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Revista Diálogo Educacional

versión impresa ISSN 1518-3483versión On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.23 no.76 Curitiba ene./mar 2023  Epub 05-Abr-2023

https://doi.org/10.7213/1981-416x.23.076.ao04 

Artigos

Representações sociais sobre ser professora de Educação Infantil: a constituição da identidade docente no Curso de Licenciatura em Pedagogia

Social representations of being an early childhood educator: teachers’ identity constitution in the Education Undergraduate Course

Representaciones sociales acerca de la maestría en la Educación Preescolar: la constitución de la identidad del profesorado en el curso de grado en Pedagogía

Marilúcia Antônia de Resende Perozaa 
http://orcid.org/0000-0002-2733-5244

Bruna Emilyn da Silvab 
http://orcid.org/0000-0002-9067-7706

aUniversidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Ponta Grossa, PR, Brasil. Doutora em Educação, e-mail: malujoia@gmail.com.

bUniversidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Ponta Grossa, PR, Brasil. Mestre em Educação, e-mail: bruna.emilyn@hotmail.com.


Resumo

O presente artigo busca apresentar, como aspecto da formação inicial de licenciandas em Pedagogia, suas representações a respeito da constituição da identidade docente referente ao ser professora de Educação Infantil. A discussão emergiu na disciplina de Estágio Curricular para a Docência na Educação Infantil, como parte das reflexões teórico-práticas desenvolvidas na relação entre universidade e escolas públicas de Educação Infantil. O aporte teórico utilizado é o das Representações Sociais de Moscovici (1981, 2012), Deschamps e Moliner (2009), Novaes, Ornellas e Ens (2017) e de autores do campo da Educação Infantil, como: Campos (2008, 2010, 2018), Arroyo (2000), Drumond (2019), Ostteto e Maia (2019), Kuhlmann Jr. (2015), entre outros. Para tanto, como recurso metodológico de coleta de dados foram utilizados questionários aplicados com acadêmicas, a partir da exibição de entrevista com Maria Malta Campos, da Faculdade de Educação PUC/SP, sobre a identidade do professor na Educação Infantil. Os resultados indicaram a afirmação de algumas representações sociais construídas historicamente a respeito de ser professora de crianças, que se perpetuam nos discursos das pessoas. No entanto, as reflexões a partir das respostas ao questionário indicam uma compreensão a respeito das mudanças necessárias, no que se refere a esta profissão, e a importância da apropriação de uma concepção coerente e responsável do que é ser professora de crianças pequenas, com vistas à valorização da identidade docente.

Palavras-chave: Representações sociais; Educação Infantil; Identidade docente; Ser professora

Abstract

This paper approaches the initial education of educators to discuss teachers’ representations of the construction of their identity as educators at the early childhood education level. The discussion started in the teaching curricular internship in the early childhood education subject as part of the theoretical-practical reflections developed regarding the relationship between university and early childhood education public schools. The theoretical background includes Moscovici’s Social Representations (1981, 2012), Deschamps and Moliner (2009), Novaes, Ornellas and Ens (2017), and authors from the early childhood education field such as Campos (2008, 2010, 2018), Arroyo (2000), Drumond (2019), Ostteto and Maia (2019), and Kuhlmann Jr (2015), among others. The data was collected by applying a questionnaire to undergraduate students after they watched the interview with Maria Malta Campos from the Education College - PUC/SP about teachers’ identity in early childhood education. Our results indicated the affirmation of some historically built social representations of teaching children, which are repeated in the popular discourse. However, the answers given to the questionnaire revealed an understanding of the need for changes regarding the profession and the importance of one’s appropriation of a coherent and responsible conception of what it means to be a teacher of young children aiming the appreciation of these teachers’ identity.

Keywords: Social representation; Early childhood education; Teacher’s identity; Being teacher

Resumen

Este artículo busca presentar uno de los aspectos de la formación inicial del profesorado de Pedagogía, las representaciones acerca de la constitución de la identidad docente referente al ser profesora de la Educación Preescolar. La discusión surgió en la asignatura de Prácticas Curriculares para la Enseñanza en Educación Preescolar, como parte de las reflexiones teóricas y prácticas desarrolladas acerca de la relación entre la universidad y las escuelas públicas de Educación Preescolar. Como referencial teórico se utiliza las Representaciones Sociales de Moscovici (1981, 2012), Deschamps y Moliner (2009), Novaes, Ornellas y Ens (2017) y autores del campo de la Educación Preescolar, como Campos (2008, 2010, 2018), Arroyo (2000), Drumond (2019), Ostteto y Maia (2019), Kuhlmann Jr. (2015) y otros. Se utilizó cuestionarios como recurso metodológico de recolección de datos con académicas, a partir de la presentación de la entrevista con Maria Malta Campos, de la Facultad de Educación PUC/SP, sobre la identidad de la maestra en la Educación Preescolar. Los resultados indicaron la afirmación de algunas representaciones sociales históricamente construidas, respecto a ser maestra de niños, que se perpetúan en los discursos de las personas. Sin embargo, las reflexiones a partir de las respuestas al cuestionario indican una comprensión sobre los cambios necesarios en relación a esta profesión y la importancia de la apropiación de una concepción coherente y responsable de lo que es ser maestra de niños pequeños, con el objetivo de la valorización de la identidad docente.

