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Revista Diálogo Educacional

versão impressa ISSN 1518-3483versão On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.23 no.77 Curitiba abr./jun 2023  Epub 15-Ago-2023

https://doi.org/10.7213/1981-416x.23.077.ds08 

Dossiê

Escolarização aberta: dificuldades e aprendizados na produção de objetos de aprendizagem1

Open schooling: challenges and learnings in the production of learning objects

Escolarización abierta: dificultades y aprendizaje en la producción de objetos de aprendizaje

Juliana Maria Sampaio Furlani[a] 
http://orcid.org/0000-0001-6262-8942

Cláudia Eliane da Matta[b] 
http://orcid.org/0000-0002-8939-3597

Matheus Custódio da Costa[c] 
http://orcid.org/0000-0002-2737-8535

[a]Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI), Instituto de Física e Química. Itajubá, MG, Brasil, e-mail: jufurlani@unifei.edu.br

[b]Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI), Instituto de Sistemas Elétricos e Energia. Itajubá, MG, Brasil, e-mail: claudia.matta@unifei.edu.br

[c]Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI), Instituto de Física e Química. Itajubá, MG, Brasil, e-mail: matheuscustodiocosta@unifei.edu.br


Resumo

Realizou-se uma pesquisa em materiais didáticos produzidos por docentes em formação continuada, em um curso a distância ofertado na plataforma Moodle, em 2021, como parte das ações de um projeto de extensão universitária. Os materiais didáticos produzidos foram objetos de aprendizagem (OA) com o objetivo de serem recursos educacionais abertos (REA). Fez-se um recorte para os trabalhos da área das ciências da natureza. O objetivo deste artigo foi verificar e compreender, por meio dos objetos de aprendizagem produzidos pelos professores que realizaram o curso Ferramentas Colaborativas, quais foram as propostas de uso das tecnologias digitais em sala de aula e se esses OA podem ser classificados como REA. Para isso, foi utilizada uma ferramenta analítica para verificação dos REA. A pesquisa é qualitativa e descritiva. Os resultados apresentados são avaliações a priori, pois não foram estudadas as situações de aplicação em sala de aula. Ressalta-se que os trabalhos tiveram avaliação positiva nos aspectos didático-pedagógicos, porém os OA analisados não podem ser considerados REA, em especial porque não foram publicados e não continham licença de uso. Dessa forma, concluiu-se que o curso ofertado está contribuindo para a superação do problema da lacuna teoria-prática nos cursos de formação de continuada de professores. Contudo, enfrentou dificuldades para a produção de recursos educacionais abertos. Os caminhos para o estabelecimento de uma educação aberta ainda precisam ser mais bem trilhados.

Palavras-chave: Educação a distância; Moodle; Formação de professores; Recursos educacionais abertos; Escolarização aberta

Abstract

A survey was carried out on teaching materials produced by teachers in continuing education, in a distance course offered on the Moodle platform, in 2021, as part of the actions of a university extension project. The teaching materials produced were learning objects (LO) with the aim of being open educational resources (OER). A cut was made for works in the field of natural sciences. The objective of this article was to verify and understand, through the learning objects produced by the teachers who took the Collaborative Tools course, what were the proposals for the use of digital technologies in the classroom and whether these LOs can be classified as OER. For this, an analytical tool was used to verify the OER. The research is qualitative and descriptive. The results presented are a priori evaluations, as application situations in the classroom were not studied. It is noteworthy that the works had a positive evaluation in the didactic-pedagogical aspects, however the analyzed LOs cannot be considered OER, especially because they were not published and did not contain a license for use. Thus, it was concluded that the course offered is contributing to overcoming the problem of the theory-practice gap in teacher continuing education courses. However, it faced difficulties in producing open educational resources. The paths for the establishment of an open education still need to be better trodden.

Keywords: Distance education; Moodle; Teacher training; Open educational resources; Open schooling

Resumen

Se realizó una encuesta sobre materiales didácticos producidos por docentes en formación continua, en un curso a distancia ofrecido en la plataforma Moodle, en el año 2021, como parte de las acciones de un proyecto de extensión universitaria. Los materiales didácticos producidos fueron objetos de aprendizaje (OA) con el objetivo de ser recursos educativos abiertos (REA). Se hizo un corte para trabajos en el campo de las ciencias naturales. El objetivo de este artículo fue verificar y comprender, a través de los objetos de aprendizaje producidos por los docentes que tomaron el curso Herramientas Colaborativas, cuáles fueron las propuestas para el uso de las tecnologías digitales en el aula y si estos OA pueden clasificarse como REA. Para ello, se utilizó una herramienta analítica para verificar la REA. La investigación es cualitativa y descriptiva. Los resultados presentados son valoraciones a priori, ya que no se estudiaron situaciones de aplicación en el aula. Cabe destacar que los trabajos tuvieron una evaluación positiva en los aspectos didáctico-pedagógicos, sin embargo los OA analizados no pueden ser considerados REA, sobre todo porque no fueron publicados y no contenían licencia de uso. Así, se concluyó que el curso ofrecido está contribuyendo a superar el problema de la brecha teoría-práctica en los cursos de formación continua de los profesores. Sin embargo, enfrentó dificultades para producir recursos educativos abiertos. Los caminos para el establecimiento de una educación abierta aún necesitan ser mejor transitados.

