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Revista Diálogo Educacional

versão impressa ISSN 1518-3483versão On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.23 no.78 Curitiba  2023  Epub 04-Out-2023

https://doi.org/10.7213/1981-416x.23.078.ds03 

Dossiê

Pressupostos epistemológicos da complexidade: subsídios da formação de professores da educação básica

Epistemological assumptions of complexity: subsidies for the training of basic education teachers

Supuestos epistemológicos de la complejidad: subsidios para la formación de profesores de educación primaria

1Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), Tunápolis, SC, Brasil

2Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), Joaçaba, SC, Brasil

3Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR), Londrina, PR, Brasil


Resumo

As ciências da educação, ao persistirem optando por percursos metodológicos e pedagógicos tradicionais, firmam a lógica presente nos paradigmas de ordem mecanicista, por isso acabam por criar condições para uma anestesia das relações sistêmicas e de conexões planetárias. Ao executar o conhecimento dessa forma, passam a agir de maneira disruptiva e simplificadora. Assim sendo, este artigo, compreendido como estudo teórico qualitativo e bibliográfico, tem como objetivo compreender os subsídios epistêmicos do paradigma da complexidade capazes de assegurarem uma formação de professores da educação básica compromissados com uma formação humanizadora, sistêmica e planetária. Está-se envolto em paradigmas que afastam os indivíduos de uma educação cônscia de que tudo está interconectado de forma sistêmica e que suas ações estão ligadas em redes de interdependência mundial. Por isso, sonha-se uma educação como trama de enredamentos e conexões abertas no qual tudo o que se pensa e se faz seja no esteio de uma ética e (co)responsabilidade planetária. Uma possibilidade para criar sensibilidades para reconhecer, em cada ser humano, sua singularidade, sua identidade e legitimidade em todo e qualquer domínio existencial e nicho ecológico vital em âmbito planetário.

Palavras-chave: Complexidade; Educação básica; Formação de professores.

Abstract

Educational sciences, by persisting in opting for traditional methodological and pedagogical paths, establish the logic present in mechanistic paradigms, and therefore they end up creating conditions for an anesthesia of systemic relations and planetary connections. By executing knowledge in this way, they begin to act in a disruptive and simplifying way. Therefore, this article, understood as a qualitative and bibliographic theoretical study, aims to understand the epistemic subsidies of the complexity paradigm capable of ensuring the training of basic education teachers committed to a humanizing, systemic and planetary formation. One is involved in paradigms that distance individuals from a conscious education that everything is interconnected in a systemic way and that their actions are linked in networks of global interdependence. For this reason, education is dreamed of as a web of entanglements and open connections in which everything that is thought and done is based on ethics and planetary (co)responsibility. A possibility to create sensibilities to recognize, in each human being, their uniqueness, their identity and legitimacy in each and every existential domain and vital ecological niche in the planetary scope.

Keywords: Complexity; Basic education; Teacher training.

Resumen

Las ciencias de la educación, al persistir en optar por caminos metodológicos y pedagógicos tradicionales, establecen la lógica presente en los paradigmas de orden mecanicista, por eso, terminan creando condiciones para una anestesia de relaciones sistémicas y de conexiones planetarias. Al ejecutar el conocimiento de esta forma, pasan a actuar de manera disruptiva y simplificadora. Siendo así, este artículo, entendido como un estudio teórico cualitativo y bibliográfico, tiene como objetivo comprender los subsidios epistémicos del paradigma de la complejidad capaces de asegurar la formación de docentes de educación primaria comprometidos con una formación humanizadora, sistémica y planetaria. Está envuelto en paradigmas que alejan a los individuos de una educación consciente de que todo está interconectado de manera sistémica y que sus acciones están vinculadas en redes de interdependencia global. Por eso, se sueña una educación como una red de enredos y conexiones abiertas en la que todo lo que se piensa y se hace se fundamenta en la ética y la (cor)responsabilidad planetaria. Una posibilidad de crear sensibilidades para reconocer, en cada ser humano, su singularidad, su identidad y legitimidad en todo y cualquier dominio existencial y nichos ecológicos vitales en el ámbito planetário.

Palabras clave: Complejidad; Educación primaria; Formación de profesores.

Introdução

Pensar em paradigmas para a formação de professores da educação básica brasileira é um desafio complexo, diante dos inúmeros percalços que ela tem atravessado nas últimas décadas, dessubjetivada para priorizar informações ideológicas de interesse próprio, de individualismo e competições, fidelizando com a fria lógica enaltecida pela tecnociência. Antes de tudo, não é possível apenas refletir sobre a educação por apenas um único viés epistêmico, dada as diferentes e mesmo desiguais realidades e a extensão de nosso território. Contudo, podemos, se desejarmos, considerar, em nossa reflexão, estratégias para que a educação seja ao mesmo tempo humanizadora, sistêmica e planetária. Para tanto, não é possível restringir uma formação circunscrita em sala de aula, mas que abarque interconexões conscientes e planetárias no sentido de cultivar um viver e conviver éticos, cujo olhar de coruja possibilite enxergar o não outro, aquele e aquela que é renegado ou as personas não gratas pela sociedade de tempos líquidos.

Parece paradoxal falarmos que alguns não se sentem incluídos no todo, enquanto o todo abarca a premissa de uma totalidade. Pensando no Brasil, esse paradoxo não faz muito sentido, pois, para que o todo realmente represente cada pessoa em sua singularidade, há de desejarmos e fazermos muitas mudanças e ressignificações nos sentidos dos viveres. Uma das nossas movimentações reflexivas, da qual constituímos nossa hipótese, é de que nem todos são considerados em sua singularidade e/ou legitimidade de seres humanos, nos mais diversos contextos sociais, dentre eles os espaços educativos e escolares. É fato o elevado número de estudantes que se evadem dos espaços escolares, tanto dessas instituições que segregam e excluem as conexões enredadas e simplificadoras dos processos educativos do ensino fundamental e do ensino médio, quanto no âmbito do ensino superior.

Os dados são constatados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) Educação 2019, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo o Instituto:

Apesar da proporção de pessoas de 25 anos ou mais com Ensino Médio completo ter crescido no país, passando de 45,0% em 2016 para 47,4% em 2018 e 48,8% em 2019, mais da metade (51,2% ou 69,5 milhões) dos adultos não concluíram essa etapa educacional. (IBGE, 2020, n.p.).

Há uma notória falta de políticas públicas que objetivam corrigir essa distorção. “Entre os principais motivos para a evasão escolar, os mais destacados foram a necessidade de trabalhar (39,1%) e a falta de interesse (29,2%). Entre as mulheres, destaca-se ainda gravidez (23,8%) e afazeres domésticos (11,5%)” (IBGE, 2020, n.p.), algo inconcebível em ambientes escolares públicos, cuja base se diz ancorada em uma sociedade democrática.