Palabras clave: Representaciones sociales; Educación Preescolar; Identidad docente; Ser maestra

Introdução

A Educação Infantil como parte integrante da Educação Básica é vista recentemente nas políticas educacionais e nas pesquisas como campo de interesse e preocupação, no que tange à formação de professores(as) (IZA, et al., 2014; OLIVEIRA, et al., 2006; MARTINS, 2009).

Historicamente, o tema da formação de professores(as) para atuar na Educação Infantil teve pouca importância nas discussões no âmbito da sociedade e das políticas públicas. Tradicionalmente, a educação das crianças pequenas, principalmente aquelas advindas de famílias empobrecidas, esteve representada a partir de uma “imagem difusa” (ARROYO, 2000), preconizada por uma educação assistencial e compensatória. Neste cenário, a imagem de professores(as) esteve associada à de pessoas benevolentes, pacientes, com dom e prática materna - bastava ser mulher e mãe para o exercício da profissão (BRASIL; GALVÃO, 2009). Pouca preocupação se tinha a respeito da formação para a docência, sobretudo para a educadora de creche que, usualmente, era chamada de “pajem”, “atendente”, “auxiliar” ou “babá”. Via de regra, seu ofício foi sendo associado a uma atividade de baixa qualidade e de menor valor social (CAMPOS, 2008, p. 122), em razão de uma “pedagogia da submissão” (KUHLMANN JR, 2015, p. 165), que se concretizava em uma educação assistencial, em uma prática intencional para setores sociais mais empobrecidos.

Com a expansão do acesso à Educação e a ampliação dos direitos, ocorridos por meio da Constituição de 1988 e reiterados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, LDB (BRASIL, 1996), a formação em nível superior, em cursos de Licenciatura, tornou-se exigência para a atuação de professores(as) na Educação Básica. No que se refere à Educação Infantil e aos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, a mesma lei postula o curso de Pedagogia como requisito de atuação, porém, como exceção à regra, também admite a formação de professores(as) em cursos de nível médio ou normal superior, contrariando os critérios mínimos de qualidade para creches e pré-escolas (CAMPOS; FULLGRAF; WIGGER, 2006).

Entendemos que a identidade da formação de professores(as) para Educação Infantil ainda se apresenta em vias de construção, como também as concepções contemporâneas de criança, infância e de Educação Infantil (CAMPOS, 2008; DRUMOND, 2019). Isso porque, apesar do avanço na legislação, a proposição de uma formação que privilegie a constituição de um perfil de professor(a) que reconheça a infância como uma categoria social e a criança como ator social (BORBA; LOPES, 2018) ainda é um desafio (CAMPOS, 2008). Entretanto, ao identificarmos as especificidades da profissão docente, a partir do binômino do cuidar e educar, demarcamos o estatuto profissional da Educação Infantil como campo que se diferencia das demais etapas da educação.

A especificidade da docência na Educação Infantil não situa separadamente aquele que ensina e aquele que aprende, ao contrário, as relações educativas na escola da infância são caracterizadas por serem complexas e atravessadas por determinantes pessoais, sociais e políticos que, permanentemente, estão sendo transformados no contexto histórico-social (SABBAG, 2017). Por sua vez, a docência na Educação Infantil é realizada tendo por pressuposto a mediação entre o cuidar e o educar nas práticas educativas que se articulam, tendo como base das propostas pedagógicas as interações e as brincadeiras (BRASIL, 2010).

Por se tratar de um trabalho desenvolvido essencialmente por mulheres, ao longo da história, vem carregando em si as marcas que o associam a uma profissão inferiorizada, secundarizada, influenciando as decisões nas políticas educativas de formação e de valorização docente. Se, muito recentemente, a LDB (BRASIL, 1996) propõe a formação destes(as) profissionais em curso superior, percebe-se que os cursos de graduação ainda não abordam a educação da criança pequena de modo aprofundado como forma de preparar estes(as) profissionais para o trabalho na primeira etapa da Educação Básica.

Por outro lado, as discussões referentes à identidade docente destes(as) profissionais transcende os espaços públicos e privados, envolvendo diferentes relações entre os atores sociais: as crianças, as famílias e os(as) professores(as), ou seja, as relações são tecidas entre “adulto-adulto, adulto-criança e criança-criança” (DRUMOND, 2019, p. 2). Ao discutirmos o ofício de ser professor(a) de crianças pequenas, demarcamos a complexidade do exercício do trabalho que extrapola o modelo convencional de “composição relacional de transmissão-recepção, de forma linear, monológica e vertical (professora-aluno/criança)” (SCHMITT, 2014, p. 46) e que amplia os sentidos e significados da docência na Educação Infantil, a partir de suas especificidades.

Dito isso, é no percurso formativo nos Cursos de Licenciatura em Pedagogia, especialmente na prática do Estágio Curricular Supervisionado (ECS) de Docência na Educação Infantil, que “o perfil” ou “ofício de ser professora” aparece como objeto de investigação e reflexão sobre o significado de ser professora de crianças bem pequenas, assim como o que diz respeito às representações que circulam no imaginário social sobre a profissão. Contudo, o ECS reforça a sua inerência e contribuição para a formação docente, pela intersecção realizada entre o saber profissional construído na trajetória formativa e o saber que emerge da prática de estágio, ou seja, na articulação entre a teoria e a prática (PEROZA, MARTINS, 2016).

