Introdução
Marcelo Garcia (1999, p. 24) concebe a formação de professores como “[...] área de conhecimento, investigação, propostas teóricas e práticas; contempla as formações inicial, continuada e o exercício docente [...]. E acrescenta que se trata de “[...] um processo individual e coletivo; e está relacionado às experiências de aprendizagem que promovem reflexão e ação para com o ensino, escola, alunos, currículo, qualidade da educação etc.” (Marcelo Garcia, 1999, p. 24, grifo nosso).
Para fins de contextualização deste estudo, sublinhamos a compreensão que a formação inicial de professores constitui a primeira etapa de profissionalização e a base para constituição da profissionalidade docente, constituída, muitas vezes, sem o rigor crítico e humanista necessário ao desenvolvimento de práticas pedagógicas problematizadoras/dialógicas, crítico-emancipadoras voltadas à compreensão do papel da educação na transformação da escola pública em constante metamorfose, no interior de uma sociedade que se reveste de enorme complexidade e que avança na restrição e subordinação da educação aos objetivos mercadológicos em detrimento da formação humana e integral. Concordando com Marcelo Garcia (1999), Nóvoa (2022, p. 88) elucida que essa formação é um espaço central na defesa da escola pública e da profissão docente. Agrega-se às indicações de Nóvoa (2002, p. 88), de que “[...] não pode haver uma profissão forte se a formação de professores for desvalorizada e reduzida apenas às disciplinas, a ensinar ou às técnicas pedagógicas”.
Ao elegermos, neste estudo, o tema formação inicial de professores para educação básica e sua interlocução com os territórios educativos (TEs), vislumbramos uma educação com sujeitos e seus territórios de modo integrado e, tendo em vista a percepção de Canário sobre a realidade escolar ser “[...] apenas uma dimensão do processo educativo, [pois] a escola coexiste com uma dimensão educativa que a transcende” (Canário, 2007, p. 100), partimos do pressuposto que esse processo formativo no contexto das instituições de ensino superior (IES), requer o re(conhecimento) dos potenciais educativos que se apresentam como “ativos pedagógicos inertes” no espaço da cidade.
Na esteira de Singer (2015) concebemos os TEs a partir da articulação de diferentes agentes educativos, funcionando de forma intersetorial, interdisciplinar, interinstitucional e intergeracional, com escolas desenvolvendo projetos político-pedagógicos democráticos (PPPs), no marco da educação integral; “Quando a rede sociopedagógica (educação, desenvolvimento social, saúde, direitos humanos) cumpre suas tarefas de forma integrada, compartilhando dados e agendas, alinhando princípios e construindo estratégias comuns para o trabalho”(p. 11-12); E pelo reconhecimento e exercício do potencial educativo de seus diferentes sujeitos, ampliando e diversificando as oportunidades para todos.
A esse respeito, comungamos das ideias de Nóvoa (2022, p. 87) ao afirmar que “[...] hoje, precisamos de instituições, dentro das universidades, mas em relação com o seu exterior, que sejam capazes de compreender e de promover a metamorfose da escola. Nada será feito sem um reforço dos professores e da sua profissionalidade” (grifo nosso). Portanto, “[...] Para que esta “casa comum” tenha viabilidade é necessário celebrar um verdadeiro contrato de formação, desde logo, no interior da Universidade e, depois, com a “cidade”, com uma rede de escolas parceiras (Nóvoa, 2022, p. 81).
Ratificando o autor e nos permitindo ir além, diríamos que com universidades e escolas e para além dos espaços formais de ensino. Pois, compreender o “terceiro lugar” da formação docente contemporânea requer o (re)conhecimento dos potenciais educativos que se apresentam como “ativos pedagógicos inertes” no espaço da cidade, como já citado. Ativá-los pedagogicamente como espaços formativos integrais por meio das experiências pedagógicas pode gerar, a um só tempo, formação docente e transformação dos territórios.
Inúmeras experiências educativas relacionadas com os territórios vêm sendo produzidas no Brasil contemporâneo, como atestam nomenclaturas e conceitos que circulam nas redes e ruas do país. Bairro-escola, cidade-escola, cidade educadoras, novos paradigmas da educação integral, espaços educativos, territórios educativos e outras menos visíveis em suas formas de nominar as práticas pedagógicas. No entanto, tal fartura de experiências parece não vir acompanhada de investigações que: 1. problematizam tais experiências, ampliando a compreensão das suas práticas e composições teóricas em relação à educação em espaços urbanos; 2. relacionem essas experiências com a formação inicial de professores de maneira mais aderentes à dimensão socio-territorial.
Isso posto, este texto apresenta uma pesquisa de abordagem qualitativa do tipo Estado do Conhecimento, que elege como objetivo principal analisar a produção acadêmico-científica disponíveis no catálogo de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a plataforma Educ@/FCC SciELO/Brasil e SciELO/América Latina, que tratam da interface entre a formação inicial de professores e os territórios educativos, a fim de compreender como o tema tem sido abordado nestas publicações de modo a identificar lacunas existentes, possibilidades e/ou possíveis desafios para a formação de professores na relação com os territórios da cidade.
Colocar em evidência esta temática a partir da produção acadêmica, encontra guarida nos argumentos de Romanowski e Ens (2006, p. 41) a medida em que possibilita “uma visão geral do que vem sendo produzido na área e uma ordenação que permite aos interessados perceberem a evolução das pesquisas na área, bem como suas características e foco, além de identificar as lacunas ainda existentes.”
