Introdução
Diversos fatores têm sido apontados para explicar a evasão de estudantes, principalmente durante o primeiro ano de curso. Nos últimos anos, temos visto aumentar a preocupação com a satisfação e o bem-estar dos universitários, tendo em vista a redução da evasão. A título de exemplo, podemos mencionar a modificação das diretrizes do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) que, a partir do Parecer CNE/CES nº 197/2013, passou a incluir a prestação de apoio psicopedagógico aos estudantes nos critérios de avaliação dos cursos e das instituições do país.
Dados recentes do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) (Brasil, 2022) apontam para uma taxa elevada de evasão do ensino universitário durante o primeiro ano de estudos, cuja Taxa de Desistência Acumulada (TDA) ultrapassa os 80%, enquanto nos últimos anos de curso, esta taxa se aproxima de zero. Portanto, urge cuidarmos desse primeiro ano de experiência do universitário, visando prover as condições de bem-estar e sucesso para sua permanência. Pensando no bem-estar dos estudantes, um artigo recente de Sunde et al. (2022) identifica fatores de risco na vida do universitário que podem levar a ideação e tentativa de suicídio: (1) relacionamento social com pares; (2) relacionamento social com professores ou orientador; e (3) adaptação ao ambiente acadêmico. Essas dificuldades ganham particular relevância nos estudantes que ingressam no ensino superior.
Algumas teorias buscam explicar o fenômeno da evasão no ensino superior. Entre elas, destacam-se a de Vincent Tinto (1975, 1999) e a de Alexander Astin (1984/1999). Tinto (1975) desenvolveu o modelo de integração do estudante, no qual preconiza que a evasão pode ser explicada pelo insucesso do estudante em integrar as esferas social e acadêmica, incluindo nesse processo características dos estudantes em interação com características e iniciativas da instituição. Para o autor, o primeiro ano de curso é crucial para que essa integração aconteça. Assim, destaca a iniciativa de algumas instituições de ensino superior em prover um curso introdutório para estudantes ingressantes que aborde orientações essenciais para uma boa adaptação do aluno (Tinto, 1999). Tinto também enfatiza a necessidade de a instituição se preocupar com as condições de aprendizagem providas de forma a garantir a permanência do estudante, sugerindo, sobretudo, a iniciativa da construção de comunidades de aprendizagem.
Astin (1999) propôs uma teoria do envolvimento do estudante na universidade. O conceito de envolvimento, segundo o autor, refere-se à energia física e psicológica dedicada pelo aluno à experiência acadêmica (Astin, 1999). Sua ênfase, no entanto, está no comportamento do estudante frente às situações encontradas, mais do que seu pensamento ou seus sentimentos. Como o estudante age é que determina seu nível de envolvimento, podendo ser aferido de forma quantitativa, por exemplo taxa de presença nas aulas ou horas de estudo; ou de forma qualitativa, por exemplo compreensão das leituras e desempenho em sala de aula.
Uma das variáveis psicológicas que seguramente aumenta a capacidade explicativa da evasão por parte das duas teorias anteriores tem a ver com a autoeficácia do estudante. Bandura explica que “as expectativas de eficácia e de resultados das pessoas influenciam a maneira como elas agem, e os efeitos ambientais criados por suas ações, por sua vez, alteram suas expectativas” (2008, p. 46). Assim, as expectativas variam mediante situações em que os alunos se comportam de forma inesperada e se veem capazes de executar tarefas inimagináveis. Portanto, Bandura enfatiza a importância dos contextos de aprendizagem e de realização na determinação da criação dessas expectativas e dos comportamentos que os indivíduos adotam em determinadas situações.
Outro foco das expectativas acadêmicas está vinculado aos interesses e às aspirações universitárias, ou seja, aquilo que os estudantes esperam encontrar e concretizar no ensino superior. Tais expectativas estimulam os estudantes a fazerem escolhas e a investirem em situações acadêmicas, mesmo quando essas colocam desafios e exigências. Com expectativas muito baixas, o estudante não toma a iniciativa e não enfrenta as dificuldades que encontra, contudo, quando essas expectativas são demasiadamente elevadas e irrealistas, outros problemas surgem. Tendencialmente nesses casos, os estudantes experimentam frustração e desinvestem da vida acadêmica, sobretudo, nas áreas em que a realidade encontrada não corresponde às suas aspirações. Felizmente, com o tempo, as expectativas tendem a se tornarem mais realistas em decorrência das realidades encontradas e das experiências acadêmicas vivenciadas.
