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Revista Diálogo Educacional

versión impresa ISSN 1518-3483versión On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.23 no.78 Curitiba  2023  Epub 04-Oct-2023

https://doi.org/10.7213/1981-416x.23.078.ds07 

Dossiê

Fundamentação epistemológica do paradigma da complexidade e a dialogia com a formação de professores

Epistemological foundation of the complexity paradigm and dialogue with teacher education

Fundamento epistemológico del paradigma de la complejidad y diálogo con la formación docente

1Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), Campus Sorocaba, Sorocaba, SP, Brasil


Resumo

O objetivo deste artigo é o de discutir a fundamentação epistemológica do paradigma da complexidade, a partir da contribuição de Edgar Morin e a dialogia com a formação de professores. Esta perspectiva defende que Esta perspectiva entende que a humanidade e o conhecimento são eixos indissociáveis, visto possuírem estruturas complexas multidimensionais que se ligam e se religam em uma totalidade (todo-parte-todo). Neste contexto o sujeito cognoscente não é excluído do que conhece, pois também está ligado ao objeto do conhecimento. Para Morin, o paradigma da complexidade rompe com a perspectiva de fragmentação do conhecimento, do mundo e da humanidade, conquanto, aquilo que se "vive", que "vê" e o que se ressignifica são elementos multidimensionais e interdependentes numa relação de totalidade. Nessa diretriz, a dialogia com a formação de professores, além de possível, encampa o compromisso de entender e viver a educação como fenômeno multidimensional que não dissocia os sujeitos de suas formas de intervenção no real.

Palavras-chave: Paradigma da complexidade; Edgar Morin; Formação de professores.

Abstract

The objective of this article is to discuss the epistemological foundation of the paradigm of complexity, based on the contribution of Edgar Morin and the dialogue with teacher education. This perspective argues that being (man) and knowledge (knowledge) are inseparable elements that have complex multidimensional structures that bind and reconnect holistically (physical, biological, cerebral, mental, psychological, cultural, social), that is, "without excluding the one who knows from his own knowledge." The main objective of Edgar Morin, in proposing the paradigm of complexity, is to draw attention to the need to change the perspective of a world that "lives" and "sees" the real in a fragmented way, dissociating the parts of the whole as if they were independent elements. In this guideline, the dialogue with the training of teachers, besides being possible, embraces the commitment to understand and live education as a multidimensional phenomenon that does not dissociate the subjects from their forms of intervention in the real.

Keywords: Paradigm of complexity; Edgar Morin; Teacher education.

Resumen

El objetivo de este artículo es discutir el fundamento epistemológico del paradigma de la complejidad, basado en la contribución de Edgar Morin y el diálogo con la formación docente. Esta perspectiva sostiene que el ser (hombre) y el conocimiento (conocimiento) son elementos inseparables que tienen estructuras multidimensionales complejas que se unen y reconectan holísticamente (física, biológica, cerebral, mental, psicológica, cultural, social), es decir, "sin excluir al que sabe de su propio conocimiento". El objetivo principal de Edgar Morin, al proponer el paradigma de la complejidad, es llamar la atención sobre la necesidad de cambiar la perspectiva de un mundo que "vive" y "ve" lo real de manera fragmentada, disociando las partes del todo como si fueran elementos independientes. En esta guía, el diálogo con la formación de docentes, además de ser posible, abarca el compromiso de comprender y vivir la educación como un fenómeno multidimensional que no disocia a los sujetos de sus formas de intervención en lo real.

Palabras clave: Paradigma de la complejidad; Edgar Morin; Formación del profesorado.

Introdução

A orientação epistemológica do pesquisador tem como objetivo a apreensão do conhecimento em seu movimento, consequentemente ligado ao “espírito científico que se define pela criação e produção de noções e conceitos1 capazes de construir verdades relativas, mediante um procedimento de incessante aproximação da verdade dos processos, dos detalhes e dos sonhos que constroem o social” (SANTOS, 1991, p. 56). Por outro lado, a finalidade da pesquisa científica está implicitamente ligada ao papel do pesquisador como sujeito recorrente, como aquele que desbrava espaços até então não percebidos ou percebidos sem a devida e necessária luz. Em outras palavras, ao pesquisador cabe “... servir como veículo inteligente e ativo” confrontando os conhecimentos acumulados de áreas afins ou não “e as novas evidências que serão estabelecidas a partir da pesquisa”, resultando daí caminhos alternativos que contribuirão para o pensar e o repensar de conhecimentos específicos (LÜDKE & ANDRÉ, 1986, p. 5). Essa maneira de olhar ou tratar o objeto científico é vista de forma reducionista por detratores na própria academia, que defendem a construção do conhecimento como objeto já acabado e, portanto, não necessitando de outros crivos para observar outras realidades, inclusive a realidade de formação de professores.

O paradigma da complexidade entende que "o real" só pode ser bem compreendido no prisma de sua natureza multidimensional e isto somente se dá quando o pesquisador ou sujeito do conhecimento ligam e religam suas leituras nos processos de descobertas de si e do mundo, entendendo a parte, mas não reduzindo-a a parcialidade que a mesma pode revelar, logo, o pensamento reducionista não pode legitimar uma totalidade complexa que se liga e se religa na relação todo-parte-todo:

“Se a noção de conhecimento se diversifica e multiplica ao ser considerada, podemos supor legitimamente que contém em si diversidade e multiplicidade. Desta forma, o conhecimento já não poderia ser reduzido à uma só noção como informação, percepção, descrição, ideia ou teoria, entretanto, há a necessidade de concebê-lo nos diversos modos ou níveis aos quais corresponderia cada um desses termos” (MORIN, 1988, p. 19-20).