A organização do texto contempla, além desta introdução, apontamentos teóricos sobre a formação inicial de professores na interface com os territórios educativos, seguindo com uma sucinta reflexão sobre a extensão universitária articulada aos territórios educativos como meio potencial de formação humana e integral. Na sequência, a descrição metodológica, descrição dos estudos e uma síntese integradora destes, na busca por identificar e analisar as lacunas, possibilidades e desafios existentes na efetivação da interlocução entre formação com os territórios. Por fim, as considerações finais. Espera-se que este estudo instigue a problematizar a formação docente na interlocução com os territórios educativos de modo a constituir o “terceiro lugar” da formação de professores apontado por Nóvoa (2022), contribuindo com a constituição de uma profissionalidade no interior de uma pessoalidade do professor (Nóvoa, 2009; 2017) e descortinar novas pesquisas.
A formação inicial de professores na interface com os territórios educativos: apontamentos teóricos
Admitindo que “[...] o professor, no exercício de sua prática, pode ou não se exercitar pedagogicamente. Ou seja, sua prática docente, para se transformar em prática pedagógica, requer, pelo menos, dois movimentos: o da reflexão crítica da sua prática e o da consciência das intencionalidades que presidem suas práticas [...]” (Franco, 2016, p. 543), que consideramos, neste estudo, tecer reflexões pertinentes à formação inicial de professores a partir dos territórios e que esses podem ser mobilizados na perspectiva de gerar novas práticas pedagógicas e vice-versa. Com efeito, gestar um processo formativo no interior das licenciaturas nessa perspectiva potencializa a constituição dos elementos (dis-posições) de profissionalidade docente para caracterizar o trabalho docente1 (Nóvoa, 2009, 2017) para/em uma escola pública em tempos de metamorfose, cujo atual modelo escolar não resistirá por muito tempo porque serviu aos propósitos e às necessidades do século passado e, portanto, se apresenta insuficiente para responder às necessidades dos alunos deste novo século XXI (Nóvoa, 2022).
Em relação à metamorfose da escola, Canário (2007, p. 20) assevera que a reinvenção do modelo escolar passa por três eixos estratégicos de intervenção, dentre eles, situa-se a necessidade “[...] em conceber e praticar uma ação educativa globalizada cuja referência seja um território educativo [...]”, em que “a realidade escolar é apenas uma dimensão do processo educativo, [pois] a escola coexiste com uma dimensão educativa que a transcende” (p. 100). Esclarece, ainda, que “os alunos têm de ser capazes de integrar e relacionar a sua experiência escolar com todas as suas experiências de vida em busca de construir sentido” (Canário, 2007, p. 101).
Concernente à escola, concordamos com Novoa (2022, p. 16) quanto ao ser “impossível prolongar uma concepção fechada de escola” e na defesa de “compreender a capilaridade educativa que liga o trabalho dentro e fora da escola (nas famílias, nas cidades, na sociedade)”. Diz ele, ao que concordamos, que “a valorização do espaço público da educação é fundamental para inscrever toda a sociedade no esforço de educar, como se defende, por exemplo, no movimento das “cidades educadoras” (Freire, 2001, p. 16), pois, “[...] enquanto educadora, a Cidade também é educanda” (p. 13). Na defesa da relação educação e cidade, Freire (1996, p. 50) já alertava que “[...] Há uma pedagogicidade indiscutível na materialidade do espaço”, assim como Moll (2019), ao defender a cidade democrática e educadora, como espaço de muitas trilhas, como territórios educativos. Pois, a mobilização criativa da ideia-força das cidades educadoras reside no desafio não de escolarizar a cidade, mas a cidade desescolarizar a educação.
Urge, portanto, a necessidade de (re)pensar os processos de formação inicial de professores em uma perspectiva problematizadora/dialógica (Freire, 2019) com a cidade enquanto espaço potencialmente educador, repleto de saberes que desvalida a monocultura em favor da ecologia dos saberes (Santos, 2011). O que nos leva a pensar a educação imbricada nos territórios, como parte da “espontaneidade” das relações societais, mas necessitando de um conjunto intencionado de composição educativa com/na e para a cidade. Afinal,
Os homens são porque estão em situação. E serão tanto mais quanto não só pensem criticamente sobre sua forma de estar, mas criticamente atuem sobre a situação em que estão. Esta reflexão sobre a situacionalidade é um pensar a própria condição de existir. Um pensar crítico através do qual os homens se descobrem em ‘situação (Freire, 1987, p. 65).
Nóvoa (2022, p. 80-89), ao tecer reflexões sobre os professores e sua formação para essa escola contemporânea, aponta para três teses a fim de repensar a formação de professores para a escola do futuro, quais sejam: “Um terceiro lugar, um terceiro gênero de conhecimento e uma terceira presença coletiva dos professores” (Nóvoa, 2022, p. 89). Ao referir-se ao “terceiro lugar”, defende a criação de um novo ambiente institucional e pedagógico para formar professores. Explica ser “[...] um novo lugar institucional, interno e externo, que promova uma política integrada de formação de professores, por um lado, dentro da universidade, por outro lado, ligando a universidade às escolas públicas da “cidade” (2022, p. 80, grifo nosso). O autor aponta que:
[...] nas últimas décadas, as universidades têm desenvolvido movimentos de criação de “terceiros lugares”, sendo mais do que a soma das universidades e das escolas, e ligando as universidades à sociedade e às cidades, seja na saúde, na tecnologia, no direito ou na educação [...] (Nóvoa, 2022, p. 81, grifo nosso).
Agrega-se ao exposto o Parecer CNE/CEB nº 7/2010, que fixou as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica, ao situar a educação de qualidade social como conquista da sociedade brasileira [...], e afirma que “[...] Essa conquista, simultaneamente, tão solitária e solidária quanto singular e coletiva, supõe aprender a articular o local e o universal em diferentes tempos, espaços e grupos sociais desde a primeira infância” (Brasil, 2010, p. 8-9, grifo nosso).