Palabras clave: Educación a distancia; Moodle; Formación de profesores; Recursos educativos abiertos; Educación abierta

É difícil pensar na possibilidade de educar fora de uma situação concreta e de uma realidade definida. A profissão de professor precisa combinar sistematicamente elementos teóricos com situações práticas reais. Por essa razão, ao se pensar um currículo de formação, a ênfase na prática como atividade formadora aparece, à primeira vista, como exercício formativo para o futuro professor. Entretanto, em termos mais amplos, é um dos aspectos centrais na formação do professor, em razão do que traz consequências decisivas para a formação profissional.

José Carlos Libâneo e Selma Garrido Pimenta2

Introdução

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) foram publicados no ano de 2015 pela Organização das Nações Unidas (ONU), constituindo-se em um “apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade” (ONU, 2022, p. s/n). São 17 objetivos e 169 metas, em um documento denominado “Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” ou simplesmente Agenda 2030 (ONU, 2015). Desses, o ODS 4 visa a assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos. Em especial, este artigo traz resultados de um projeto de extensão universitária de formação continuada de professores e professoras da educação básica, para o uso das tecnologias digitais da informação e comunicação (TDIC) e, portanto, que vem contribuindo para a meta 4c do ODS, a saber:

Até 2030, substancialmente aumentar o contingente de professores qualificados, inclusive por meio da cooperação internacional para a formação de professores, nos países em desenvolvimento, especialmente os países menos desenvolvidos e pequenos Estados insulares em desenvolvimento (ONU, 2015, p. 24).

Esse projeto de extensão denominou-se Tecnologias Emergentes a Serviço da Aprendizagem até 2019 e, de 2020 em diante, é denominado como Tecnologias Emergentes (TE). É desenvolvido em uma universidade pública federal e tem como objetivo articular as três esferas de atuação que são voltadas para professores da educação básica: a formação continuada dos profissionais já atuantes, a formação inicial dos licenciandos na universidade e a pesquisa sobre o uso das TDIC pelos professores em formação, tanto na inicial quanto na continuada. A principal ação do projeto é a oferta de cursos a distância por meio da plataforma Moodle. Essa é uma plataforma do tipo Learning Management System (LMS) de código aberto, que pode ser personalizada pelos usuários do sistema. Ela é gerenciada pelo setor de tecnologia da informação da universidade e conta com atualizações permanentes, permitindo o uso de diversos plug-ins, o que aumenta as possibilidades de personalização e a variedade nas formas de oferta dos conteúdos e das atividades para os discentes.

Do ponto de vista pedagógico, tendo em vista a concepção de que a profissão docente traz uma complexidade de problemas aos professores e professoras, os cursos do projeto de extensão buscam superar o paradigma da racionalidade técnica (SCHON, 2000), para o qual o professor ou professora precisa saber definir claramente o problema de trabalho e selecionar os meios técnicos para solucioná-lo, utilizando a teoria e a técnica que forem mais adequadas. Assim, para além dessa forma linear de conceber a profissão de professor, vê-se que a este profissional cabe tomar decisões, gerir conflitos e implementar mudanças, não previamente descritas por técnicas específicas. Por esse motivo, o projeto Tecnologias Emergentes proporciona, aos professores e professoras, uma formação que priorize a construção de sua autonomia.

Para atingir esse objetivo educacional na formação docente, o modelo Technological Pedagogical Content Knowledge (TPACK) ou Conhecimento Tecnológico e Pedagógico do Conteúdo constituiu-se como o referencial para a organização das ações didáticas (KOEHLER; MISHRA, 2005). O público-alvo do projeto abrange profissionais da educação básica de todas as áreas do conhecimento; isso resulta que a ênfase dos cursos está na intersecção entre os conhecimentos pedagógicos e os tecnológicos, que visam ao uso pedagógico da tecnologia, visto que as interseções com os conteúdos serão realizadas pelas(os) professoras(es) ao aplicar as estratégias estudadas aos seus respectivos conteúdos disciplinares.

Após um curso piloto em 2015, o projeto iniciou-se no ano de 2016 e certificou, até o final de 2021, um total de 548 profissionais da educação básica, em sua maioria professoras e professores.

A proposta do projeto, que além dos cursos, contou em 2021 com um grupo de estudos que consistiu em ler, refletir, aprofundar e aplicar conceitos relacionados ao uso das TDIC em sala de aula. Nos últimos dois anos da oferta (2020 e 2021), deu-se ênfase às estratégias pedagógicas para utilização de recursos educacionais abertos (REA). Para isso, metodologicamente, foram desenvolvidas diversas estratégias de ensino e utilizados diversos recursos tecnológicos, sempre escolhidos em função dos objetivos educacionais e do estímulo ao trabalho colaborativo. Para mais informações sobre o projeto, há artigos anteriores com esse assunto (MATTA; FURLANI, 2020a; MATTA; FURLANI; MORAIS, 2020; MATTA; FURLANI, 2020b; MATTA; FURLANI; SANTOS, 2019 e MATTA; FURLANI; OLIVEIRA, 2016).

Este artigo tem como objetivo verificar e compreender, por meio dos objetos de aprendizagem produzidos pelos professores e professoras que realizaram o curso Ferramentas Colaborativas, quais foram os objetos de aprendizagem (OA) desenvolvidos e se esses OA podem ser classificados como REA. Assim, foram analisadas as atividades, realizadas em duplas, referentes à elaboração de objetos de aprendizagem pelos cursistas do ano de 2021.

Na próxima seção, serão apresentados os referenciais teóricos. Em seguida, são apresentadas as seções com a metodologia, os resultados e as discussões, finalizando com a conclusão e as referências.