Na perspectiva de que a humanidade, o conhecimento e sua produção possuem estruturas complexas e multidimensionais que se ligam e religam em sua totalidade, entende-se que são eixos indissociáveis, logo o ser que conhece e o objeto conhecido estão em estreita comunicação e não se excluem, quer nos aspectos físico, biológico, cerebral, mental, psicológico, cultural ou social, quer nas ramificações procedentes dos sentidos ou significados trazidos por novos objetos do conhecimento. É claro que sob esta ótica a ciência não pode se mostrar reducionista na relação da descoberta do mundo e do próprio ser humano, mas na “...conciliação da humanidade com o cosmos, não a partir da síntese e da redução, mas da amplitude do pensamento e das ações para se viver a complexidade.” (PETRAGLIA, 1995, p. 13). Como instrumento de ligação e religação transdisciplinar, considerando também as crises, os desvios e possibilidades na relação de ordem-desordem e organização, o paradigma da complexidade reúne a ciência e a vida, os saberes e fazeres humanos “...a partir do seu processo organizador, jamais podendo dissociar desse processo o mundo exterior; então, trata-se de uma auto-eco-organização” (PETRAGLIA, 1995, p. 100).

Metodologia da pesquisa

Portanto, estabelecemos nexos entre a análise da fundamentação do paradigma da complexidade (MORIN, 1987 a, 1987 b, 1989, 1995 a, 1995 b, 1996 a, 1996 b) para, em um segundo momento, construir tessituras ou dialogias sobre a possibilidade desse olhar na formação de educadores, por meio de pesquisa bibliográfica, orientada pela abordagem qualitativa em quatro momentos: a) Fundamentação histórica e epistemológica do paradigma da complexidade; b) O paradigma da complexidade e o conhecimento multidimensional c) O paradigma da complexidade, a educação e a formação de professores; d) Contrapontos e pontuações à dialogia do paradigma da complexidade e a formação de professores.

A abordagem qualitativa favorece a interlocução do pesquisador com o conteúdo de textos, contextos ou intertextos, promovendo uma lógica interpretativa possível para a compreensão do fenômeno em sua totalidade: fatos históricos, cronológicos, reflexivos e de percepções a partir do objetos de estudo em tela.

Fundamentação histórica e epistemológica do paradigma da complexidade

O pensamento epistemológico complexo de Edgar Morin nas últimas décadas tem sido objeto de discussão entre detratores e defensores, entretanto, para ambos os grupos, não se pode negar a máxima de que o conhecimento é dinâmico e a forma de conhecer também, logo faz-se necessário conhecer e situar este paradigma na dimensão de sua fundamentação histórica e epistemológica, o que poderá permitir ao leitor, manifestação ou não da compreensão da proposição moriniana. Para isto selecionamos seis de suas obras, dentre as quais: “Introdução ao Pensamento Complexo”, “Ciência com Consciência” e sua obra mais completa no enfoque da complexidade “O método”, composto por quatro tomos, respectivamente, “A natureza da natureza” (Tomo I), “A vida da vida” (Tomo II), “O conhecimento do conhecimento” (Tomo III) e “As ideias” (Tomo IV) que nos orientarão no conhecimento e intertextualização acerca desse paradigma.

Introdução ao pensamento complexo

“Se a complexidade não é a chave do mundo, mas o desafio a enfrentar, o pensamento complexo não é o que evita ou suprime o desafio, mas o que ajuda a relevá-lo e, por vezes, mesmo a ultrapassá-lo” (MORIN, 1995 a, p. 11).

O postulado do pensamento complexo de Morin refuta a ciência e os seus achados como produtos de saberes parcelares. Embora os saberes fragmentados sejam objetos de validação pelas convenções estabelecidas, Morin afirma que, os lapsos de sua validação são previamente detectados quanto ao seu espectro de incompletude e incertezas, e, portanto, não representa o conhecimento e nem o conhecimento do conhecimento, pois este tem a ver com uma multidimensionalidade causal e, portanto, complexa. Somente por meio do paradigma da complexidade o conhecimento pode ser contextualizados e não reduzidos a um tratamento simplificador, disjuntivo e redutor. Nesse sentido, Morin (1995a, p.7-8) lembra que a palavra complexidade utilizada por ele para caracterizar o paradigma por ele proposto, “não possui uma nobre herança filosófica científica ou epistemológica”, no entanto, por si só traz a ideia daquilo que “não pode reduzir-se a uma lei ou a uma ideia simples”. Dessa maneira, enfatiza que

“[...] o complexo não pode resumir-se na palavra complexidade, reduzir-se a uma lei de complexidade ou a uma idéia de complexidade. A complexidade não poderia ser qualquer coisa que se definisse de maneira simples e tomasse o lugar da simplicidade. A complexidade é uma palavra problema e não uma palavra solução” (MORIN, 1995 a, p. 8).

