadas e gravadas, que foram descritas, categorizadas e interpretadas utilizando a análise de conteúdo referenciada em Bardin (2016).

Os resultados efetivaram-se por meio da escuta dos docentes que atuam na educação infantil, no reconhecimento de suas necessidades e dificuldades nos processos formativos experenciados. Evidenciou-se, nos relatos, uma intensa interrelação entre a formação e a construção da identidade dos docentes no atendimento a crianças pequenas. Além disso, sentimentos de aproximação e distanciamento de processos formativos foram apontados pelas necessidades e dificuldades pessoais e coletivas de valorização e respeito às especificidades profissionais no âmbito da primeira infância1.

Diante dos resultados obtidos, defende-se a escuta dos docentes e de seus contextos como ponto nodal para a construção de percursos formativos que impactem positivamente no desenvolvimento profissional e na reiterada necessidade de qualidade no trabalho na educação infantil.

Contributos teóricos: bases da docência na educação infantil.

A formação continuada é o elo que qualifica a ação educativa. Por esse motivo, ela deve ser conduzida e planejada para o envolvimento de todos os docentes, com atenção à diversidade de perfis que a etapa educacional integra. Como afirma Garcia (1999, 2009) a formação deve reconhecer os diferentes ciclos profissionais da docência (docentes iniciais, os em exercício e os próximos da aposentadoria), primar pela observância de seus contextos, condições de trabalho e por meios proficientes de valorização profissional. Deve promover o aprofundamento dos conceitos da educação infantil, investigar e investir nas ações pedagógicas exitosas, discutindo as necessidades docentes para o enfrentamento das realidades advindas do contexto.

O caráter de “carreira” da profissionalização docente integra, então, um elemento do processo contínuo desenvolvimento de competências proficientes da docência, bem como a constante necessidade reflexiva de seus conceitos e mecanismos. Esses pontos se aglutinam nas modalidades de formação continuada.

A formação continuada como condição de atualização, aperfeiçoamento e mecanismo para atuação qualitativa docente. Como premissa, a formação continuada deve constituir pontos de escutas dos docentes, por meio de suas falas e de seus posicionamentos. Nessa direção, se lê que

Neste modelo, a prática é o eixo central, o ponto de partida para reflexão. A clássica separação entre a teoria e prática é substituída por uma relação permanente entre elas. A prática constitui-se em mais que um campo de aplicação, é um processo de investigação em que o pensamento prático assume uma perspectiva de totalidade. (ROMANOWSHI, 2007, p. 141).

Conforme teóricos como Garcia (2009), Gatti (2010) entre outros, a finalidade da formação continuada é desenvolver com os docentes meios e mecanismos de qualificação de seus contextos de trabalho. A formação se efetiva quando há mudança no fazer docente e consequentemente no contexto em que atua. Estas questões distanciam das formações pontuais para refletir sobre os processos formativos de forma ampliada, transpondo o caráter generalista de formação (formatar a ação) e traz o docente para o centro de um percurso formativo ao longo de sua trajetória profissionais.

Para além de receitas prontas, pensa-se em evidenciar as demandas que urgem dos cotidianos pedagógicos e a elenca fatores formações docentes como promotores de ações e atitudes de respondê-las e resolvê-las nos contextos múltiplos em que a educação infantil acontece. Esta, como etapa educacional imprime suas particularidades que devem estar evidentes e ser foco das formações em caráter inicial e continuado destes profissionais em pleno exercício.

Na atualidade, a educação infantil defende a função pedagógica do cuidar e do educar em características e metodologias próprias no espaço escolarizado. Ao docente exige a capacidade de reconhecer a criança pequena e construir contextos educativos condizentes com sua condição de “sujeito em desenvolvimento”. (BRASIL, 2009; CAMPOS, 2018; CRAIDY, KAERCHER, 2001; KRAMER, 2005; MOYLES, 2010).

A busca de efetivar um percurso formativo que integre as especificidades da educação infantil, as demandas contextuais e as vozes docentes é algo complexo, e recorrentemente defendido autores renomados como Kramer (2005), Galindo (2011), Abuchaim (2018), entre outros. Como ressalta Barbosa (2016), o movimento de construir um mecanismo que dê proficiência à formação efetiva imprime a necessidade de imergir no universo da docência na educação infantil, reconhecendo suas necessidades e dificuldades.

Segundo Garcia (1999, 2009), cumpre utilizarmos do arcabouço teórico dos conceitos de necessidades e dificuldades formativas, no intuito de desvelar a formação continuada dos docentes que atuam na educação infantil para efetivarem seus processos de desenvolvimento profissional.

Defende-se como necessidades formativas a ausência e/ou fragilidades legais, conceituais e operacionais, na formação enquanto docente, de arcabouços necessários para refletir, agir, avaliar e realizar atitudes, ações relacionadas à atuação profissional efetiva e qualitativa. Entendendo então as dificuldades formativas como situações que afastam o docente do reconhecimento da necessidades e, também, como o afastamento teórico e prático do movimento da formação.

O acolhimento das necessidades e a superação das dificuldades é o que definimos como caminhos para o desenvolvimento profissional. Corroborando com Garcia (1999, 2009), o desenvolvimento profissional “conota evolução e continuidade (...) pressupõe uma abordagem na formação de professores que valorize o seu caráter contextual, organizacional e orientado para a mudança.”

Afirma Garcia (1999) que “esta abordagem apresenta uma forma de implicação e de resolução de problemas escolares a partir de uma perspectiva que supera o caráter tradicionalmente individualista das atividades de aperfeiçoamento dos professores” (p.137). A observância sobre as necessidades e dificuldades formativas docentes imprime um reconhecimento sistematizado da educação enquanto etapa educacional.

Considerando a realidade como ponto de partida para profícuas análises e redimensionamentos dos saberes e fazeres diários dos profissionais que atuam na educação infantil da rede municipal de Aracaju, esta pesquisa traz a ampliação de diálogos entre os sujeitos sobre planejamento, execução e resultados dos processos de formação continuada por eles vivenciados, com vistas à promoção de transformações qualitativas.

Percursos metodológicos: um encontro com a docência na Educação Infantil

Nesse espaço, onde as discussões teóricas expressam a necessidade de reconhecimento da população profissional que representa os docentes atuantes na EI para um sólido entendimento de suas particularidades, o presente trabalho estruturou entrevistas individuais semiestruturadas como instrumento de produção de dados, para o entendimento das necessidades e dificuldades presentes na formação continuada dos professores que trabalham na EI de Aracaju.

Para planejar a investigação, inicialmente foi realizada uma visita agendada à Secretaria Municipal de Educação, onde, mediante a apresentação da pesquisa, foram solicitados dados sobre as escolas que atendem a educação infantil e meios de contato com estas.