Nesta investigação, centramo-nos no papel das expectativas acadêmicas e na adaptação dos estudantes após seu ingresso no ensino superior. As expectativas podem traduzir percepções de competência, mas, sobretudo, motivações ou aspirações que os estudantes foram construindo no seio da sua família e ao longo do ensino básico e do ensino médio, e que desejam concretizar no seu curso, na sua instituição, ou durante a frequência do ensino superior (Almeida; Cruz, 2010; Faria; Almeida, 2021).
Freixa-Niella, Dorio-Alcaraz e Corti (2019), ao organizarem grupos focais com estudantes ingressantes na Universidade de Barcelona, viram que alguns desafios marcam o primeiro período de curso: fazer novas amizades; ajustar as expectativas iniciais em relação a essa nova fase da vida; adaptar-se à cultura universitária e às novas formas de sociabilidade; desempenho acadêmico e construção de uma nova identidade. Por sua vez, Soares et al. (2019) investigaram estudantes do primeiro, segundo e terceiro períodos do curso de psicologia e encontraram que eles ingressam com um bem-estar psicológico e físico que se deteriora no decorrer do curso. Além disso, os autores identificaram maiores expectativas nos estudantes de primeiro período, comparados aos períodos subsequentes, sugerindo que quando do ingresso os estudantes se sentem mais aptos e mais capazes, e que essas percepções de autoestima e autoeficácia diminuem com o passar do tempo.
A diminuição das expectativas iniciais no decurso da formação pode ter múltiplas variáveis na sua origem, e quando se convertem em dificuldades que os estudantes não conseguem superar, surgem os problemas de adaptação, de performance estudantil e de permanência. Por exemplo, Santos et al. (2019) encontraram que a evasão no primeiro ano de curso de licenciandos de uma universidade pública foi provocada por questões de baixo rendimento acadêmico, além disso, não receber nenhuma assistência financeira para permanência estudantil, não participar de projetos de pesquisa e ser cotista também contribuíram para a evasão. Em estudos no Brasil sobre a satisfação acadêmica de estudantes universitários (Chico; Osti; Almeida, 2022; Osti; Almeida, 2022) emergem as condições financeiras, as possibilidades antecipadas de carreira e emprego futuro, o relacionamento com colegas e com professores, o rendimento acadêmico e a infraestrutura da instituição. Por sua vez, Sahão e Kienen (2021) averiguaram, em uma revisão sistemática da literatura, os seguintes fatores dificultadores da adaptação dos universitários ingressantes: nível de exigência do curso, relacionamentos interpessoais, morar fora de casa, falta de rede de apoio e situação financeira. Isto é, falamos em dificuldades decorrentes das características pessoais, das características do ensino superior, das novas responsabilidades e exigências em termos de autonomia, da falta de informação prévia sobre a organização e de exigências do ensino superior ou de expectativas não correspondidas, por exemplo. Por outro lado, os facilitadores dos processos de adaptação, sucesso acadêmico e permanência passam, sobretudo, por uma rede de apoio, fornecimento de informações para os alunos e medidas de integração acadêmica. As autoras destacam o papel dos professores nesse processo, mostrando-se disponíveis para esclarecer dúvidas dos alunos. Em síntese, as autoras afirmam que “disponibilizar informações e serviços de apoio aos ingressantes na universidade pode contribuir para a adaptação, de modo a garantir o acesso às oportunidades oferecidas pela instituição” (Sahão; Kienen, 2021, p. 7).