Nessa perspectiva, recorremos a Trilla Bernet (1997, p. 20-34, grifo nosso) para apresentar três dimensões na defesa da relação educação-cidade, quais sejam:
“[...] aprender en la ciudad (La ciudad como contenedor de educación); Aprender de la ciudad (La ciudad como agente de educación); Aprender la ciudad (La ciudad como contenido de la educación)”.
A primeira dimensão consiste em considerar a cidade contexto/local de educação: aprender na cidade com suas instituições, seus recursos, suas relações, suas experiências. A segunda dimensão coloca a cidade como um agente potencial de educação: aprender com a cidade como emissora contínua de aprendizagens. Por fim, a terceira dimensão envolve aprender a cidade como conteúdo educativo ao fazer dela um objeto passível de apreensão, de educação.
Na reflexão sobre o professor e sua formação para a escola em metamorfose - a escola do futuro, sobressai a necessidade de não se adaptar à cidade, mas de ler criticamente a cidade e enxergá-la “[...] como experiência cultural e currículo” (Bonafé, 2015, p. 111), aquela que também educa, integra experiência, conhecimento e disciplinas simultaneamente. Pois, a educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é a transferência de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados” (Freire, 1980, p. 69). Desta forma, compreender a cidade como um currículo, implica:
En primer lugar, entiendo el curriculum como un dispositivo cultural que selecciona y ordena saberes; en segundo lugar, es el campo de experiencia y posibilidad para el aprendizaje con esos saberes, desde esos saberes. En tercer lugar, es un espacio o campo social en conflicto, porque concentra las luchas e intereses enfrentados por la construcción del significado; en este sentido, el curriculum es también un dispositivo cultural cruzado por relaciones de poder. En cuarto lugar, el curriculum es un modo de hablar, un lenguaje con el que se nombra la experiencia social pero también con el que se construye la experiencia contextual y subjetiva de cada cual; y es por todo esto, finalmente, que decimos del curriculum que es discurso poniendo en relación prácticas institucionales con lenguajes cruzados por relaciones de poder. Decir entonces que la ciudad es curriculum es decir que la ciudad es producto pero también y más fundamentalmente es proceso, experiencia, construcción, proyecto y posibilidad de subjetivación y producción de saber (Bonafé, 2022, p. 9);
É instigante pensar, no presente, que formar professores para além das brechas da universidade - que apesar de abrigar uma diversidade de contextos sociais, não encerra em si mesma, a riqueza da diversidade, complexidade/contradições da vida nos diferentes contextos urbanos com seus sujeitos, ao que evidenciamos a relevância de conectar a referida formação com o mundo real na perspectiva de problematização e análise crítica da realidade circundante, engajados com os territórios educativos (escolares ou não-escolares) como espaço/tempo de aprendizagens e construção de conhecimento tecidos interdisciplinarmente, principalmente naquelas cidades que em suas políticas públicas assumem o compromisso de educar e transformar, não é tarefa fácil em um contexto educacional multifacetado, em que se acentua, cada vez mais,
“[...] a desprofissionalização, precarização e aligeiramento da formação, bem como a frágil articulação entre a formação inicial, a formação continuada, a inserção profissional e as condições de trabalho, salário e carreira dos profissionais da educação” e, também, a “a frágil articulação entre teoria e prática, entre conhecimento específico e conhecimento pedagógico, entre universidades e escolas” (Gatti, 2019, p. 177).
Em face dessas considerações, agrega-se, também, inquietações advindas das recentes políticas educacionais para a formação inicial de professores/as por meio do Parecer CNE/2019 nº 22/2019 e a Resolução nº 02/2019 em que a racionalidade técnica se sobrepõe a racionalidade crítica, a padronização do currículo embasado em uma lógica gerencialista, dissociabilidade na relação teoria e prática, entre outros aspectos, conforme pontuam Diniz-Pereira (2021); Silva e Cruz (2021); Simionato e Hobold (2021), entre outros.
Isso posto, visitamos os apontamentos de Imbernón (2016, p. 39) para elucidar que não cabe mais “[...] políticas e formadores que praticam com afinco e entusiasmo uma formação transmissora e uniforme, com predomínio de uma teoria descontextualizada, válida para todos sem diferenciação, distante dos problemas práticos e reais [...]”. E retomamos Freire (2019, p. 81) para enfatizar que a educação precisa ser um processo ativo, dialógico, de transformação social e que acontece com o outro. “Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros” (Freire, 2019, p. 81).
Em contrapartida, este cenário induz a necessidade de re(criar) um novo habitus (Bourdieu, 2009) no âmbito da formação de professores na (re)constituição da profissionalidade docente, que viabilize práticas pedagógicas crítico-emancipadoras em sua relação com a cidade na perspectiva do “[...] território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade [...]” (Santos, 2009, p. 8), de modo a constituir territórios educativos na promoção de uma formação em sua multidimensionalidade humana em tempos que a metamorfose da escola, se evidencia em face do questionamento ao seu modelo escolar perante as demandas e necessidades expressas em cenários complexos da sociedade neste século. Trata-se, de um caminho mais que necessário e que reclama a atenção das IES à abertura face às novas tendências nos processos de formação inicial de professores para a escola do futuro.