Em seguida, foram feitos alguns contatos com as escolas, mediante comunicação telefônica, encaminhamentos de e-mails e visita às 44 EMEIs2, explicando os objetivos e as finalidades desta pesquisa. Foi solicitado à coordenação escolar a indicação de um docente, (o que mais tivesse participado de cursos de formação continuada em EI) que estivesse dentro dos critérios de inclusão e exclusão desta pesquisa, para composição do grupo amostral, a fim de realizar entrevistas semiestruturadas individuais que versassem sobre as competências docentes para atuação na EI, bem como sobre as necessidades e as dificuldades concernentes à formação profissional.

As entrevistas foram realizadas com 44 professores, nas unidades escolares, em dias e horários agendados anteriormente pela equipe da escola, em conformidade com a disponibilização do entrevistado. Houve necessidades de contatos posteriores, bem como reagendamento de entrevistas, visando ao respeito e à dinâmica das EMEIs, bem como o respeito às individualidades docentes.

Em respeito à ética de pesquisa, o projeto foi submetido ao Conselho de Ética e foi aprovado com o protocolo de número 3.761.082. Isso significa que ele cumpre as orientações quanto à explicação das finalidades da pesquisa, ao uso de TCLE (Termo de Consentimento livre e esclarecido), ao sigilo, à confiabilidade e respeito ao tratamento dos relatos produzidos.

Somaram-se um total de 748 minutos (12 horas e 46 minutos) em áudio de entrevistas, com uma média de 17 minutos por docente. Após a gravação em áudio, as entrevistas foram transcritas e descritas em quadros referenciais segundo as questões e respostas, constituindo categorias para análise, referendadas na análise de conteúdo de Bardin (2016).

As questões referentes às entrevistas semiestruturadas tiveram como unidade de análise os “temas”, permitindo a estruturação de categorias e seus respectivos indicadores. Dentro das questões das entrevistas semiestruturadas, houve 7 perguntas que deram encaminhamentos e norteamentos às conversas e à estruturação de 3 categorias, sendo:

A importância da formação específica para atuação da educação infantil, as necessidades formativas vivenciadas e as dificuldades que os docentes encontram em seus processos formativos.

Educação infantil da rede municipal de Aracaju: interpretando as entrevistas individuais

O percurso teórico que vem moldando os processos de formação continuada dos docentes, principalmente os da educação infantil, tem avançado na perspectiva de estudo das condições históricas e sociais de sua constituição. Pesquisas contemporâneas expressam as condições reais de como esses processos se estabeleceram, tendo como critério a busca por qualificação do atendimento escolar nessa etapa educacional (CANCIAN, GALLINA, WEDSCHENFELDER, 2016; GALINDO, 2011; ZABALZA, 2007).

Pesquisadoras como Gatti (2008, 2017), Barbosa (2016), Abuchaim (2018b) e Campos (2018) têm fundamentado suas pesquisas como campo de aproximação da realidade das condições dessa profissão e da formação desses docentes, tendo as perspectivas de observação, estudo e escuta destes na dinamização de políticas públicas que atendam às necessidades de formação continuada dos sujeitos que atuam na Educação Infantil - EI3.

Os encontros com os docentes, a partir do caminho metodológico apresentado, nos possibilitaram o aprofundamento teórico e uma imersão no campo pessoal e profissional dos docentes através e/ou além dos seus relatos. Estes foram ordenados em categorias descritas, interpretadas e inferenciadas, compondo o corpo deste trabalho.

Na primeira categoria, sobre a formação docente para atuação na educação infantil, foram colocadas questões e, diante das argumentações, reflexões de como deveria ser essa formação dos docentes que atuam na educação infantil em caráter específico. Precisa-se de formação específica para atuação na EI? Tal questão intencionou verificar como os entrevistados veem os mecanismos de formação docente enquanto condição de profissionalização para atuação na EI. Nesse processo, muitos professores refletiram sobre a própria formação, sobre suas necessidades e dificuldades dela decorrentes.

A segunda categoria agrupou questões sobre quais as necessidades de formação continuada demandam dos contextos atuais da EI. Como indicadores, foram observadas as necessidades pessoais, contextuais e coletivas relacionadas às demandas da docência na EI, às temáticas a serem desenvolvidas nos cursos/programas de aperfeiçoamento e a sua interrelação com a formação continuada como fator do desenvolvimento profissional docente.

A terceira categoria discutiu as dificuldades apontadas pelos docentes quanto à participação nos cursos de formação continuada específicos para os que atuam na EI de Aracaju. Encontram-se, como indicadores dessa categoria, as dificuldades relativas à vida pessoal e profissional do docente, às temáticas trabalhadas, o formato e organização da formação continuada e ao aproveitamento dos conhecimentos dessa formação para docência proativa.

Todas essas categorias se subdividiram em indicadores, e, devido à diversidade e às enriquecedoras narrativas produzidas neste percurso, possibilitou-nos uma ampliação significativa no cenário atual dos sentidos e sentimentos dos docentes sobre questões de formação continuada, bem como sobre o seu próprio desenvolvimento enquanto profissionais da docência na primeira infância.

Quadro 1 Distribuição das respostas dos docentes sobre a importância da formação específica para atuação na educação infantil na rede municipal de Aracaju. 

Importância dos processos de formação específica
Relacionados à não necessidade de formação específica
- Não precisa de formação específica, o curso de Pedagogia já dá uma boa base;
- Ser formada em Pedagogia já me ensinou a lidar com as crianças e ensiná-las;
- Não há necessidade;
- A formação pode ajudar, eu não tive formação específica, mas não deixo a desejar.
Relacionado à necessidade de formação específica
- É muito importante para o professor desenvolver as habilidades para educação infantil, que são diferentes do professor do ensino fundamental;
- A gente precisa se voltar para os pequenos, aprender a trabalhar com eles;
- Precisa-se de formação específica sim. O curso de Pedagogia não dá, eu tiro por mim, quando cheguei na prática... foi que eu vi que a realidade era outra;
- Muita gente acha fácil trabalhar na educação infantil, mas não é. Quando eu fui trabalhar precisei procurar por formação.
Relacionados a aprendizagens atribuídas à formação específica
- O que eu aprendi na minha especialização eu vejo na minha prática [...] experiências não só teóricas, mas práticas;
- Os cursos da SEMED são importantes, [...] temas como a BNCC que eu não sabia quase nada. Eu fui, estudei, levei pra escola, respondi às atividades... Eu aprendi;
- Há muita necessidade, muitas coisas, materiais, cobranças que são difíceis de acompanhar. Os cursos não são 100%, mas já dão uma luz no caminho a seguir;
- Eu sinto falta de o pedagogo falar do pedagogo, alguém que conheça o chão da escola... Pessoas que realmente vivenciem a educação infantil e sua realidade.
Relacionados ao formato das formações específicas como formação continuada
- Eu não sei como deveria ser, mas devia ter uma atenção sobre a nossa realidade, nossas possibilidades. Deveria ser mais prática;
- Talvez um curso de extensão com mais discussões, estudos, pra não ficar um momento só de queixas e lamentos;
- Poderiam pensar em algo semipresencial para atender a todos;
- Têm muitos cursos, muitos bons acontecendo [...] deveriam ser mais incentivados a participar, onde pudéssemos escolher. Fazer parcerias variadas.
Relacionados à participação nos cursos específicos de formação continuada vivenciados
- Ultimamente tem acontecido poucos voltados à EI, somente os da BNCC que eu saiba.
- Não tenho participado muito, não vejo muito sentido nestes cursos com que preciso para minha prática;
- Alguns são uma maravilha, quando são significativos a gente sempre lembra.