Faltam, ainda, políticas de saúde pública, como é o caso da “pobreza menstrual”, que ficou mais conhecida no ano de 2021 pelas inúmeras polêmicas causadas pelo então Governo Bolsonaro, ao cortar verbas para a compra de absorventes para mulheres carentes. Lima (2021, n.p.) ressalta que “[...] os dados da ONU apontam que, no mundo, uma em cada dez meninas faltam às aulas durante o período menstrual. No Brasil, esse número é ainda maior: uma entre quatro estudantes já deixou de ir à escola por não ter absorventes”. Dinamizar a educação não é algo que possa ser feito por amadores e por pessoas com “notório saber”, mas, sim, ser cuidada por seres humanos, profissionais formados para desenvolver reflexões e debater, tanto as políticas públicas importantes para a inclusão e a manutenção de todos no processo formativo como parte de processos de socialização, quanto de formação acadêmica para uma melhoria efetiva de fazeres pedagógicos e aprendentes no âmbito escolar.

Nossa proposta reflexiva é pensarmos em uma educação humanizadora, sistêmica e planetária, que ultrapasse os muros burocráticos da escola e da universidade, capaz de constituir-se e constituir relações e interconexões abertas, para propor e restaurar, diante da falta em muitos lugares, de uma vivência e convivência humanizadora em e como processos educativos. Para isso, no retorno dos caminhares da formação inicial e continuada de professores, é fundamental o dedicar-se às vivências profundas de processos pedagógicos que envolvam a experiência docente como experiência em convivência. Não obstante, muitas/os professoras/es ainda reproduzem de forma positivista (conteudista e tradicional) formas patológicas do saber e de inteligências cegas, em suas disciplinas, sem considerarem outras perspectivas epistemológicas, a exemplo do marxismo, da fenomenologia, da hermenêutica, da complexidade ou do pensamento decolonial em suas ações educacionais. Essa preocupação, em relação à formação de professores, nos colocou diante do pensamento complexo de Edgar Morin, pois tal paradigma da complexidade é “[...] uma possibilidade de pensar através da complicação (ou seja, as infinitas inter-retroações), através das incertezas e através das contradições” (MORIN, 2015, p. 102), nos caminhares educativos. Se o complexo é o que tecemos juntos, muitos estão de forma disruptiva e caminham na contramão da unidade. Em decorrência disso, ocorre a fragilização de habilidades capazes de significar, em boa parte dos estudantes, por receberem conteúdos em formas disruptivas, forçando a exclusão de muitos, enquanto, simultaneamente, reforçam preconceitos contra minorias retroalimentando a evasão escolar.

Dinamizar reflexões para mudanças paradigmáticas da educação implica começar e desenvolver esse debate diretamente nos contextos de formação de professores, pois, segundo Moraes (1997, p. 14), “[...] a aprendizagem do aluno não é o foco central da escola. As escolas, em sua maioria, não estão preparadas para garantir melhoria na qualidade do processo de ensino-aprendizagem, despendem mais energias em rotinas administrativas”, e deixam de lado questões pedagógicas importantes. Esse diagnóstico é fruto de uma realidade na qual predominam paradigmas educacionais tradicionais, com teor fragmentário e de completude, ou de autossuficiência. Desse modo, não levam em consideração que a comunidade escolar está em constante devir e que a cada geração é importante uma ressignificação das proposições pedagógicas com olhares em sintonia com as mudanças visando atender, da melhor maneira possível, os estudantes.

É importante que esse olhar, atento às mudanças, seja capaz de vivificar uma educação que leve em consideração o contexto cultural do local de inserção e de efetivas experiências formativas, distantes dos caminhos da simplificação e das padronizações que ferem as singularidades de muitos, fragilizando sua autoestima, sua confiança e suas esperanças de vida. Por isso, é legítimo pensar em políticas democráticas de formação de professores, que assegurem condições de compreender a importância da educação em todas as idades, “[...] o desenvolvimento da compreensão necessita da reforma planetária das mentalidades; esta deve ser a tarefa da educação no futuro” (MORIN, 2005, p. 104), a começar no agora, no presente. Não obstante, o reflexo dessa complexa caminhada formativa, trará repercussões

[...] propriamente humanas, ou seja, a antropo-ética, deve ser considerada como a ética da cadeia de três termos indivíduo/sociedade/espécie, de onde emerge nossa consciência e nosso espírito propriamente humano. Essa é a base para ensinar a ética do futuro. (MORIN, 2005, p. 106).

Já não cabe contentarmo-nos com visões fragmentadas da realidade em uma contemporaneidade de intensas interações. Quando tratamos de sociedades amplas e complexas, é fundamental observar e reconhecer a óptica da complexidade, do diálogo e da complementariedade, em outras palavras, reativar as condições de atenuar as fronteiras da cegueira para alargar as fronteiras da formação humana. Formação humana que possibilite a experiência da convivência, a experiência da criação de mundos, envolvidos em ambientes que abarcam o contraditório, que considerem legítimas as diversidades culturais, religiosas, étnicas, políticas, entre outras. Pela vertente do diálogo multirreferencial, abrem-se possibilidades de coexistência com as diferenças e os diferentes fazendo com que a convivência comum seja parceira da ética planetária - uma ética capaz de desencadear imaginários e fazeres éticos nos diversos contextos sociais, escolares e universitários, em que convivências humanas acontecem e evidenciam que ordem e desordem caminham de mãos dadas.

Dessa forma, neste texto, refletimos a respeito da formação de professores da educação básica a partir do paradigma da complexidade, em contraposição à patologia do saber e à inteligência cega das correntes tradicionais de formação obscurantista e generalizadas, “[...] no qual o próprio especialista torna-se ignorante de tudo aquilo que não concerne a sua disciplina e o não-especialista renuncia prematuramente a toda possibilidade de refletir sobre o mundo, a vida e a sociedade [...]” (MORIN, 2008, p. 17). Assim, questionamos: Quais subsídios epistêmicos do paradigma da complexidade asseguram uma formação de professores da educação básica compromissados com uma formação humanizadora, sistêmica e planetária? Esse movimento reflexivo é de cunho qualitativo e bibliográfico, cujos nutrientes encontram-se no pensamento de Edgar Morin e suas tecituras na grande teia do pensamento da complexidade.

Paradigmas e educação: rumo a uma visão sistêmica

Em um primeiro instante, para esclarecimentos conceituais, é importante trazermos à reflexão o conceito de paradigma que pretendemos utilizar para, posteriormente, pensar a educação. Para isso, remetemo-nos à Thomas Kuhn, um filósofo da ciência que auxilia na compreensão desse processo. Segundo o autor, “[...] um paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade partilham e, inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma” (KUHN, 2011, p. 219). Assim, são modelos a serem seguidos, mas que se baseiam em crenças, valores e técnicas de determinados grupos, o que causa resistência de outros em tomar como única fonte da verdade as novas formas de se fazer ou se pensar sobre alguma coisa ou algum fenômeno, inerentes ao paradigma.

Novos paradigmas são adotados quando se percebe que há diferentes respostas possíveis para os problemas no contexto de uma dada realidade. Isso significa reconhecer que, no fundo, “[...] toda realidade é uma realidade inventada por nós” (WATSLAWICK, 1994, p. 54). Segundo Kuhn (2011), na teoria científica, os paradigmas funcionam por determinado tempo, o que ele chama de “ciência normal”, até o ponto em que entram em crise, aparecendo alguma anomalia, ou inconsistência na resolução das problemáticas atuais, necessitando, assim, de uma revolução, no caso, substituindo os paradigmas antigos, tradicionais, por novos modelos. Então, é importante reconhecer que um dos grandes desafios epistemológicos e formativos é sentir-se preparado para essa transitoriedade e distanciar-se do fragilizado e insustentável para não ficar na ilusão de uma perpétua continuidade.