Diversas escalas estão disponíveis para a avaliação das expectativas acadêmicas dos estudantes no ensino superior. No nosso estudo, utilizamos a Escala Brasileira de Expectativas Acadêmicas para Ingressantes na Educação Superior (EEA) (Marinho-Araújo et al., 2015), uma adaptação do Questionário de Percepções Acadêmicas - Expectativas (Almeida et al., 2012). Esta escala tem 62 itens distribuídos em sete dimensões, a saber: formação acadêmica de qualidade, compromisso social e acadêmico, ampliação das relações interpessoais, oportunidade de internacionalização e intercâmbio, perspectiva de sucesso profissional, preocupação com a autoimagem, e desenvolvimento de competências transversais. Os índices de consistência interna das dimensões variaram entre 0,71 e 0,90. A escala foi, em seguida, reduzida para 28 itens (Fleith et al., 2020), mantendo as mesmas sete dimensões (quatro itens por dimensão), com índices de consistência variando entre 0,82 e 0,91.
Por sua vez, há um instrumento bastante utilizado no Brasil para a avaliação das vivências ou adaptação acadêmica dos estudantes nas primeiras semanas ou meses de frequência do ensino superior. Referimo-nos ao Questionário de Vivências Acadêmicas, versão reduzida (QVA-r) (Almeida; Ferreira; Soares, 1999) e que foi objeto de adaptação e validação para o Brasil por Granado et al. (2005). Trata-se de um questionário formado por 55 itens repartidos por cinco dimensões, que mais à frente será apresentado em maior detalhe.
A pesquisa realizada é de cunho quantitativo e utilizou as duas escalas descritas (expectativas e vivências acadêmicas) nas suas versões adaptadas para o contexto brasileiro. O objetivo foi averiguar se as expectativas de alunos ingressantes têm valor preditivo de suas vivências, não imediatamente na fase de ingresso ou primeiras semanas, mas mais tarde após um semestre de estudos. Por outro lado, tomando algumas caraterísticas dos estudantes, analisamos eventuais diferenças nas médias nas dimensões das expectativas e das vivências acadêmicas em função dessas características.
Metodologia
Participantes
Participaram da pesquisa um total de 106 estudantes de instituições de ensino superior privadas e públicas da região metropolitana do Rio de Janeiro. Os participantes foram convidados por meio de um e-mail enviado pelos coordenadores de curso das universidades. A coleta foi feita no início do período letivo das universidades participantes em três semestres consecutivos. Para uma das universidades, os e-mails foram diretamente para os estudantes. A idade dos participantes variou entre 15 e 49 anos de idade (M = 21,21; DP = 6,77). O Quadro 1 apresenta a caracterização da amostra considerada neste estudo.
Quadro 1 Características da amostra da pesquisa (N = 106)
Característica | Subcategorias | N (%) |
---|---|---|
Gênero | Feminino | 61 (57,5%) |
Masculino | 44 (41,5%) | |
Não binário | 1 (0,9%) | |
Tipo de IES | Pública | 32 (30,2%) |
Privada | 74 (69,8%) | |
Área de estudos | Ciências exatas e biológicas | 28 (26,4%) |
Ciências sociais aplicadas | 41 (38,7%) | |
Humanas, Letras e Artes | 37 (34,9%) | |
Primeira graduação? | Sim | 92 (86,8%) |
Não | 14 (13,2%) | |
Pretende continuar no curso? | Sim | 99 (93,4%) |
Não | 7 (6,6%) | |
Trabalha? | Sim | 32 (30,2%) |
Não | 74 (69,8%) |
IES = Instituição de Ensino Superior.
Fonte: Autores (2023)
Instrumentos
Dois instrumentos foram utilizados na pesquisa: a EEA e o QVA-r na sua versão brasileira (Granado et al., 2005).
Após uma sequência de estudos da dimensionalidade da EEA com duas amostras independentes (EISENBERG; ALMEIDA, no prelo), a versão utilizada neste estudo é formada por 27 itens (um dos itens da versão original não foi considerado). A resposta aos itens recorre a uma escala Likert de cinco pontos, consoante o grau de desacordo e acordo. A escala é composta por seis dimensões: qualidade do desenvolvimento acadêmico (com 7 itens); oportunidade de intercâmbio e internacionalização (com 4 itens); preocupação com a autoimagem (com 4 itens); compromisso social e acadêmico (com 4 itens); perspectiva de sucesso profissional (com 4 itens); e ampliação das relações interpessoais (com 4 itens). A consistência interna das dimensões varia entre 0,76 e 0,90. Explicamos a seguir um pouco sobre cada dimensão.