Fonte: Elaborada através das entrevistas individuais realizadas pela pesquisadora.

Refletir a importância atribuída aos docentes da necessidade de formação específica para atuação na EI, sendo esta construída mediante processos de formação continuada, possibilitou, por meio dos depoimentos, o levantamento dos seguintes indicadores: i) a não necessidade de formação específica, expressa pelos docentes, principalmente na afirmação de que o curso de Pedagogia (formação inicial) desenvolve nos educadores as habilidades necessárias para a atuação nessa etapa; ii) a necessidade de formação específica pela apresentação das especificidades e a carência de formação direcionada a essa etapa; iii) a reflexão sobre as aprendizagens atribuídas ao processo de formação continuada, que dizem respeito ao modelo das formações e sua relevância, bem como sobre a participação dos docentes nesse processo formativo.

Reiteradas vezes, os docentes expressam que, devido às especificidades da EI, a formação continuada é um importante processo de aproximação dessa etapa educacional e de suas necessidades de atuação. Reconhecem esse processo como contínuo, paralelo à carreira docente, como recurso qualificador do trabalho em questão, como atualização das temáticas e leis que regem a EI, bem como da mudança destas.

Houve docentes (em menor número) que afirmaram esta não necessidade de formação específica, embora reconheçam as singularidades da EI, os desafios do cotidiano pedagógico e revelem ter participado de cursos/programas que os auxiliaram no fazer docente na EI. Então, mesmo quando a importância da formação continuada não é condição para atuação, ela imprime uma ideia de melhoria, de atualização, de qualificação para docentes e discentes no âmbito da educação formal.

Aos cursos de formação continuada em EI, são atribuídos a construção de conhecimentos que desenvolvem no pedagogo a capacidade de lidar com os desafios da docência e da EI enquanto etapa da educação, que se constrói e se reconstrói na atualidade. Evidencia-se que a formação continuada (formação em serviço) potencializa a relação entre a utilização da teoria e da prática como processos complementares e qualificadores da profissão docente.

Segundo alguns docentes, a relevância da formação continuada está diretamente ligada ao formato com que as formações acontecem, ou seja, elas serão importantes e qualificarão a prática pedagógica se acontecerem na observância das necessidades docentes. Isso insere a necessidade de avaliação desses processos formativos e o realinhamento com as finalidades do processo para edificação da profissão e do desenvolvimento profissional. Contribui a docente 4, declarando: “As formações que vivenciei desde que estou na EI não têm claro como devemos ser na sala de aula. Eu aprendi lendo, procurando, me educando pra trabalhar na EI” (Informação verbal).4

O indicador relativo à participação dos docentes tem sintetizado, aqui, muitos sentimentos, opiniões e análises dos docentes dessa relação entre a importância de formação e como esta se consolida na prática e na vida profissional dos docentes que atuam na EI. Muitos docentes afirmam participar, mas por motivos distintos. Nesse caso, dividem-se entre aqueles que fazem por sentirem que estão em desenvolvimento contínuo e aqueles que participam devido ao sentimento de obrigação.

Respaldada nesses termos, evidencia-se que a importância da formação continuada está diretamente ligada aos pontos que esta possa atender, atrair, discutir e desenvolver no docente conhecimentos que o auxiliem nas atividades cotidianas dessa categoria profissional.

Quadro 2 Distribuição de respostas sobre que aspectos os docentes apontam como necessidades de formação continuada do seu cotidiano pedagógico da EI 

Necessidades de formação continuada
Relacionadas à educação infantil e a necessidades individuais
- Eu tenho dificuldade de trabalhar com a indisciplina nas crianças, questões de valores, por vezes, eu não consigo dar andamento ao que planejei;
- Eu tive muita dificuldade, e tenho com as brincadeiras, ensinar brincando não é fácil;
- Não sabia contar história, aprendi um pouco, (risos) mas ainda sei que preciso aprender muito mais... musicalização... coisas assim;
- Nunca tive dom para as coisas da EI, fazer cartazes, prendas, eu pagava pra fazer tudo, hoje me esforço, recorro à internet e aos colegas, quando preciso.
Relacionadas aos desafios da docência na educação infantil
- É muito difícil para as famílias. A gente ensina uma coisa na escola, lá fora, as crianças tão aprendendo outros comportamentos, atitudes...;
- Quando a gente chega numa sala com 23 alunos ou mais, pra acolher as crianças, fazer agenda, acompanhar as atividades, tudo [...] é difícil trabalhar assim... sozinha;
- Quando a criança vai para a inclusão, eu sinto falta de material adaptado falta de equipe multidisciplinar. Fazemos caracterização e não temos retorno, os cuidadores não têm formação;
- Sinto falta de coisas concretas [...] sobre as metodologias, sobre a avaliação, sobre as emoções, sobre a criança mesmo, sobre como ser uma boa professora.
Relacionadas às temáticas a serem desenvolvidas
- Hoje somos cobrados pelos espaços, as atividades, saber sobre os ritmos das crianças. Tenho dificuldade em acompanhar;
- Cada vez mais recebemos crianças com necessidades especiais, sem apoio. Queremos incluir, mas, como?
- Trabalhar sim as novas tecnologias que têm na escola, e eu não sei usar [...] as crianças sabem muito mais;
- Precisamos de coisas atuais. Está sendo bacana contribuir com o currículo, mas a BNCC não é tudo, não deve ser.
Relacionadas ao desenvolvimento profissional
- Gostaria de sentir que somos valorizados com a formação continuada, mas não sinto;
- Somos obrigados, às vezes, até ameaçados. Vamos..., mas não falam do que precisamos mesmo saber;
- Eu vejo muita gente dizer que vão pra não descontar dos salários, eu nunca vi ninguém dizer “eu vou porque o curso é muito bom, eu estou gostando, está me ajudando com minha profissão”. Precisa ser mais atrativo.
- O professor precisa estar alinhado às novas tendências, começando pela legislação até aos temas atuais. O professor precisa disso, não ficar solto a achismos.

Fonte: Elaborada por meio das entrevistas individuais realizadas pela pesquisadora.