O livro A estrutura das revoluções científicas, de Thomas Kuhn, inicia apresentando os principais questionamentos do autor em relação aos paradigmas tradicionais do fazer ciência. Para Kuhn (2011, p. 9), “[...] se a história fosse vista como um repositório para algo mais do que anedotas ou cronologias, poderia produzir uma transformação decisiva na imagem de ciência que atualmente nos domina”. Ele se contrapõe aos absolutismos científicos que nos conduziram a eventos catastróficos com o uso de suas teorias e métodos.

Para Kuhn (2011), todo texto científico não passa de acúmulo de erros e crenças obsoletas. Dito isso, o conceito de paradigma se constitui nas “[...] realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modulares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (KUHN, 2011, p. 13). Podemos dizer, aos moldes científicos, que a “ciência educacional” se apresentava como “normal” e permaneceu, assim, até chegar uma “crise ou anomalia”, que nada mais é do que o reconhecimento de que as metodologias utilizadas até então não eram mais eficazes para responder aos problemas educacionais contemporâneos, que agora carecem de reflexões, diferentes procedimentos e diferentes condutas. Os profissionais da educação precisam reconhecer, também, o caráter histórico e transitório que criou determinada trajetória pedagógica e formativa. Importa compreender que nenhum paradigma é perene ou omni-explicativo, uma vez que um outro momento histórico, com outras perguntas, outras (in)certezas, outros contextos produtivos e relacionais, outros envolvimentos linguajantes, requer a humildade da mudança, da transformação e, por que não, da metamorfose.

Assim, cabe simplesmente reconhecer que também tendências formativas pedagógicas foram adequadas para um determinado momento, mas é chegada a hora da despedida dessas tendências. Essa questão coloca em xeque a importância de se estabelecer diferentes paradigmas para redimensionar a operacionalidade educacional em uma atualidade carimbada pela diversidade, multirreferencialidade e complexidade. Seriam os paradigmas emergentes, dentre eles a complexidade, uma alternativa efetiva para a educação em contextos contemporâneos? Se a resposta for sim, por que não mudamos ainda os fazeres pedagógicos sabendo que há diferentes pressupostos mais abrangentes e menos danosos às singularidades e às diversidades? Entendemos que os paradigmas da complexidade merecem atenção nesse debate, uma vez que são focados em conceitos transversais capazes de incentivar diferentes condutas, diferentes suportes teóricos, para muito além das fronteiras fechadas dos paradigmas modernos, newtonianos e cartesianos. Segundo Assmann (2001, p. 64),

[...] os paradigmas funcionam como filtros na percepção do mundo, que agudizam, por um lado, a capacidade perceptiva para alguns aspectos e, pelo outro, criam uma verdadeira cegueira para o resto, afetam a escolha da informação tida como relevante, selecionam perguntas tidas como válidas e tendem a estabelecer parâmetros de crenças.

De maneira geral, os paradigmas também estimulam e aceitam uma determinada consistência isenta de contradições causando paralisia investigativa para um além-fronteiras. Contudo, “Morin procura conceituar paradigma indo além da proposta originária estabelecida pela linguística e pela definição de Thomas Khun”, conforme acentuado por Moraes (1997, p. 31). Dessa forma, percebemos que, se há uma convenção sobre determinados temas na educação, há também as crises geradas pela mesma convenção de índole corporativa, que proporciona diferentes olhares e diferentes configurações, estas de caráter sistêmico. Moraes (1997, p. 31) afirma que Morin “elastica” a concepção de paradigmas que “[...] significa um tipo de relação muito forte, que pode ser de conjunção ou disjunção, que possui uma natureza lógica entre um conjunto de conceitos-mestres”.

Essa concepção não traz necessariamente a ideia de que uma vez estabelecidas as regras e os novos paradigmas estes se tornariam mais importantes do que outros; assim, se desfaz a lógica das teorias fechadas e rivais. O pensamento complexo abre perspectivas para pensar em formas consensuais como a comunidade científica aceitando e reconhecendo que mudanças paradigmáticas frutificam em âmbitos de coinspirações. A complexidade tem como premissa a possibilidade de diálogo e, com essa premissa, já não é relevante elencar uma metodologia mais certa, errada ou ultrapassada, mas, sim, pensar a forma de colocar-nos diante do humano, como humanos.

É importante que nossa conduta educativa tenha como orientação princípios da empatia, condutas humanizadas, reconhecimento e aceitação das diferenças e dos diferentes, como legítimos. Trata-se de valores caros no convívio como seres humanos que auxiliam no reconhecimento da desordem e do caos, perspectivando compreender melhor o que é ser o humano e fazer-se humano em contextos do pensamento complexo e sistêmico. Não se trata de teorias para manipular máquinas alopoiéticas, mas, sim, máquinas autopoiéticas, seres vivos, seres humanos que desejam ser compreendidos e aceitos em suas singularidades e diversidades. É justamente aqui que ordem e caos se entrecruzam para compreender o tecido complexo de uma educação humanizadora. O novo paradigma não é necessariamente uma reestruturação metodológica para se discutir formas e caminhares para efetivar técnicas de comunicação dos conteúdos, mas pensado como uma reestruturação de valores que envolvem respeito às relações interpessoais e nos colocam atentos para as realidades em âmbito planetário, interconectados em formas sistêmicas.

Essa problemática, segundo Tercero Talavera (2013), é fruto de um pensamento pioneiro em relação aos estudos da complexidade feito por Fritjof Capra, que “[...] mostrou uma nova perspectiva de ver os seres vivos como uma configuração de relações entre perspectivas de matéria, forma, dos processos e do significado ‘regras de conduta, valores, intenções, metas estratégias, desenhos, relações de poder’” (TERCERO TALAVERA, 2013, p. 43, tradução nossa). Essas perspectivas não caminham isoladas, estão interconectadas e são indispensáveis para a compreensão da vida, do viver, do tecido social e educacional.

Seguindo esse raciocínio, chegamos a um novo paradigma em que a vida, os viveres e todas as organizações peculiares podem ser vistos como um grande sistema vivo. A diferença da tradição científica para esse novo olhar paradigmático é que se, antes, ao utilizarmos a “[...] metáfora da máquina que foi formulada por Descartes e Newton no século XVII [...] e continua sendo utilizada em grande parte do mundo empresarial” (TERCERO TALAVERA, 2013, p. 43, tradução nossa), agora percebemos a sua insuficiência. Ao pensarmos em sistemas vivos, não podemos simplesmente fazer uma analogia com uma máquina alopoiética, já que é importante percebermos que estamos falando de organizações que aprendem e não em máquinas que precisam receber instruções de fora.

As organizações humanas, que interessam nesta discussão, são as que se entrelaçam e enredam na presença de flexibilidades e criatividades como dinâmicas constantes da capacidade de aprendizagem. Essas capacidades são precípuas ao ser humano para que consiga, no tecido complexo de sua vida e de seu viver enredado, perceber as interdependências e as complementariedades existentes entre ideias mecanicistas, mesmo que apresentadas como opostas e não comunicativas.