Qualidade do desenvolvimento acadêmico contém itens que mostram uma preocupação do aluno com uma boa formação, adquirir conhecimentos da área, se preparar bem para sua profissão futura e suas competências para tal. Oportunidade de intercâmbio e internacionalização contém itens que mostram um desejo do estudante de integrar programas de intercâmbio ou estágio estudantil em outro país. Preocupação com a autoimagem contém itens que mostram uma preocupação do estudante com a forma como os outros o perceberão ou julgarão: desejo de não se sentir inferiorizado, de não ter notas piores que os colegas, de não decepcionar a família e de não ser excluído. Compromisso social e acadêmico engloba itens que mostram uma preocupação do estudante com ações sociais, com desigualdade social, com contribuir para a sociedade, participando em atividades de voluntariado. Perspectiva de sucesso profissional é sobre a ambição do estudante em ter melhores opções profissionais, em entrar para o mercado de trabalho e ter um futuro estável, com um bom emprego. Ampliação das relações interpessoais contém itens que demonstram uma vontade de ampliar a rede social de amigos, de se divertir e socializar, de ter relações com pessoas que se ajudam em momentos difíceis.
O QVA-r na versão adaptada para o contexto brasileiro (Granado et al., 2005), é composto por um total de 55 itens, avaliados por participantes em uma escala Likert de 5 pontos, sendo 1 “nada a ver comigo” e 5 “tudo a ver comigo”. Os itens estão distribuídos em 5 dimensões, a saber: pessoal (com 14 itens), interpessoal (com 12 itens), curso e carreira (com 12 itens), estudo (com 9 itens), e institucional (com 8 itens) e têm consistência interna variando entre 0,72 a 0,87.
Explicando melhor as dimensões dessa escala, a pessoal contém itens sobre mal-estar emocional, como sentir-se triste, sem controle, cansado, desorientado, confuso, ansioso, e assim por diante. Interpessoal é sobre fazer amigos e valorizá-los, ser amigável e simpático, estabelecer bons relacionamentos e com convívio com pessoas de ambos os sexos. Curso e carreira é sobre estar envolvido com o curso, julgar que fez a escolha certa para suas ambições profissionais. Estudo contém itens sobre o estudante achar que tem uma boa organização nos estudos, boa gestão do tempo, boas estratégias nas aulas, e assim por diante. Institucional é sobre apreciar a universidade em que está, achar que fez a escolha certa.
Procedimentos
O estudo foi aprovado pela Câmara de Ética da universidade, sob o protocolo de número 102/2020. Foi assegurado aos participantes a confidencialidade dos seus resultados. Todos os participantes receberam uma cópia do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e consentiram na sua participação.
Ambas as escalas foram transcritas para um formulário do Google Forms e o link foi enviado para os alunos por e-mail, juntamente com o TCLE. A coleta de dados ocorreu em três ondas entre 2022 e 2023, com três coortes de estudantes ingressantes em universidades. Para cada um dos coortes, houve a aplicação das duas escalas psicométricas com um intervalo de seis meses entre elas.
A primeira escala a ser aplicada foi a EEA, no início do primeiro período dos estudantes. A segunda escala, o QVA-r, foi enviada apenas para os alunos que responderam à primeira escala, após terem completado um semestre de curso. Eles foram contatados por e-mail e/ou por WhatsApp com o pedido para preencherem a segunda escala. Na mensagem, foi enviado o link do formulário para preenchimento da escala.
Além das duas escalas, o questionário respondido pelos alunos também continha itens adicionais para preenchimento, a saber: idade, gênero, curso, instituição, se essa era ou não sua primeira graduação, se pretendia continuar no curso de escolha e se trabalhava ou não. A distância no tempo entre a aplicação das duas escalas explica, pelo menos em parte, uma redução no número de participantes, pois alguns estudantes desvincularam-se do estudo e não preencheram o QVA-r.