Essa categoria, uma vez tratada como as necessidades formativas apresentadas pelos docentes em suas falas sobre a importância e impactos da formação continuada na atuação da EI no município de Aracaju, traz como indicadores as respostas relacionadas às necessidades individuais, aos desafios enfrentados no exercício da docência, à necessidade de estudo, ao aprofundamento de temas e assuntos e ao desenvolvimento profissional.

Nas falas docentes, as necessidades individuais de formação continuada são expressas como o reconhecimento de aspectos pessoais que precisam ser desenvolvidos para melhoria da sua ação profissional. Muitos dos movimentos da necessidade individual configuraram pensamentos cristalizados em alguns espaços, como se a formação docente para atuação na EI fosse de caráter solipsista. Evidentemente, cada profissional, no seu campo de atuação, sentindo suas necessidades, pode empreender movimentos individuais, buscando a resolução destas. Mas uma política de formação coerente seguramente trará mecanismos de apoio à superação de tais necessidades envolvendo e respeitando seus docentes em sua etapa profissional individuais e coletivas.

Existem necessidades que são os próprios desafios enfrentados pelos docentes na profissão e que interferem na sua atuação proficiente. Nesse indicador, foram expressivas as preocupações pela inserção de crianças com necessidades especiais no ambiente escolar, com ausência de ações que qualificassem esse atendimento. A necessidade de estruturação foi detectada no atendimento, na observância da quantidade de crianças por adultos em sala e na formação para os poucos casos em que havia cuidadores ou pessoal de suporte para cuidados. Para essas duas situações, a Secretaria Municipal da Educação de Aracaju (SEMED) tem enviado pessoal com nomenclatura que se assemelha a “cuidadores”.

Cursos para cuidadores são indispensáveis. Eles deveriam ter uma preparação, aprender a falar com as crianças, como ajudar o professor, não é apenas para apagar o quadro, pegar os livros ou limpar bumbum. Porque afinal tudo é inter-relacionado, tudo é pedagógico. Se pudesse ter estes cursos, seria muito melhor. (Informação verbal).5

Houve muitos relatos sobre o receio da quantidade de crianças especiais nas salas, bem como sobre as preocupações futuras com os casos de microcefalia. Isso porque o estado sergipano apresentou um número considerável de crianças com essa condição e que agora estão ingressando (ou prestes a adentrar) na EI das redes municipais do estado.

Outra necessidade expressa tem sido o preparo para trabalhar com as famílias das crianças atendidas na EI. A maioria das EMEIs está localizada em bairros periféricos, de difícil acesso, atendendo crianças em situações de risco com suas famílias. Nessas regiões, situações como o alto índice de analfabetismo, de fato ou funcional; a prevalência de empregos informais; as vítimas de situações precárias de saneamento; a vulnerabilidade à violência ou às drogas; as carências fundamentais de saúde, segurança e moradia são comuns. Considerando que 90% das vagas da EI são destinadas às crianças menos favorecidas ou em situações de risco, este nível de educação envolve variáveis de contextos que demandam do professor competências de trato com situações delicadas, descritas como negligência da família, também com situações de higiene e saúde das crianças, acompanhamento das necessidades educacionais, além de trato com situações de desrespeito aos direitos das crianças, à escola e a formas de vida sociais adequadas. Aprender a trabalhar com a família tem incidido de uma necessidade docente para qualificação do seu trabalho com as crianças atendidas.

Outro ponto importante elencado pelos docentes é a formação continuada como fator necessário para o desenvolvimento profissional docente. A consciência desse fator qualitativo tem promovido buscas docentes pelo processo formativo e, bem mais que isso, pela avaliação destes por refletirem critérios de escolha e seleção de tipos e formatos de formações que se aproximam ou se distanciam de suas necessidades para atuação na EI.

Uma necessidade presente em todas as carências acima descritas, que expressivamente vêm costurando as falas e depoimentos, é a importância de se sentir ouvido em suas necessidades e dificuldades. Entre os profissionais, 90% afirmaram nunca terem sido escutados a respeito de suas necessidades no enfrentamento da realidade de suas salas de aula. Mesmo os que disseram já terem sido questionados, afirmaram que não viram mudanças significativas na base das formações continuadas.

Quadro 3 Distribuição das respostas docentes quanto às dificuldades elencadas como impeditivos para a participação dos docentes na Educação Infantil em processos de formação continuada 

Dificuldades de formação continuada
Situações de dificuldades de formação continuada na educação infantil e relacionadas à vida pessoal - Trabalhamos em jornada longas de trabalho, e somos mulheres; em casa, temos mais trabalho nos esperando; - Muitas vezes a informação não é repassada [...] a falta de incentivo é grande, e ainda questionam por que o professor não vai. Na verdade, eles sabem e nada fazem; - Muitas vezes não tenho dinheiro pra ir. Tem lugares perigosos, e quem não dirige, paga Uber e/ou paga cursos online e presencial. O fator financeiro dificulta muito; - Os professores também são seres humanos. Nós somos negligenciados como pessoa, ficamos frustrados, desiludidos, tristes, cansados, depressivos. Não há interesse no professor, na parte humana.
Relacionadas à escolha dos temas trabalhados nas formações continuadas - As temáticas não falam com nossa realidade. Muitos cursos acabam fugindo do que os professores precisam na sala de aula; - Sinto esforço neles. Os temas podem ser bons, mas muita teoria. Precisamos sentir como as crianças sentem, como pensam... queremos mais práticas; - Precisam ser temas atuais, dialogar com a escola perguntar aos professores, estudar como nos ajudar, como refletir a nossa prática e como fazer para mudar; - Nunca perguntam de nossas dificuldades. Falam sempre do que eles querem falar. A gente vê que não tem sequência, organização. É sempre um tema que acharam alguém de última hora pra cumprir as lacunas.
Relacionadas ao formato/organização dos cursos/programas de formação continuada - A formação acontece naqueles dias e horários estipulados, e se eu não puder naquele dia... eu que perdi; - Os locais não favorecem ao acolhimento, e nós estamos cansadas do trabalho diário... muito cansativo; - O modelo das formações, como vem acontecendo, eu pensava “eu vim para ouvir isso!”. Eu sei que é nossa obrigação, mas sair de longe para ouvir isso! Eu fui em um recentemente sobre a BNCC e fiquei feliz, porque foi mais dinâmico; - Os formadores muitas vezes não sabem o que estão dizendo. Na cara, se vê que nunca foram na sala de aula, principalmente na educação infantil.
Relacionada ao aproveitamento de conhecimentos/sentidos para docência - Se os cursos acontecessem no ambiente escolar, com toda comunidade, não só com o professor, os espaços que a gente tem, os materiais que a gente tem no palco tudo é fácil, venha para a escola; - Tem muitos cursos bons por aí. Deveriam ter mais parcerias, ampliar o universo das formações, ver os interesses dos professores, ter cursos mais duradouros e aprofundados; - Não existe um acompanhamento do professor após a formação. Lá todos falam, apresentam os slides, mas, quando a gente vem embora, cada um vai pra sala com seus problemas, e só; - Os problemas da escola são tão grandes que eu não sei se a formação pode resolver. Tá, eu quero uma formação, se alguém puder me ensinar a ter qualidade nas minhas condições de trabalho, com as carências das minhas crianças, com o calor o apertado, os poucos materiais [...] com tudo isso acontecendo junto.