Referenciais teóricos

Para a apresentação dos resultados desta pesquisa, é fundamental entender o movimento que busca a escolarização aberta e sua importância para a qualidade do aprendizado dos estudantes. Em especial, este artigo se volta para a área das ciências da natureza. Como o objeto de estudo são os objetos de aprendizagem produzidos por docentes que participaram de uma formação continuada para uso das TDIC em sala de aula, discutiremos o conceito de recurso educacional aberto para, na análise dos resultados, compreender os limites e avanços dos OA produzidos. Será também apresentado o referencial utilizado nas análises dos objetos de aprendizagem produzidos pelos cursistas em trabalho colaborativo, conforme solicitado no curso de formação.

Escolarização aberta e educação em ciências

Segundo o relatório Science Education for Responsible Citizenship (EC, 2015), o movimento em busca de uma escolarização aberta tem sua origem nos esforços da comunidade europeia para o desenvolvimento de cidadãos responsáveis com o planeta. Essa busca passa por pensar um ensino, e no caso mais específico, o ensino de ciências, a partir de ações colaborativas entre as escolas e outras instituições, como universidades e centros de pesquisa. Do ponto de vista da sala de aula de ciências, seria a busca de uma escola que interage/dialoga com o cenário externo, a sociedade real, e busca envolver seus professores e estudantes com problemas e suas soluções a partir dessa interação/diálogo.

No caso do Brasil, a interação da escola básica com outras instituições tem sido fomentada também por algumas políticas públicas, como por exemplo o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) e, também, por ações extensionistas de instituições de ensino superior, sejam públicas ou privadas, que agora precisam destinar no mínimo 10% da carga horária dos cursos superiores para a participação discente em projetos de extensão (BRASIL, 2018).

A educação em ciências é uma preocupação crescente em diversos países, pois é preciso envolver os jovens com o conhecimento científico, promover o interesse por carreiras nessa área. Isso é fundamental, para o século XXI, em uma sociedade mundial cada vez mais conectada e digital, porém com crescentes problemas ambientais, escassez de recursos naturais e desigualdades sociais.

Ostermann e Rezende (2020, p. 39) chamam a atenção que:

O discurso hermético e de autoridade da ciência dificulta sua apropriação ao não construir laços estéticos e afetivos com os jovens, levando muitos deles a buscarem outros caminhos para aplacarem ansiedades presentes na vida social. Assim, discursos anticientíficos, apropriados sem a discussão sobre dinâmicas políticas que eles representam, vêm se espalhando e essa situação se agrava no Brasil, quando um governo de extrema direita, como o atual3, promove irresponsavelmente a divulgação de ideias anticientíficas para atrair novos seguidores. Ao fazerem parte do caldeirão cultural, tais fluxos discursivos acabam por representar mais uma cultura em disputa na escola.

Para a promoção de uma educação em ciências com objetivos como os descritos e na tentativa de criar “laços estéticos e afetivos com os jovens” (OSTERMANN; REZENDE, 2020), Okada sugere uma abordagem na qual os estudantes possam engajar com a ciência de forma mais divertida.

A cooperação com atores distintos exige que os alunos adquiram linguagem conceitual, habilidades de raciocínio e abordagens participativas divertidas que os ajudarão a interagir com especialistas e comunidades da sociedade civil e aprender de maneira mais significativa e agradável (OKADA, 2020, p. 3).

Avanços no campo educacional precisam ser acompanhados por processos de formação de professores e esta pesquisa vem a contribuir nesse aspecto.

Recursos educacionais abertos

Para fundamentar a discussão sobre os recursos educacionais abertos (REA), consideramos trazer a definição que foi publicada pela UNESCO, assim como autores importantes no cenário nacional da pesquisa sobre esse tema também optaram por essa definição (SANTANA; ROSSINI; PRETTO, 2013; FURTADO; AMIEL, 2019).

Em sua essência, REA denota um conceito muito simples, cuja natureza é primeiro legal, mas depois amplamente econômica: descreve recursos educacionais que estão disponíveis abertamente para uso de educadores e alunos, sem a necessidade de pagar royalties ou taxas de licença. Um amplo espectro de estruturas está surgindo para governar como os REA são licenciados para uso; algumas licenças permitem apenas a cópia, enquanto outras permitem que os usuários adaptem os recursos que usam (COL/UNESCO, 2011, p. 24).

No contexto atual, no qual as discussões sobre os recursos educacionais abertos já ocorrem há cerca de duas décadas, não se objetiva, neste texto, ser exaustivo no tema, mas demarcar entendimentos que foram utilizados na concepção dos cursos e discutidos com os professores em formação continuada.

Santos (2013) nos aponta duas iniciativas que marcaram o desenvolvimento do movimento do REA: a fundação da Creative Commons (CC) e o consórcio Open Course Ware.

A Creative Commons é uma organização global sem fins lucrativos que permite o compartilhamento e a reutilização da criatividade e do conhecimento por meio do fornecimento de ferramentas legais gratuitas (CC, 2023).

O OCW (Open Course Ware Consortium), um tipo de rede internacional de cursos abertos, reúne materiais oferecidos pelos professores em sala de aula, provas e todo o conteúdo que o docente usa em suas disciplinas. Iniciado pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) em abril de 2001, o projeto conta hoje com duas centenas de instituições comprometidas a divulgar ao menos dez disciplinas (FOLHA, 2009).

