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Revista Diálogo Educacional

versão impressa ISSN 1518-3483versão On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.23 no.76 Curitiba jan./mar 2023  Epub 05-Abr-2023

https://doi.org/10.7213/1981-416x.23.076.ao01 

Artigos

Confiança e socialização política nas mídias digitais perspectiva de jovens no ensino médio do Rio Grande do Sul

Trust and political socialization in digital media youth perspective in high school in Rio Grande do Sul

Confianza y socialización política en los medios digitales perspectivas de los jóvenes en la educación secundaria en Rio Grande do Sul

Ricardo Gonçalves Severoa 
http://orcid.org/0000-0001-8413-7159

Sérgio Botton Barcellosb 
http://orcid.org/0000-0002-6935-4398

Simone da Silva Ribeiro Gomesc 
http://orcid.org/0000-0001-6461-8879

aUniversidade Federal do Rio Grande (FURG), Carreiros, RS, Brasil. Doutor em Ciências Sociais, e-mail: rg.severo@hotmail.com.

bUniversidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, PB, Brasil. Doutor em Ciências Sociais, e-mail: sergiobbarcellos.ufpb@gmail.com.

cUniversidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, RS, Brasil. Doutora em Sociologia, e-mail: simone.gomes@ufpel.edu.br.


Resumo

O objetivo do artigo é discutir as possíveis mudanças nas formas de socialização política em espaços habitualmente tidos como privilegiados para tal, como a escola e a família. Ademais, abordamos os possíveis usos feitos pelos jovens das mídias digitais para o debate sobre política. Ainda, buscamos observar os usos destas mídias com base no posicionamento ideológico dos(as) jovens e analisar as eventuais diferenças no uso do WhatsApp, Twitter, Instagram e Facebook, notadamente no que diz respeito à confiança em seu conteúdo. A socialização política é acionada para discutir as percepções e formas de uso destas mídias digitais pelos(as) jovens nas escolas. A coleta dos dados quantitativos foi realizada entre setembro a novembro de 2019 nos municípios de Pelotas, Caxias do Sul e Porto Alegre, no Rio Grande do Sul A pesquisa de campo consistiu na aplicação de um survey, com amostra representativa dos(as) estudantes matriculados no ensino médio regular (ensino estadual, federal e privado) com uma amostra de 2.169 questionários aplicados. Os resultados indicam, diferindo de um senso comum que enxerga os jovens como crescentemente alienados e apolíticos, um contexto de vida destes em que controvérsias políticas são desdobradas, inclusive sobre os usos e engajamentos políticos nas redes sociais digitais.

Palavras-chave: Jovens; Escolas; Mídias digitais; Socialização política

Abstract

The objective of the article is to discuss the possible changes in the forms of political socialization in spaces usually considered privileged for such, such as the school and the family. In addition, we address the possible uses made by young people of digital media for the debate on politics. Still, we seek to observe the uses of these media based on the ideological positioning of young people and analyze possible differences in the use of WhatsApp, Twitter, Instagram and Facebook, notably with regard to trust in their content. [I think we should reformulate here: discuss the differences in the uses of social media (WP, TW and FB) by young people and their confidence in the content broadcast? Suggestion.] Political socialization is triggered to discuss the perceptions and ways of using these digital media by young people in schools. The collection of quantitative data was carried out between September and November 2019 in the municipalities of Pelotas, Caxias do Sul and Porto Alegre, in Rio Grande do Sul. The field research consisted of the application of a survey, with a representative sample of students enrolled in regular high school (State, Federal and Private education) with a sample of 2,169 questionnaires applied. The results indicate, differing from a common sense that sees young people as increasingly alienated and apolitical, a context of their lives in which political controversies are unfolded, including about the uses and political engagements in digital social networks.

Keywords: Young people; schools; digital media; political socialization

Resumen

El objetivo del artículo es discutir los posibles cambios en las formas de socialización política en espacios habitualmente considerados privilegiados para ello, como la escuela y la familia. Además, abordamos los posibles usos que los jóvenes hacen de los medios digitales para el debate político. Además, pretendemos observar los usos de estos medios en función del posicionamiento ideológico de los jóvenes y analizar las posibles diferencias en el uso de WhatsApp, Twitter, Instagram y Facebook, sobre todo en cuanto a la confianza en sus contenidos. La socialización política se activa para discutir las percepciones y formas de uso de estos medios digitales por parte de los jóvenes en las escuelas. La recolección de datos cuantitativos se realizó entre septiembre y noviembre de 2019 en los municipios de Pelotas, Caxias do Sul y Porto Alegre, en Rio Grande do Sul. La investigación de campo consistió en la aplicación de una encuesta, con una muestra representativa de los estudiantes matriculados en la escuela secundaria regular (escuelas estatales, federales y privadas) con una muestra de 2.169 cuestionarios aplicados. Los resultados indican, en contra del sentido común que ve a los jóvenes como cada vez más alienados y apolíticos, un contexto de sus vidas en el que se despliegan las controversias políticas, incluso sobre los usos y el compromiso político en las redes sociales digitales.

Palabras clave: Jóvenes; Escuelas; Medios digitales; Socialización política

Introdução

A mediação online, advento do que veio a se denominar atualmente como era digital tem sido abordada, em especial no que tange às possíveis mudanças nas relações de sociabilidade, para analisar a formação de redes, posicionamentos políticos, formas de atuação e participação, processos de interação, entre outros aspectos. Tais mudanças levaram, em princípio, a análises sobre o uso da internet para formação e desconstrução de centros de poder e aumento da possibilidade de participação política horizontalizada (CASTELLS, 2013).