Fonte: Elaborada através das entrevistas individuais realizadas pela pesquisadora.

Na categoria “dificuldades de consolidação em processos de formação continuada”, os dados produzidos revelaram os seguintes indicadores: i) situações de formação continuada e suas dificuldades relativas à vida pessoal docente; ii) dificuldades relativas à escolha de temas, ao formato ou organização da formação; iii) os sentidos e aproveitamento dos conhecimentos da formação para atuação na docência.

O indicador mais frequente dessa categoria apresentou as dificuldades formativas referentes às vidas docentes, ou seja, às dificuldades que existem em conciliar a formação continuada com as realidades e possibilidades advindas da pessoalidade dos sujeitos participantes. Essas dificuldades foram relatadas com imperiosidade sobre a jornada dupla de trabalho enfrentada pelos entrevistados, para complementarem a renda frente aos baixos salários da profissão docente no país. Também diz respeito às responsabilidades dos docentes com a qualidade e a quantidade de tempo restante para sua família e atividades de lazer, bem como fatores financeiros para realização e participação de formações independentes (ou seja, muitas vezes somente participam da formação da SEMED).

Os temas trabalhados nos cursos/programas de formação continuada também são descritos como fatores geradores de dificuldades, pois os relatos revelam que, na maioria das vezes, estes não condizem com as necessidades docentes, não são atrativos e não despertam nos professores o desejo de participação.

Muito semelhante ao indicador anterior, o formato e a organização dos cursos de formação têm se constituído como impeditivos, provocando afastamentos e dificultando a participação dos docentes na formação continuada. Os horários de cursos, a divulgação destes, os locais de realização, a própria escolha dos temas, bem como a seleção dos formadores, a ausência ou insuficiência da diversidade e de parcerias têm descaracterizado a formação continuada, segundo os entrevistados, e impactado diretamente no aproveitamento destes nos cursos/programas ofertados.

Enfim, a funcionalidade dos cursos/programas de formação continuada na melhoria do atendimento às crianças, a qualificação dos processos de ensino-aprendizagem na educação da primeira infância, a discussão das dificuldades para sua consolidação, tudo tem imperiosa contribuição para o entendimento e a dinamização de questões ora apontadas.

Em busca da qualidade da EI, muitos são os fatores que empreendem estudos, pesquisas, esforços nacionais e internacionais, na busca de consolidar a primeira etapa da educação básica com preceitos, atitudes e ações que concretizem o ambiente da EI no âmbito de suas especificidades.

Diante destas questões apresentadas, defende-se a relevância de uma formação condigna aos docentes atuantes na educação infantil. Observa-se que o impacto da EI no desenvolvimento dos sujeitos e de seus processos de formação educacional formal tem sido base para recorrentes afirmações sobre sua relevância em documentos oficiais, a exemplo do Plano Nacional de Educação (PNE, 2014-2024), da Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017) e do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA, 2018). No centro dessa discussão, a formação docente tem constituído fator de orientações, principalmente na defesa de uma formação específica para os docentes como critério e condição para atuação nessa etapa educacional.

Qual a formação para o docente da EI capaz de desenvolver os conhecimentos e saberes necessários para a constituição de um profissional proativo e competente para desempenhar a profissão de docência com crianças pequenas?

Segundo Barbosa (2016), pontua que

Uma docência que se caracteriza por ser indireta, por ser relacional, por não ministrar aulas, por não estar centrada em conteúdos disciplinares, por estar com crianças e não controlá-las. Essa ‘invenção’ acontece, porém, ao mesmo tempo em que contingentes cada vez mais numerosos de crianças pequenas convivem em ambientes coletivos por longos períodos (p. 20).

Nesse contexto, vale ressaltar que a profissão docente tem se constituído junto à própria reconfiguração da EI e de seus sujeitos. Isso necessita de atenção, pois tem permitido entendimentos e direcionamentos diferentes (ou semelhantes) que têm causado entraves na sua consolidação. No entanto, é fato que a atualidade imprime a necessidade de reflexão e refazimento desse caminho docente na EI, buscando consolidar movimentos de mudanças necessárias. No âmbito dessa abordagem, encontra-se o seguinte depoimento:

Eu vivenciei um tempo na EI que, na hora de dormir, naquela criança que não dormisse eram colocados fita adesiva na boca delas e/ou quando faziam algo dito como errado, os adultos tiravam um galho da goiabeira e batiam nas crianças [...] Hoje pra ser professor, também da educação infantil, precisa-se estudar, e estudando de forma continuada, os professores têm aprendido realmente sobre educar crianças (Informação verbal 6).

A construção de saberes para os docentes atuarem na EI perpassam pelos conhecimentos de que os docentes precisam consolidá-los para a atuação profissional. Segundo Campos (2018, p. 15),

No Brasil, as questões sobre a formação inicial se avolumam a cada mudança introduzida na legislação, nos documentos orientadores sobre critérios de qualidade, nos currículos, porém, essa situação não tem sido acompanhada por uma discussão mais profunda sobre a necessária revisão dos modelos de formação docente para educação infantil.

A formação inicial, como condição para atuação na EI, assume, em diferentes países, a distinção de formatos que permeiam fatores como o tempo de formação, temáticas trabalhadas, habilidades desenvolvidas e relações entre os estudos teórico e prático. No Brasil, a formação em Pedagogia é socialmente aceita para o trabalho com crianças pequenas. Muitas questões sobre sua estruturação no tempo de formação (temáticas, relações entre teoria e prática) ainda são pontos de análises, além de reiteradas necessidades de adaptações, reformulações, ampliações e qualificação.

Então, com complementação formativa, a LDB (1996) e o PNE (2014-2024) estabeleceram a formação continuada como fundamental, caracterizando movimentos de aperfeiçoamento e profissionalização, com cursos/programas estruturados conscientes, reflexivos e coerentes com as especificidades do seu campo de atuação. Mesmo assim, na EI, a formação continuada ainda é mesclada e disforme, muitas vezes não estando direcionada nem contemplada pelas instituições formadoras ou mantenedoras. A formação continuada em educação traz um caráter geral, amplo e teórico que, em muitos momentos, traduz-se em jornadas pedagógicas, palestras, encontros, ou até em outras especialidades que são aceitas, alegando-se serem de “áreas afins”.