O ECS de docência na Educação Infantil, como componente obrigatório de formação, suscita inquietações de diferentes ordens: “técnica, teórica, metodológica, epistemológica, gnosiológica e ontológica” (SILVA; GAMBOA, 2014) em relação à docência e ao trabalho desenvolvido com as crianças. Ser professora de criança pequena é um ofício que dialoga tanto com o contexto mais prático das instituições de Educação Infantil, como, por exemplo, com a organização do tempo, do espaço e da materialidade, e ainda com a compreensão da proposta educativa, o que revela que “ser professora, professor, projeta uma determinada função social e mais do que isso, projeta ou concretiza uma determinada cosmovisão que está incorporada a esse ofício” (ARROYO, 2000, p. 126).

Como intento de defendermos a relevância deste estudo, faz-se necessário definir o conceito de identidade como processo dinâmico e relacional, entendendo-o como uma construção social do sujeito historicamente situado que, ao se articular com a identidade profissional, elabora significados atrelados ao exercício da profissão, a partir das suas tradições e contradições (IZA, et al., 2014, p. 275). Portanto, a constituição da identidade como elemento indutor na formação inicial se constitui como objeto de compreensão de que a docência na Educação Infantil precisa “ser qualificada, fundamentada no conhecimento e na reflexão, na atenção e sensibilidade, de modo a construir uma relação respeitosa e amorosa, que permita à criança o desenvolvimento em todos os aspectos da vida” (PEROZA, CAMARGO, 2019, p. 93). É neste debate que o presente artigo emerge como questionamento ancorado na prática de ECS de acadêmicas do Curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Estadual de Ponta Grossa - PR, a respeito da seguinte pergunta: como se constitui a identidade docente de professora de Educação Infantil? Que representações estão ancoradas no processo de se constituir professora de Educação Infantil?

A experiência do ECS como lócus teórico-prático se apresenta como cerne do desenvolvimento deste estudo, no qual temos por objetivo apresentar as percepções (representações) de acadêmicas do curso de Pedagogia, a respeito da constituição da identidade de professora de Educação Infantil. Para mobilizar a discussão a partir das perguntas orientadoras, foi proposta, como atividade pedagógica realizada com as acadêmicas, a exposição do vídeo com uma entrevista feita pelo programa “Na Íntegra”, da TV Univesp/UNESP (2010), com Maria Malta Campos sobre a identidade do(a) professor(a) na Educação Infantil e, posteriormente, foi encaminhado um conjunto de questões referentes ao ser professora de crianças para ser respondido pelas acadêmicas, ao qual se seguiu uma discussão sobre o tema. Neste artigo, apresentamos as análises de algumas dessas respostas, assim como das reflexões realizadas pelas participantes da pesquisa.

Cumpre ressaltar que o interesse pela pesquisa emerge da disciplina de Estágio de Docência de Doutoramento de uma das autoras e foi realizado no período de agosto de 2021 a abril de 2022, na mesma instituição.

Este estudo está organizado em três tópicos, além da introdução. No primeiro, são tratadas as representações sociais como fundamentação teórica em diálogo com a identidade docente. Em seguida, é apresentada a metodologia adotada para viabilizar as análises referentes ao tema das representações sociais sobre ser professora de crianças. Posteriormente, são apresentados os principais resultados encontrados e as análises dos dados. Entendemos que, a partir destas análises, é possível identificar as contribuições do estudo para o campo da formação de professores(as).

Representações sociais e a identidade docente

Para respaldo teórico, elegemos a Teoria das Representações Sociais, de Serge Moscovici (2012), definida como uma forma de conhecimento social elaborado em universos consensuais de conversação e de participação, no qual os sujeitos como atores sociais elaboram explicações sobre os objetos circulantes na sociedade, os quais tendem a orientar e a conduzir suas ações no e sobre o mundo (MOSCOVICI, 2012). Em outras palavras, segundo Novaes, Ornellas e Ens (2017, p. 418) as representações,

Expressam uma espécie de saber prático de como, os sujeitos em processos de interação com outros, sentem, assimilam, aprendem e interpretam o mundo, porquanto e como são produzidos coletivamente por práticas e discursos sociais, inscritos no decorrer das interações no cotidiano, algumas delas linguísticas.

A identidade docente como objeto de representação social se ancora nas experiências, nas imagens e no significado de ser professor(a) de criança pequena. Essencialmente, articula-se com o contexto histórico e cultural do processo de constituição do magistério, enquanto profissão vista como vocação e missão. Embora seja uma representação incrustada na ideia de profecia, configura-se como um dos elementos do núcleo central da representação da identidade docente (ALVES-MAZZOTTI, 2007).

A identidade docente se constitui como um elemento que emerge na esfera de pertencimento da categoria docente que está diretamente ligada à memória coletiva e à história do grupo (ABRIC, 2003). Os(as) professores(as), com base em suas experiências e conhecimentos oriundos da prática educativa, veiculam suas representações com o cotidiano, com a rotina da instituição e com os sentidos que são atribuídos subjetivamente ao trabalho. Ou seja, as representações sociais nunca são isoladas e, por serem circulantes entre os grupos (MOSCOVICI, 1981; 2012), conferem significados aos objetos, permitindo a construção identitária do grupo no enfrentamento e na tomada de posição frente aos desafios da profissão.