Nos últimos anos, observamos uma perspectiva (tecno) pessimista que versa sobre a difusão de notícias falsas (Fake News) nas mídias sociais, as quais passaram a interferir de forma muitas vezes decisiva em processos eleitorais utilizando a desinformação (DELMAZO; VALENTE, 2018). Isso ocorre especialmente se considerarmos a capacidade das empresas do Big Tech de selecionar os conteúdos disponíveis (PARISIER, 2011). Assim, nos importa compreender as mediações online, cada vez mais presentes em segmentos crescentes da população, especialmente entre jovens, o que requer uma observação de eventuais diferenças de interação e utilização das mídias e plataformas digitais.

Em relação a esse contexto, especificamente, cabe considerar os dados do último Censo Escolar, de 2020. O estudo demonstra que ainternetestá presente em 96,8% das escolas particulares no Brasil, enquanto na rede municipal o percentual é de 66,2%. Além disso, a conexão em banda larga consta em 85% das escolas da rede privada e 52,7% nas escolas municipais. No Sul, Sudeste e Centro-Oeste as escolas com internet no ensino médio figuram em 99,5%, 99,1% e 98,4% das instituições, respectivamente. Ao passo que no Norte (74%) e no Sul do país (80,2%), esses são os percentuais de acesso à internet banda larga (INEP, 2021).

Diante desse contexto a questão para esse estudo é: Quais as formas de uso e as percepções sobre as mídias digitais por parte dos(as) jovens nas escolas do Rio Grande do Sul (RS)? O objetivo, a partir do artigo, é discutir as possíveis mudanças das formas de socialização política em instituições tidas como aquelas que habitualmente foram espaços privilegiados para tal, como a escola e a família, e os possíveis usos ou não da internet para o debate sobre política. Ainda, busca-se observar os usos destas mídias a partir do posicionamento ideológico dos(as) jovens e analisar as eventuais diferenças no uso do WhatsApp, Twitter, Instagram e Facebook, em especial no que diz respeito ao sentimento de confiança em seu conteúdo.

A pesquisa1 foi realizada com estudantes do ensino médio em dezenove escolas nos municípios de Pelotas, Caxias do Sul e Porto Alegre no estado do Rio Grande do Sul. Compreende-se o meio digital como uma esfera social específica, e questiona-se qual papel este desempenha e as diferentes dinâmicas de uso da internet na socialização destes(as) jovens, considerando-a junto às demais esferas tradicionais (família, escola e pares).

Acionamos o conceito de geração em Mannheim (1967, 1982, 1986 e 2013) e Weller (2002) a partir da análise geracional no contexto brasileiro. Sobre as formas de relação com as mídias digitais, dialogamos com diversos autores(as) que têm foco nesse tema de pesquisa como, por exemplo, Amnå, Ekstrom, Kerr, Stattin (2009), Boyd (2014, 2018), Sousa (2006, 2015), entre outros(as). De acordo com o que foi analisado, iremos acionar a categoria socialização política para discutir as percepções e as formas de uso das mídias digitais pelos(as) jovens nas escolas. Por socialização política compreendem-se os processos de interação social a partir de práticas e narrativas que tratam prioritariamente das questões atinentes à esfera pública e/ou, que a partir dessa, influenciam na esfera privada. Tais experiências sociais, levando em conta as relações sociais significativas para esses sujeitos, indicam as visões de mundo de uma geração de jovens.

Os dados quantitativos foram coletados nos meses de setembro a novembro de 2019. O primeiro momento da pesquisa de campo para coleta consistiu na aplicação de um survey, com uma amostra representativa dos estudantes matriculados no ensino médio regular (ensino estadual, federal e privado) nas cidades de Caxias do Sul (14.745), Pelotas (10.309) e Porto Alegre (38.979), totalizando um universo de 64.033 estudantes do ensino médio, conforme dados do censo escolar/INEP de 2018. A escolha destes municípios ocorreu de modo a buscar maior representação na distribuição do Rio Grande do Sul, além da capital Porto Alegre, municípios com mais de 200.000 habitantes e em razão de uma restrição orçamentária do projeto. Realizamos uma aplicação de amostra probabilística aleatória simples (BISQUERRA, SARRIERA, MARTÍNEZ, 2004), em escolas estaduais, federais e privadas. O questionário tratava dos temas educação, cultura, política e mídias sociais, sendo explicado aos estudantes o objetivo da pesquisa previamente ao preenchimento e garantindo-se o anonimato dos(as) respondentes.

Considerando-se os procedimentos éticos, especialmente pelas características do público pesquisado, previamente à aplicação dos questionários foram explicados os objetivos da pesquisa e a garantia do anonimato dos(as) participantes, especialmente pela não identificação das escolas em que a pesquisa foi realizada e pela não identificação nos questionários2, observando-se na realização da pesquisa a Resolução do CNS Nº 466 de 2012 e a Resolução do CNS Nº 510 de 2016, artigo 3º.

Tendo em vista o universo de 64.033 estudantes e uma amostra com nível de confiança de 95% e com margem de erro de 2 pontos percentuais, o número de questionários projetados para aplicação foi de 2.315. Em razão de questões operacionais de cancelamento da visita em duas escolas, chegou-se a 2.169 questionários aplicados, com 19 escolas visitadas (12 escolas estaduais, 3 escolas federais e 4 escolas privadas), o que manteve a margem de erro em nível inferior a 3 pontos. A distribuição de questionários e sua aplicação entre os municípios foi de 441 em Pelotas, 538 em Caxias do Sul e 1.190 em Porto Alegre, considerando a proporcionalidade do número de matrículas no ensino estadual, federal e privado. A sistematização dos dados foi realizada com o software EpiInfo 7, para verificação da frequência dos dados.