Corroborando essa ideia, Martínez Miguélez (2011, p. 61, grifo do autor, tradução nossa) assinala que, diante das Ciências Sociais, há um enfoque “bio-psicossocial” que poderia adotar “[...] uma visão mais poliédrica: física-química-biológica-psicológica-social-cultural-e-espirutual”. Seu convite é pensar cada um desses elementos dentro da configuração do todo ao qual se integra. Refere-se ao paradigma sistêmico em uma dinâmica de interpretação do sistema como um todo sem exclusão ou fragmentação das partes. Trata-se de entidades complexas que se formam a partir de interações mútuas e que, ao final, apresentam uma harmonia do todo que transcende as partes. A partir da compreensão de Ludwig von Bertalanffy, Martínez Miguélez (2011, p. 62, tradução nossa) ressalta que, “[...] desde o átomo até a galáxia, vivemos em um mundo de sistemas”. A ideia sistêmica, como uma totalidade integrada, provocou um grande choque, tanto na biologia quanto na física e muito mais nessa, pois acreditava-se que todos os fenômenos físicos poderiam ser reduzidos às propriedades de partículas materiais sólidas, mas, de repente, a física quântica mostrou outro caminho.

Segundo Capra (2012, p. 31-32), “[...] a teoria quântica forçou-os a aceitar o fato de que os objetos materiais sólidos da física clássica se dissolvem, no nível subatômico, em padrões de probabilidades semelhantes a ondas”. Além disso, esses padrões não representam probabilidades de coisas, mas, sim, probabilidades de interconexões. Assim, chegamos ao pensamento de que as partículas subatômicas não são simplesmente coisas, mas interconexões entre coisas, e estas, da mesma forma, interconexões entre outras coisas e assim sucessivamente, o que nos leva à conclusão de que, tanto dentro da teoria quântica quanto dentro dos sistemas científicos e educacionais existentes, não chegamos simplesmente a uma coisa em si, mas estamos lidando sempre com interconexões e padrões de organização. Por isso, a importância do diálogo e da compreensão sistêmica nos termos da complexidade.

Pensamento complexo: diferentes oportunidades epistemológicas

As formas de abordar a educação e as suas práticas clássicas do conhecimento, segundo Morin e Le Moigne (2000, p. 45) “são insuficientes”. Na modernidade, acreditava-se nessa premissa, pois a ciência moderna, por meio do método cartesiano, passou a ler o real, apesar de ser extremamente complexo, a partir de uma aparência simples da realidade perceptível e ordenada. Morin e Le Moigne (2000, p. 45) insistem que “não existe fenômeno simples” como desejado pela racionalidade em que elaboramos um percurso com início, meio e fim. Ao contrário, o conhecimento, na perspectiva da complexidade, não tem fim, pois se encontra como uma aventura em espiral versátil.

É mais fácil visualizarmos os debates consolidados da ciência a partir de pensamentos como os de Lakatos, Popper e Kuhn, pois são muito expositivos e apresentados como claros e seguros, ao contrário do anunciado pela complexidade. Uma grande parte da população, não somente cientistas, ainda pensam que a razão possa realmente dominar e dar conta de tudo. Optar pela visão da complexidade que admite complementariedade entre o irracional e o racional seria um tipo de regresso e involução científica. A lógica simplificadora e disjuntiva, apesar de profícuos resultados científicos, é considerada cada vez mais frágil e insuficiente, como expressa Morin (2015, p. 11):

Vivemos sob o império dos princípios de disjunção, de redução e de abstração, cujo conjunto constitui o que chamo de o “paradigma de simplificação”. Descartes formulou este paradigma essencial do Ocidente, ao separar o sujeito pensante (ego cogitans) e a coisa entendida (res extensa), isto é, filosofia e ciência, e ao colocar como princípio de verdade as ideias “claras e distintas”, ou seja, o próprio pensamento disjuntivo. Esse paradigma, que controla a aventura do pensamento ocidental desde o século XVII, sem dúvida permitiu os maiores progressos ao conhecimento científico e à reflexão filosófica; suas consequências nocivas últimas só começam a se revelar no século XX.

A ideia de disjunção isola de forma radical alguns conhecimentos em relação a outros e classifica aqueles que podem ter o título de conhecimento científico. Morin (2015) aponta três campos de conhecimento que ficaram isolados: física, biologia e ciência do ser humano. Ao tentarmos reestabelecer a disjunção existente entre eles, acabamos por cair novamente em outro paradigma de simplificação - por exemplo, quando reduzimos o biológico ao físico e as problemáticas humanas ao biológico. Vivemos na época das especializações, cada área se isola para “simplificar” os processos de compreensão sobre vida, sobre viver, sobre a trama das relações, mas as consequências são cada vez mais fragmentação do conhecimento, ausência de diálogo com os demais dentro do tecido complexo das realidades. Em contextos de complexidade, conhecer e compreender envolve proximidade, presença e participação subjetiva do conhecedor.

Nessa perspectiva, valorizam-se o olhar do pesquisador, incertezas, imprevisibilidade, articulação, complexidade, desordem, auto-organização. Há o deslocamento da prerrogativa universalista para o reconhecimento de pluralidades, a fim de conhecer e compreender melhor o conhecimento, mas também, conhecer e compreender melhor o ser humano e seu potencial formativo. (STRIEDER; SANTOS, 2021, p. 20).

Para Morin (2015, p. 12), “[...] o pensamento simplificador é incapaz de conceber a conjunção do uno e do múltiplo (unitas multiplex). Ou ele unifica abstratamente ao anular a diversidade, ou, ao contrário, justapõe a diversidade sem conceber a unidade”. Essa ação proporciona um tipo de inteligência que ao mesmo tempo que acredita estar em progresso, é falha e cega. É cega ao isolar sem perceber os objetos de estudo existentes em contextos de múltiplas realidades. Por isso, sem a compreensão de uma realidade mais abrangente, múltipla e indivisa, a metodologia vigente ou dominante da ciência moderna acaba por produzir um tipo de obscurantismo, qual seja, ao mesmo tempo em que procura conhecer, acaba por afastar, disjuntar, separar, em suma, simplificar.

O paradigma simplificador implica encontrar a ordem natural entre as coisas e nos fenômenos que compõem o mundo. Essa ordem não seria um problema em si para a ciência se, ao alcançá-la, não fosse excluída a possibilidade das perturbações e da desordem. Morin (2015, p. 59) diz que “[...] a ordem se reduz a uma lei, a um princípio. A simplicidade vê o uno ou o múltiplo, mas não consegue ver que o uno pode ser ao mesmo tempo múltiplo”. O mesmo serve ao considerarmos o humano sendo um problema unicamente biológico e funcional, ignorando outras questões fundamentais da existência humana que ultrapassam a biologia, como, por exemplo, a cultura, a psiquê, a religiosidade, entre outras. Quando se admite o estudo do humano por múltiplas perspectivas, na prática, realiza-se, muitas vezes, uma simplificação do processo de estudo; dessa forma, cada área do conhecimento vai estudar uma parte específica do humano. As referências feitas consideram o múltiplo como sendo independente e não sistêmico. Aqui falamos da extrema especialização que dispensa o diálogo e conhecimentos construídos em coletivos de participação e corresponsabilidade. Entretanto, o pressuposto da complexidade é exatamente essa ideia do tecido junto, do coexistente. Morin (2015, p. 13) faz a seguinte reflexão:

O que é a complexidade? Num primeiro olhar, a complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido junto) de constituintes heterogêneas inseparavelmente associadas: ela coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. Num segundo momento, a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico.