O termo “complexidade2” surgiu na obra de Morin somente a partir do fim da década de 60, proveniente da cibernética, da teoria dos sistemas e do conceito de auto-organização, desprendendo-se, como ele mesmo atesta, do “sentido banal (complicação, confusão) para ligar em si a ordem, a desordem e a organização e, no seio da organização, o uno e o diverso...” (Ibidem, p. 10). Somente na década de 80, entretanto, é que suas obras começaram a ser traduzidas consideravelmente em outras línguas, inclusive para o português de Portugal e a posteriori para o do Brasil. Dessa forma, paulatinamente sua “proposição transdisciplinar” vem influenciando a literatura científica no Brasil desde então.

Na perspectiva transdisciplinar de Morin, a ciência tornou-se de tal forma “burocratizada” e “cega” que resiste e rejeita quaisquer questionamentos, caracterizando-os como “não científicos” se não corresponderem ao modelo convencionalmente estabelecido, nisto reside sua “incapacidade de controlar, de prever, e mesmo de conceber o seu papel social, [...] sua incapacidade de integrar, de articular, de reflectir (sic) os seus próprios conhecimentos” (Ibidem, p. 76). Por isso uma ideia simplista, disjuntiva e reducionista de ciência, como o modelo convencional preconiza, traz implícita em si uma visão fragmentada e fragmentária do mundo. Nesse contexto, Morin apregoa que há que se considerar a incerteza e também o acaso na ciência, pois assim como o próprio pensamento, essa apresenta consideráveis tramas de complexidade, consequentemente, “a verdade da ciência não está unicamente na capitalização das verdades adquiridas, na verificação das teorias conhecidas, mas no caráter aberto da aventura que [...] hoje exige a contestação das suas próprias estruturas de pensamento” (MORIN, 1996 a, p. 26). Diferente da ciência clássica, que reduz o cognoscível ao manipulável, o princípio de explicação da complexidade solicita uma visão poliocular na relação ordem-desordem-organização, logo as partes são conhecidas tendo como referência a totalidade da quão não é objeto em si, mas em relação à própria totalidade.

“[...] necessidade de distinguir e de analisar, como o precedente, mas, além disso, procura estabelecer a comunicação entre aquilo que é distinguido: o objeto e o ambiente, a coisa observada e o seu observador. Esforça-se não por sacrificar o todo à parte, a parte ao todo, mas por conceber a difícil problemática da organização, em que, como dizia Pascal, ‘é impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, como é impossível conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes.’ Ele se esforça por abrir e desenvolver amplamente o diálogo entre ordem, desordem e organização, para conceber, na sua especificidade, em cada um dos seus níveis, os fenômenos físicos biológicos e humanos. Esforça-se por obter a visão poliocular ou poliscópica, em que, por exemplo, as dimensões físicas, biológicas, espirituais, culturais, sociológicas, históricas daquilo que é humano deixem de ser incomunicáveis... Hoje, há que insistir fortemente na utilidade de um conhecimento que possa servir à reflexão, meditação, discussão, incorporação por todos, cada um no seu saber, na sua experiência, na sua vida...” (MORIN, 1996a, p. 30).

O quadro a seguir apresenta de forma didática as principais características do paradigma da complexidade e seus possíveis descritores. Hoje, uma paradigma que contesta a hermeticidade dos saberes e fazeres humanos legitimados, mas que agrega problematizações que, como nos paradigmas anteriores, não foram aceitas sem resistências diversas.

Quadro 1 Características do paradigma da complexidade 

COMPLEXIDADE
Expressões/ frases
associadas com a abordagem
Complexidade
Incertezas
Incompletude
Acaso
Transpenetração

Relação todo parte segundo Pascal
Junção/Ligar
Religar
Conceitos-chave associados com a abordagem Ordem Desordem
Organização transdisciplinaridade
Multidimensional Pensamento Complexo
Auto-eco-organização
Antropossociologia
Afiliação teórica Princípio dialógico e translógico
(integração da lógica clássica levando-se em conta os seus limites)
Princípio da Unitas Multiplex (escapando à
Unidade abstrata do alto (holismo) e do baixo (reducionismo). Teoria dos sistemas, teoria da informação, conceito de auto-organização.
Afiliação acadêmica Física/ História/ Geografia/ Biologia/
Sociologia
Ciências Sociais e Políticas/ Antropologia Psicologia/ Epistemologia/ Cibernética
Objetivos Romper com o conhecimento parcelar, reducionista e simplificador e promover uma via que considera a confusão, a incerteza no pensar e fazer científicos de maneira multidimensional.
Plano Sistema Aberto
Irrupção dos antagonismos no centro dos fenômenos organizados e irrupção dos paradoxos no centro da teoria.
Elaboração das propostas de investigação Criação do circuito do conhecimento, em que ocorre a interação anelar multidimensional, por meio da práxis cognitiva de forma centrípeta, centrípeta em relação ao objeto de estudo. Requer a consideração da incerteza como linha direcional, portanto, é extensa e não redutora.
Dados Os dados são considerados devidamente em suas multiplicidades complexas, isto é, são partes específicas de um todo específico, necessitando, portanto tratamento hologramático.
Amostra A amostra nesse paradigma pode apresentar-se pequena ou ampla, estratificada, representativa, aleatória... o mais importante é que dentro do seu universo, deverá se considerar as incertezas, as perturbações, as ligações e religações desse com o todo e as partes multidimensionalmente.
Técnicas ou métodos A dialética não tem metodologia, mas tem seu método, que se organiza no pensamento dos conceitos sem nunca os dar por concluídos, é a consciência antagonista própria da complexidade que está sempre em conflito (ordem-desordem-organização).
Relação com os sujeitos O sujeito cognoscente se torna objeto do seu conhecimento, ao mesmo tempo em que permanece sujeito, em uma dialógica recorrente.
Instrumentos Análises, analogias, entrevistas semiestruturadas, abertas considerando os metassistemas e suas abrangências não manipuláveis ao rigor técnico.
Análise de dados Interativa, associativa, intencionando estudar as múltiplas dimensões do objeto de estudo sem, contudo, prender-se a quaisquer conclusões hermeticamente fechadas.
Problemas com o uso da abordagem Enfrentamento da confusão (o jogo infinito das inter-retroações), a solidariedade dos fenômenos entre eles, a bruma, a incerteza, a contradição.