No que diz respeito às características dos(as) estudantes, 50,85% (1.103) são do gênero feminino, 49,05% (1.064) são do gênero masculino e 0,09% (2) se identificaram como outros. Em relação à raça/cor, 70,26% (1.524) identificaram-se como brancos, 16,18% (351) como pardos, 10,19% (221) como negros, 1,57% (34) como indígenas, 1,38% (30) como amarelos e 0,41% (9) não opinaram. Com exceção de uma escolar rural em Pelotas e uma escola rururbana em Porto Alegre, as demais são urbanas. Em relação ao ano que cursavam, 47,35% (1.027) estavam no primeiro ano, 30,66% (665) estavam no segundo ano, 21,02% (456) estavam no terceiro e 0,97% (21) estavam no quarto (nesse caso, estudantes de Instituto Federal).

As análises serão estatístico-descritivas (FLICK, 2009; KELLSSTEDT e WHITTEN, 2015). Devido aos objetivos e ao escopo do artigo a “posição ideológica” será a variável mais significativa para diferenciar as formas de interação e uso das redes sociais. Dado o enfoque de nossa pesquisa, nos interessa discutir como as diferentes mídias digitais podem influenciar na socialização política e quais conteúdos são indicados por esses aplicativos para os(as) jovens interagirem. Tendo em vista tais características, buscamos compreender de que forma as mediações online são percebidas pelos(as) jovens que participaram da pesquisa.

Primeiramente, realizamos uma contextualização inicial do universo da pesquisa e discutimos brevemente os conceitos de mídias digitais e socialização política. Em seguida, discutimos a socialização dos(as) jovens a partir das mídias digitais e as formas de interação e uso. Por fim, há a discussão dos principais resultados elaborados a partir da pesquisa.

As mídias digitais e a socialização de jovens no contexto escolar

A abordagem de Castells (2003) sobre a internet, no início do século XXI, era otimista e entusiasmada, dado que a tecnologia era anunciada como inovadora e promissora. Duas décadas depois, o panorama é significativamente diferente. Eubanks (2018) menciona certa mudança de paradigma desde o alvorecer da era digital, na década de 1980, em que mudanças substantivas foram vistas na tomada de decisões financeira, de emprego, e em políticas de saúde. Conhecidas como “tecnopessimismo”, as perspectivas produzidas nas últimas décadas (ZUBOFF, 2019) são caracterizadas por uma maior desconfiança com as possibilidades advindas da conexão em rede e sua relação com a democracia no novo milênio.

A conceituação de mídia social de Boyd (2014), será utilizada para refletir sobre sites e serviços surgidos no início dos anos 2000, incluindo redes sociais, compartilhamento de vídeos, plataformas de blogs e ferramentas relacionadas que permitem aos participantes criar e compartilhar seu próprio conteúdo. A autora inclui nessas mídias ferramentas e plataformas de comunicação, no bojo do fenômeno técnico e comercial conhecido como web 2.0. Atualmente, identificamos a emergência e estabelecimento da “web 3.0”, ou “web semântica”, com a possibilidade de maior presença no cotidiano das pessoas e com a capacidade de uso e distribuição de dados (HENDLER, 2009), assim como o aumento da capacidade de coleta de dados dos usuários para individualização de conteúdo (SANTOS e NICOLAU, 2012). A web 3.0 resulta, em grande medida, dos avanços da web 2.0, mas expande seus serviços de internet, com ênfase no entendimento da informação facilitado pelas máquinas. Assim, em tese, a ideia é que as informações sejam mais personalizadas e intuitivas para os sujeitos. Contudo, um dos riscos aventados é que a construção de algoritmos que possibilitam essa maior agência dos aplicativos é desconhecida pelos(as) usuários(as), assim como a forma que as empresas utilizam os dados recolhidos (PASQUALE, 2015).

Na perspectiva da sociabilidade virtual, corrobora-se com Lupton (2019, p.137) quando a autora enuncia:

Usuários de mídia digital são cada vez mais observadores e documentadores de suas próprias vidas, ao mesmo tempo consumindo e criando dados digitais. Esse fenômeno tem sido rotulado de ‘prosumption’ [...] para denotar a natureza dual do uso da mídia digital e o importante papel de criar conteúdo agora realizado por aqueles que uma vez eram usuários passivos das tecnologias da Web 1.0.

Glassey (2017) discute que os algoritmos podem configurar relações sociais online e Regattieri (2019) demonstra que robôs e humanos podem ter comportamentos em redes que informam mais sobre os “modos de circulação das informações nas redes do que sobre suas respectivas naturezas”. Assim, Regattieri (2019) questiona o quanto são humanos os comportamentos dos robôs virtuais e o quanto podem ser robóticos os humanos em interação nas redes sociais. Exemplos disso estão relacionados à “viralização” e o fato de que os algoritmos digitais estão configurados para dar ênfase a certos tipos de interações e há indícios de que a inteligência artificial do YouTube pode ter influenciado na radicalização de jovens no processo eleitoral de 2018 no país (FISHER, TAUB, 2019).