A formação de professores e o contexto das práticas docentes nessa perspectiva induz à curricularização de outros territórios para uma educação crítico-emancipadora, identitária, entendendo a cidade como sujeito de aprendizagens, emissora de narrativas diversificadas e agente das transformações necessárias, dimensão política indissociável da acepção da educação como prática da liberdade (Donato; Silva; Santos, 2022). Nesta perspectiva, sobressai a “extensão universitária” (Brasil, 2014; 2018), como um caminho promissor e potencial para concretizar a interlocução com os territórios educativos a partir de sua curricularização e contribuir para a formação docente em uma perspectiva interdisciplinar, contextualizada, identitária e dialógica que viabiliza a problematização e a transformação da realidade social e a democratização do conhecimento. Destacamos, as reflexões de Freire (2019, p. 52), “[...] “Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar”. Por sua vez, reverberam ambiências formativas para além dos muros da universidade e que corroboram para a constituição dos elementos/dis-posições de profissionalidade docente como referendado por Nóvoa (2009; 2022).
Na esteira de Santos (2011), a extensão universitária aparece no cenário global do atual capitalismo como uma possibilidade de “funcionalizar a universidade” como uma grande prestadora de serviços as demandas da sociedade da mercadoria. Ao lado da tendência de subordinação da extensão universitária a semântica pedagógica do capital, o autor descortina outra importante vereda, uma extensão implicada nas dinâmicas sociais, atravessando a universidade com uma ecologia de saberes multiterritoriais.
Exatamente neste ponto de intersecção junto aos territórios e suas dinâmicas, que podemos perceber como as formas de ampliação dos espaços formativos da universidade pode encontrar a intencionalidade dos espaços da cidade, curricularizando em situação. Uma formação docente territorializada implica desemparedar a educação dos muros epistêmicos e metodológicos, ao mesmo tempo, que desvela outras paisagens pedagógicas. Não se trata de uma contraposição entre o formal e o não formal, atribuindo a este o último o poder de cura das doenças academicistas, mas de uma educação do “informe”, do aberto a problematização dos saberes advindos do encontro entre os saberes da ciência, da arte, da filosofia, das religiões, com os saberes populares.
A curricularização é um método, um caminho para a integralidade do conhecimento entre pesquisa, ensino e extensão. Pode-se dizer também, que a curricularização é uma estratégia de territorialização da universidade para além dos seus limites simbólicos e concretos, uma via de mão dadas com os territórios educativos como se pode observar, por exemplo, no estudo de Ortiz et al (2021) ao apresentar narrativas de acadêmicos de licenciaturas sobre suas intervenções nos TEs.
Método
Esta investigação compreende uma pesquisa do tipo “Estado do conhecimento” que segundo Romanowski e Ens (2006, p. 39), possibilita “identificar os aportes significativos da construção da teoria e prática pedagógica, apontar as restrições sobre o campo em que se move a pesquisa, as suas lacunas de disseminação, identificar experiências inovadoras investigadas [...]”. Na definição de Ferreira (2002, p. 258), como pesquisa de “caráter bibliográfico” que propõe: “[...] mapear e discutir uma certa produção acadêmica em diferentes campos do conhecimento, tentando responder que aspectos e dimensões vêm sendo destacados e privilegiados em diferentes épocas e lugares [...]”. Também, é reconhecida por utilizar procedimentos de “[...] caráter inventariante e descritivo da produção acadêmica e científica sobre o tema que busca investigar, à luz de categorias e facetas que se caracterizam enquanto tais em cada trabalho e no conjunto deles [...]” (Ferreira, 2002, p. 258), por meio de análises do objeto de estudo.
Por conseguinte, optamos por realizar um levantamento de produções acadêmico-científicas relacionadas à “formação inicial de professores na interlocução com os territórios educativos”, oriundas de dissertações e teses disponíveis no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)2 e, também, de artigos presentes no Portal Educ@ da Fundação Carlos Chagas (FCC)3 - publicações online de educação e na SciELO/Brasil4 e SciElo/América Latina5 - Scientific Electronic Library Online. Especificamos o recorte temporal 2014-2021 por contemplar as pesquisas mais recentes na área permitindo identificar sua atualidade e sob a égide do PNE (2014-2024) e as DCNS (2015).
O levantamento e mapeamento da produção acadêmica ocorreram no mês de junho de 2022 por meio de consultas online no conjunto das fontes de dados selecionadas para este estudo, utilizando-se da opção de busca básica seguida da busca avançada, com o recurso de filtragem disponibilizado pelas próprias plataformas. Inicialmente, foram realizadas buscas combinadas, nos títulos, resumos e/ou palavras-chave, por meio dos seguintes descritores e operadores booleanos: “Formação inicial de professores” AND “territórios educativos” OR “território educativo” OR “espaço educador”; formação inicial” AND “territórios educativos” OR “território educativos”; "formação inicial de professores" AND "espaços educativos" OR "territórios educativos"; "formação de professores" AND "territórios educativos" OR "espaço educador" OR “espaços educativos”; “formação de professores” AND “territórios educativos”; "formação docente" AND "territórios educativos" OR "espaço educador"; "formação docente" AND "território educador".
A Tabela 1 sistematiza e sintetiza o universo da produção acadêmica no período entre 2014 e 2021 em cada base de dados pesquisada em que a seleção considerou as produções com maior aderência à temática de estudo e revela a exiguidade da produção acadêmica sobre o tema.
Plataforma | Geral | Aproximações | ||
---|---|---|---|---|
Teses | Dissertações | Artigos | ||
Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES | 4 | 7 | ---- | 3 teses 2 dissertações |
Educ@/FCC | --- | --- | 0 | 0 |
SciElo Brasil | --- | --- | 1 | 1 |
SciElo América Latina | - | - | 0 | 0 |
Total | 4 | 7 | 1 | 5 |
Fonte: Produzido pelos autores (2022).