O conhecimento científico moderno rechaça a ideia da complexidade porque ela admite o contraditório, as ambiguidades, as incertezas; por isso, a vontade e a importância de organizar sem disjunções e hierarquizações os saberes absolutos. Morin (2005, p. 99) adverte ainda que “[...] o excesso de informações obscurece o conhecimento; o excesso de teoria, entretanto, também o obscurece. O que é a má teoria? A má doutrina? É aquela que se fecha em si mesma porque julga que possui a realidade ou a verdade”. Uma teoria que pensa saber tudo não gosta de ideias ou teorias que a contestam. E a extrema especialização do conhecimento, ao não dialogar com outras áreas do conhecimento, provoca regressão ao conhecimento geral. Dessa maneira, já não faz sentido admitir que haja somente uma forma de conhecimento verdadeiro, exigindo a exclusão da multiplicidade e aceitando o regresso às épocas medievais quando a religião dominava o cenário tanto político quanto científico, não admitindo outras formas de se pensar que não a dela.

Essa ideia é muito comum na crítica que Nietzsche estabelece à religião cristã, pois, como a arte, a religião é uma das formas que o saber humano possui para aliviar o peso da existência, mas ela se esquece que é apenas uma dessas formas e não a única e verdadeira forma. Ao excluir as demais, impõe-se e unifica-se uma verdade que poderia ser compreendida dentro do tecido da complexidade da vida e do viver humanos.

No reverso dos únicos absolutos, importa compreendermos a relevância de pensarmos metodicamente os sistemas complexos. Reconhecermos ser a vida e os viveres não constantemente confrontados como e por opostos, mas inerentes às realidades complexas entranhadas em múltiplos elementos interconectados e entrelaçados feitos rizoma. Levar a visão do entrelaçamento rizomático para a educação, emergente da complexidade, é acreditarmos nas possibilidades de diferentes cenários epistemológicos. Significa também perdermos o medo de usar linguajares inovadores, uma vez que sem eles se torna difícil, quando não impossível, conhecer e compreender a novidade epistemológica do pensar complexo.

No pensar complexo, as concepções são construídas como formando uma dinâmica de interações abertas e mutáveis. Nele, não há mais espaço privilegiado para a razão calculista resultante, como aquela que reza ser a somatória de todas as partes. Isso requer uma despedida drástica das acomodações a sustentos teóricos simplificadores, a visões lineares e a estilos pragmatistas imediatistas.

Reforçamos que o desejo de tornar a complexidade como uma vigorosa referência central nos cenários formativos requer o reconhecimento dos limites dos tradicionais paradigmas. Na continuidade, requer a desacomodação intelectual, requer o desejo de mergulhar no desconhecido. Requer o desejo do perguntar, do questionar-se, do questionar os fazeres pedagógicos tidos como certos e perceber fragilidades em seus invólucros. Reconhecer a mutabilidade das relações humanas, das concepções de educação, das formas de aprender, das concepções de conhecer e de o que é afinal conhecimento e como um ser humano aprende, nos contextos de seu domínio existencial, e na operacionalidade de fazer-se vivo e de manter-se vivo nesse domínio ou nicho vital.

Uma possibilidade seria pressupor ser a comunidade escolar um sistema dinâmico complexo, na qual as experiências de conhecimento, as experiências formativas sejam emergentes do entrelaçamento disciplinar, do entrelaçamento de pessoas - professoras/es, estudantes, pais e mães -, do entrelaçamento dos diversos conteúdos e, acima de tudo, do entrelaçamento das diversas experiências de vida e de viver, de cada um dos envolvidos. Essa e nessa comunidade escolar poderia/poderíamos ter o eco de uma ressonância mórfica, simplesmente humana e humanizadora. Seria uma morfogênese humana integrada e clamando por integrações, interconectadas em formas sistêmicas, criando pensares em rede - não mais lineares, como: começo, meio e fim. Um pensar complexo para criar teorias e concepções versáteis, transitórias e aviváveis. Teríamos um espaço de formação e de aprendizagem de mãos dadas com a incompletude, distante das modelizações, para abraçar a indefinibilidade e, assim, sair dos simplismos que apequenam, abandonando gradativamente os territórios do “meu e do eu”, dos limites, sejam eles geográficos, sejam teóricos, mas, sim, fazer a transição tão importante, tão necessária e, oxalá, a ser desejada com brevidade, de pensar em termos planetários, de pensar nosso planeta como uma cosmopolis, uma analogia grega de expansão.

Não há mais como acomodarmo-nos e contentarmo-nos, como seres convivendo socialmente prisioneiros de um lugar específico: o planeta, o universo, os multiversos, formamos um único todo, somos interdependentes e complementares. Simples? Não. Complexo? Sim. Impossível? Talvez não, se formos capazes de criar, via processos formativos inovadores, sensibilidades que integram, sensibilidades que desejam e se esforçam para superar as barbáries dos limites geográficos, as barbáries dos limites e das muralhas culturais, religiosos, econômicos, as barbáries da indiferença, da incompreensão, da ânsia do poder do homo sapiens/demens, a ser substituído pelo homo sapiens amans (MATURANA; XIMENA, 2009).

No tópico que segue, vamos aprofundar a perspectiva epistemológica da complexidade, sonhando efetividades para dinamizar esses desafios formativos.

Formação de educadores na era planetáriaNós, os seres humanos, criamos um ambiente humano, social, relacional, produtivo e condutual, que nominamos, conforme Zygmunt Bauman de: modernidade liquida (BAUMAN, 2001), amor líquido (BAUMAN, 2004), vidas desperdiçadas (BAUMAN, 2005), vida líquida (BAUMAN, 2007), tempos líquidos (BAUMAN, 2007), vida para o consumo (BAUMAN, 2008), entre outros tantos, mas todos sintonizados, na fragilização, na indiferença, na insegurança, na cronometria, na incompreensão, na desigualdade, no descuido. Morin (2017, p. 188), por sua vez, conclui estar a condição humana imersa na dor e no sofrimento: “[...] os recém-nascidos vêm ao mundo chorando de dor. Nascemos na crueldade do mundo e na crueldade da vida, ao que acrescentamos as nossas crueldades [...]”. Dessa forma, para além das precariedades para assegurar a manutenção da vida - alimento, abrigo e saúde -, estamos imersos e afundando em precariedades psíquicas, relacionais e espirituais. Todo esse manancial de incompreensões dificulta o reconhecimento do outro, como outro legítimo, e nos desafia para mudanças radicais que confirmem nosso viver em (co)responsabilidade planetária.