Sob essa perspectiva, no contexto desta pesquisa em escolas de ensino médio nos munícipios citados de RS, o uso das NTICs3 pelos(as) jovens é abordado a partir das redes sociais que eles(as) mais usam. Assim, em primeiro lugar verificamos o: WhatsApp, a rede social mais utilizada por quase metade dos(as) jovens (47,3%) entrevistados(as), e que igualmente figura entre os principais motivos para acessar ou conferir seus perfis nas redes sociais.

Nas tabelas a seguir é possível visualizar os dados relativos aos tipos de mídias digitais que os(as) estudantes utilizam em seu cotidiano nas redes federal, estadual e privada abrangidas na pesquisa.

Tabela 1 Mídias digitais utilizadas por estudantes de ensino médio 

N %
WhatsApp 1.026 47,30%
Instagram 413 19,04%
YouTube 270 12,45%
Twitter 192 8,85%
Facebook 163 7,51%
Não opinou 54 2,49%
Outra 26 1,20%
Não utiliza 25 1,15%
Total 2.169 100%

Fonte: Banco de dados da pesquisa “Análise das experiências de socialização e construção de valores da juventude do Rio Grande do Sul” (2019).

A primeira questão apontada é que o uso dessas mídias digitais entre os(as) jovens pesquisados(as) faz parte do cotidiano da grande maioria, com 1,15% não utilizando-as. O segundo aspecto a destacar é a preferência apontada pelo WhatsApp, assim como o uso escasso do Facebook por esses(as) jovens, mídia que até pouco tempo era dominante no Brasil. Esse dado é um indicativo possível de uso geracional e de preferência por essa plataforma devido a sua característica de interatividade mais relacionada com os principais aspectos da web 3.0. Na próxima tabela abordamos qual o motivo do uso da internet pelos jovens.

Tabela 2 Por qual razão utiliza internet 

N %
Realizar pesquisa para estudo ou trabalho 430 14,89%
Ver e-mails 73 2,53%
Conversar no WhatsApp 717 24,82%
Acessar perfil nas redes sociais 730 425,28%
Assistir vídeos no YouTube 359 12,43%
Ler notícias em jornais e revistas 72 2,49%
Fazer download de músicas e filmes 142 4,91%
Jogar 337 11,67%
Não opinou 28 0,98%
Total 2.888* 100%

*Mais de uma resposta

Fonte: Banco de dados da pesquisa “Análise das experiências de socialização e construção de valores da juventude do Rio Grande do Sul” (2019).

Somando-se as respostas “conversar no WhatsApp” e “usar de redes sociais” obtemos 50,11% dos(as) respondentes. Fizemos a distinção por considerar fins diversos do uso das mídias, mas que formam, de qualquer modo, redes sociais digitais. Se agregarmos “o assistir vídeos”, via de regra realizado pelo YouTube e também utilizada como uma mídia digital, chegamos a 63,53%. Posteriormente, verificamos o uso da internet para realização de pesquisas sobre conteúdos escolares, o que é compreensível de acordo com os aspectos ocupacionais desses(as) jovens. É novamente possível destacar que o uso de mídias digitais é uma realidade abrangente entre os(as) pesquisados(as), podendo ser considerada uma forma de interação importante na circulação de informações e interatividade que são aspectos importantes no processo de socialização na atualidade.

Na próxima tabela, apresentamos os níveis de confiança nas instituições sociais junto aos(às) estudantes.

Tabela 3 Fonte de informação mais confiável 

N %
Familiares 716 32,98%
Professores/as 540 24,91%
Sites de notícia 487 22,46%
TV/Rádio 253 11,67%
Não opinou 71 3,27%
Amigos/colegas 59 2,72%
Redes sociais 43 1,98%
Total 2.169 100%

Fonte: Banco de dados da pesquisa “Análise das experiências de socialização e construção de valores da juventude do Rio Grande do Sul” (2019).

Percebemos que instituições sociais como família e escola (na figura dos(as) professores(as)), em relação a outros estudos já realizados, são consideradas como fontes de informação mais confiável. Destacamos o baixo índice de confiança nas mídias digitais (1,98%), compreendendo que o seu uso abrangente não ocorre de forma acrítica por parte dos(as) jovens. Buscamos explorar de forma mais detalhada a questão da confiança questionando qual a fonte que eles(as) consideram menos confiável.

Tabela 4 Fonte de informação menos confiável 

N %
Redes sociais 1.470 67,77%
Sites de notícia 222 10,24%
Amigos/colegas 217 10%
TV/Rádio 106 4,89%
Familiares 92 4,24%
Não opinou 47 2,17%
Professores/as 15 0,69%
Total 2.169 100%

Fonte: Banco de dados da pesquisa “Análise das experiências de socialização e construção de valores da juventude do Rio Grande do Sul” (2019).

Na tabela anterior pudemos perceber que são as mídias digitais que inspiram menor confiança entre os(as) jovens no contexto escolar do ensino médio que participaram da pesquisa. Somando-se os sites de notícias e os meios digitais, obtemos 78,01%, isto é, amplia-se o porcentual de menor confiança. Fica explicitado o ceticismo desses(as) jovens em relação aos meios digitais apesar do seu uso cotidiano. Observa-se que familiares (4,24%) e professores/as (0,69%), são os menos indicados.

Na tabela 5, buscamos identificar como os(as) jovens produzem suas redes de sociabilidade, questionando como constroem as suas relações de amizade. Interessa-nos compreender com esta questão se as mídias digitais aparecem como espaço significativo para construção de novas redes sociais.