Resultados
As dimensões das escalas foram submetidas ao teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov com a correção de Lilliefors para amostras de grande dimensão (n ≥ 30). O teste indicou que os dados das dimensões de ambas as escalas divergem da curva normal, com exceção da QVA-r Estudo (p = 0,20). Assim, optamos por utilizar testes não paramétricos nas análises estatísticas para todas as dimensões. A Tabela 1 apresenta os resultados da amostra nas dimensões das duas escalas utilizadas.
Tabela 1 Descritivas da EEA e do QVA-r
Escalas | Variáveis | Média | Desvio Padrão | Min. | Máx. |
---|---|---|---|---|---|
Expectativas Acadêmicas | Qualidade de desenvolvimento acadêmico | 4,56 | 0,52 | 2,9 | 5,0 |
Intercâmbio e internacionalização | 3,49 | 1,26 | 1,0 | 5,0 | |
Percepção de autoimagem | 3,73 | 0,97 | 1,0 | 5,0 | |
Compromisso social e acadêmico | 4,12 | 0,81 | 1,5 | 5,0 | |
Sucesso profissional | 4,31 | 0,80 | 1,7 | 5,0 | |
Ampliação das relações interpessoais | 3,85 | 0,93 | 1,5 | 5,0 | |
QVA-r (vivências acadêmicas) | Institucional | 4,08 | 0,69 | 2,0 | 5,0 |
Curso e carreira | 4,11 | 0,75 | 1,6 | 5,0 | |
Interpessoal | 3,59 | 0,84 | 1,0 | 4,9 | |
Pessoal | 2,79 | 0,82 | 1,2 | 4,8 | |
Estudos | 3,27 | 0,77 | 1,4 | 5,0 |
Fonte: Autores (2023)
Tomando as médias obtidas na escala de expectativas, vale destacar as elevadas expectativas dos estudantes em relação à qualidade de desenvolvimento acadêmico. Nesse caso concreto, não só a média é muito elevada (M = 4.56), pois próxima do limite máximo da escala de pontuação usada nos itens (entre 1 e 5), como é reduzido o desvio-padrão, significando que a quase totalidade da amostra se concentrou nas pontuações de 4 e 5 nos itens dessa dimensão. Em sentido contrário, são mais baixas as expectativas dos estudantes em relação à dimensão intercâmbio e internacionalização (M = 3.49), verificando-se nessa dimensão uma maior variabilidade de pontuações dos estudantes traduzida no valor mais elevado de desvio-padrão. Em relação às vivências acadêmicas, registram-se médias mais elevadas nas dimensões curso e carreira e institucional, sugerindo que os estudantes estejam bastante adaptados em relação a essas duas dimensões, apresentando maiores dificuldades na dimensão pessoal.
Prosseguindo com os objetivos deste estudo, na Tabela 2, apresentamos as correlações entre os resultados dos estudantes nas dimensões das expectativas e nas dimensões das vivências acadêmicas (rho de Spearman). Para interpretar os valores dos coeficientes de correlação, utilizamos a mesma classificação utilizada por Soares et al. (2014), proposta por Ajzen e Fishbein (1998apudSoares et al., 2014), a saber: < 0,30 = correlação fraca; ≥ 0,30 e < 0,50 = moderada; > 0,50 = forte.
Tabela 2 Correlações (rho de Spearman) entre as dimensões das escalas de expectativas e de vivências
Expectativas acadêmicas (EEA) | Vivências Acadêmicas (QVA-r) | ||||
---|---|---|---|---|---|
Institucional | Curso e Carreira | Interpessoal | Pessoal | Estudo | |
Qualidade de desenvolvimento acadêmico | 0,17 | 0,47*** | 0,24* | 0,26** | 0,19 |
Intercâmbio e internacionalização | 0,21* | 0,27** | 0,23* | 0,31*** | 0,04 |
Percepção de autoimagem | 0,11 | 0,31*** | 0,18 | 0,23* | 0,26** |
Compromisso social e acadêmico | 0,09 | 0,33*** | 0,17 | 0,16 | 0,08 |
Sucesso profissional | 0,13 | 0,17 | 0,16 | 0,18 | 0,15 |
Ampliação das relações interpessoais | 0,15 | 0,28** | 0,44*** | 0,23* | -0,05 |
Fonte: Autores (2023)
*p < 0,05;