A ausência ou infrequência de formação continuada como condição importante para especialidade profissional - especificidades de atuação - tem promovido uma cadeia de situações nocivas à atuação docente, enquanto profissional. Inicialmente, podemos relatar os critérios para lotação dos docentes nessa etapa: a crença de que motivações pessoais têm sido suficientemente profissionais (ser mulher e/ou gostar de crianças); não precisa de formação específica (quem quer faz); um abandono formativo direcionado aos docentes em seus anos iniciais de trabalho, como se constata na expressão colhida por meio de depoimento:

[...] quando fui trabalhar na educação infantil, tive inúmeras dificuldades, até porque eu não conhecia nada, não sabia trabalhar pedagogicamente com eles, não sabia as metodologias que eu podia desenvolver. Eu fui conversando com os colegas, vendo suas experiências e, em cima da vivência delas, eu desenvolvi minha prática (Informação verbal).

Restabelecer a importância da formação continuada é direito e dever docente, enquanto profissional qualificado. Nesse ínterim, veem-se alguns espaços em que as experiências em estados e municípios promovem encontros de formação. Em Aracaju, o programa Horas de Estudos, estabelecido por meio da Lei nº 1.390/1988 para formação docente, tornou possível que, com carga horária remunerada, os docentes tivessem vivenciado experiências de formação continuada, mediante incentivo da coordenadoria de aperfeiçoamento de pessoal ligada à SEMED.

Os docentes relataram que sentiam necessidade e até interesse de participação de formação continuada, mas mediante perspectiva de oferta pelas instituições formadoras, vislumbra-se uma emergência de diálogos entre formadores e formandos, entre docentes e instituições, entre o desejo e a participação, entre a possibilidade e a efetividade dessas formações, para a melhoria do atendimento na EI. Diante desses fatores, a importância de formação específica (apresentado na categoria 01) e a existência de um espaço/programa de formação de docentes, no município de Aracaju, imprimem a relevância de uma aproximação desses espaços e tempos de formação contínua.

Vale ressaltar que o conceito de formação continuada aqui concebido não está restrito a formações vivenciadas pelos docentes em oferta de suas mantenedoras. No entanto, os depoimentos tornaram evidente que esta seria a mais recorrente formação vivenciada pelos docentes, principalmente quando se trata das especificidades da EI.

Tem sido frequente, nos relatos, que, quando se trata da especificidade da EI, há o hábito de se demandar formação da mantenedora e, quando for por iniciativa pessoal, de outros temas configurarem nos processos de formação.

Para exemplificar espera-se da instituição cursos sobre a BNCC/EI, sobre contação de histórias, sobre musicalização, entre outros. Mas especificamente no âmbito individual, os docentes têm procurado especializações em áreas afins da educação em cursos pautados em motivações próprias, como os direcionados à educação especial, à gestão educacional, à inteligência emocional, entre outras áreas. Constata-se que 12% dos docentes entrevistados têm especialização em EI, destes 10% cursaram programas de parcerias da SEMED em universidades públicas, advindos da Plataforma Paulo Freire, em desdobramento do PROINFANTIL, realizados entre 2010 a 2015 neste município.

Foram muitas as questões relatadas pelos docentes que compuseram a categoria 2 desta subseção. Ela decorreu das necessidades elencadas pelos docentes que atuam na EI, tendo em vista os processos vividos e/ou necessários para sua qualificação profissional.

Primando pela não-linearidade, pela complexidade dos depoimentos, faz-se necessário explicitar que as expressões, sentimentos e surpresas dos docentes nessa categoria imprimem anseios sobre espaços que eles podem socializar e formalizar suas falas, defendendo as perspectivas de suas necessidades. Ficou registrado: “Que eu me lembre, nunca me perguntaram. E se perguntaram não fizeram nada que tenha sido relevante com as respostas” (Informação verbal).

Apesar de a maioria relatar não ter sido questionada sobre suas necessidades, foi com veemência e com a complexidade dos desafios cotidianos que os docentes demonstraram ter sentimentos consolidados sobre suas necessidades de formação continuada. Parafraseando Gatti (2008), defende-se que a formação continuada traz, em suas necessidades básicas, a precisão de aprimoramento de profissionais docentes, observando as mudanças e inovações de suas áreas de atuação, promovendo as expressões e iniciativas de criatividade pessoal, bem como a de grupos de profissionais, em função dos avanços nas pesquisas, nas produções científicas, técnicas e culturais do referido campo de atuação.

As necessidades formativas descritas pelos docentes, entre seus indicadores apresentados, expressam que os docentes depositam uma relativa confiança na importância dos processos de formação continuada. Elas indicam ainda que, sendo ajustados os interesses entre instituição formadora e docentes em formação, há campo para um profícuo trabalho contínuo, retroalimentador, efetivo e de proporções desafiadoras e complementares em torno da qualificação da EI. Em uma avaliação dos cursos, a respeito de como eles estão acontecendo, vê-se que muitos dos docentes têm atribuído a esses espaços a categoria de “[...] cursos que é só desabafo. Tem gente que chora, que se queixa, que critica. Eles ouvem. Acho que até por educação. Mas, cada um, quando vai embora, volta para a sala e leva o seu problema (risos)” (Informação verbal).

Há uma necessidade primordial de se abrir um campo ao diálogo, ao reconhecimento do outro, ao desafio de verdadeiramente se enfrentar a realidade das necessidades, de afastamento de atitudes comodistas que reproduzem “um fazer de conta que se está promovendo formação e/ou fazer de conta que se está em processo de formação”, no entendimento de se refletir o processo de formação, dinamizando mecanismos para qualificá-los. Conhecer o docente, saber de suas perspectivas é fundamental. Além disso, conhecer a educação, os seus processos históricos e atuais, específicos e diferenciais é de suma importância para a iniciativa de reconfiguração do conceito e das práticas de formação continuada eficazes.

Pensar a formação continuada dos docentes atuantes na EI da rede municipal de Aracaju possibilita refletir sobre onde se encontra o ponto nodal dessa questão, desde que se veja a importância da formação continuada, sabendo-se que os docentes atribuem necessidades urgentes de formação para melhoria de sua prática. Há nisso iniciativas de formação continuada e, no entanto, as perspectivas de sua efetividade encontram padrões mínimos de viabilidade, produtividade e efetividade entre os docentes.

A categoria 3 desta subseção, que formaliza as dificuldades de formação continuada, traz esta como o disciplinamento entre as razões impeditivas, cerceadoras, desmotivadoras e que têm pesado sobre as fragilidades da formação continuada, enquanto perspectiva de qualificação do desenvolvimento profissional docente, bem como da EI. Pontua-se aqui que tal realidade não se restringe aos espaços aracajuanos. Existe, na verdade, uma rede de discussões nacionais e internacionais em prol da efetividade formativa (ABUCHAIM, 2018b; CAMPOS, 2018; KRAMER, 2005).