Ao nos debruçarmos sobre a compreensão da identidade docente, ancoramos as representações preexistentes no imaginário, igualmente com o passado, com a história e com valores sociais. A ancoragem, denominada como um dos mecanismos formadores, tende a organizar a representação em um quadro de referência, no qual os “sujeitos criam e modificam, recortam e classificam, aproximam o objeto novo e estranho ao seu quadro de referência tornando-o familiar” (SILVA, 2019, p. 49). Este processo possui a função de aproximar as representações novas com os fatos antigos, os quais são imbuídos de sentimentos, experiências e valores fortemente arraigados socialmente, ou seja, ancorar significa aproximar e organizar as representações em um sistema de referência revelando suas esquematizações e estruturas de pertencimento (MOSCOVICI, 2012).

A objetivação, outro mecanismo formador das representações, consiste em tornar o objeto social em algo concreto e real ao sujeito. O reconhecimento da identidade docente, por meio da objetivação, confere ao sujeito a apreensão do objeto de conhecimento em sua forma icônica e figurativa. As analogias e comparações são estratégias de aproximação da representação com o plano das vivências e com o campo sensível dos sentidos, no qual a articulação do pensamento social sobre a identidade torna-se tangível com a realidade concreta. Contudo, a identidade docente representada como uma forma particular de conhecimento é traduzida de acordo com os referenciais preexistentes na estrutura cognitiva dos sujeitos que, ao ser materializada, assume uma função imagética (MOSCOVICI, 2012).

As representações sobre a identidade docente, em sua forma e conteúdo, também podem ser situadas a partir de três dimensões que compõem a abordagem dimensional da teoria, as quais são denominadas: informação, campo de representação e atitudes. As informações compõem a organização dos conhecimentos a respeito do objeto social, em especial, o da identidade docente. Os sujeitos elaboram conhecimentos, por vezes numerosos, mais ou menos precisos, como também podem organizar conhecimentos de natureza quantitativa e qualitativa, ou vice-versa (DESCHAMPS; MOLINER, 2009).

A dimensão da informação remete à origem das informações e ao universo de pertencimento das representações, logo, pode ser proveniente dos universos consensuais ou reificados de formação. O campo de representação refere-se às características qualitativas e figurativas das representações. Em outras palavras, relaciona-se com o caráter imagético das representações, na forma de organizar e estruturar o seu conteúdo. Ao representarmos a identidade docente a partir do campo de imagens, procuramos por comparações, nas quais os sujeitos assemelham o objeto social com a realidade concreta, o que possui estreita relação com a objetivação (MOSCOVICI, 2012).

E, por fim, a dimensão das atitudes é caracterizada como a mais frequente no processo de representação, na qual o sujeito se posiciona antes mesmo de tomar conhecimento sobre o objeto de conhecimento. As atitudes podem apresentar orientações positivas ou negativas, como também julgamentos e reações, o que acaba revelando a orientação global do sujeito em relação ao objeto da representação social (MOSCOVICI, 2012, p. 65). A explicitação da tridimensionalidade das dimensões confere a sustentação das representações sobre os objetos de conhecimento.

A composição das representações sobre a identidade docente povoa a dimensão das informações que se tem a seu respeito, das imagens que se assemelham e das atitudes positivas ou negativas que um determinado grupo social tem a seu respeito. Portanto, em sua tridimensionalidade, confere ao sistema de representação a sua constante atualização e construção. Cabe enunciar que o objeto de investigação é a representação social de licenciandas sobre a identidade de ser professora de crianças pequenas, que será exposto a partir do tópico a seguir.

Metodologia

Os procedimentos metodológicos adotados na pesquisa foram organizados no contexto da disciplina de Estágio Curricular Supervisionado (ECS) em Docência na Educação Infantil, com uma turma formada por 10 acadêmicas1 que cursavam o terceiro ano do curso de Licenciatura em Pedagogia, no ano de 2021, cuja finalização do ano letivo se deu em 2022. A discussão foi proposta a partir de uma atividade pedagógica que teve como tema de discussão: “Ser professora de Educação Infantil: a constituição da identidade docente”.

Para o início da discussão, tomamos por base a indicação do vídeo da professora Maria Malta Campos, que foi entrevistada, em 2010, pela Universidade Virtual do Estado de São Paulo (UNIVESP), sobre a identidade do(a) professor(a) da Educação Infantil. Na entrevista, Maria Malta Campos tece algumas provocações a respeito da formação docente para atuar na primeira etapa da Educação Básica, assim como da desvalorização destes(as) profissionais.

A escolha da proposta metodológica de elicitação por vídeo como técnica de inquirição a respeito da identidade residiu em sua natureza aberta a investigação como instrumento que não permite interpretações únicas e universalizantes sobre o objeto de investigação (BANKS, 2009). A força metodológica de recursos visuais possibilita ao participante a imersão em várias possibilidades de problematizações e questionamentos a respeito da realidade e do contexto que o cerca, uma vez que o vídeo ou filme representa uma fatia da realidade ao apresentar uma visão de mundo sobre determinado objeto (BANKS, 2009, p. 102).