De acordo com Matta e Figueiredo (2013), esta foi a iniciativa pioneira do OCW para disponibilização de materiais didáticos, de forma livre e universal, que procurou utilizar as TDIC para ajudar a equalizar o acesso ao conhecimento e às oportunidades educativas em todo o mundo.

A Creative Commons, apesar de atuar em outras atividades jurídicas de apoio aos direitos autorais, é atualmente mais conhecida por suas licenças, que permitem que os autores escolham quais direitos sobre sua obra eles desejam abrir mão (CC, 2023). Elas apresentam uma estrutura em três camadas, dessa forma, aos outros usuários que façam a utilização dessa obra, só são permitidas as alterações predefinidas pelo autor original. As licenças são internacionais e estão na versão 4.0. São seis níveis de licença, desde a mais até a menos permissiva. A mais permissiva é a licença CC BY, que possibilita que um usuário distribua, remixe, adapte, altere o material e o distribua em qualquer meio, mesmo com uso comercial, desde que o autor seja citado. A menos permissiva é a licença CC BY-NC-ND, que permite o uso, mas sem qualquer alteração e sem fins comerciais, sendo obrigatório citar o autor (CC, 2023).

Wiley (2014) defende que, para que um recurso seja considerado como um recurso educacional aberto, este deve contemplar cinco características chamadas pelo autor de Os 5 R de abertura (tradução livre), são elas: Reter, Reutilizar, Revisar, Remixar e Redistribuir. Segundo o autor, Reter se refere ao direito de possuir e armazenar cópias do conteúdo (download). Reutilizar se refere ao direito de utilizar o conteúdo das diversas maneiras possíveis (referência para estudo, utilização em sala de aula, postagem em grupos da internet, etc.). Revisar se refere ao direito de adaptar, ajustar e modificar o recurso. Remixar diz respeito ao direito de combinar o recurso educacional a outros recursos com intuito de criar um novo recurso. Redistribuir se relaciona ao direito de compartilhar de forma livre o recurso, seja o original, revisado ou remixado.

Baseado nos estudos de Wiley (2014), Baggetti, Mussoi e Mallan (2017) concluem que os recursos educacionais abertos são:

materiais, técnicas ou tecnologias (softwares) que contribuem não só para o acesso e disseminação do conhecimento, mas também para o seu aprimoramento e novas construções na prática educativa em rede (BAGGETTI; MUSSOI; MALLAN, 2017, p. 188).

Henriques (2016), buscando uma forma de sistematizar a caracterização de Objetos Educacionais como REA, cria uma checklist com 28 itens para avaliação de um Objeto Digital. A ferramenta avaliativa desenvolvida pelo autor foi construída a partir da obtenção de respostas de um questionário enviado a especialistas da área. Segundo o próprio autor

Os especialistas foram escolhidos com base em trabalhos por si publicados, tendo como tema de fundo a problemática dos REA, comprovando, desta forma, que eram peritos no assunto (HENRIQUES, 2016, p. 80).

O questionário enviado aos especialistas continha 120 itens de verificação de características que poderiam ser diferenciadoras de um REA. Com base nas respostas dos especialistas, foi então elaborada a ferramenta avaliativa final, uma checklist de 28 itens para classificação de REA, divididos em cinco grandes domínios. O primeiro domínio, referente à “Identificação”, contém um item de análise. O segundo domínio, referente ao “Layout e Design”, também contém um único item de análise. O domínio “Organização didático-pedagógica” contém cinco itens e o domínio “Direitos autorais” contém dez itens de análise. Dentre eles, foi de concordância dos especialistas que, para ser considerado um REA, o objeto de estudo deve conter a licença do Tipo “Creative Commons”. O quinto e último domínio “Aspectos Tecnológicos” possui onze itens de análise. Para cada item, o avaliador deve marcar se o objeto de aprendizado possui ou não a característica e, portanto, se pode ou não ser considerado um REA.

O Quadro 1, adaptado de Henriques (2016), mostra os domínios e seus itens.

Quadro 1 Itens da ferramenta avaliativa elaborada por Henriques (2016). 

1. Domínio “Identificação”
a. Possui dados de identificação: assunto, autor(es), coautor(es), colaborador(res), instituição.
2. Domínio “Layout e Design”
a. Atende critérios de acessibilidade.
3. Domínio “Organização didático-pedagógica”
a. O conteúdo apresenta rigor científico.
b. O conteúdo está de acordo com a legislação sobre gênero, diversidade, inclusão.
c. O conteúdo está acordo com a legislação ambiental.
d. A abordagem didático-metodológica permite sua recontextualização.
e. A abordagem didático-metodológica permite sua retemporalização.
4. Domínio “Direitos autorais”
a. Possui licenciamento aberto para livre acesso, reutilização, reformulação e recompartilhamento.
b. Artigos científicos, textos retirados da internet, trechos ou capítulos de livros estão devidamente referenciados com a identificação de autores e suas respetivas fontes.
c. As imagens, tabelas e quadros utilizados estão referenciados.
d. Nas imagens, tabelas e quadros utilizados são indicadas as fontes de consulta.
e. Apresenta os créditos da equipe que participou da produção.
f. Sendo novas versões, indica o(s) autor(es) das versões anteriores.
g. Está em acordo com a legislação de normas éticas da pesquisa com seres humanos e animais.
h. É completamente gratuito.
i. O seu acesso é possível por qualquer utilizador.
j. Possui uma licença do tipo Creative Commons.
5. Domínio “Aspetos tecnológicos”
a. Permite que o utilizador o descarregue da internet.
b. Está disponível em portais públicos ou bases de dados abertas.
c. É facilmente acedido.
d. Permite ser copiado.
e. Permite ser partilhado.
f. Permite ser adaptado ou modificado.
g. Permite ser combinado com outros artefatos para criar algo novo.
h. Permite que o utilizador redistribua cópias do original ou do artefato remixado.
i. Permite fazer download imediatamente.
j. Permite ser traduzido/dobrado para outra língua.
k. Permite ser adaptado para ensino especial.