Trata-se das gestações inacabadas e das cegueiras dialógicas também em espaços educativos e formativos que persistem fiéis à lógica fragmentária, especialista e instrumental do conhecimento. Ainda se conformam com os pedagogismos das verdades absolutas, prontas e acabadas, que insistem na negação de outras possibilidades existenciais favoráveis ao convívio, à coinspiração e ao reconhecimento da terra-pátria. Persistir nesses andrajos epistemológicos e pedagógicos revela não somente a paralisia da participação, da criatividade e da autonomia, mas também a sua morte - uma formação necropolítica (MBEMBE, 2018) da individualidade, da singularidade e da unidade como pessoa. Tudo isso em nome de um progresso ilusório, a exaltar a exploração e a servilidade dos recursos naturais em uma busca desenfreada da afirmação antropocêntrica. Por isso, Morin (2018, p. 14) denuncia: “[...] o retalhamento das disciplinas torna impossível aprender ‘o que é tecido junto’, isto é, o complexo, segundo o sentido original do termo”. E não se restringe a essa denúncia ao afirmar que “[...] o desafio da globalidade é também um desafio de complexidade” (MORIN, 2018, p. 14).

A denúncia é contra os pedagogismos da homogeneização que funcionam como mecanismos de controle social preconizando a máxima de que todos precisam ser iguais, uma vez que os diferentes causam estranhamento e insegurança e, por isso, precisam ser descartados. São os refugos sociais, assemelhados aos leprosos de tempos medievais. Em contextos ditos sociais que priorizam demandas universais, com chancelas para uma monocultura e para as monoexperiências também se “[...] negligenciam as particularidades dos contextos e se sacrificam a alteridade” (HERMANN, 2010, p. 132).

Boa parte dos espaços educativos são ainda efetivos canteiros de monoculturas nos quais crescem sofregamente pedagogismos patológicos, geradores de conformismos e passividades, por meio de resignações às transmissões fragmentárias do conhecimento que geram visões e concepções de interesse próprio, de individualismo e da necessária competição. Forjamos o autoengano, falseando nossa natureza socializadora e, nos braços da estéril racionalidade, abolimos os sonhos da proximidade, da presença e da participação. Mais uma vez, Morin (2003, p. 46) nos alenta e convida: “[...] trata-se de entender o pensamento que separa e que reduz, no lugar do pensamento que distingue e une. Não se trata de abandonar o conhecimento das partes pelo conhecimento das totalidades, nem da análise pela síntese; é preciso conjugá-las”.

Os mecanismos formativos contribuíram e seguem contribuindo para a constituição da humanidade fragilizada, repleta de espaços predeterminados pelos estatutos da normalização, que tem como veia condutora a obediência e a perfeição, afinal tudo é suportável. O enclausuramento disciplinar, assim como o especialismo do pensar, paralisam o poder humano da reflexão profunda, da aprendizagem acadêmica e da experiência humana no viver. Infelizmente, um desencontro do ser humano que, segundo Martínez-Gayol Fernández (2010, p. 47), carrega consigo “[...] a sensação de vazio interior ou aborrecimento metafísico, a grande falta de motivações que ocasiona a fadiga de viver, o aumento da ansiedade e da angústia traduzido em estresse e outras enfermidades”, com profundas e intensas interferências no processo educacional.

Em se tratando das provocações de Sloterdijk (1999), elas não são oriundas de vazios utópicos. São legítimas ao questionar: Em quais conteúdos e com quais teores, o que é essencial na ocupação do tempo formativo? Nesse sentido, mais uma vez, Morin (2003) ajuda, convida e confirma uma formação em A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. É importante redefinir o disciplinar, ousar uma reforma do pensamento e aproximar-se de enfoques sistêmicos, passando da visão unidirecional para visões abrangentes, lá onde a incerteza se torna porta voz para os diferentes, os dissidentes e onde a diversidade e a singularidade encontram guarida. Uma intelectualidade polivalente, uma urgência para “[...] civilizar nossas teorias, ou seja, desenvolver nova geração de teorias abertas, racionais, críticas, reflexivas, autocríticas, aptas a se auto-reformar” (MORIN, 2003, p. 32).

Dessa forma, os ambientes educativos serão mentalizados como laboratórios de aprendizagens para a vida, e os viveres, como seres humanos. Morin (2003, p. 95) confirma que, nesses ambientes, “[...] compreender inclui, necessariamente, um processo de empatia, de identificação e de projeção. Sempre intersubjetiva, a compreensão pede abertura, simpatia e generosidade”. Certamente, esses indicativos, inspirados na teoria da complexidade, são contrários aos laços de relações humanas pregadas por um individualismo e uma domesticação com atrofiamento da capacidade reflexiva, esta que não se satisfaz com meras continuidades, mas é, ela mesma, semeadora de descontinuidades.

Ainda que nominadas de entidades educativas, comunidades escolares se tornaram coniventes com a geração de (in)evitáveis divergências e, dificilmente, nos questionamos: Por que e como surgem? Pura e simplesmente catástrofes do racionalismo, frutos naturais da dualidade homo/demens? Já estamos conscientes, há um bom tempo, como esclarece Morin (2003, p. 44), de que “[...] o desmatamento e a retirada das árvores em milhares de hectares contribuem para o desequilíbrio e a desertificação das terras”, uma preocupação também ecológica. Também que “[...] as grandes monoculturas que eliminaram as pequenas policulturas de subsistência, agravam a escassez e determinam o êxodo rural e a favelização urbana” (MORIN, 2003, p. 44), uma catástrofe anunciada que se desdobra e renova o desastre da continuidade da exclusão social.

Contudo, educadoras/es conscientes da concepção sistêmica, da interdependência e da importância da mutualidade, sentem as fragilidades humanas, sentem as dilacerações das alteridades e concebem aceitar o imergir em reflexões profundas para vivificar seus fazeres educativos para um âmbito planetário, pois “[...] estamos na era planetária; uma aventura comum conduz os seres humanos, onde quer que se encontrem. Estes devem reconhecer-se em sua humanidade” (MORIN, 2003, p. 47). Elas/es se sentem compromissadas/os com a criação de outras conexões para as relações do eu comigo mesmo, do eu com os outros, do eu com os recursos naturais. Eis a importância do reconhecimento das linguagens inovadoras, provocadoras, por exemplo da oxigenação conceitual “subdesenvolvida”, “subdesenvolvimento”, resultados da alfabetização arrogante e dualística, um analfabetismo cultural, não reconhecendo como habitats humanos e sociais os previamente e preconceituosamente alijados de territórios centrais.

Repensar a reforma e reformar o pensamento também encontra sustento em Humboldt (1998, p. 271, tradução nossa) ao afirmar que “[...] o verdadeiro fim do homem [...] é a formação máxima e o mais proporcional possível de suas forças, para integrá-las num todo. Para isso, a liberdade é a condição primeira e indispensável”. Então, que estejam abertas as portas para receber diferentes reflexões e concepções, predispondo-nos a diferentes fazeres como humanos, de portas abertas para conhecer e compreender a existência de sistemas abertos e múltiplos profundamente interdependentes.

É o pensamento em contextos de complexidade que possibilita visualizar a condição humana como uma gigantesca trama de teias relacionais: um rizoma recheado de pontas soltas, acentrado, horizontal e fugidio. Assim, é significativa a compreensão da complexidade que

[...] não é um conceito teórico e sim um fato da vida. Corresponde a multiplicidade, ao entrelaçamento e a contínua interação da infinidade de sistemas e fenômenos que compõe o mundo natural. Os sistemas complexos estão dentro de nós e a recíproca é verdadeira. (MARIOTTI, 2000, p. 87).