Tabela 5 Como conheceu seus amigos e suas amigas 

N %
No ensino médio 1.218 33,30
No ensino fundamental 979 26,77
Por outros amigos 659 18,02
Pela internet 184 5,03
Na vizinhança 160 4,38
Pela organização que participo 142 3,89
Na igreja 115 3,14
Outra situação 113 3,09
Por familiares 87 2,38
Total 3.657* 100%

*Mais de uma resposta

Fonte: Banco de dados da pesquisa “Análise das experiências de socialização e construção de valores da juventude do Rio Grande do Sul” (2019).

A partir desses dados é possível perceber que o ambiente escolar tem centralidade para a produção das redes de sociabilidade. Somando entre ensino fundamental e médio, correspondendo a 60,07% entre os(as) entrevistados(as). A seguir, indicam-se outros(as) amigos(as) com o porcentual de 18,02%. O aspecto geracional relativo a esses grupos de jovens é um aspecto a ser considerado nas aproximações e distinções na produção das relações de amizade, a saber, espaços cotidianos e “offline” em que são os(as) jovens que produzem formas de sociabilidade específicas a partir da convivência em espaços em comum, por exemplo, como a escola. Em seguida aparece a internet, com 5,03%, demonstrando que essa dimensão não pode ser considerada determinante para a formação de redes de sociabilidade junto aos (às) participantes dessa pesquisa.

A partir desses resultados vem à tona o estudo de Tropiano (2017) que, em sua pesquisa com jovens do ensino médio, discute quais as motivações de esses terem um perfil nas redes sociais virtuais. O autor obteve como resultado que os(as) jovens, por mais que seus contatos façam parte do ciclo de amigos físicos e da família, demonstram interesse em manterem-se inseridos em seus grupos virtuais. Assim, apresenta-se muito mais como um estilo de relação social que o(a) jovem tem, mas não a única ou preferencial, podendo expressar um conjunto de atitudes similares perante os grupos aos quais pertencem.

Assim, compreende-se que as redes sociais virtuais podem ser um espaço de sociabilidade e convivência, que expressam o modo de vida transportado do físico para o virtual, sendo ambos significativos para os(as) jovens e como mais um espaço de expressão do seu cotidiano. A partir destes vínculos digitais, estes(as) produzem e afirmam a sua existência também no espaço social virtual, dando a eles(as) o sentimento de pertença e maior interatividade aos grupos e sua busca por representação social para além das convivências cotidianas (TROPIANO, 2017).

Na tabela 6, buscando identificar espaços significativos para a socialização política, perguntamos sobre onde os(as) jovens da amostra costumam conversar sobre política.

Tabela 6 Em que espaço conversa sobre política 

N %
Na escola 892 41,12%
Em casa 803 37,02%
Em lugar nenhum 262 12,08%
Na internet 128 5,90%
Não opinou 84 3,87%
Total 2.169 100%

Fonte: Banco de dados da pesquisa “Análise das experiências de socialização e construção de valores da juventude do Rio Grande do Sul” (2019).

Esses dados coletados demonstram que a escola e casa dos(as) jovens são espaços em que se fala e elaboram ideias e posições políticas, por exemplo, bem como uma introdução ao assunto junto a amigos(as) e formação de vínculos e círculos políticos que possam ser mais efetivos a partir deste ambiente. Percebe-se, mais uma vez, que o ambiente escolar pode ser considerado como um espaço com protagonismo na dimensão de formação política para os(as) jovens que participaram da pesquisa, seguido da família. Chama atenção também que 12,08% responderam que não conversam sobre política. A internet é utilizada por apenas 5,90% para tal fim.

Pudemos, até aqui, analisar que o uso das mídias digitais faz parte de uma realidade abrangente entre esses(as) jovens e que o seu uso ocorre de forma cética, ou seja, no mínimo com desconfiança em relação à busca, acesso e uso de informações. Há diferença também entre o uso dessas mídias, sendo o WhatsApp a principal, pois é considerada uma rede de interação constante e entretenimento, mesmo que nela circulem informações. Buscamos, adiante, identificar possíveis diferenças no uso dessas mídias digitais considerando a autoidentificação ideológica. Compreendemos que esta, a partir do que já foi evidenciado em outras pesquisas que realizamos, (SEVERO; WELLER; ARAÚJO, 2021) pode estar relacionada às diferenças de unidades geracionais e posicionamento políticos que ocorrem em meio às experiências específicas de cada grupo, o que pode ser expresso na diferenciação do uso e formas de interação junto a estas mídias digitais.

Tabela 7 Uso de mídias digitais considerando posicionamento político 

Ideologia Facebook Instagram SR/n usa Twitter WhatsApp Youtube Total
Extrema Esquerda 11,60% 18,80% 3,60% 21,70% 38,40% 5,80% 100,00%
Esquerda 6,90% 21,00% 4,20% 18,90% 39,00% 9,90% 100,00%
Centro 7,80% 20,90% 4,80% 6,90% 45,40% 14,30% 100,00%
Direita 4,90% 25,20% 3,70% 3,30% 44,70% 18,30% 100,00%
Extrema Direita 6,90% 23,00% 3,40% 2,30% 43,70% 20,70% 100,00%
Sem identificação 6,60% 16,10% 5,90% 7,10% 53,70% 10,60% 100,00%
Sem Resposta 8,50% 15,60% 5,50% 6,00% 52,30% 12,10% 100,00%
Total 7,50% 18,90% 4,90% 8,90% 47,40% 12,50% 100,00%

Fonte: Banco de dados da pesquisa “Análise das experiências de socialização e construção de valores da juventude do Rio Grande do Sul” (2019).