Fonte: adaptado de Henriques (2016).

Essa ferramenta foi utilizada nesta pesquisa para avaliar os objetos de aprendizagem produzidos pelos docentes cursistas.

Metodologia

Esta é uma pesquisa qualitativa e descritiva, cujo corpus analítico foram os objetos de aprendizagem produzidos por professoras e professores que participaram do segundo curso do projeto Tecnologias Emergentes, em 2021. Convém ressaltar que, no ano de 2021, o projeto ofertou dois cursos a distância: Curso I - Introdução às Tecnologias Emergentes e Curso II - Ferramentas Colaborativas.

O Curso II foi disponibilizado na plataforma Moodle e teve a duração de seis semanas. Contou com dois encontros síncronos e sete atividades práticas, sendo a maioria realizada em duplas.

Com o Curso II, a equipe proponente tinha três objetivos educacionais: (1) desenvolver atividades e implementar as produções dos cursistas, a partir de trabalho colaborativo; (2) compreender o que são os REA e elaborar um ou mais recursos e; (3) elaborar uma sequência didática para o uso de tecnologias digitais em sala de aula. Neste artigo, o enfoque está nos resultados do segundo objetivo educacional. No Curso II, foram discutidos os conceitos de REA em três situações: uma aula no Moodle, cuja parte teórica continha dois textos (um resumo e um artigo científico sobre REA), mais um link para a página denominada Caderno REA (http://educacaoaberta.org/cadernorea/index). Além do material no Moodle, ocorreram duas aulas síncronas sobre o tema, uma antes e a outra depois das leituras citadas.

Do ponto de vista prático, das sete atividades, duas se referiram à produção dos OA e estão mostradas no Quadro 2. São as atividades 4 e 6.

Quadro 2 Demandas das atividades de produção de recursos educacionais abertos do curso Ferramentas Colaborativas. 

Atividade Descrição dos objetivos/atividades
4 Elaborar um descritivo de um recurso educacional aberto, no qual deve-se informar o tema, dar um título, especificar o assunto que será abordado, descrever o REA, escolher três palavras-chave e indicar qual será o formato (apresentação de slides, infográfico, mapa mental, vídeo, animação, jogo).
6 Elaborar dois recursos educacionais abertos, conforme a descrição que fizeram na atividade 4.

Fonte: Autoria própria.

Para esta pesquisa, selecionaram-se para o corpus de análise apenas os trabalhos da área das ciências da natureza (Ciências biológicas, Física, Química, Ciências para o ensino fundamental e abordagens interdisciplinares).

No início do Curso II, os cursistas tiveram a possibilidade de escolher as duplas de trabalho utilizando a ferramenta apropriada no Moodle, denominada escolha de grupos. Oriundos do Curso I, os 54 cursistas aprovados foram automaticamente inscritos no Curso II, tendo, portanto, 27 duplas para escolha. Assim, a numeração que será apresentada para os grupos corresponde à identificação deles no Moodle. Após uma semana, foram formadas 23 duplas e, dessas, 19 participaram ativamente do curso e entregaram as atividades solicitadas. Serão analisados neste artigo os grupos da área das ciências da natureza, que totalizaram nove grupos (47% dos trabalhos entregues) e, por esse motivo, não há uma sequência numérica contínua para a identificação dos grupos. Além disso, desses nove grupos, foram sete os que desenvolveram os objetos de aprendizagem, sendo identificados como grupos G7, G8, G11, G14, G17, G20 e G24.

Os pesquisadores tiveram acesso à sala virtual do curso analisado e fizeram a busca pelos trabalhos produzidos em cada atividade. Esses trabalhos foram organizados em planilhas, nas quais foram realizadas descrições detalhadas dos materiais. Um dos objetivos da pesquisa foi checar se os objetos de aprendizagem produzidos pelos cursistas são REA. Assim, enquanto não apresentamos esta análise, eles são denominados como objetos de aprendizagem (OA). Nas análises dos OA, foram identificados os temas escolhidos pelas duplas, o público-alvo, o tipo de OA produzido e o contexto de aplicação de OA na sequência didática elaborada por cada grupo.

Após esta identificação, os OA foram analisados por meio da ferramenta avaliativa desenvolvida por Henriques (2016). Essa análise foi efetuada para cada OA produzido pelas duplas em trabalho colaborativo e, para cada OA, os itens da ferramenta eram checados individualmente. Ao final, fez-se uma análise global de cada item da ferramenta avaliativa, contemplando os resultados de todos os OA.

Resultados e discussão

Durante o curso, foi solicitado aos grupos que fizessem a descrição de dois REA (atividade 4) que seriam desenvolvidos posteriormente (atividade 6), ver Quadro 2. Entretanto, durante o curso alguns grupos optaram por elaborar outros OA que não foram os descritos na atividade de planejamento. Houve casos em que somente um dos OA foi entregue na atividade 6. No Quadro 3, essa situação está indicada por uma linha tracejada “---”.