A complexidade não engloba reducionismos. É uma ponte segura para formas abertas e dinâmicas de pensar a construção de conhecimentos e a compreensão como base convivencial humana. Como na conversa de Gregory Bateson (1989, p. 38) com sua filha: “[...] todo o conhecimento está como se fosse um tricô, ou uma malha, como se fosse um tecido, e que cada peça do conhecimento só faz sentido ou é útil por causa das outras peças”. Pensar nessa disposição é construir um caminhar de acolhida e de ternura. Em outras palavras, é a tradução da ideia de comunidade humana que supera toda forma de intolerância, exclusão e marginalização de seres humanos. É nesse sentido que o pensar complexo incentiva a proposição da transdisciplinaridade e nela a do terceiro incluído. Transdisciplinaridade e pensamento complexo se envolvem, se enredam e são em abundância. Como expressa Petráglia (2000, p. 13):

A solidariedade, presente na complexidade, coloca-se na educação por meio da transdisciplinaridade, considerando aspectos como princípio da incerteza, perspectiva dialética e dialógica, e dimensão espiritual do ser humano. Para atingir a transdisciplinaridade, é necessário o rompimento com ideias preconcebidas ou reducionistas.

Para Krishnamurti (1980, p. 12), a educação como um laboratório de práticas e vivências transdisciplinar

[...] é indispensável para compreender o significado da vida como um todo [...]. Compreender a vida é compreender a nós mesmos [...]. Educação não significa, apenas, adquirir conhecimentos, coligar e correlacionar fatos; é compreender o significado da vida como um todo.

É, portanto, um envolvimento subjetivo que requer um reencantar-se com práticas e condutas de cuidado e reconhecimento. Por conseguinte, pensar na sensibilidade como construção de uma ética planetária será favorecida nesse contexto.

Fazer-se educadora/or, tendo a complexidade como suporte epistemológico, requer a tomada de decisão, requer escolha e, como escolha feita, esta é abraçada com responsabilidade e, sendo responsável, é um exercício de liberdade. Por isso, contempla doação, sensibilidade, compreensão, ternura, amizade e amar. Segundo Meira (2010, p. 17),

[...] quando a criança atinge a idade escolar, as funções neurossensório-motoras, e as demais funções cerebrais (sensação, percepção e emoção) estão ainda confusas, e por isso, o discernimento entre o seu eu e as suas experiências formam um único ciclo de sensações e percepções.

Educar e educar-se envolve a vivência de experiências. A experiência de sentir-se sendo e fazendo-se gente em um amplo convívio de interdependências tenras e próximas, como escreve Maturana (1997, p. 29):

O educar se constitui no processo em que a criança ou o adulto convive com o outro e, ao conviver com o outro, se transforma espontaneamente, de maneira que seu modo de viver se faz progressivamente mais congruente com o do outro no espaço de convivência. O educar ocorre, portanto, todo o tempo e de maneira recíproca. Ocorre como uma transformação estrutural contingente com uma história no conviver, e o resultado disso é que as pessoas aprendem a viver de uma maneira que se configura de acordo com o conviver da comunidade em que vivem. A educação como “sistema educacional” configura um mundo, e os educandos confirmam em seu viver o mundo que viveram em sua educação. Os educadores, por sua vez, confirmam o mundo que viveram ao ser educados no educar.

Então, exaltar prioritariamente a dimensão cognitiva é insuficiente para a dinâmica educativa e da aprendizagem. Ela postula o incentivo, o afeto e o apoio, propulsores da organização das funções cognitivas e afetivas. A criança, o adolescente e o jovem, bem como o adulto, quando sentem a acolhida, sentem a compreensão, fomentam sua autoestima e se energiza para condutas investigativas. Por fim, reforçamos que, no conjunto das obras de Morin não faltam indicativos para se pensar um horizonte para uma educação planetária. Há uma exigência intensa em toda a sua obra que decorre da importância de compreender o sentido de método a constituir seu pensamento. Para ele,

[...] é possível, contudo, outra concepção do método: o método como caminho, ensaio gerativo e estratégia “para” e “do” pensamento. O método como atividade pensante do sujeito vivente, não-abstrato. Um sujeito capaz de aprender, inventar e criar “em” e “durante” o seu caminho”. (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2003, p. 18).

Essa capacidade humana de aprender, inventar e criar possibilitou, no conjunto das obras de Morin, criar sua complexidade ao pensar os textos: Método 1 - A natureza da natureza; Método 2 - A vida da vida; Método 3 - O conhecimento do conhecimento; Método 4 - As ideias; Método 5 - A humanidade da humanidade; e o Método 6 - Ética. No entanto, escreve Morin (2003, p. 180):

Esses seis princípios valem também para o pior. Eles não comportam nenhuma segurança. O viver pode se deparar acidentalmente com a morte. O inconcebível não acontece necessariamente. O improvável não é necessariamente bom. A toupeira pode arruinar o que se queria preservar. A possibilidade de salvamento pode não estar à altura do perigo. A aventura continua desconhecida. A era planetária sucumbirá talvez antes de ter podido desabrochar. A agonia da humanidade talvez só venha a produzir morte e ruínas. Mas o pior não é ainda certo, nem tudo foi jogado. Sem haver certeza nem mesmo probabilidade, há no entanto possibilidade de um futuro melhor. A tarefa é imensa e incerta. Não podemos nos subtrair nem à desesperança, nem à esperança. A missão e a demissão são igualmente impossíveis. Precisamos nos armar de uma "ardente paciência". Estamos às vésperas não da luta final, mas da luta inicial.

Consideramos o caminhar da complexidade, no âmbito dos seis volumes do método, uma grande rodovia na qual a comunidade escolar está efetivada como um sistema dinâmico complexo. Nela, experiências formativas emergem dos entrelaçamentos, como anteriormente referido. Na complexidade, identificamos

[...] os meios que permitem conhecer a si mesmo e compreender o próximo. Não fornece a preocupação, o questionamento, a reflexão sobre a boa vida ou o bem-viver. Ela não ensina a viver senão lacunarmente, falhando naquela que deveria ser sua missão essencial. (MORIN, 2015, p. 54).

Um humanismo planetário, ancorado no reconhecimento da interdependência e no reconhecimento da diversidade e da unidade, não usará a ameaça da negação do outro, nem se exaltará com chaves da rejeição e da indiferença ou poderio bélico. Ela, efetivamente, está na contramão da geração dos ódios e das desigualdades. Terá como bebedouro e bastião alimentar a comum união de destinos e caminhará de mãos dadas com o entendimento mútuo.

Considerações finais

Para além das discussões sobre os paradigmas educacionais e seus respectivos desdobramentos dentro do pensamento complexo, é fundamental tratar de reflexões sobre os processos educativos, ainda não vivido como tal, por muitos educadoras/es. Nota-se uma urgência na formação docente de um preparo para a diversidade e a pluralidade. Querer ser professora ou professor precisa partir do desejo implícito que habita no âmbito da humanização das experiências formativas e da sensibilidade com as realidades planetárias como parte essencial dentro desse processo. As/Os educadoras/es que não questionarem as tendências da racionalidade e considerarem o educando como mero aluno com um número de matrícula, ou alguém classificável neste ou naquele grupo, negam a possibilidade de mudança e a construção de uma comunidade planetária edificada em laços de humanidade.