Fonte: Morin (1987 a, 1987 b, 1989, 1995a, 1995 b, 1996 a, 1996 b).

A pesquisa científica atual permanece, na visão moriniana, compartimentalizada e desviada de sua atividade-fim, que é tornar a ciência objeto da ciência. Mas o paradoxal é que à pergunta “o que é ciência?” não há resposta científica, daí se diz ser “científico” aquilo que é aceito pela maioria dos cientistas, ora, novamente o paradigma da simplicidade se apresenta reduzindo deterministicamente o conhecimento da ciência e a ciência do conhecimento à concepções unidimensionais, que não retratam efetivamente a “teia de complexidade” desses elementos, mas geram a passividade e o conformismo ao modelo científico convencional que, de uma tradição científica fragmentadora e disjuntiva, perpetua sua hegemonia limítrofe.

Para a superação de tal quadro, Morin (Ibidem, p. 120-123) apresenta dois caminhos pautados na ética do conhecimento e ética da responsabilidade à uma “ciência com consciência”. O primeiro refere-se à “tomada de consciência crítica”, isto é, questionar, rever, colocar em crise o evidente considerando suas tramas de relações, inter-relações e trans-relações, embora os pesos burocráticos da instituição científicas sejam enormes. Aqui o autor pontua que cabe ao investigador deixar de julgar-se o grande conhecedor das verdades absolutas, o grande líder condutor de preceitos completos em si, devendo considerar-se como Jó3 em sua miséria (destituído dos fortúnios da vida), mas disposto a perceber que há um mundo muito maior que precisa ser considerado na perspectiva da multidimensionalidade.

O segundo diz respeito à “necessidade de elaboração de uma ciência da ciência”, visto que “o conhecimento do conhecimento científico comporta necessariamente uma dimensão reflexiva, que deve deixar de ser remetida à filosofia, que deve vir do interior do mundo científico”. Sua crítica à filosofia dá-se por acreditar que há uma generalizada crise dos fundamentos do conhecimento a começar por essa, que se tornou insuficiente ao lançar mão da verificação empírica e da verificação lógica no estudo do real, uma vez que estabeleceu limites e alcances dentro de um universo sem barreiras, “unidimensionou” o conhecimento, o ser humano e o cosmos em uma ordem de tal forma predeterminada, que afastou-os sobremaneira da possibilidade do “devir” e, portanto, não considerando e nem aceitando nesse mesmo universo “uma combinação incerta e enigmática de ordem, desordem e organização” característica do mesmo (MORIN, 1987 b, p.18).

Por meio dessa análise, desde os anos 60, Edgar Morin vem construindo seu pensamento epistemológico complexo, onde seu ponto de partida é

“[...] ao mesmo tempo um ponto de chegada histórica (o que nos põe a questão da nossa subjugação ao lugar e ao tempo da nossa busca). Partimos do conhecimento da multidimensionalidade do fenômeno do conhecimento. Partimos do reconhecimento da obscuridade emboscada no âmago de uma noção que ilumina todas as coisas. Partimos de uma ameaça que vem do conhecimento contemporâneo e que é sem dúvida inseparável da crise do nosso século. Partimos, no cerne desta crise, e até aprofundando-a, da aquisição final da modernidade, que concerne o problema primeiro do conhecimento: a descoberta de que não há nenhum fundamento certo para o conhecimento e de que este comporta sombras, zonas cegas, buracos negros” (Ibidem, p. 19).

Assim como o planeta Terra imerso no cosmos, embora pareça um eixo que se encerra em si mesmo, mas não o é; o pressuposto de que a produção do conhecimento de maneira fragmentada referenda e legitima o modo aceitável e único da ciência é muito frágil, porque radicalmente relativo e incerto, visto que a dúvida e a relatividade estimulam a descoberta, destravam itinerários e possibilitam tentativas de novos conhecimentos. Isso nos faz pensar que a evolução da ciência se deu por esse caminho, mas parece que a sua maturidade estabeleceu limites ou muros delimitadores do agir e pensar entre inputs e outputs, logo, o pensamento complexo, embora não sistematizado ou considerado na relação do ligare e religare, esteve sempre presente nas orientações cognitivas dos sujeitos cognoscentes de forma transdisciplinar e, portanto, multidimensional e que, silenciado por um tempo pelo jeito “correto” e “aceitável” de se fazer e viver a ciência, ficou à parte sem voz, em favor da ciência clássica que, ao invés de beber de tais possibilidades estreitou-se pelo paradigma da simplificação (descarte, mensuração e classificação, dentre outros); entretanto, o paradigma da complexidade nas últimas décadas revisitado, com ênfase nos trabalhos de Morin, pauta-se por uma visão rizomática e complexa do universo físico, biológico, antropossocial, dentre outros, como poderemos observar no Quadro 2.