O vídeo serviu como elemento indutor de um roteiro de perguntas, dispostas em um questionário, que foi respondido pelas acadêmicas, que propunha como questões: a) O que é ser professor(a) de crianças?; b) Quais conhecimentos são necessários para ser professor(a) de Educação Infantil?; c) Já ouviu frases dirigidas aos profissionais da Educação Infantil que descaracterizam seu trabalho? Quais frases? E o que você pensa sobre elas?; d) Quais conhecimentos o curso de Pedagogia proporciona para a atuação como professor(a) de crianças?; e, por fim, e) Que traços de professora de crianças você já possui?

Neste estudo, trazemos a análise de duas dessas questões: “a) O que é ser professor(a) de crianças?” e “b) Já ouviu frases dirigidas aos profissionais da Educação Infantil que descaracterizam seu trabalho? Quais frases? E o que você pensa sobre elas?”. Entendemos que estas questões nos fornecem os elementos iniciais para identificarmos as representações sociais que o grupo de acadêmicas possui e que nos ajudam a identificar a importância do trabalho de ressignificação de ser docente de crianças no âmbito da formação inicial.

O questionário foi aplicado com as acadêmicas e respondido individualmente como preparação para a discussão em sala. O questionário visava trazer à tona os conhecimentos que povoam o imaginário e os conhecimentos oriundos da formação inicial, em especial, no contexto do ECS em Docência na Educação Infantil, o qual suscita indagações sobre os saberes e fazeres relativos à educação de criança pequena, uma vez que o curso ainda possui um espaço limitado destinado às disciplinas que contemplem o universo da Educação Infantil (DRUMOND, 2019).

Em seguida, foi realizada uma discussão possibilitando o compartilhamento das respostas e uma análise do grupo a respeito das percepções e representações sociais referentes à constituição da identidade docente para atuar na Educação Infantil. As respostas às questões foram entregues por meio do Google Classroom, para a realização das análises deste estudo.

Para análise dos dados contidos na produção discursiva dos questionários, optamos pela abordagem qualitativa dos dados na análise de conteúdo proposta por Bardin (1977) e na leitura sistemática e reflexiva das informações a respeito do tema de discussão, com base na abordagem dimensional da Teoria das Representações Sociais, no levantamento das informações, imagens e atitudes a respeito do objeto de representação.

A proposta de discussão foi muito além do esperado, quando, na dinâmica do diálogo, percebemos que as acadêmicas começaram a identificar, nas frases que ouviam e nos conhecimentos que tinham da profissão, as representações sociais advindas do imaginário, da reafirmação de um perfil vinculado à função materna e de pouca valorização da docência desenvolvida com crianças. Puderam, portanto, buscar meios de ressignificação das compreensões que suas respostas revelaram, as quais apresentamos na próxima sessão.

Resultados e discussões

A análise da produção discursiva das acadêmicas foi organizada a partir da análise de conteúdo de Bardin (1977) por duas categorias temáticas que versaram sobre: a) o significado de ser professora de crianças; e b) as representações sobre o trabalho docente na Educação Infantil, tendo por base a abordagem dimensional das representações sociais que procura levantar os conhecimentos, imagens e atitudes.

O corpo textual das categorias emergiu a partir de conhecimentos provenientes de representações sobre ser docente e o exercício trabalho, os quais apresentaram relação com o imaginário social e o contexto da formação inicial de professores(as). Algumas inferências podem ser feitas a respeito das representações, uma vez que se configuraram como um conjunto organizado de informações, julgamentos e atitudes que foram construídos socialmente, além de serem delimitados pela natureza do objeto representado, a identidade docente de ser professora de criança (ALVEZ-MAZZOTTI, 2007).

Cabe ressaltar que tomamos como referência que as acadêmicas trouxeram mais fortemente uma representação social sobre ser docente de crianças, do que, de fato, um aprofundamento teórico referente aos aspectos que constituem a identidade docente para atuar na Educação Infantil. Em sua trajetória, apesar de que algumas tenham feito o curso de formação de docentes em nível médio e que parte do grupo já atuava ou havia atuado como auxiliar na Educação Infantil, em termos de formação para a docência nessa etapa, há que se considerar as lacunas nos cursos de formação, no que diz respeito aos conhecimentos sobre ser professora de crianças, principalmente, para atuar na creche (CAMPOS, 2018).

Destacamos que as representações das acadêmicas sobre ser professora de criança sustentam-se no “oficio de ser aluna” em consonância com a experiência formativa no ECS. As imbricações entre ambos revelaram algumas lacunas no currículo do curso de Pedagogia, a partir de seus generalismos e inadequações, quando se trata das crianças, nas disciplinas pedagógicas e sobre a identidade docente (CARVALHO, FOCHI, 2017).

No entanto, a identificação de dissonâncias revela pontos de ação para as propostas e políticas de formação, pois o levantamento das representações explicita, especialmente, essa dinâmica em identificar os conhecimentos sobre os objetos em sua forma e conteúdo de modo a realizar o ajustamento orgânico entre seu estudo e as práticas de transformação (MOSCOVICI, 1981). Portanto, apresentaremos as categorias temáticas analisadas a partir dos simbolismos sobre os sentidos de ser professora de crianças.

Questão 1: Para você, o que é ser professora de crianças?

Ao propormos esta questão, intencionávamos identificar quais conhecimentos as acadêmicas tinham a respeito das características necessárias para a docência com crianças. Entendíamos que, nas respostas, já identificaríamos alguns traços referentes às representações sociais que elas possuíam mesmo antes de iniciarem a formação no curso de Pedagogia e que tendem a se perpetuar, mesmo após a formação docente.