Ao analisar os dados é possível perceber que ocorre um alto uso das redes sociais, notadamente o WhatsApp e o Instagram, feito pelos(as) jovens, mas em relação à socialização e confiança, os espaços sociais que são considerados tradicionais, como escola e família, aparecem como fontes mais confiáveis do que essas mídias online. Ainda, percebe-se uma segmentação do uso das mídias Twitter e Youtube com base na posição ideológica dos(as) pesquisados(as). A soma de jovens que se posicionam como de esquerda e extrema-esquerda que utilizam Twitter é de 39,97%, enquanto os de direita e extrema-direita somam 5,6%. O contrário é observado no YouTube, somando a esquerda e extrema-esquerda 15,7% enquanto a direita e extrema direita totalizam 39%. Há de se considerar que o Twitter é utilizado por apenas 8,9% dos (as) respondentes e o YouTube por 12,5%.

Desse modo, é preciso considerar o que Moraes (2007, p. 01) discute sobre a internet constar como uma “arena de lutas e conflitos pela hegemonia, de batalhas permanentes pela conquista do consenso social e da liderança cultural ideológica de uma classe ou bloco de classes sobre as outras”. Nesse sentido, é possível perceber tendências sobre escolha de espaços (ou mídias digitais) específicas considerando o recorte ideológico desses(as) jovens, cabendo a indagação, considerando a bibliografia consultada, do papel desempenhado pelos algoritmos para a constituição de vieses ideológicos. Pode-se indagar ainda se os(as) estudantes proporcionam aportes interessantes para situar as novas tecnologias em um campo de disputa. Desta forma, considerando as agências de socialização, é preciso compreender as formas de apropriação e construção de interpretação social, como as mídias digitais, pelos(as) jovens e observando, em especial, a distribuição e bases de poder. A partir desta visão, é importante entender as formas de mediação e produção de socializações por parte dos(as) jovens, compreendido como um “processo intersubjetivo, histórico, contextualizado e permanente, através do qual [...] constroem sua subjetividade e identidade em permanente tensão e ressignificação” (ALVARADO, 2014, p. 257).

A socialização dos jovens no Brasil: entre a escola e as mídias digitais

No processo de socialização escolar, o contato com colegas, professores(as) e grupos de amigos(as), além da socialização com a família, propicia um maior conhecimento de distintas visões de mundo e como se relacionam e antagonizam, alterando-se histórica e contextualmente na vida desses(as) jovens. É, em suma, no contato com as diversas perspectivas que se forma aquilo que denominamos de personalidade.

[...] nem a integração nem a organização da personalidade resultam unicamente de um crescimento nuclear; elas são o produto final da participação múltipla de uma pessoa. Em quase todas as culturas, o indivíduo é membro de uma variedade de grupos. É esse envolvimento múltiplo que geralmente impede a preponderância de um único atributo. Essa ideia pode explicar o fato já bem conhecido de que a personalidade de um indivíduo envolvido em apenas algumas situações é mais fácil de descrever do que a personalidade de um homem intensamente participante, cujo ego se constitui a partir de tipos mais variados de relações tais como a família, o grupo político, amizades, ocupação, salões [etc.] (MANNHEIM, 2013, p. 30).

Segundo os dados, para 34,1% dos(as) jovens, os familiares são a fonte de informação mais confiável e as redes sociais foram a fonte menos confiável de informação para 69,3% dos(as) respondentes. Ou seja, os dados da presente pesquisa indicam que os(as) jovens indicam que a escola permanece como uma das principais agências para socialização política.

Para Mannheim (1982), nesses espaços sociais onde ocorrem determinadas experiências de unidade geracional, como a escola, é que podem surgir as ideologias, que se constituem quando indivíduos distintos percorrem um mesmo caminho de experiências e dão o mesmo significado a estas. Estes passam a agir não somente em nome próprio, mas em nome do grupo, resultado da percepção de que fazem parte de uma comunidade (MANNHEIM, 1982), mas que pode ser contextual, estratégica ou internalizada na biografia do indivíduo de maneira durável, dependendo do processo de socialização4.

Tal apreensão da visão de mundo dos(as) jovens só será possível na medida em que for identificado como eles(as) se relacionam e vivenciam as diferentes dimensões sociais. Os recortes ideológicos que se apresentam conforme o contexto de mudanças históricas são apresentados (em um sentido performativo e compreensivo) em cada período de uma maneira diferente nestes grupos de jovens (WELLER et al. 2002). Para tanto, é preciso compreender as formas de acesso à realidade, suas relações e a possibilidade de formação de grupos, o que se apresenta nos conceitos de posição geracional, conexão geracional e unidade geracional:

[...] posição geracional não é um estoque de experiências comuns, acumuladas de fato por um grupo de indivíduos, mas a possibilidade ou “potencialidade” de poder vir a adquiri-las. […] a conexão geracional […] pressupõe um vínculo concreto, algo que vai além da simples presença circunscrita a uma determinada unidade temporal e histórico-social. Esse vínculo concreto Mannheim […] define como uma participação no destino comum dessa unidade histórico-social. […]. As unidades de geração desenvolvem perspectivas, reações e posições políticas diferentes em relação a um mesmo problema dado (WELLER, 2007, p. 8).