Dos nove grupos que se enquadram na área de ciências da natureza, dois não entregaram as atividades referentes ao desenvolvimento do REA. O Quadro 3 mostra quais foram os objetos de aprendizagem desenvolvidos por cada grupo. Vale ressaltar que os nomes dados aos OA, assim como algumas das descrições, foram feitas pelos autores deste artigo com base nas atividades entregues, outras são descrições feitas pelos próprios integrantes do grupo e estão identificadas no Quadro 3.

Quadro 3 Objetos de aprendizagem (OA) desenvolvidos pelos grupos. 

Grupos e área do conhecimento OA Desenvolvido Área e Descrição
G7

Química
Mapa Mental “Consiste em um mapa mental construído como forma introdutória dos conceitos da química inorgânica, disponibilizado em PDF para download e em forma de vídeo construído no Powtoon.” (Descrição dos participantes).
Formulário online Esse formulário tem como objetivo relatar as observações feitas por meio da realização do experimento com o uso do indicador ácido-base natural obtido a partir do extrato do repolho roxo. O mesmo servirá como relato escrito, em complemento às atividades de experimentação e gravação do vídeo, e serão utilizados como critérios avaliativos da sequência didática sobre o tema ácidos e bases, aplicada aos alunos do 2° ano do ensino médio regular. (Descrição dos pesquisadores).
G8
Ciências biológicas
Jogo online “Criação de um jogo de perseguição no labirinto (formato PAC MAN) onde os estudantes devem responder a situações problemas relacionados à questão socioambiental encontrando a resposta correta dentro de um labirinto ao mesmo tempo em que são perseguidos por fantasmas. O Jogo também pode ser adaptado para um questionário de imagem onde os alunos precisam encontrar as respostas para situações problemas antes que a imagem referente ao problema seja totalmente desvendada.” (Descrição dos participantes).
Padlet (OA3) “Um Padlet com a imagem e a descrição dos problemas socioambientais em cada região do mapa. Os alunos clicam em um ponto selecionado no mapa para ver um problema socioambiental e a imagem desse problema “. (Descrição dos participantes).
G11
Física
Slides óptica geométrica Slides para introduzir o tema de formação de imagens por espelhos. Contém textos no formato de tópicos e um vídeo mostrando a formação de imagem num espelho convexo. (Descrição dos pesquisadores).
Infográfico com fórmulas Infográfico que mostra as fórmulas matemáticas utilizadas para compreender os fenômenos de óptica geométrica. (Descrição dos pesquisadores).
G14
Física
Slides Principais Componentes das Centrais Hidrelétricas Slides mostrando e detalhando os principais componentes das centrais hidrelétricas. Os slides contém diversas imagens e textos, que pretendem conduzir o leitor para um entendimento do tema. (Descrição dos participantes).
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G17
Ciências biológicas
Mapa mental: Sistemas do Corpo Humano “Mapa mental com todos os sistemas do corpo humano para revisão rápida”. (Descrição dos participantes).
Questionário: Sistemas do Corpo Humano Questionário feito no aplicativo Socrative, contendo questões de diversas universidades do País. Todas as questões são objetivas. (Descrição dos pesquisadores).
G20
Física
Slides: 1ª Lei da Termodinâmica “Apresentação disponibilizada online, através da ferramenta Google Apresentações, que trata da 1ª lei da termodinâmica, contextualizando e exemplificando as transformações gasosas que ocorrem nesta Lei, com a aplicação do princípio da conservação de energia. Apresenta exercícios resolvidos e algumas propostas para alunos resolverem. “(Descrição dos participantes).
Avaliação Online: 1ª Lei da termodinâmica Avaliação online, abordando os princípios da conservação de energia (1ª lei da termodinâmica) feita no Google Formulários. (Descrição dos pesquisadores).
G24
Ciências na educação infantil
Jogo online O jogo consiste na classificação de diversas fotos de animais. Os jogadores devem separar os animais em dois blocos “selvagem” ou “doméstico”. (Descrição dos pesquisadores).
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Fonte: Autoria própria.

O grupo G7 produziu dois OA que procuraram tornar a linguagem química mais próxima do universo dos estudantes. Em ambos OA, utilizaram imagens vibrantes que tornaram o recurso agradável de usar. No caso do vídeo, as professoras utilizaram uma combinação de imagens, animação e áudio, narrado pelas professoras. No vídeo, uma personagem vai escrevendo e representando o mapa mental, com o intuito de recordar o conteúdo conceitual. Segundo Corrêa e Coscarelli (2018), o uso de vários modos de comunicação, ou seja, a multimodalidade, confere mais possibilidades de interação e interpretação do leitor, entendendo essa leitura não apenas como a escrita, mas todos os aspectos comunicativos. O segundo OA do G7 foi um formulário online, feito utilizando-se o Google Formulários. Esse formulário seria utilizado pelos estudantes após uma atividade experimental.