Por se tratar de imagens, modo de ser e de si mesmas, revelaram o resultado de uma construção social carregada de história e de um papel social, ao mesmo tempo intrínseco a uma etapa educativa, mas que não é desvinculado dos outros segmentos da Educação. Tampouco não é descolada de uma representação socialmente construída, que congrega uma “[...] história feita de traços comuns ao mesmo ofício” (ARROYO, 2000, p. 13). De acordo com as questões levantadas a partir de questionário aplicado com as acadêmicas, algumas expressões foram apontadas, a respeito de “ser professora de crianças”, como nas falas a seguir:

Ter responsabilidade (Acadêmica P).

Ter um papel de despertar o amor na escola pelo aluno (Acadêmica P).

Acredito que uma professora de Educação Infantil precisa ser carinhosa e cuidadosa, e eu me considero, diante das crianças (Acadêmica R).

Acredito que a calma e paciência é uma delas, ser mãe e a vida materna me ensinou muitas coisas também que irão me auxiliar (Acadêmica M).

Estas expressões revelam uma representação tradicional, arraigada à história e à cultura docente. Por serem evocadas por acadêmicas em processo de formação inicial, remetem aos valores socialmente desejáveis da profissão, que se configuram como elementos do “perfil de ser professor”. Por sua vez, tratam de elementos normativos que possuem relação com a norma e a convenção social de ser bom/boa professor(a), uma vez que isso, no cotidiano, é pautado por fortes traços morais e éticos (ARROYO, 2000, p. 37).

Essa compreensão sobre o perfil docente para atuar na Educação Infantil encontra raízes na forma como as profissionais foram vistas ao longo da história. Conforme Kuhlmann Jr,

As propostas pedagógicas para a educação da criança pequena em instituições educacionais carregam no seu bojo uma confrontação com a educação na instituição familiar. Mesmo dirigindo-se à educação no interior da família, valorizando aspectos relacionados às qualidades femininas, as propostas idealizam um modelo materno e feminino que pretende se sobrepor às práticas que ocorrem na realidade que julgam necessário superar (KUHLMANN JR, 1998, p. 114).

Essa referência às dimensões do amor maternal, ao fato de ser mãe como um pressuposto de que é parte da preparação para a ação docente, está articulada às primeiras iniciativas nos cuidados das crianças bem pequenas fora do âmbito doméstico (HADDAD, 2002; CERISARA, 2002). A institucionalização da infância historicamente como prática educativa além de corroborar a concepção que associa o trabalho ao ambiente do doméstico, reforçou a dimensão constitutiva de gênero ao associar o ser mulher como “rainha do lar, educadora nata” (ARCE, 2001), na atribuição naturalmente vinculada à educadora, passiva e amorosa que permanece enraizada na figura da mulher como professora de crianças pequenas.

Por outro lado, essas representações acabam por conviver com novas perspectivas favorecidas por estudos e aprofundamento teórico propiciado pelas discussões em algumas disciplinas do curso e, mais especificamente, na disciplina ECS, como nas respostas que complementam as anteriores:

Afetar de forma positiva cada criança, fazendo diferença na vida delas. Cuidando, educando, respeitando (Acadêmica R).

Proporcionar às crianças experiências que auxiliam a desenvolver suas capacidades cognitivas, como atenção, memória e raciocínio (Acadêmica M).

Incentivar, aguçar a curiosidade, imaginação das crianças, para que elas se tornem autônomas (Acadêmica T).

Ser professor de criança é ver aquela criança com outros olhos, é ver e enxergar um indivíduo com vontades próprias, formando sua própria história. É saber sensibilizar os seus conhecimentos teóricos, conhecimentos de vida e de mundo, para direcionar a criança às ações, de uma forma que não limite o seu processo de desenvolvimento (Acadêmica V).

Nestas respostas, encontramos alguns aspectos discutidos por Maria Malta Campos no vídeo, mas também reflexos de leituras anteriores, na disciplina (OSTETTO; MAIA, 2019; DRUMOND, 2019; FINCO, et al., 2015). A reelaboração do discurso referente ao ser professora de Educação Infantil está intimamente ligada à oportunidade de aprofundar leituras e ressignificar as próprias compreensões a respeito da profissionalidade. A este respeito, Oliveira et al. (2006, p. 548) afirmam:

Existe hoje um consenso segundo o qual se afirma que o professor não deve ser visto apenas como um técnico em questões de ensino, mas como pessoa em processo de construir mudanças em sua identidade e no “sentido de si”. Todo professor tem algum tipo de discurso sobre sua prática pedagógica, elaborado pela apropriação de uma sabedoria relacionada a experiências concretas que lhe dão pistas orientadoras para sua ação, sendo a reflexividade uma ferramenta para a construção de conhecimento sobre qualquer atividade.

As respostas apresentadas pelas acadêmicas a esta primeira questão nos oferecem elementos para pensarmos a importância de se discutir a constituição da identidade docente de professoras de crianças pequenas, considerando as dimensões políticas, econômicas, históricas e culturais que circundam as representações e os impactos sociais que elas imprimem nas práticas desenvolvidas na instituição educativa. Podemos identificar que o primeiro conjunto de respostas trazem traços de uma representação consoante àquelas que permeiam o imaginário social. Já o segundo grupo de respostas aponta para uma reelaboração destas representações, a partir da qual é possível identificar um conjunto de elementos novos, referentes a saberes e práticas fundamentadas em conhecimentos teórico-práticos que dialogam com um novo perfil de docentes.