Quadro 2 Analogia entre o paradigma da simplificação e o paradigma da complexidade 

PARADIGMA DA SIMPLIFICAÇÃO PARADIGMA DA COMPLEXIDADE
1. Princípio de universalidade: “só há ciência geral”. Expulsão do local e do singular como contingentes ou residuais. 1. Validade, mas insuficiência do princípio de universalidade. Princípio complementar e inseparável de inteligibilidade a partir do local e do singular.
2. Eliminação da irreversibilidade temporal, e, mais amplamente, de tudo que é eventual e histórico. 2. Princípio de reconhecimento e de integração da irreversibilidade do tempo na física (2º princípio da termodinâmica, termodinâmica dos fenômenos irreversíveis) na biologia (ontogênese, filogênese, evolução) e em toda problemática organizacional (“só se pode conhecer um sistema complexo referindo-se a sua história e ao seu percurso - Prigogine). Necessidade inelutável de fazer intervirem a história e o acontecimento em todas as descrições e explicações.
3. Princípio que reduz o conhecimento das
organizações aos princípios de ordem (leis, invariâncias, constâncias, etc.)
3. Princípio da incontornabilidade da problemática da organização e - no que diz respeito a certos seres físicos (astros), os seres biológicos e as entidades antropossociais - da auto-organização.
4. Princípio de causalidade linear, superior e exterior aos objetos. 4. Princípio da causalidade complexa, comportando causalidade mútua inter-relacionada (Maruyama),
inter-retroações, atrasos, interferências, sinergias, desvios, reorientações. Princípio da endoexocausalidade para os fenômenos de auto-organização.
5. Soberania explicativa absoluta da ordem, ou seja, determinismo universal e impecável: as aleatoriedades são aparências devidas à nossa ignorância. Assim, em função dos princípios 1, 2, 3, 4 e 5, a inteligibilidade de um fenômeno ou objeto complexo reduz-se ao conhecimento das leis gerais e necessárias que governam as unidades elementares do que é constituído. 5. Princípio de consideração dos fenômenos segundo uma dialógica

Ordem → desordem → interações → organização.

Integração, por conseguinte, não só da problemática da organização, mas também dos acontecimentos aleatórios na busca da inteligibilidade.
6. Princípio de isolamento/separação do objeto em relação ao seu ambiente. 6. Princípio de distinção, mas não de separação, entre o objeto ou o ser e seu ambiente. O conhecimento de toda organização biológica exige o conhecimento de suas interações com seu ecossistema.
7. Princípio de separação absoluta entre o objeto e o sujeito que o percebe/conhece. A verificação por observadores/experimentadores diversos é suficiente não só para atingir a objetividade, mas também para excluir o sujeito “conhecente”. 7. Princípio de relação entre o observador/“concebedor”
e o objeto observado/concebido. Princípio de introdução do dispositivo de observação ou de experimentação
- aparelho, recorte, grade - (MugurTachter) e, por isso, do observador/”concebedor” em toda observação ou experimentação física. Necessidade de introduzir o sujeito humano - situado e datado cultural, sociológica, historicamente - em estudo antropológico ou sociológico.
8. Ergo: eliminação de toda a problemática do sujeito no conhecimento científico. 8. Possibilidade e necessidade de uma teoria científica do sujeito.
9. Eliminação do ser e da existência por meio da quantificação e da formalização. 9. Possibilidade, a partir de uma teoria da autoprodução e da auto-organização, de introduzir e de reconhecer física e biologicamente (e, sobretudo, antropologicamente) as categorias do ser e da existência.
10. A autonomia não é concebível. 10. Possibilidade, a partir de uma teoria da autoprodução e da auto-organização, de reconhecer cientificamente
a noção de autonomia.
11. Princípio de confiabilidade absoluta da lógica para estabelecer a verdade intrínseca das teorias. Toda contradição aparece necessariamente como erro. 11. Problemática das limitações da lógica. Reconhecimento dos limites da demonstração lógica nos sistemas formais complexos (Gödel, Tarski). Consideração eventual das contradições ou aporias impostas pela observação/ experimentação como indícios de domínio desconhecido ou profundo da realidade (Withehead, Bohr, Lupasco, Gunther). Princípio discursivo complexo, comportando
a associação de noções complementares, concorrentes e antagônicas.
12. Pensa-se inscrevendo ideias claras e distintas num discurso monológico. 12. Há que pensar de maneira dialógica e por macroconceitos, ligando de maneira complementar noções eventualmente antagônicas.
13. Princípio que reduz o conhecimento dos conjuntos ou sistemas ao conhecimento das partes simples ou unidades elementares que os constituem. 13. Reconhecimento da impossibilidade de isolar unidades elementares simples na base do universo físico. Princípio que une a necessidade de ligar o conhecimento dos elementos ou partes dos conjuntos ou sistemas que elas constituem. “Julgo impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, como conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes” (Pascal).

Fonte: Morin (1996 a, p. 330-334).