Inicialmente, conforme ilustra a Tabela 1, foram localizados 4 teses, 7 dissertações e 1 artigo científico publicados no período de 2014 - 2021, dos quais 3 dissertações foram excluídas por duplicidade nos resultados quando da aplicação dos descritores e, portanto, não somadas na contagem geral. Também destacamos que ao ampliar a busca no âmbito da SciELO/América Latina obteve-se zero trabalhos, sendo encontradas apenas produções isoladas a partir dos descritores utilizados. Após a leitura dos títulos, resumos e palavras-chave dessas produções foram selecionados para compor o corpus de análise aquelas com maior aderência ao objetivo desta pesquisa resultando em 5 trabalhos, sendo: 3 teses, 2 dissertações e o único artigo encontrado devido sua proximidade com a temática deste estudo. Esses trabalhos foram obtidos nas respectivas bases, gratuitamente, no formato completo e analisados para além dos resumos, com exceção da tese de Hileia Monteiro Maciel Cabral, na qual foi possível realizar análise apenas do resumo devido não possuir divulgação autorizada na plataforma sucupira.capes.gov.br em jun./2022.
A análise foi efetuada com base na Análise de Conteúdo referendada em Moraes (1999, p. 12) no qual concebe-a como constitutiva de 5 etapas: 1. Preparação das informações; 2. Unitarização ou transformação do conteúdo em unidades; 3. Categorização ou classificação das unidades em categorias; 4. Descrição; e 5. Interpretação. Tais etapas subsidiaram compreender o que revelam os referidos trabalhos.
Formação inicial de professores na interlocução com os territórios educativos: o que revelam os trabalhos?
Como já citado anteriormente, o corpus de análise deste estudo contempla um total de 3 teses, 2 dissertações e 1 artigo, conforme demonstrado no Quadro 1.
Título | Autores/as | Palavras-chave | Origem/ Tipo | Data |
---|---|---|---|---|
O papel dos espaços educativos na formação inicial de professores de ciências/biologia: um olhar sobre o estágio supervisionado | Hileia Monteiro Maciel Cabral | Formação inicial Estágio Supervisionado Espaços educativos |
UFMT/UFPA/UEA Tese |
2021 |
Caminhos da formação docente para as cidades educadoras | Camile Gonçalves Hesketh Cardoso | Cidade Educadora Formação Docente Território Educador |
PUCPR Tese |
2021 |
A cidade educadora e o enfoque CTS: articulações possíveis a partir dos professores de ciências em formação | Tárcio Minto Fabrício | Cidades Educadoras Educação CTS Ensino de Ciências Espaços Educativos Educação não formal |
UFSCAR Tese |
2016 |
O ZOO como território educativo: desafios, possibilidades e interfaces com a escola | Inacira Bomfim opes | Zoológico Educação Ambiental Territórios Educativos Formação de Professores Escola |
UFRGS Dissertação |
2019 |
Onde se aprende ser professor e professora? Cartografias sobre Territórios Educativos na formação inicial docente | Larissa de Souza Oliveira | Cidade Educadora Território Educativo Mapas vivenciais Formação Inicial Docente |
UFJF Dissertação |
2017 |
A cidade como Espaço Educador: por uma prática pedagógica espacial com estudantes de pedagogia | Orlando Ednei Ferretti | Trabalho de Campo. Estudo do Meio. Ensino de Geografia. Pedagogia. |
Educação& Realidade. Porto Alegre, v. 44, n.2, 2019. | 2019 |
Fonte: Produzido pelos autores (2022) a partir da pesquisa nas plataformas CAPES, Educ@/FCC SciELO/Brasil e SciELO/América Latina.
Da leitura atenta dos resumos dessas produções, decidimos por ampliar para a introdução, resultados e conclusões dos referidos trabalhos para maior apropriação dos elementos que descrevessem os itens necessários para o alcance do objetivo geral desta pesquisa. A partir desse ponto, elencamos as categorias dos 5 trabalhos analisados na perspectiva da Análise de Conteúdo: objetivo geral e temáticas, aspectos teóricos-metodológicos, principais resultados e conclusões.
a) Objetivo Geral e Temáticas
A definição do objetivo geral é fundamental para responder a problemática da pesquisa e nortear o encaminhamento teórico-metodológico da pesquisa. O Quadro 2 apresenta o objetivo geral traçado em cada pesquisa desse estudo.
Autor/a | Objetivo Geral |
---|---|
Cabral (2021) | “Compreender de que maneira os espaços educativos (museus, parques, praças, dentre outros) são abordados no Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Escola Normal Superior (ENS/UEA) de modo que possa contribuir nas disciplinas de Estágio Supervisionado e no processo formativo do futuro professor de Ciências/Biologia”. |
Cardoso (2021) | “Compreender as propostas de formação docente desenvolvidas nas cidades educadoras brasileiras que apresentam programas e projetos relacionados à cidade como território educador, a fim de suscitar novas demandas para a formação de professores”. |
Fabrício (2016) | “Analisar como professores em formação compreendem as possibilidades de ensino aprendizagem de ciências a partir da interação entre os referenciais CTS e das cidades educadoras de modo a contribuir para uma maior compreensão sobre a percepção de futuros educadores quanto à utilização integrada das abordagens de ensino do enfoque CTS e das Cidades Educadoras”. |
Lopes (2019) | “Investigar qual a relevância do zoológico como território educativo, por meio das formações de professores oferecidas pelo Parque Zoológico da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul (FZB)”. |
Oliveira (2017) | “Compreender as cartografias construídas a partir das vivências dos(as) discentes do curso de formação inicial de professoras e professoras de Geografia da Universidade Federal de Juiz de Fora”. |
Ferretti (2019) | “Refletir sobre o ensino de Geografia para os anos iniciais do ensino fundamental e a formação dos estudantes de pedagogia de Pedagogia da Universidade Federal de Santa Catarina, a partir de um Estudo do Meio”. |
Fonte: Os autores (2023).