Questão 2: Você já ouviu frases dirigidas aos profissionais da Educação Infantil que descaracterizam a importância de seu trabalho? Quais frases? O que você pensa sobre elas?

A segunda questão apontada no questionário tinha por objetivo levantar a possível representação social sobre o trabalho docente na Educação Infantil, a partir das expressões ouvidas pelas acadêmicas e de seus conhecimentos a respeito da profissão. A partir dela, podemos destacar elementos sobre o reconhecimento da profissão, bem como suas principais imagens e atitudes. Ainda, vale destacar que o reconhecimento social da profissão é equivalente ao reconhecimento social do campo, ou seja, o valor social dado à Educação Infantil é análogo à concepção de Educação, de infância e de criança, o que, por sua vez, incide na formação das representações. A seguir, apresentamos algumas expressões:

‘Que fácil só cuidar de crianças!’; ‘Precisa de curso pra isso?’ (Acadêmica P).

‘Ser professora é fácil, isso até eu faço’; ‘É só trocar fralda’; ‘Mas é só cuidar’ (Acadêmica R).

‘Vai ser professora? Então seja professora dos menores, o trabalho é mais fácil do que os grandes’ (Acadêmica S).

‘É só atender’; ‘É só brincar’; ‘É fácil ser professor de EI, é só deixar brincar’; ‘A EI não faz diferença, pois a criança só brinca, não aprende nada’ (Acadêmica S).

‘Ser professor de criança é bem mais fácil, não precisa fazer nada além de cuidar’ (Acadêmica V).

A possível representação social apontada pelas acadêmicas a respeito do trabalho docente na Educação Infantil está ancorada nas práticas do “cuidar”, “trocar”, “atender” e “brincar”. As falas que povoam o campo versam sobre um trabalho pouco valorizado e qualificado, pois o adjetivo “fácil” se refere ao desempenho de uma atividade, essencialmente manual e que requer pouco esforço intelectual. O cuidado, entendido como atividade menos nobre, é associado ao campo de imagem da vida privada no âmbito doméstico. Esta representação social possui bases históricas que ainda circulam nas representações da sociedade em geral. Do mesmo modo, as brincadeiras, eixo em torno do qual as propostas pedagógicas da Educação Infantil devem se organizar, são, originalmente, pouco compreendidas, e, na maioria das vezes, o fundamento da desvalorização da ação docente na primeira etapa da educação básica. Conforme Fortuna (2005),

A brincadeira acaba sendo motivo para ironia, ridicularização e franco desprezo não só dela mesma, mas também de quem brinca. Cobra-se seriedade da brincadeira e de quem se ocupa do brincar. Acusa-se quem brinca de ‘não ter mais o que fazer’, identificando-a com ornamento e desocupação (FORTUNA, 2005, p. 107).

Essa compreensão do papel desempenhado por professores(as) de crianças acaba por delinear o perfil de ingressantes no curso de Pedagogia, em sua maioria, mulheres, advindas da classe trabalhadora. Estas características sociais revelam uma condição de vida que está presente na escolha profissional, ou seja, ser professor(a) de criança esbarra nos limites das condições de vida e de trabalho, as quais acabam por delinear um perfil de mulheres trabalhadoras de origem de classe, raça, etnia, diversas.

Essa percepção a respeito de quem cuida e educa crianças, com baixo reconhecimento e valorização da profissão, esteve presente em outras falas que as acadêmicas disseram ouvir:

‘Você faz esse curso?’ (Acadêmica M).

‘Você faz mais alguma coisa além de dar aula?’ (Acadêmica M).

‘Nossa, mas você poderia ter escolhido outra profissão’ (Acadêmica M).

‘Você é inteligente, porque não faz medicina?’ (Acadêmica S).

‘Para ser professora de crianças precisam ser mãe. A Educação Infantil não é tão importante’ (Acadêmica T).

As expressões enunciadas revelam o magistério como uma ocupação fácil, pouco qualificada e de menor prestígio social ao ser comparado com outras profissões. No entanto, quando falamos a respeito do campo da Educação Infantil, essas associações se agravam de modo a se aproximarem da prática materna. Aqui, destacamos o núcleo duro da representação e o seu poder de resistência à mudança. Ao apresentarmos as representações das acadêmicas, estas revelam suas opiniões a respeito do que se vê, ouve e o que se pensa sobre a profissão. Segundo Arroyo (2000), essas representações acabam por passar uma imagem desastrosa sobre o magistério e, por vezes, tendem a reforçar imagens sociais e autoimagens deturpadas da profissão, a partir de características vocacionais, ao invés da construção de uma identidade docente pautada na profissionalidade.

É evidente que as representações são sustentadas por um legado histórico e social de constituição do campo, de modo que a profissionalização obteve pouca importância, no que tange uma formação qualificada. No entanto, estas expressões revelam a experiência vivida de acadêmicas em processo de formação que não estão desvinculadas das concepções históricas e sociais da Educação que, ao serem discutidas no âmbito da formação de professores(as), possibilitam a tomada de consciência sobre as representações e possíveis diretivas de transformação.