O paradigma da complexidade e o conhecimento multidimensional

“O método da complexidade não tem por missão encontrar a certeza perdida e o princípio UNO da Verdade. Pelo contrário, deve constituir um pensamento que se nutre de incerteza, em vez de morrer dela. Deve evitar cortar os nós górdios entre objecto e sujeito, natureza e cultura, ciência e filosofia, vida e pensamento... O que anima esta investigação é o horror ao pensamento mutilado/mutilante, é a recusa do conhecimento atomizado, parcelado e redutor, é a reivindicação vital do direito à reflexão. É a consciência de que aquilo que mais falta nos faz não é o conhecimento daquilo que ignoramos, mas a aptidão para pensar aquilo que sabemos. É finalmente, sobretudo, a vontade de substituir a euforia de um conhecimento incapaz de conhecer a si mesmo pela investigação inquieta de um conhecimento do conhecimento” (MORIN, 1989, p. 1314).

O paradigma da complexidade centra-se na incerteza, na dificuldade, na incompletude do conhecimento, tendendo para o conhecimento multidimensional, que longe de apresentar-se como geral ou unitário, busca revelar o objeto de estudo desarraigado de falsas clarezas e não ocultando suas ligações, articulações, solidariedades, implicações, interdependências e complexidades num caminho circular e espiral (MORIN, 1987 a, p. 19), onde a unidade da ciência só terá “sentido se for capaz de apreender simultaneamente unidade e diversidade, continuidade e rupturas” (MORIN, 1995, p. 74) na tetralogia ordem - desordem - organização - interações/encontros (como vemos na Figura 1).

Fonte: Morin (1987 a, p. 58).

Figura 1 O Anel Tetralógico 

Para Morin são objetos de interações na relação do conhecimento e sua produção: a ordem, a organização e manifestas pelas interações ou encontros, a desordem, concernentes as desigualdades, desvios, turbulências. A esta relação Morin caracteriza como Anel Tetralógico destacando-se que, embora a ordem e a organização sejam interdependentes de forma mútua, a desordem não é descartada, uma vez que são manifestações que fazem sentido nos encontros ou interações no desvelamento do objeto. Apreende-se daí que, a relação entre ordem e organização do Anel Tetralógico está intrinsecamente articulada em sua complexidade, ou seja, as tramas ou vinculações entre a ordem-organização não dispensam a “desordem” (aqui entendida como as variáveis não controláveis, agitações, desvios, etc.), quer por tolerância, quer por necessidade à medida que as interações ocorrem. A ordem aqui é entendida como uma disposição de elementos em interação que se rasga e se transforma em outros e novos elementos, mediante os desvios (desordem) internos e externos próprios desses e do meio, promovendo a organização, essa compreendida como mais do que a junção ordem-desordem, mas para além disso é a interação multidimensional de um universo dinâmico, portanto, “a organização: transforma, produz, liga, mantém” o todo e as partes e vice-versa, mas não na perspectiva holística, que Morin denomina de reducionista, que considerando o todo, despreza as partes, mas em um circuito relacional não disjuntivo, dado que

O todo é mais do que a soma das partes..., visto que em seu nível surgem não só uma macrounidade, mas também emergências, que são qualidades/propriedades novas. O todo é menos do que a soma das partes (porque elas, sob o efeito das coações resultantes da organização do todo, perdem ou vêem inibirem-se algumas das suas qualidades ou propriedades). O todo é mais do que o todo, porque o todo enquanto todo retroage sobre as partes, que, por sua vez, retroagem sobre o todo (por outras palavras, o todo é mais do que uma realidade global, é um dinamismo organizacional)”(MORIN, 1996 a, p. 261 - grifo nosso).

São eles 1) o dialógico apresentado como “inimigas” ou aparentemente não vinculadas, mesmo porque uma pode até suprimir a outra, entretanto, em certos casos, colaboram e produzem organização e complexidade, permitindo-nos manter a dualidade no seio da unidade, isto significa que dois termos podem estar associados ao mesmo tempo como complementares e antagônicos; 2) a recursão organizacional que apresenta uma ideia de ruptura com a linearidade de causa/efeito, de produto/produtor, de estrutura/ superestrutura, logo, apresenta-se num ciclo autoconstitutivo, auto-organizador e autoprodutor, isto é, as produções e tensões estão em evidencia em sua totalidade; 3) Hologramático onde parte e todo são mutuamente comunicantes e integrantes de um mesmo corpo, não há redução, ainda que a parte seja um recorte para consideração, assim, ultrapassa o reducionismo da ciência clássica, que só vê as partes e o holismo, que só vê o todo, mas interação em fluxo de uma totalidade multidimensional. Esses três princípios, portanto, estão intimamente associados no estudo do objeto na perspectiva da complexidade, sem os quais o seu embasamento ficaria indubitavelmente comprometido (ver Figura 2).

Fonte: Morin (1987 a, 1995 a , 1996 a).