Uma das formas de compreender os caminhos contemporâneos de socialização passa pela percepção dos(as) jovens como “agentes ativos que escolhem seus contextos cotidianos por razões particulares”, entendendo aí a relevância de mudanças contextuais que levam à utilização de repertórios de ação diferentes e compreendendo “fatores estruturais e diferenças nos fatores sociais, econômicos e culturais” (AMNA, EKSTROM, KERR e STATTIN, 2009, p. 32). Assim, como afirma Sousa (2015) a historicização possibilita analisar como a variável tecnologia pode ser compreendida na dinâmica humana de assimilação e apreensão da realidade e revela que pensar o(a) jovem na atualidade em relação às formas de ser e estar no mundo é intrínseco a suas relações com as diferentes tecnologias virtuais, incluso as mídias digitais.

Em relação às diferenças entre as socializações digitais das escolas estadual, federal e privada, foge ao escopo deste artigo analisar as assimetrias de renda que impactam nos acessos à internet e no uso das tecnologias de informação de jovens em período formativo, mas esboçamos algumas conjecturas. Fazemos coro à perspectiva de Boyd (2014)5, na qual as mídias digitais se transformaram em uma oportunidade significativa de reivindicar agência e poder, ainda que este seja residual, principalmente, por parte dos(as) jovens. Dessa forma, o uso da internet pode ser encarado como um espaço de socialização que amplifica e que é adicional às relações cotidianas, mas não é algo que as substitui. A autora menciona a necessidade constante destes(as) de dar sentido ao seu mundo para além dos seus quartos e destaca o papel das mídias digitais nisso. O uso destas, portanto, funcionaria de forma a integrá-los a uma comunidade mais ampla. A novidade, neste contexto, é a forma como estas alteram e amplificam situações sociais com a oferta de características tecnológicas e engajamento social em um tema.

Enquanto as mídias digitais são um espaço e meio para explorar diferentes formas de apresentação social a desconhecidos, sem excluir as pessoas do círculo social próximo e em especial os pares, há prioridade para as relações face a face por ocorrerem entre pessoas de confiança (LIVINGSTONE e SEFTON-GREEN, 2016, p. 13-14)6. A mediação online, portanto, aparece como estratégia de socialização que amplia e fortalece o acesso à informação e às relações sociais em alternativa às relações hierarquizadas pelas agências tradicionais e não como outra agência. Mesmo assim, é nas relações face a face que se constituem os laços fortes, enquanto a esfera online constitui o espaço de formação de laços fracos e integração entre as diversas esferas sociais (LIVINGSTONE e SEFTON-GREEN, 2016, p. 104). Na presente pesquisa, verificou-se que, mesmo não inspirando confiança, as mídias digitais são amplamente utilizadas pelos(as) jovens.

Assim, reconhece-se que uma destas formas de mediação e produção de identidades significativas atualmente ocorre online, especialmente com o advento das mídias sociais, sem ignorar que é a família a esfera principal de transmissão de valores, em especial na passagem da infância para a juventude, sendo crescente a importância de outras agências, sem especial os pares, ao final da adolescência (QUINTELIER et al. 2007, p. 3-6; DOSTIE-GOULET, 2009, p. 418). Ou seja, as redes sociais podem ser configuradas e se configuram por um conjunto de práticas de solidariedade, de conflitos, de compartilhamento de afetos ou de aplicação de políticas públicas, incluso nos espaços escolares onde os(as) jovens frequentam e passam uma parte significativa do seu dia. Dessa forma, ao observar os dados da presente pesquisa, é possível compreender que o uso das mídias não é empregado para construção de novas redes, mas para ampliação, integração e fortalecimento das relações sociais existentes no offline. No entanto, cabe considerar, que não há, na relação entre os(as) estudantes, a separação rígida entre os espaços online e offline, mas o uso e acesso das mídias digitais são consideradas como uma continuidade e especialização dos objetivos que cada um(a) tem em suas vivências e na formação de laços sociais.

As formas de experiência social, seja online ou offline, demonstram como essa juventude vivencia um fenômeno e como é criado um prognóstico com base no potencial da “colisão do tempo histórico com o tempo biográfico”, construindo a marcação sociotemporal de um antes e depois de evento (FEIXA e LECARDI, 2010, p. 189) e que toma significados específicos de acordo com a geração a que se pertence e vivencia. Ainda, há variação interna à geração de acordo com as formas de participação social e política cotidiana, engajados em diferentes atividades em suas casas ou espaços públicos, distinguindo-se aí as unidades geracionais. Cabe, assim, avançar na análise das formas de intervenção política, quando ocorrem, no ambiente familiar, escolar e virtual.

É preciso observar também as mudanças institucionais, incluso na escola, concordando com o entendimento de que “uma nova geração não é criada apenas por mudanças socioeconômicas de larga escala, mas também por decisões políticas” (WOODMAN e WYN, 2013, p. 268). São estes elementos e a forma como se engajam ou não em determinadas questões políticas, culturais e sociais que definem as unidades geracionais que diferenciam os grupos dentro de uma determinada geração (MANNHEIM, 1986), os quais constituem grupos concretos com base em sua situação social em razão de uma base comum de experiências.

Tais formas de interação, no entanto, não conduzem à participação ou debate político, servindo para outros fins. Assim, estes buscam priorizar esferas sociais em que não haja expectativas comportamentais que projetem apenas um sujeito futuro e que possibilitem, por exemplo, também ser reconhecido como sujeito no tempo presente e formas de interação não hierarquizadas (SOUSA, 2006, p. 17). Assim, no contexto desta pesquisa, mesmo considerando o reduzido número de estudantes que usam a internet para conversar sobre política, observou-se uma especialização no uso de determinadas mídias digitais conforme a visão política, ou o que costuma denominar-se como “bolha”, sendo o YouTube da preferência de jovens que se situam no campo ideológico de direita e o Twitter dos (as) jovens que se posicionam politicamente à esquerda. Isto é, mesmo que esses (as) jovens tenham uma localização de classe e tenham um lócus geracional nesse momento da sua história, eles(as) não constituem um bloco único de apreensão da realidade.