De maneira interessante, alguns dos depoimentos dos entrevistados permearam as categorias anteriores entre as competências, importâncias e necessidades relativas à formação continuada, e aqui se configuram também como dificuldades elencadas. Assim, entendemos que alguns fatores que deveriam promover ou ser reconhecidos no âmbito da promoção da formação têm, na verdade, se configurado por motivos variados com dificuldades, impedindo ou distanciando os docentes de processos formativos proficientes.

A jornada de trabalho intensa configura um fator que merece destaque dentro das dificuldades de formação continuada dos docentes que atuam na EI. Faz-se necessário salientar dois pontos fundamentais que expressam o quanto a situação se solidificou a tal ponto que iniciativas/resoluções urgem ser empreendidas. Inicialmente, a questão da carga horária de trabalho real dos docentes tem sido demarcada neste trabalho como direito e como necessidade docente, haja vista o enfrentamento da desvalorização financeira historicamente atribuída à profissão docente. Nesse sentido,

[...] estudos mostram que professores de educação infantil com nível superior ocupam a 36ª posição num ranking salarial com outras 45 profissões [...] Essa é uma caraterística que afeta a atratividade da carreira e, consequentemente, também compromete a qualidade de atendimento (ABUCHAIM, 2018b, p. 28).

Consoante Abuchaim (2018b, p. 26), “[...] os dados mostram que, no Brasil, os professores da educação infantil são os que ganham menos e trabalham mais horas”. Este é o outro ponto em que pesa a jornada de trabalho dos docentes da EI: a natureza do trabalho a ser desenvolvido, as especificidades que a profissão demanda.

O trabalho da EI, regido pela LDB (1996), é configurado com a carga horária de 800 horas em 200 dias, totalizando o ano letivo. Semanalmente, esta carga horária é distribuída em 20 horas, sendo 4 horas diárias de efetivo trabalho pedagógico. Vale ressaltar a frequência em que os sábados letivos têm configurado nos calendários escolares, ampliando esta distribuição. Somando-se a esse período, há a necessidade de horas destinadas e imprescindíveis de estudo, de planejamento de pesquisa, de preparação de materiais e espaços para o recebimento das crianças e suas famílias.

Neste formato, os docentes diariamente assumem os espaços pedagógicos por 4 horas ininterruptas, com a responsabilidade de cuidar e educar as crianças pequenas, respeitando suas características de “sujeito em desenvolvimento”. Durante essas horas, são realizadas atividades diversificadas, baseadas em “objetivos de aprendizagem” definidos por faixa etária, respeitando os “direitos de aprendizagens” dos pequenos na promoção de experiências e atividades que tenham como eixo as “interações e brincadeiras”. A complexidade aqui descrita tem como agravante a condição docente (muitas vezes relatada) de único responsável por “espaços e tempos” pedagógicos, com 20 individualidades ativas que expressam sentimentos, anseios, necessidades que precisam ser ouvidas e consideradas, que a todo tempo estão vivenciando e promovendo cultura com seus pares, em meio às variáveis do contexto.

Desse modo, a jornada de trabalho dos professores na EI engloba responsabilizações e tempo de efetivo trabalho. Esse fator, por sua vez, desfavorece a profissionalização docente. Em meio às necessidades de formação continuada, pesam o cansaço físico, a ausência de suas famílias, a necessidade de construir atividades voltadas ao descanso e ao prazer que são sustentáculos da saúde física e mental. E aqui não cabem julgamentos, nem meios tradicionais de pressionar o docente ao aperfeiçoamento permanente, independentemente do formato ou da situação. Urge, na verdade, um toque de escuta e respeito, atenção e sensibilização para tratar de tais termos.

Uma situação interessante sobre a relação da jornada de trabalho e a formação continuada, relatada pelos docentes que atuam em duas redes (geralmente municipal e estadual), é que acontece de os mesmos profissionais trabalharem em etapas diferentes na educação. Por conseguinte, tem-se a demanda diferente de formação continuada, a exemplo dos sujeitos que trabalham na EI e no ensino fundamental. Em 90% desses casos, os entrevistados afirmaram procurar e participar com mais frequência de cursos/programas de formação continuada voltados ao ensino fundamental.

Alguns relataram considerar a situação mais frequente e mais exigente, principalmente por questões relativas à urgência de temas como a alfabetização, estudos e práticas, estratégias e metodologias, isto é, temas que sempre estiveram na historicidade e na atualidade da educação brasileira, além de fatos relativos aos programas de avaliações internas e externas que acontecem e disciplinam muitos relatórios e investimentos educacionais brasileiros. Nesse aspecto, há existência de programas internacionais como o PISA (2018), que, em seus anos de execução, tem apresentado, frente a outros países, o desempenho crítico de jovens brasileiros em conhecimentos proficientes sobre leitura, sobre matemática e sobre ciências.

A escolha dos temas a serem trabalhados não deveria, mas se constituiu fator de dificuldade pelo que aqui já foi tratado, como a falta ou a insuficiência de diálogo entre formadores e docentes em formação. Promover esse espaço de aproximação de intenções e realizações é condição preponderante quando se almeja entender o corpo docente: promovendo-se ações formativas proficientes, tais como as de relacionar, de interagir, de intencionar, de tornar as temáticas funcionais, assim como os formatos e organização dos cursos/programas de formação. Gatti (2008) afirma que, para a EI, não cabem formações “abstratas e generalistas”.

Há dificuldades entre os próprios docentes em equacionar o aproveitamento e os conhecimentos de que têm tratado a formação continuada para o docente atuante na EI. São desconhecidos as formas e os mecanismos de estruturação dos programas, bem como do acompanhamento dos docentes, no enfrentamento do cotidiano pedagógico, depois de participarem dos cursos de formação continuada. Nessa dificuldade reside o desconhecimento sobre como a formação tem auxiliado os docentes em sua atuação. Insistentemente, esta dificuldade não tem permitido a dinamização de mecanismos concretos de acompanhamento, impossibilitando a reflexão do professor sobre sua ação/formação/ação, e pela descontinuidade formativa inviabiliza a formação como processo.

A profissão docente se assenta em princípios de qualificação permanente e contínua. Nela, o profissional está em constante desenvolvimento de reflexões e habilidades frente aos contextos, que são dinâmicos e diversos. Constata-se tal assertiva na fala abaixo, que traz a formação para o centro da discussão:

É uma situação complexa. A gente pede formação, precisa de formação, mas tem dificuldade de participar. Na verdade, as formações não pensam na vida do professor. Quando eu vou para os cursos, vejo que não tem 50% dos professores lá, o que aconteceu com os outros professores? Eu me pergunto, será que ninguém pensa nisto? (Informação verbal).

Quando a formação continuada realmente promoverá desenvolvimento em relação à qualidade na EI? Esta pesquisa, em seu processo de escuta, tem demostrado que isso será possível, quando as necessidades e as dificuldades forem realmente equacionadas, tendo em vista a formação continuada profícua para os docentes que atuam com a primeira infância. Traçar um plano e/ou política de formação continuada, consolidada nos espaços de redes e sistemas de ensino, tem revelado o papel e a importância que a EI tem ocupado nesses espaços.