Nosso objetivo prescrevia compreender subsídios epistêmicos do paradigma da complexidade capazes de assegurar uma formação de professores da educação básica compromissados com uma formação humanizadora, sistêmica e planetária. Destacamos, a título indicativo de subsídios epistêmicos capazes de ampliar as reflexões em e como momentos de formação de educadoras/es, dentre outras tantas possíveis, três que, em nosso entender, tem relevância significativa, mesmo que reféns da incompletude:

1) Iniciamos afirmando que nem o conhecimento e nem a verdade existem objetivamente. O observador, o pesquisador, enfim, o ser humano é um ser linguajante e expressa teorias e concepções por meio de seu linguajar. Dessa forma, paradigmas, teorias e explicações da realidade das coisas ou de fenômenos bem como distintas dinâmicas culturais, distintos princípios religiosos não passam de argumentos explicativos. Esse pressuposto exige reconhecer a legitimidade de todas essas diferentes formas explicativas, pois são resultantes das vivências e das experiências de seres singulares em distintos habitats ou domínios existenciais e não doações de transcendências divinizadas. Dessa forma, a rasa lógica transmissiva de conhecimento verdadeiro, a ser absorvido passivamente, é um equívoco a ser superado. Requer igualmente a despedida da dita perenidade e inquestionabilidade do conhecimento científico, tido como único verdadeiro, e uma predisposição para reconhecer e aceitar as tantas outras formas de conhecimentos, mesmo que não científicos.

2) Se a concepção de redes foi consolidada por tornar-se fato nas interligações eletrônicas, se a globalização é saudada também pelas benesses, estamos, de certa forma, reconhecendo a interdependência e a complementariedade entre as coisas, entre fenômenos e entre os sistemas do (multi)universo. Existe uma totalidade que se distende, se expande, se transmuta, existe uma complexidade em abundância. Decorre disso, a importância de reconhecermos a existência de equívocos na lógica da necessária fragmentação, que separa em vez de distinguir, que simplifica e nega a desordem, nega a turbulência e a emergência. Cabe reconhecermos, nesses equívocos, a violência do isolamento, a violência da negação da diversidade, da singularidade e da unidade. Reconhecermos o equívoco da violência da monocultura, das monoexperiências, dos alisamentos subjetivos, do despedaçamento do saber e da superespecialização. Se toda essa lógica que fragmenta atrofia as possibilidades da compreensão e das reflexões, é bem-vinda a dinâmica sistêmica que propõe a integração. Esse grande pressuposto da complexidade será um guia base, uma espécie de essência fluida a fazer germinar novos fazeres formativos e pedagógicos. Oxalá, o pensamento complexo, ao alavancar a reforma do pensamento, reforme as mentalidades sobre a vida, sobre o fazer-se gente, e consolide consensos em redes, não só eletrônicas, mas também em redes de convívio planetário visando a construção de uma sociedade onde caibam todos/as. A concepção da complexidade convida para o reconhecimento das interdependências, da importância das mutualidades e da complementariedade, dos enredamentos da corresponsabilidade, da coinspiração e da solidariedade.

3) Se mudar de vida é efetivamente mudar de vi(d)a - via -, como palestram Morin e Sloterdijk (2021), mudar a forma de viver é apostar no que vi(v)er - vier - do convívio com um qualquer1, mudar a forma da educação é desejar a edu(ca)ção - edução -, quer dizer, conduzir para fora, eduzir um jeito de fazer-se humano. A edu(ca)ção como formação humanizadora, que emerge da complexidade, é um sagrado desafio para suprimir a incompreensão humana. A complexidade, como desenvolvida por Morin (2015), contempla, em seu arcabouço, o cerne de um subsídio epistemológico, no qual se enraíza a construção da sensibilidade para a compreensão.

Esse eduzir libertará nossos profundos impulsos de solidariedade e se fará um impeditivo categórico contra a concepção da “[...] sobrevivência de uns às custas do desaparecimento de outros” bem como contra “[...] a maldita doutrina do egoísmo das coletividades privilegiadas” (MORIN; SLOTERDIJK, 2021, p. 29). Os ambientes formativos, os domínios existenciais em salas de aula implicam caminhar em dinâmicas solidárias. Ser um berço onde a solidariedade “[...] é esse esforço para treinar as pessoas que ainda não aprenderam a ser membros de uma grande comunidade, composta sobretudo de estrangeiros” (MORIN; SLOTERDIJK, 2021, p. 46-47).

Por fim, e como já expressamos, essa reflexão bem como a teoria da complexidade não assumem uma postura conclusiva em si mesmas, mas reflexiva sobre as possibilidades do fazer-se ser humano. Uma possibilidade para Aprender a Ser, no fazer-se ser, que requer compreender o outro, que, por sua vez, requer a compreensão da complexidade humana. A contemporaneidade encontra-se revestida por crises múltiplas e evasivas. Crises que operacionalizam descontinuidades, repletas de fissuras, de brechas e descontinuidades, esperando a ativação das resistências. Resistências que, dinamizadas, podem eduzir a reexistência. Reexistir é voltar a contemplar a sabedoria, contemplar as artes de viver já desenvolvidas, mas subsumidas. O convite de Morin é pela via da complexidade, e nosso convite forte é pela desintoxicação dos nichos vitais, dos nichos formativos em ambientes escolares, quem sabe sonhar e realizar uma simbiosofia2 pedagógica. São muitos os subsídios epistemológicos presentes na teoria da complexidade, e todos eles se contrapõem ao vácuo criado pela competição, pela negação e pela incompreensão. Portanto, sejam muitos e todos bem-vindos ao convívio em harmonia com as coerências que constituem as totalidades complexas; bem-vindos ao convívio em harmonia por meio da colaboração e da coinspiração; bem-vindos ao convívio da harmonia em minha(sua) circunstância; harmonia do meu(seu) viver, harmonia com o tudo, o todo, o nada.

No entanto, lembrem-se, é preciso desejar envolver-se como dissidente, uma vez que tudo isso começa por uma imprecisão, mergulhe nela, alimente-a, faça-a ser desejada e partilhada e, então, sinta-se intimada/o a refazer-se.

1Um ser humano qualquer, nos termos como Agamben (2013, p. 10) se refere: “[...] qudlibet ens não é ‘o ser, não importa’, mas ‘o ser tal que, de todo modo importa”. Um ser humano ao qual cabe reconhecimento pelo que foi e é, tal qual foi e “[...] tal é qual-se-queira, isto é amável” (AGAMBEN, 2013, p. 11).

2Simbiosofia de syn-bíos-sophia, em que Syn = junto; Bíos = vida e Sophia = sabedoria, portanto: Simbiosofia = sabedoria do viver junto.

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Recebido: 28 de Abril de 2023; Aceito: 29 de Junho de 2023

[a]

Doutor em Educação, e-mail: striederroque@gmail.com

[b]

Doutor e Pós-doutorado em Educação, e-mail: anderson.tedesco@unoesc.edu.br

[c]

Doutor em Filosofia, e-mail: tiago.lacerda@escola.pr.gov.br

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