Explorando as temáticas dos objetivos traçados pelos referidos autores/as ilustrados no Quadro 3, detectamos: o papel dos espaços educativos na formação inicial de professores de ciências/biologia (Cabral, 2021); os caminhos da formação docente para as cidades educadoras (Cardoso, 2021); a relação do ensino de Ciência e Tecnologia e Sociedade - CTS e as Cidades Educadoras (Fabrício, 2016); o zoológico como território educativo na formação de professores (Lopes, 2019); aprendizagem da docência na cartografia sobre os territórios educativos na formação inicial docente (Oliveira, 2017); e a cidade como Espaço Educador no curso de Pedagogia (Ferretti, 2019).
No conjunto dessas temáticas, sobressai a dissertação de Oliveira (2017) devido sua proximidade com o presente estudo. A autora buscou investigar “Onde se aprende ser professor e professora? Cartografias sobre Territórios Educativos na formação inicial docente”.
b) Aspectos teóricos
Ao adentrar os aportes teóricos das teses, verificamos que os estudos de Cabral (2021); Fabrício (2016; Lopes (2019) e Oliveira (2017) não descrevem no resumo de seus trabalhos tais dados, e Ferretti (2019) por se tratar de artigo. No estudo de Cardoso (2021) observamos que a autora adota como base teórica autores como Lefebvre (2016) e Harvey (2012; 2014) para discorrer sobre o direito à cidade e recorre à Trilla Bernet (1993); Freire (2001); Gadotti, Padilha e Cabezudo (2004); Gómez-Granell e Vila (2003); Villar (2007); Gadotti (2009); Bellot (2013); Moll (2004; 2012; 2019) e Tascheto (2019a) para abordar Cidades Educadoras. Pertinente à formação docente, utiliza Romanowski e Martins (2010); Marcelo García (1999); Nóvoa (1992); Cunha (2015); Zeichner (2008); Imbernón (2009), entre outros.
c) Aspectos metodológicos
A síntese da estrutura metodológica da produção acadêmica analisada pode ser observada no Quadro 3.
Aspectos metodológicos privilegiados | Teses | Dissertações | Artigo | |
---|---|---|---|---|
Abordagem | Qualitativa | Cabral (2021); Fabrício (2016) Cardoso (2021) |
Oliveira (2017); Lopes (2019) | Ferretti (2019) |
Participantes | Estudantes de Licenciaturas | Cabral (2021) Fabrício (2016) |
Oliveira (2017); | Ferretti (2019) |
Gestores na área de educação e formação docente em cidades educadoras | Cardoso (2021) | |||
Professores da Educação Básica | Lopes (2019) | |||
Procedimentos, instrumentos e técnicas de análise dos dados produzidos |
Pesquisa de campo | Cabral (2021); Cardoso (2021); Fabrício (2016) | Oliveira (2017); Lopes (2019) |
|
Pesquisa documental | Cabral (2021); Cardoso (2021); Fabrício (2016) |
Lopes (2019) | ||
Trabalho de campo - estudo do meio | Ferretti (2019) |
|||
Cartografias - Mapas vivenciais | Oliveira (2017) | |||
Questionários | Lopes (2019) | |||
Entrevistas semiestruturadas | Cabral (2021) | Lopes (2019) | ||
Entrevistas episódicas | Cardoso (2021) | |||
Análise documental | Cardoso (2021) | Lopes (2019) | ||
Análise Textual Discursiva (ATD) | Cabral (2021); Fabrício (2016) | |||
Triangulação entre categorias | Lopes (2019) | |||
Análise de Conteúdo (Bardin) | Cardoso (2021) |
Fonte: Os autores (2023).
No que concerne a natureza dessas investigações, constamos a relevância da abordagem qualitativa de modo a assegurar a coerência teórico-metodológica adotada. Observamos que entre os participantes das pesquisas analisadas (Quadro 3), os estudantes de licenciaturas estiveram entre os mais pesquisados seguido, igualmente, dos professores e gestores da educação básica.
A análise dessas investigações sobre os procedimentos e instrumentos de produção dos dados incluindo as técnicas de análise desses dados, permitiu identificar que a maioria das pesquisas fizeram uso combinado de diferentes estratégias na produção dos dados de modo a enriquecer a análise de seu objeto de estudo. Cabral (2021) fez uso de pesquisa de campo e documental. Realizou 15 entrevistas semiestruturadas; utilizou 25 planos de ensino das disciplinas de estágio supervisionado; 15 relatórios de estágio dos licenciandos no período de 2018/01 a 2019/02 e por último o Projeto Pedagógico do Curso (PPC). A Análise Textual Discursiva (ATD) dos dados gerados gerou um Metatexto denominado “Os espaços educativos e o estágio supervisionado: extrapolando os muros da escola”. Cardoso (2021) realizou uma pesquisa documental no Banco Internacional de Documentos das Cidades Educadoras (BIDCE) e nos sites oficiais das Secretarias Municipais de Educação de 22 cidades educadoras brasileiras para caracterizar seus programas e projetos de formação docente desenvolvidos e analisá-los. Na pesquisa de campo, fez uso de entrevistas episódicas com gestores dos programas e projetos desenvolvidos nas respectivas cidades educadoras e que foram analisados pela análise de conteúdo de Bardin. Fabrício (2016) realizou uma pesquisa de campo com estudantes em processos de formação no curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) inseridos na disciplina de “Práticas e Pesquisa em Ensino de Ciências e Biológicas III”, e suas compreensões sobre as possibilidades e dificuldades de articular o ensino de CTS aos referenciais de Cidades Educadoras. Portanto, um estudo que focaliza a percepção desses estudantes - a partir da Análise Textual Discursiva (ATD), quanto ao enfoque CTS associado à utilização da cidade como espaço educativo na prática docente, a partir do mapeamento que realizaram dos espaços com potencial educativo no município de São Carlos/SP e respectiva caracterização. A dissertação de Lopes (2019) fez uso de questionários e uma entrevista não estruturada com professores que atuam em escolas e participaram da formação de professores oferecida pelo Parque Zoológico no período de 2014 a 2017. Para análise dos dados, foi realizada a triangulação entre as categorias nuvem de palavras, fala da pesquisadora e de dois autores. Enquanto, Oliveira (2017) buscou compreender a constituição dos territórios educativos existentes em uma Cidade Educadora, a partir da construção de cartografias entendida como produto das diversas culturas humanas, neste caso, com o grupo de estudantes de licenciatura em Geografia por meio de Mapas Vivenciais. Por fim, o artigo de Ferretti (2019) fez um estudo do meio realizado em grupos, articulada com o trabalho de campo em que o professor discute e aponta elementos fundamentais do conteúdo temático.