O grupo G8 partiu do tema “Impactos socioambientais e desenvolvimento sustentável em minha comunidade” e elaborou um jogo online no aplicativo Wordwall, no qual são colocadas perguntas sobre lixo, água, etc. e as decisões/respostas do jogador, se corretas, o ajudam a escapar dos inimigos. Assim, os estudantes brincam enquanto tomam as decisões sobre problemas socioambientais. Em momento de diversão, segundo Okada (2020), mobiliza-se a motivação intrínseca para a atividade, gerando envolvimento e aprendizagem ao superar desafios. Segundo os professores que elaboraram o objeto de aprendizagem, “O jogo ‘Wordwall - Problemas ambientais’ objetiva revisar e fixar de forma divertida conceitos sobre a problemática socioambiental contribuindo para sua nomeação e caracterização”. O outro OA é um mural digital, no aplicativo Padlet, com um mapa-múndi, no qual são marcados pontos no mapa que, ao clicar, abrem uma imagem com o problema climático mais grave de determinada região. Aqui também vemos a combinação de vários elementos de linguagem para facilitar a aprendizagem, conectando os problemas ambientais e o conhecimento geográfico de algumas regiões do mundo.

O grupo G11 elaborou dois OA um pouco mais conservadores, mas deram um toque divertido ao fazer um vídeo utilizando um espelho côncavo. Ao aproximar a imagem de um bonequinho do personagem Flecha (posição normal, de cabeça pra cima), mas devido ao espelho côncavo, ele aparece invertido na imagem até que, em certa distância, a imagem se reverte e reflete o Flecha na posição normal. Os slides foram preparados com os esquemas óticos para explicar o comportamento. É muito importante, para a compreensão de esquemas, que o estudante consiga associar o fenômeno real ao modelo representado (MARTINAND, 1992; ORANGE, 2007; MACHADO; BIAGIOLI; LOZI, 2017).

O grupo G14 produziu apenas um OA, mostrando com textos e imagens as partes de uma central hidrelétrica. Ao final, há algumas questões para a condução de atividades com os estudantes. É um OA bastante tradicional, não explorou nenhuma tecnologia digital em especial e não incorporou elementos da área de pesquisa em ensino de ciências. No material, não há nenhuma referência, nem para as imagens, nem para os textos.

O G17 elaborou um extenso mapa mental utilizando o aplicativo MindMeister e, segundo a dupla, o objetivo é fornecer aos estudantes um guia para uma rápida revisão dos conceitos sobre todos os sistemas do corpo humano. O segundo OA foi um questionário elaborado no Socrative, para ser utilizado neste aplicativo com os estudantes. O Socrative é um aplicativo que pode ser utilizado no computador e nos smartphones, que possibilita a elaboração de questionários e outras atividades para uso durante a aula, com a finalidade de proporcionar engajamento dos estudantes nas atividades propostas. Pode-se notar que, do ponto de vista do ensino de ciências, não ocorreu grandes alterações com o uso de recursos digitais no primeiro caso. Já no segundo, utilizar em sala de aula um aplicativo de perguntas atrai a atenção dos estudantes, que podem resolver e discutir as questões em conjunto. Porém, do ponto de vista do desenvolvimento dos professores, o uso dessas tecnologias traz avanços em relação a, por exemplo, um resumo sem cores, sem possiblidade de transitar facilmente entre os conceitos, como o mapa mental possibilita.

O grupo G20 elaborou uma apresentação de slides com animações e simulações, para que o estudante possa utilizar, não é um material para que os professores usem em uma aula expositiva. É bastante detalhado e tem referência de todas as imagens e animações. Os simuladores foram construídos pelos próprios professores. Ao final, há exercícios/problemas para que os estudantes possam checar seu entendimento. No segundo OA, os professores optaram por uma avaliação utilizando o Google Formulários. Nessas produções, em especial o primeiro OA, pode-se perceber que houve uma grande apropriação para o uso de recursos digitais para a aprendizagem, requerendo um esforço dos professores que produziram. A literatura na área de educação tem discutido esse aspecto do trabalho do professor, ou seja, o professor-autor, produtor de materiais didáticos. Neste caso, faz-se referência “aos materiais de público específico (materiais didáticos situados ou específicos) são influenciados mais objetivamente por fatores de natureza interna, tais como estilo e preferências do autor, contexto de aplicação, características dos alunos” (VILAÇA, 2012, p. 54).

Por último, o grupo G24 elaborou um jogo online para que as crianças possam diferenciar os animais domésticos dos animais selvagens. Assim como o G8, elas utilizaram o aplicativo Wordwall. Nesse caso, chama a atenção o público-alvo, crianças que ainda estão na educação infantil. Segundo Belloni e Gomes (2008),

O desafio da escola é o de potencializar as virtudes técnicas das TIC, colocando-as a serviço de aprendizagens significativas e não convencionais, mais adequadas às culturas jovens e infantis. O que oferecem os videogames e a internet que a escola não oferece? Como podemos aprender com os aprendentes? Tais são as questões que devem orientar nossa reflexão na pesquisa e na formação de professores (BELLONI; GOMES, 2008, p. 742).

Em seguida, os trabalhos desenvolvidos pelos professores foram submetidos à avaliação. Utilizando a ferramenta avaliativa criada por Henriques (2016) e a aplicando em todos os OA desenvolvidos pelos participantes, constatou-se que nenhum dos trabalhos pode ser considerado um REA. Dos doze trabalhos desenvolvidos, todos falharam em pelo menos seis dos requisitos selecionados pelo autor da ferramenta avaliativa, presentes em três domínios.

No domínio “Layout e design”, nenhum dos OA apresenta o requisito 2.a “Atende critérios de acessibilidade”, ou seja, eles não têm recursos de acessibilidade para pessoas com deficiência. Esse resultado era esperado, pois nas atividades 4 e 6 do curso II, essa demanda não foi feita aos cursistas.