Ainda, com base na questão apresentada, solicitamos que as acadêmicas justificassem as expressões que mais ouviam acerca do trabalho docente, indicando como as entendiam e o que pensavam a respeito delas. As respostas revelam um posicionamento importante para a ressignificação das representações sobre ser professor(a) de crianças:

São frases preconceituosas (Acadêmica P).

Acham que apenas o cuidado em sala de aula basta, não entendem que tudo tem uma intencionalidade (Acadêmica P).

Acredito também que seja uma questão cultural, pois desde que surgiu a educação infantil o pensamento geral das pessoas leigas seria cuidado com as crianças (Acadêmica P).

São frases que desvalorizam totalmente o trabalho do professor (Acadêmica R).

Extrema falta de respeito com a profissão (Acadêmica R).

Enxergam o profissional da Educação Infantil como uma pessoa que está ali só porque gosta (Acadêmica R).

Como se fosse um ato de ‘caridade’ (Acadêmica R).

É um trabalho que exige muita dedicação e esforço assim como os outros (Acadêmica R).

Essas frases somente mostram o total desconhecimento da importância da Educação Infantil, pois ela é a base para que as crianças iniciem a sua vida de formação (Acadêmica T).

As respostas trazem um movimento muito importante que revela um reconhecimento sobre as representações elaboradas historicamente, em contraponto aos conhecimentos que elas passam a ter em relação à educação da criança pequena, e ao importante papel desempenhado pelas professoras e pela instituição de Educação Infantil. A consciência de que as frases são preconceituosas, e de que quem as dirige não conhece a profissão docente na Educação Infantil, demonstra um deslocamento em relação às representações sociais sobre a docência com crianças. As acadêmicas reconhecem essas expressões na relação com os fatores históricos - a desvalorização profissional, o preconceito, a caridade, a falta de respeito - que acabam por incidir no lugar social que esses(as) profissionais ocupam.

Por outro lado, reforçam o quanto a profissão é exigente - ter intencionalidade, dedicação, esforço, conhecimentos - e a sua importância para a formação das crianças. Identificamos que nestas reflexões residem elementos de resistência e de autovalorização das acadêmicas, no que se refere à constituição de uma identidade docente.

No entanto, entendemos que, para além do reconhecimento, a necessidade de uma política pública de valorização da formação e do trabalho docente é urgente, para que esta etapa da educação, assim como os(as) profissionais que dela fazem parte, alcancem o prestígio social, como em outras profissões.

Considerações finais

O estudo aqui exposto teve como objetivo apresentar as representações sociais sobre a identidade docente de professoras de Educação Infantil, presentes nos discursos de acadêmicas do curso de Pedagogia. A discussão foi promovida na disciplina de Estágio Curricular para a Docência na Educação Infantil, como parte das reflexões teórico-práticas desenvolvidas na relação com as instituições de Educação Infantil.

O estudo foi orientado por duas questões intrinsecamente relacionadas, uma sobre como se constitui a identidade docente de professores(as) de Educação Infantil, e outra referente às representações socias que estão ancoradas no processo de se constituir professor(a) de Educação Infantil. Entendemos que a escolha da profissão docente, assim como a identificação com a docência com crianças pequenas, é permeada por imagens e construções sociais que perpassam o papel que vai sendo definido ao longo do curso e na vida dos(as) profissionais. O uso do questionário e a discussão de um vídeo sobre a identidade de professores(as) da Educação Infantil foram oportunidades de nos aproximarmos das acadêmicas e desvelarmos, com elas, os elementos que nos fazem ter uma relação de proximidade ou de aversão ao trabalho na primeira etapa da educação básica.

Os resultados apontaram que, mesmo que haja uma identificação sobre a importância do papel desempenhado por professores(as) da Educação Infantil, reconhecidamente valorizado no âmbito teórico, socialmente e mesmo dentro desse campo, a profissão docente com crianças pequenas é menos valorizada, em comparação com outras etapas da educação básica, bem como se comparada a outras profissões. Essas percepções acabam por incidir nas escolhas profissionais e nos processos de constituição da identidade docente no âmbito da formação inicial.

No entanto, a partir do levantamento das representações das acadêmicas, indicamos alguns indícios de articulação da formação de professores(as) e o ECS na compreensão dos conhecimentos sobre ser professora de criança pequena e a identidade docente, uma vez que todo processo de mudança ou intervenção supõe os conhecimentos das representações. Portanto, as representações apontadas remetem tanto ao cotidiano social, bem como à trajetória de formação das participantes, o que se configura como um processo contínuo de atualização e mudança de suas representações.

O estudo aponta, ainda, a necessidade de novas pesquisas que abordem a relação entre as representações sociais e a constituição da identidade docente de professores(as) da Educação Infantil. Indagações sobre os impactos das representações na escolha da profissão e ingresso nos cursos de Pedagogia, assim como a relação entre o entendimento sobre ser professora de crianças nas práticas de professoras iniciantes na docência da Educação Infantil, podem trazer elementos muito importantes para o campo e para a formação de professores(as).

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1Devido ao fato de o Estágio Curricular Supervisionado ser organizado pelo acompanhamento semidireto, as turmas se compõem de grupos pequenos de acadêmicas(os) de modo a favorecer uma relação próxima entre o professor orientador e os acadêmicos.

Recebido: 17 de Março de 2022; Aceito: 06 de Janeiro de 2023

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