Considerações finais

A contribuição inicial e primordial desta pesquisa foi estabelecer um espaço de diálogo entre/com os docentes que atuam na educação infantil na rede municipal de Aracaju. Conhecendo suas necessidades e dificuldades, evidenciamos, por meio da análise das entrevistas, que este constitui um marco potente no movimento de qualificação do atendimento educacional neste município.

Neste sentido, diante de tudo o que foi exposto de modo vivo, real, fiel e condigno, assevera-se que tal objetivo foi paulatinamente superado pelas riquezas de sensações, de opiniões, de reflexões e de troca de experiências que foram permitidas. Desse modo, mediante os relatos produzidos, foi construído um caminho de reflexões e perspectivas acerca de como é (real) e de como deveria ser (ideal) uma formação continuada, que tivesse como norte a superação das necessidades e dificuldades, com vistas à qualificação deste processo e a das relações entre adultos e crianças, entre as experiências e o desenvolvimento de seus sujeitos neste percurso de ensino e aprendizagem.

Baseada nessa premissa, evidencia-se que a formação é condição de atuação na educação infantil, e/ou condição de ser profissional nesta etapa. A consciência desta condição é fundamental para alimentar as buscas por espaços de formação contínua pertinente, que tratem a educação infantil, bem como os seus docentes, de forma digna e proficiente.

Evidenciaram-se as necessidades docentes, que foram apresentadas como demandas de estruturação e organização das formações, com planejamento, acompanhamento e avaliação de forma qualitativa. A diversificação nos cursos, a capacidade de trazer a prática pedagógica para as formações, dialogando com aspectos teóricos práticos, de modo a aquilatar as dificuldades enfrentadas pelos docentes no processo de qualificação, foram alguns dos pontos abordados nesta pesquisa. No indicador “escolhas de temáticas”, vê-se a dissonância entre temas. Isso configura dificuldades, por não dialogar com as necessidades docentes, sendo que a necessidade é tão citada, tão defendida pelos entrevistados, quando relatam seus anseios, suas dúvidas e suas carências de conhecimento quanto à inserção de crianças com necessidades especiais, apesar de a temática ainda não configurar uma atenção.

Muitas falas expressam a dissonância entre os processos de estudo de teoria e as práticas como outro ponto em que as necessidades e as dificuldades se encontram. A formação continuada é definida nos momentos em que os saberes e fazeres docentes são estudados, refletidos e projetados em ações proativas. Assim, a teoria e a prática se relacionam na perspectiva do fazer de profissionais que já fazem. Por essa razão, eles precisam de subsídios para reconhecerem suas ações, analisando-as, reconfigurando-as em situações reais e, desse modo, qualificá-las progressivamente. Então, não se justificam formações superficiais, isto é, somente teóricas ou práticas. A formação deve ser profícua, em que o cotidiano se utiliza das teorias para a resolução e o aprimoramento de situações reais vivenciadas em sua integralidade. Qualquer intenção de segregá-las (teoria e prática) gera e/ou mantém as deformidades presentes na atualidade.

Quanto às dificuldades, a jornada de trabalho constitui um importante índice entre as realidades docentes. Nesse caso, foi discutido como esta jornada envolve questões de adoecimento da profissão em aspectos pessoais e coletivos que refletem na desmotivação e descrédito da formação continuada. Somados a esta situação, os sentimentos de desvalorização e de identidade, estes já fragilizados, são potencializados pela ausência de escuta desses profissionais - escutas proativas, canais de contato, de movimento e de resolução de questões que têm afetado a formação como condição de qualificação e de desenvolvimento da docência.

Assim, observamos que a docência é uma profissão relacional. As relações se dão com pessoas e suas concepções, em espaços e suas intencionalidades. O conjunto dessas relações atribui qualidade ou não aos processos continuados vivenciados, gera a identidade docente e a promoção do desenvolvimento profissional na educação infantil.

Então, reafirma-se, com esta pesquisa, que a formação continuada é um processo constitutivo de acúmulo reflexivo e de pró-ação dos conhecimentos teóricos e práticos de uma profissão. Este processo é fundamental para a qualificação da ação docente, tendo em vista que impulsiona e sustenta o desenvolvimento pessoal e profissional dos sujeitos em suas particularidades, nas especificidades que o trabalho docente nesta etapa demanda no âmbito da educação infantil, bem como das complexas e multifacetadas realidades em que estas se concretizam.

Este processo deve ser desejado e valorizado por todos os profissionais docentes em suas áreas de atuação. No entanto, ele não deve ser individual e fortuito, não deve ser fragmentado e descontínuo, porque, principalmente na educação infantil, esta formação consiste no processo que traz as especificidades dos contextos em que trabalham dos saberes e fazeres presentes no cotidiano e, através de reflexões profícuas, definirá sua identidade, através da qualificação da sua atuação enquanto profissional. Esta formação específica é defendida, na presente pesquisa, enquanto condição de atuação progressivamente qualitativa nesta etapa educacional.

Diante dessas observações, constata-se que, nessa conjuntura, a formação continuada, direcionada aos docentes que atuam na educação infantil, necessita ocorrer de forma coletiva, em rede de atendimento, respeitando seus contextos, suas necessidades práticas, teóricas, gerais, pontuais, que exprimem suas demandas, enfim, suas necessidades e dificuldades para a consolidação desse processo formativo.

O processo de formação continuada deve ser pensado, planejado e executado de forma a alimentar a retroalimentação das práticas em saberes proficientes. Ele precisa estar claro em seus fundamentos e resultados. De modo salutar, toda formação precisa se organizar para envolver todos os sujeitos participantes deste processo, deve consolidar os espaços de escuta, com acompanhamento e respeito às experiências e vozes docentes como meios de aproximação de suas reais necessidades e dificuldades.

Nesta pesquisa, foi verificado que, em cada grupo formativo, existem suas necessidades e dificuldades. Aqui foram apresentadas as dos docentes da educação infantil do município de Aracaju, o que imprimiu o desejo de apontar algumas perspectivas/contribuições. Este movimento cíclico das necessidades/dificuldades/perspectivas é percebido como o que sustentará a viabilidade, a dinamicidade e a eficiência deste processo, quando ele, de forma concomitante, movimentar outros aspectos educacionais (melhoria dos espaços, ampliação dos materiais, valorização do profissional docente e outros que atuem nas escolas), agindo de modo a garantir o atendimento proativo das crianças inseridas na 1ª etapa da educação brasileira.

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1Período que abrange os 6 primeiros anos (...) na vida da criança. Lei nº 13.257, DE 08/03 2016.

2Escola Municipal de Educação Infantil

3Educação Infantil.

4Entrevistada 04.

5Entrevistada 14.

Recebido: 29 de Outubro de 2022; Aceito: 05 de Fevereiro de 2023

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