**p < 0,01;
***p < 0,001.
Como se pode ver na Tabela 2, as expectativas de desenvolvimento acadêmico mostraram relação moderada com as vivências de curso e carreira, e fraca com as vivências interpessoal e pessoal. A expectativa de intercâmbio e internacionalização teve relação fraca, mas significativa, com as vivências institucional, curso e carreira e interpessoal, e relação moderada com a vivência pessoal. Não houve relação com a vivência estudo. A expectativa de preocupação com autoimagem perante os outros teve relação moderada com curso e carreira e fraca com pessoal e estudo. A expectativa de compromisso social e acadêmico teve relação apenas com curso e carreira, mas foi de nível moderado. Já a expectativa de relações interpessoais relacionou-se de forma fraca, mas significativa, com as vivências de curso e carreira e pessoal e obteve correlação moderada com a vivência interpessoal. Por fim, a expectativa de sucesso profissional não teve correlação com nenhuma das vivências posteriores dos estudantes.
O segundo passo das análises foi calcular regressões lineares para melhor entender as correlações produzidas. Como este é um estudo longitudinal, podemos usar as regressões para inferir causa e efeito entre expectativas e vivências. Com base nas correlações para as vivências em curso e carreira, calculamos uma regressão linear múltipla com essa variável como dependente e as seguintes variáveis de expectativas como explicativas: desenvolvimento acadêmico, compromisso social e acadêmico e intercâmbio e internacionalização, ou seja, as variáveis de teor acadêmico com as quais a vivência teve correlação significativa. O resultado do modelo foi significativo [F(3,102) = 10,21, p < 0,001] e explicou 23% (R2) da variância. No entanto, apenas as expectativas de desenvolvimento acadêmico tiveram uma relação significativa (β = 0,64) com a vivência.
Em seguida, fizemos o cálculo de regressão linear para o QVA-r interpessoal. O modelo conteve como variável explicativa as expectativas interpessoais, desenvolvimento acadêmico e intercâmbio e internacionalização. O modelo explicou 22% (R2) da variância do QVA-r interpessoal, [F(1,104) = 9,52, p < 0,001] No entanto, apenas a expectativa de relações interpessoais teve significância, com β = 0,33.
A terceira regressão calculada foi com o QVA-r pessoal. Incluímos as expectativas que correlacionaram com a vivência da Tabela 2 como explicativas. O modelo explicou 12% (R2) da variância do QVA-r pessoal, [F(1,104) = 3,47, p < 0,05]. No entanto, apenas a expectativa de intercâmbio e internacionalização alcançou significância [β = 0,16, p < 0,05]. Ou seja, as vivências pessoais foram mais positivas entre os estudantes que tinham altas expectativas para estudar fora.
Considerando as variáveis descritivas da amostra, dividimos a variável idade em estudantes de até 18 anos (N = 51), de 19 a 21 anos (N = 32) e igual ou acima de 22 anos (N = 23). Ao fazer uma ANOVA com um fator, encontramos uma diferença significativa entre expectativas de sucesso profissional entre os mais jovens (até 18 anos) e a faixa de 19 a 21 anos [F(2, 103) = 3,14, p < 0,05], em que os mais novos tiveram maiores expectativas (M = 4,49, DP = 0,57) do que os mais velhos (M = 4,05, DP = 1,0).
Com relação à pretensão de continuar ou não no curso, vimos que houve diferença significativa entre os dois grupos nas dimensões de vivência institucional [t(104) = 2,15, p < 0,05], curso e carreira [t(104) = 7,51, p < 0,001], e interpessoal [t(104) = 2,10, p < 0,05]. Nas três dimensões, aqueles estudantes que pretendiam permanecer no curso, tiveram médias mais elevadas. Nas expectativas, só houve diferença significativa entre os grupos na percepção de autoimagem [t(104) = 2,62, p < 0,01], indo na mesma direção, ou seja, os que pretendiam ficar no curso tiveram uma preocupação maior de aprovação (M = 3,79, DP = 0,93), comparado com os outros (M = 2,82, DP = 1,21).