Figura 2 Os princípios da complexidade 

O paradigma da complexidade, a educação e a formação de professores

A educação para Morin é um caminho importantíssimo para a reflexão e superação da tecnociência que, em uma agonia planetária, propõe a busca do conhecimento pela compartimentalização, da departamentalização do reducionismo em áreas, em especificidades, dispensando relações possíveis que até poderiam inferir no entendimento de suas parcialidades. No entanto, também com a educação, utilizando-se a mesma medida, como em caixinhas apresenta-se dia a dia, a educação como produto em gotas, marcadas pelas especializações. Entretanto, é a partir da educação como expressão de resistência e problematização que se pode romper com “... a especialização como único caminho para o progresso, em detrimento da unidade e da complexificação” (PETRAGLIA, 1995, p. 68). A educação para Goergen (1999, p. 12-14) contribui para a emancipação humana, portanto “da complexidade de sua transformabilidade, no sentido de torná-la mais digna, mais justa, mais humana”, onde o conhecimento crítico-reflexivo possa ser “trabalhado” na sua totalidade, para Morin (1987 a), de forma hologramática, considerando que em cada parte o todo esteja presente e em interação e vice-versa, em uma dimensão polirrelacional em que a transdisciplinaridade seja a mola propulsora de uma nova visão de mundo e da própria educação. Para Morin (1995b, p. 85), isto é possível desde a escola elementar estendendo-se por toda a vida, pois a transdisciplinaridade não estabelece fronteiras ao conhecimento, em suas palavras

“[...] uma criança pode compreender muito bem que, quando ela come, cumpre não somente o ato biológico, mas também o ato cultural, o ato da comensalidade; pode compreender que esta alimentação foi escolhida em função das normas que lhe foram transmitidas por sua família, sua religião, etc.”

Morin (1996 a, p. 135), afirma que a disciplinaridade e a interdisciplinaridade delimitam fronteiras e trocas acerca do conhecimento tornando-se insuficientes na compreensão do ser e do saber. A disciplinaridade por compartimentalizar a educação, por meio de seus currículos mínimos como se cada área do conhecimento tivesse vida em si mesma e não enriquecendo a expansão multidimensional do conhecimento que se inicia na e com a vida e suas produções, a interdisciplinaridade por pretender colaboração e comunicação entre as disciplinas, mas negando a sua eficiência e eficácia de um saber que se envolve mas não se compromete, isto é, apesar das intercomunicações cada disciplina permanece com suas particularidades. Para Morin a transdisciplinaridade pautada pelo paradigma da complexidade poderia melhor reorientar a educação conferindo-lhe robusto suporte na construção do conhecimento multidimensional (Unitas Multiplex), o que cabe dizer que, na formação inicial ou continuada do professor, tais olhares não podem e não devem ser colocados à margem.

O professor mobilizado por esta perspectiva promove a concepção de uma consciência reflexiva dinâmica dentro da ética do conhecimento complexo, assim, ao colocar em sua prática cotidiana a transdisciplinaridade como a transpenetração de conhecimentos, promove articulações, transformações e processos polirrelacionais, onde cada elemento liga-se e religa-se ao outro de forma hologramática, recorrente e dialógica, considerando suas incertezas, turbulências e acasos, como veremos na Figura 3, denominada “Gaia”7 por Petraglia (1995, p. 102), nome dado à deusa grega chamada Geia, que “simbolizava a função materna de conceber e retomar a vida”.

Fonte: Petraglia (1995, P. 101).

Figura 3 Gaia 

A transdisciplinaridade é caracterizada pela construção de um saber uno concebido na relação todo-parte-todo, ou seja, na análise do objeto o todo e as partes se interpenetram e se “transpenetram”, sem parcelizar o conhecimento. A escola como instituição de promoção da aprendizagem dos estudantes tem a missão de promover tal perspectiva, uma vez o desenvolvimento de um pensamento multidimensional não se dá de um dia para o outro, é processo de aprendizagem e des-aprendizagem de amarras que tolhem e simplificam a naturalidade da complexidade. Logo, o caminho para o pensamento multidimensional favorece o desenvolvimento da ciência à luz do paradigma da complexidade(MORIN, 1996 a, p. 189).

Contrapontos e pontuações à dialogia do paradigma da complexidade e a formação de professores

A perspectiva do paradigma da complexidade não propõe a supressão das descobertas dos caminhos para a produção do conhecimento, mas a sua orientação quanto à priorização do que é próprio da natureza, o conhecimento na relação de ordem, organização, interações e desordem também. Nesse olhar a educação e a sua pesquisa, a performance do ser cognoscente e do mundo que é conhecido percorreriam os saberes e fazeres pedagógicos sem reducionismos, sem encarcerarem as possibilidades das ciências, mas considerando sobretudo a complexidade do mundo e da humanidade. Nesse sentido, ciência, epistemologia e pesquisa educacional constituiriam base para a construção de um currículo transdisciplinar nas escolas. Embora o paradigma da complexidade reúna a trilogia acima apontada, esbarra em algumas detrações quanto à possibilidade de sua dialogia com a formação de professores e o reconhecimento em si como paradigma científico, eis algumas mais comuns:

  1. Para Noronha (2002), o paradigma da complexidade carece de uma abordagem metodológica para trabalhar “tanta complexidade”. Diferente dessa leitura, em Morin, longe de fragmentar para entender, a complexidade do fenômeno é uma totalidade, logo, embora existam particularidades e similaridades, a abordagem transdisciplinar pode auxiliar em tal compreensão, portanto, esse argumento não tem força em si. Embora a autora diga que o paradigma corre o risco de fragmentar enquanto é estudado; observa-se que todos os paradigmas estão sujeitos a riscos, considerados os seus recortes e delimitações.