d) Principais resultados e conclusões
Na tese de Cabral (2021), as categorias oriundas da ATD permitiram a produção um Metatexto intitulado “Os espaços educativos e o estágio supervisionado: extrapolando os muros da escola” em foram destacados 3 pontos: a) uma significação teórica; b) Uma significação prática; e c) Uma novidade científica. Na defesa desta proposta, a autora recomenda essa proposta para outras licenciaturas que se interessam por uma prática, conectada com outros espaços educativos como componente curricular. Por fim, considera essa perspectiva de trabalho com estágio supervisionado uma novidade científica e a utilização de espaços educativos como novas possibilidade para as atividades de Estágio Supervisionado, tendo em visa que esse é geralmente trabalhado apenas em espaços formais de educação.
Cardoso (2011) identificou, no conjunto pesquisado, 8 cidades educadoras as quais utilizam concepções formativas diferenciadas em função dos referenciais teórico-metodológicos adotados, perpassando a racionalidade técnica, prática e crítica. Três foram as propostas de formação docente identificadas: parceria Universidade-Escola; desenvolvimento profissional docente e aperfeiçoamento, na qual reafirmou sua tese de que a formação doente é um eixo fundamental no contexto das cidades educadoras, apesar dos diferentes pressupostos teórico-metodológicos e práticas pedagógicas desenvolvidas a partir de seus eixos formativos. A autora aponta sobre a necessidade de se abrir para novos caminhos no âmbito da formação docente no contexto das cidades educadoras no sentido de aprender não somente a/na/da cidade, mas também, para a cidade.
Entre os resultados da pesquisa de Fabrício (2016), evidenciou-se como obstáculo à adoção de tais abordagens a própria escola em sua organização/gestão; a apatia dos estudantes neste percurso formativo na disciplina como uma forma de resistência ao isolamento a que estão submetidos pelo atual modelo de ensino na educação superior; os currículos de formação inicial de professores na adoção a tais abordagens no âmbito das universidades de modo a incorporá-la em suas práticas. O autor defende uma formação inicial de professores que propicie aos futuros professores condições para mediar as relações entre escola e cidade no sentido de ampliar as possibilidades de leitura de mundo, conhecimentos escolares e saberes do mundo na busca por materializar processos de ensino - aprendizagem referendados na participação e na cidadania.
Os resultados da dissertação de Lopes (2019) revelaram a importância que o espaço do zoológico adquire na percepção dos professores como fascinantes e enriquecedores, podendo ser utilizado como uma “extensão da sala de aula” e como uma forma de contato com a natureza. A referida formação de professores proposta pelo zoo favoreceu mudanças nas práticas pedagógicas dos professores participantes na criação de novos projetos ao longo do ano e promoveu novas parcerias com escolas da região fomentando a interface entre o zoo e as instituições escolares de Sapucaia do Sul/RS, além de constatar a exiguidade da produção acadêmica sobre o tema.