Quando comparamos os estudantes que trabalham com aqueles que não trabalham, encontramos resultado significativo também na preocupação de autoimagem [t(104) = -1,81, p < 0,05], onde aqueles que não trabalham (M = 3,84, DP = 0,91) tiveram maior preocupação com a sua avaliação pelos outros do que aqueles que trabalham (M = 3,47, DP = 1,07).
As variáveis gênero, área de estudo e estudantes cursando, ou não, a primeira graduação, não apareceram associadas às diferenças de resultados nas dimensões das duas escalas de avaliação utilizadas.
Considerações finais
Neste estudo, buscamos relacionar as expectativas que os estudantes trazem ao entrarem para o ensino superior com suas vivências durante o primeiro período de curso. O resultado mais significativo desta análise foi a correlação entre as vivências positivas de curso e carreira com praticamente todos os fatores da EEA. Ainda que não se possa determinar um nexo causal estrito, observamos correlações baixas a moderadas entre essa dimensão das vivências acadêmicas e as expectativas com que os estudantes ingressam no ensino superior nas dimensões de desenvolvimento acadêmico, intercâmbio e internacionalização, percepção de autoimagem, compromisso social e acadêmico e ampliação das relações interpessoais. A correlação mais elevada ocorre entre a expectativa de desenvolvimento acadêmico e a adaptação ao curso e carreira; por outro lado, uma segunda correlação mais elevada ocorre cruzando as expectativas dos estudantes de envolvimento em relações interpessoais e os níveis de adaptação vivenciados na área da interação com colegas ou relacionamento interpessoal. Assim, este conjunto de dados permite-nos defender que as expectativas iniciais dos estudantes afetam a qualidade da sua adaptação acadêmcia ao longo das primeiras semanas ou meses no ensino superior, mesmo não se podendo pensar em relações de causalidade, dada a natureza correlacional do presente estudo (Almeida et al., 2012; Fleith et al., 2020). De qualquer maneira, se esse resultado se confirmar em pesquisas futuras, medidas institucionais que incentivem as experiências positivas quanto ao curso e à carreira, como realocação vocacional depois da entrada no ensino superior, ou oportunidades para aquisição de conhecimentos curriculares necessários ao sucesso no curso, podem contribuir para a melhoria das vivências gerais dos estudantes e, portanto, para níveis mais elevados de adaptação acadêmica e maior bem-estar dos universitários, assim como para melhorar o seu rendimento acadêmico.
Outro resultado relevante no sentido dos objetivos deste estudo foi que algumas variáveis pessoais dos estudantes, nomeadamente idade, trabalhar ou ter a pretensão de concluir a formação iniciada, se encontram associadas com algumas dimensões das expectativas e da adaptação acadêmica, não aparecendo tal associação com significado estatístico tomando as variáveis gênero, área de estudo e o cursar ou não uma graduação de primeira opção. Este conjunto de dados alerta para a diversidade de estudantes que hoje ingressam no ensino superior, e uma confirmação destes resultados em futuras pesquisas pode orientar as instituições na identificação de grupos de estudantes que ingressam com expectativas mais baixas e que podem apresentar mais frequentemente dificuldades na sua adaptação acadêmica. Por exemplo, estudantes que pretendem continuar no curso escolhido são aqueles que estão tendo vivências mais positivas nos âmbitos institucionais, de curso e carreira e nas relações interpessoais. Ou seja, parecem estar mais bem adaptados à vida universitária em quesitos que têm se mostrado importantes em pesquisas anteriores citadas neste artigo (Sahão; Kienen, 2021; Osti; Almeida, 2022).
A terminar, a par das limitações decorrentes da natureza correlacional do presente estudo, importa destacar o tamanho e a pouca heterogeneidade da amostra considerada. Com os mesmos objetivos, o presente estudo merece ser replicado com uma amostra de estudantes provenientes de vários estados do Brasil e cobrindo uma maior diversidade de áreas científicas dos cursos de graduação. Por outro lado, recolhendo-se o rendimento acadêmico dos estudantes no final do primeiro período, podemos reforçar o sentido longitudinal da informação analisada, ou seja, complementar a relação entre as expectativas iniciais e a adaptação acadêmica dos estudantes prolongando a relação entre estas duas variáveis e o rendimento acadêmico.