Considerações finais

A partir desta discussão e com base nos dados coletados, buscamos compreender as mudanças das formas de socialização política na escola e na família e os possíveis usos ou não da internet para o debate sobre política na percepção de jovens do ensino médio em escolas públicas e privadas do RS. Ainda, busca-se observar o usos destas mídias a partir do posicionamento ideológico dos(as) jovens e analisar as eventuais diferenças no uso do WhatsApp, Twitter, Instagram e Facebook, em especial no que diz respeito ao sentimento de confiança em seu conteúdo. Estas levam em consideração quais variáveis são mais significativas no processo de socialização, o que pode ser observado na constituição de traços geracionais comuns e suas divisões internas, ou unidades geracionais, dando atenção especial à interpretação que dão as relações e formas de uso das redes sociais a partir do ambiente escolar no contexto atual.

Desta forma, a ação ou preocupação para além de sua própria biografia ou círculos próximos, ao perceber que existe um mundo de normas estabelecidas ou aquilo que lhes é apresentado como dado, o afastamento ou percepção de questões que extrapolam aquelas recebidas pela família, por exemplo, é mais forte na juventude em razão da forma como ocorre o processo de socialização. Assim compreende-se que é nesse grupo etário e geracional que poderá ser possível compreender como se desdobrarão diversas controvérsias políticas da sociedade recentemente, incluso sobre as formas uso e engajamento político nas redes sociais digitais.

Considera-se a internet um local estratégico para os(as) jovens no contexto escolar do ensino médio para ecoar opiniões, exercitar e ampliar as capacidades de interconexões e alcances sociais, mas estar conectado ou estar em uma rede social, por si só, não garante pleno reconhecimento sobre o pertencimento ou engajamento social em uma comunidade, entre diferentes jovens e variadas formas de expressão política. Também é preciso considerar as oportunidades institucionais abertas à participação ou não, o que passa pelas características do Estado e sociedade civil, apresentado em suas diversas instituições, entre elas a escola como um dos espaços relevantes de socialização em razão do tempo em que os(as) jovens permanecem neste ambiente com outras pessoas com uma perspectiva geracional etária, bem como espaço-temporal semelhantes.

Assim, acreditamos que, por meio deste artigo, é possível contribuir, mesmo que sob um recorte específico de pesquisa, a compreensão sobre as dinâmicas de socialização de jovens a partir das formas de uso de mídias digitais, considerando a escola como espaço para a construção da visão de mundo dos(as) jovens que participaram da pesquisa. A partir dos resultados captados e analisados, foi possível compreender a mudança apresentada pelas mídias digitais pelos(as) jovens que participaram da pesquisa e usadas como meio e espaço de continuidades dos seus perfis culturais, políticos e educacionais, especialmente no que tange à importância das esferas tradicionais de socialização política familiar e escolar.

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1O presente artigo está vinculado ao projeto de pesquisa Análise das experiências de socialização e construção de valores da juventude do Rio Grande do Sul e obteve financiamento do CNPq (Processo No. 429036/2018-3).

2Salvo contato disponibilizado pelos/as respondentes para eventual realização de entrevista em profundidade em etapa posterior. Também nesses casos o contato foi mantido em sigilo e, novamente, houve contato explicando os objetivos da pesquisa e solicitando autorização por escrito. Como controle ético foi solicitada autorização para as escolas, explicado a todos/as participantes o objetivo da pesquisa, entregue junto com cada questionário os detalhes e garantido o anonimato de todos/as respondentes, tendo sido aprovada a pesquisa pelo CNPq e considerando as críticas da Anped, da ABA e da sociedade brasileira de Sociologia sobre a revisão ética biomédica e as sugestões para garantia da qualidade ética da pesquisa.

3Novas tecnologias da informação e comunicação.

4Resulta que a formação da personalidade ocorre em relação às formas de pertencimento a grupo(s) de referência, sendo essa em um mesmo sujeito, via de regra, mais plural quanto mais “aberta” for uma sociedade, no sentido da possibilidade de ter acesso à maior diversidade de perspectivas sobre o mundo. Portanto, para o conhecimento da visão de mundo, compreendida como formas de percepção da realidade social com passe na posição social, considerando as relações e formas de interação (MANNHEIM, 1967, p. 3), o preferencial é tomar conhecimento das formas de interpretação do grupo de referência, o que ocorre pela apreensão de como se constitui e se apresenta o conhecimento conjuntivo.

5As mídias digitais auxiliariam notadamente na criação de públicos em rede (Networked publics), conceito cunhado por Boyd (2014) que diz respeito ao público tanto no sentido espacial, quanto de uma comunidade imaginada, construídos na e por meio das mídias sociais. Esta capacidade conectiva, em conjunto com a tecnologia, teria uma função semelhante que outrora, por exemplo, parques cumpriram para outras gerações de adolescentes.

6Em pesquisa etnográfica realizada por Livingstone e Sefton-Green (2016) com estudantes de 13 a 14 anos na Inglaterra, analisou-se que as mídias digitais são utilizadas principalmente como ferramentas para apresentação de uma identidade social performativa, assim como uma esfera social que é possível afastar-se do exercício de autoridade percebido nos ambientes escolar e familiar.

Recebido: 02 de Abril de 2022; Aceito: 18 de Novembro de 2022

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