Oliveira (2017), além de identificar os territórios educativos, buscou verificar como esses se fazem presentes na formação inicial dos estudantes, quais são promovidos pela UFJF e, também, quais territórios com potencial educativo a ser explorados no contexto de uma cidade educadora. A autora propõe a autonomia dos sujeitos para selecionar quais territórios educativos apresentam potencial para contribuir com o seu processo formativo e aponta a cidade como um currículo vivido a partir da intencionalidade educativa dos próprios sujeitos, por meio de suas vivências mediadas pelas instituições de ensino superior na constituição de saberes e habilidades. Defende as possibilidades educativas na perspectiva unidade de vivência (sujeito-cidade; desejo-oferta). Para a autora, a autonomia dos sujeitos (estudantes) e a construção coletiva dos TEs no contexto da formação inicial docente é fundamental, atrelado ao papel da IES como integrantes e facilitadora/mediadora deste processo na construção coletiva/conjunta de TEs, por exemplo, por meio reestruturação curricular na oferta de disciplina que propiciem maior diálogo entre os “estudantes (seus desejos, carências e vivências na escola) com as ofertas universitárias (conhecimento teórico e vivencial do professorado formador)” na perspectiva da cidade educadora, ou até, em atividades de estágio curricular e o PIBID. Oliveira destaca, também, a existência de desejos e ações para aprender além dos muros da universidade, entretanto, as ofertas com intencionalidade educativa são poucas ou não mediadas, como pode-se observar nos mapas vivenciais a indicação de diversos equipamentos urbanos como museus, praças, e alguns espaços internos da própria UFJF, que por falta de uma ação conjunta entre universidade, prefeitura e estudantes, não se concretizam. Espaços privados como teatros, cinemas, eventos não se fizeram presentes nos mapas vivenciais, apesar de se constituírem como TE potenciais. Assinala como desafios na construção de TEs na formação inicial docente inseridos na perspectiva das cidades educadoras: ensinar o professor a identificar as possibilidades formativas à disposição nos espaços urbanos e elaborar suas práticas pedagógicas aplicáveis à tais espaços por meio do diálogo e discussão do cotidiano vivido, com efeito, favorecer a relação teoria-prática. Defende, assim, a cidade enquanto um território usado6! Por último, o artigo produzido por Ferretti (2019) apresenta reflexões sobre o trabalho de campo realizado no qual os estudantes puderam compreender as concepções geográficas na relação direta com a cidade, em que puderam conhecer e se reconhecer na cidade, explorando o espaço vivido. Este trabalho de campo realizado no centro da cidade de Florianópolis teve como objetivo principal “levar os estudantes a realizarem observação, descrição, análise e crítica do espaço, a fim de compreender o desenvolvimento histórico-social da cidade e as suas contradições” em que se constitui uma prática de pesquisa interdisciplinar que resultou na produção de um videodocumentário de curta duração com roteiro de produção do vídeo do que foi investigado.
Diante do exposto, na inspeção do conjunto dessas categorias analisadas que abarcam o corpus de análise, sobressaem entrelaçamentos que perspectivam apontar lacunas, desafios e possibilidades de interlocução com os territórios educativos na formação inicial de professores.
Lacunas, desafios e possibilidades de interlocução com os territórios educativos na formação inicial de professores
Na síntese apresentada de cada pesquisa - 3 teses, 2 dissertações e 1 artigo encontrados nas bases de dados CAPES e SciELO/Brasil sobre a formação inicial de professores e sua interface com os territórios educativos, entre os anos de 2014 e 2021, percebemos proximidades e distanciamentos com o objeto de estudo desta pesquisa, do tipo Estado do Conhecimento. Bem como a diminuta produção com maior aderência a relação entre formação de professores na perspectiva dos TEs, resultando em poucas pesquisas na temporalidade definida.
Em contraste com a pouca produção, ao analisar essas diferentes pesquisas, constata-se que há um esforço considerável em relacionar a formação docente em contextos territoriais, sobretudo em cidades que se filiam a ideia-força das cidades educadoras. O território para a ser pensado como uma possível matriz formadora, ensejando aspectos que deslocam a formação por esses espaços outros da prática pedagógica. Possibilidade que impulsiona a perspectiva da formação docente para formas novas de fazer pedagogia e do ofício de ser professor em cenários urbanos.
Aufere-se ainda, uma compreensão muito atrelada à dinâmica da educação formal, concebendo os espaços urbanos como recursos didáticos para interrelação com as instituições de ensino. Acepção que correlaciona os territórios educativos como meros recursos para fins didáticos, fragilizando compreensões mais ampliadas de uma ecologia de saberes que transcenda a disciplinarização do conhecimento e os tempos/espaços da escolarização.
No entanto, esta última constatação não despotencializa a relação entre sujeitos e territórios em situação de formação docente, uma vez que as pesquisas analisadas ampliam o escopo de possibilidades para pensar os TEs tanto quanto o ofício de ser professor em urbanidades.
Considerações finais
Por meio da análise das temáticas investigadas nos trabalhos selecionados, conclui-se que as pesquisas sobre a temática deste estudo ainda são embrionárias, sobressaindo um esforço considerável em relacionar a formação docente em contextos territoriais, sobretudo em cidades que se filiam a ideia-força das cidades educadoras.
Assim, partindo do objetivo proposto nesta pesquisa do tipo estado do conhecimento que buscou refletir sobre a formação inicial de professores e sua interface com os territórios educativos, a partir do mapeamento da produção acadêmico-científica disponíveis no catálogo de teses e dissertações da CAPES, SciElo/Brasil e SciElo/América Latina que abordam esse tema, pontuamos a importância de suscitar debates e pesquisas quanto a um processo formativo para além de um “modelo aplicacionista” (Tardif, 2014), e sim inspirado em um modelo de “racionalidade crítica” (Diniz-Pereira, 2014), que viabilize drapear inúmeros espaços formativos que a cidade oferece, tais como a escola, a comunidade, entre outros, ao que requer provocar o contínuo debate para o (re)conhecimento do potencial da cidade como agente, conteúdo e sujeito da educação, e acolher como elementos fundantes para a prática pedagógica dialógica, problematizadora e circunscrita nas singularidades de cada instituição formadora/unidade escolar e sua intrínseca relação com o território usado.
Tal necessidade fica comprovada pela escassez de produções que investiguem a formação inicial de professores e a relação com a constituição de territórios educativos, uma vez que os resultados encontrados ainda demonstram a baixa correlação entre os temas, à despeito das inúmeras experiências pedagógicas em curso nas cidades do Brasil e da América Latina. Portanto, em prol de uma formação humana integral e integrada aos territórios com vistas a potencializar a profissionalidade docente para a Educação Básica e democratizar as cidades, constata-se que investigar experiências educativas que estruturem territórios e formação docente amplia o escopo dos saberes pedagógicos do ofício de ser professor em espaços urbanos e pode superar tanto as lacunas existentes na produção científica, como contribuir para a expansão do direito humano à educação e à cidade.