No domínio “Direitos autorais”, três requisitos não foram encontrados nos OA em estudo: 4.a “Possui licenciamento aberto para livre acesso, reutilização, reformulação e recompartilhamento”; 4.i “O seu acesso é possível por qualquer utilizador” e 4.j “Possui uma licença do tipo Creative Commons”. A falta de cumprimento desses itens, além de falhar na avaliação, ainda não satisfaz a definição de REA (FURTADO; AMIEL, 2019). Porém, no caso do item 4.i, essa demanda não foi colocada na atividade. Em outras palavras, por serem atividades dentro de um curso, elas foram entregues dentro do ambiente virtual de aprendizagem do Moodle. Esta é uma importante questão a ser colocada para a reestruturação do Curso II do projeto de extensão. Por outro lado, a falta de qualquer tipo de licença que permita compartilhamento e reuso dos OA desenvolvidos não era esperada, devido à exigência dessa característica nas especificações da tarefa registrada para os participantes.

Por último, no domínio “Aspectos tecnológicos”, os requisitos não encontrados foram o requisito 5.b “Está disponível em portais públicos ou bases de dados abertas” e o 5.c “É facilmente acedido”. Novamente, como não foi solicitado no Curso II, esses são aspectos que precisam ser alterados pelos formadores de professores, quando propõem em curso que solicita aos professores-autores a criação de um REA.

Para os itens do domínio “Organização didático-pedagógica”, todos os OA apresentaram esses requisitos. Isso nos permite inferir que o conhecimento dos professores e professoras em relação à dimensão pedagógica da prática docente está bem demonstrada em suas produções.

Continuando a análise, os próximos requisitos que serão comentados tiveram resultados distintos nos diversos OA. No domínio “Direitos autorais”, o requisito 4.b, “Artigos científicos, textos retirados da internet, trechos ou capítulos de livros estão devidamente referenciados com a identificação de autores e suas respectivas fontes”, não se aplica a nove dos doze OA, por não apresentarem esse tipo de conteúdo. Para os três que utilizaram textos como os citados, um deles o fez sem qualquer referência e dois citaram corretamente as fontes. Os requisitos 4.c e 4.d se referem às imagens. Cinco OA não apresentam imagens e, dos sete que as apresentam, apenas dois fizeram as referências às autorias e fontes das imagens utilizadas. Todos apresentam os créditos à equipe (4.e) e são completamente gratuitos (4.h). Já os itens 4.f e 4.g não se aplicam aos OA analisados: no primeiro caso, porque todos estão na primeira versão e, no segundo caso, porque eles não são resultados de pesquisas.

O quinto e último domínio é relativo aos “Aspectos tecnológicos”. Apesar de não estarem disponíveis em portais públicos ou bases de dados abertas (4.b) e, portanto, não serem de fácil acesso (5.c), analisando-se a tecnologia envolvida na produção dos OA, todos os recursos elaborados atendem aos demais requisitos, pois podem ser descarregados da internet (5.a), ou seja, permitem o download. Feito isso, os demais itens, de 5.d a 5.k, podem ser executados por um usuário qualquer. Portanto, caso sejam resolvidos os problemas das licenças e referências, acima verificados e descritos, a tecnologia utilizada pelos professores e professoras não impede essas alterações.

Considerações finais

As discussões acerca dos recursos educacionais abertos são antigas na academia e em âmbito internacional. Porém, no âmbito educacional, no “piso” da sala de aula, essa noção ainda é incipiente e demandará esforço de formação docente para que seja estabelecida como uma prática corrente. Os professores e professoras da educação básica produzem muito material didático, em um esforço individual, na maioria das vezes.

As atividades colaborativas realizadas nos cursos do projeto Tecnologias Emergentes têm sido um desafio para os docentes, ainda mais no contexto do uso das TDIC. Esse esforço docente, porém, tem seu valor quando nas unidades escolares esses professores em formação retornam com novas ideias e novas práticas.

Assim, apesar de terem sido bem elaborados do ponto de vista da produção de objetos de aprendizagem, as produções não cuidaram de requisitos mínimos necessários para serem consideradas REA, do ponto de vista das licenças e referências e, do ponto de vista da proposta do Curso II, os formadores não cuidaram da etapa final, ou seja, possibilitar que esses OA fossem disponibilizados em portais públicos ou bases de dados abertas.

Não consideramos que os problemas relatados sejam aspectos negativos em si, mas sim que representam uma contribuição e um alerta importantes para o aprendizado tanto dos professores e professoras em formação, quanto dos(as) docentes universitários(as) que atuam na formação inicial e continuada de professores.

Para além da qualidade na educação, precisamos cada vez mais trilhar os caminhos para uma educação aberta, que possa ser congruente com os objetivos da Agenda 2030.

Referências

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1A pesquisa foi realizada com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).

2LIBÂNEO, J. C.; PIMENTA, S. G. Formação de profissionais da educação: visão crítica e perspectiva de mudança. Educação & Sociedade, v. 20, n. 68, p. 239-277. dez. 1999.

3O período citado corresponde ao Governo Federal do Brasil entre os anos de 2019 a 2022.

Recebido: 31 de Janeiro de 2023; Aceito: 10 de Abril de 2023

[a]

Doutora em Ciências, e-mail: jufurlani@unifei.edu.br

[b]

Doutora em Engenharia de Produção, e-mail: claudia.matta@unifei.edu.br

[c]

Licenciado em Física, e-mail: matheuscustodiocosta@unifei.edu.br

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