  2. Jacomeli (2008) afirma que a tentativa de viragem paradigmática com a “complexidade” referenda a leitura do mundo capitalista e suas demandas. Entretanto, a lente utilizada pela autora, claramente de viés gramsciana, tem somente uma perspectiva de leitura real, embora utilize o materialismo histórico como referência. Entretanto, há que se lembrar que, na história da construção paradigmática de pesquisa, não existiu harmonia em meio à proposição e reconhecimento dos paradigmas clássicos (Quantitativo, Qualitativo e Dialético) e ainda hoje existem escolas que tecem duras críticas ante a validade e limitações internas destes, quanto ao seu método e suas concepções epistemológicas, dentre outros.

Nessas duas pontuações centram-se obstáculos, de caráter prático, à dialogia do paradigma da complexidade e a formação de professores; visto a se trabalhar sempre “certezas” em um mundo que sempre se descobriu e que se reduziu a três grandes correntes epistemológicas de se entender e ler o objeto e o “vir a ser” em nível de “possível” é descartado e, em alguns casos, até aniquilados dos estudos de formação dos professores. Critica-se o olhar reducionista, mas não há o seu afastamento na academia. É necessário o resgate da ciência como busca e descobrimento do ser humano, tanto de si como do mundo e do universo que o circunda, daí será necessário formar professores como provocadores do conhecimento como processo e não como um mundo dado; a liberdade de pensamento não deve formatar sujeitos a ler “cavernas” criadas pelos formadores, mas entender que o olhar pluridiverso é possível e o complexo é o desafio que nos coloca dia a dia: na aprendizagem de um professor, de uma criança, da sociedade e na possibilidade do não estreitamento do entender e fazer ciência.

Considerações finais

A educação na perspectiva da complexidade se propõe a despertar no homem a consciência de si e do outro no mundo, ampliando as fronteiras de seu conhecimento e da sua vida, conferindo-lhe possibilidade de plasticidade entre o objeto conhecido e o por conhecer, entre as experiências e teses, entre postulados e ensaios, visto que o movimento da recursão organizacional transversalizado pelo diálogo considerada a totalidade hologramática como parte da vida da humanidade; logo, a formação de professores deve situar não somente as ciências que se construíram e foram consagradas pela academia, mas a que a todo momento se atualiza. Se não validadas, pelo menos não devem ser ignoradas, visto o que não é ciência em um determinado tempo, é a materialização de determinado paradigma noutro.

Consequentemente, o paradigma da complexidade tem como princípio à elevação da humanidade à busca de autonomia de sua própria história em construção, assim, não pode conceber o conhecimento como objeto suscetível de ser legitimado por pensamentos simplificadores, pelo contrário como ser que forma, se autoforma e se transforma deve ser mediatizada pela compreensão, interpretação e crítica de sua realidade. Essa promoção do homem como ser social adquire. Isso já não é feito pelas ciências consagradas?

Entre pressupostos e leituras, escanteiam-se leituras que seriam contribuições incomensuráveis para o despertamento do professor e do aluno, do cidadão e todos que ousam em não aceitar tacitamente a redução da ciência como objeto acabado. Nesta diretriz, inspirada por Morin (1999, p. 73), reconhecemos a necessidade fundamental de articular os diferentes conhecimentos de maneira especial na pesquisa científica. A constituição de um objeto de estudo que seja simultaneamente interdisciplinar, polidisciplinar e transdisciplinar permite estabelecer intercâmbios, cooperação e aquisição de competências múltiplas. Nessa abordagem, destaca-se a importância da pluralidade epistemológica e sua aplicação prática na produção científica. Portanto, o diálogo com a realidade (a pesquisa em ação) deve ser orientado pela ética do conhecimento e pela ética da responsabilidade, garantindo que as contribuições e realizações humanas sejam consideradas em sua totalidade complexa e processual.

Dessa forma, o diálogo com a realidade (a pesquisa em ação) é baseado tanto na ética do conhecimento quanto na ética da responsabilidade, levando em consideração as complexidades e processos envolvidos nas contribuições humanas. Assim, concluímos com uma pergunta apresentada por Edgar Morin (1999, p. 79): "De que forma todos os conhecimentos fragmentados nos seriam úteis se não os confrontássemos para formar uma configuração que atenda às nossas expectativas, necessidades e indagações cognitivas?”.

1Entendemos o conceito como Severino (1996, p. 152), ou seja, como “imagem mental por meio da qual se representa um objeto, sinal imediato do objeto representado. O conceito garante uma referência direta ao objeto real. Esta referência é dita intencional no sentido de que o conceito adquirido por processos especiais de apreensão das coisas pelo intelecto [...], refere-se a coisas, de maneira representativa e substitutiva. Esse objeto passa então a existir para a inteligência, passa a ser pensado. Portanto, o conceito representa e substitui a coisa ao nível da inteligência”, acrescentando e transformando a realidade concreta.

2Na definição de Petraglia (1995, p. 48), “complexidade é a qualidade do que é complexo. O termo vem do latim: complexus, o que significa o que abrange muitos elementos ou várias partes. É um conjunto de circunstâncias, ou coisas interdependentes, ou seja, que apresentam ligação entre si. Trata-se da congregação de elementos que são membros e partícipes do todo. O todo é uma unidade complexa. E o todo não se reduz à mera soma dos elementos que constituem as partes. É mais do que isto, pois cada parte apresenta sua especificidade e, em contato com as outras, modificam-se as partes e também o todo.”

3Personagem da Bíblia que muito sofreu por sua humildade e integridade.

Referências

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Recebido: 30 de Abril de 2023; Aceito: 01 de Junho de 2023

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Doutor em Educação, e-mail: paulogl.lima@gmail.com

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