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Revista Brasileira de Educação Médica

versão impressa ISSN 0100-5502versão On-line ISSN 1981-5271

Rev. Bras. Educ. Med. vol.43 no.4 Rio de Janeiro out./dez 2019  Epub 12-Set-2019

https://doi.org/10.1590/1981-52712015v43n4rb20180265 

Artigo Original

O MBTI na Educação Médica: uma Estratégia Potente para Aprimorar o Trabalho em Equipe

The MBTI in Medical Education: a Powerful Strategy to Develop Teamwork

Gabriela Ferreira de Camargos RosaI 

Marina Hubaide RosaI 

Matheus Cesar Vieira BarrosI 

Wallisen Tadashi HattoriI 

Danilo Borges PaulinoI 
http://orcid.org/0000-0003-2373-0156

Gustavo Antonio RaimondiI 

IUniversidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, Minas Gerais, Brasil.


RESUMO

A assistência à saúde torna-se cada vez mais complexa, e as novas demandas exigem que as pessoas readaptem seus processos de trabalho para a construção de uma equipe multiprofissional que assegure integralidade, qualidade e efetividade do cuidado aos usuários do sistema de saúde. A Association of American Medical Colleges recomendou que os currículos médicos buscassem estratégias para o desenvolvimento de colaboração, responsabilidade compartilhada e equipes de alto desempenho, caracterizadas pelas habilidades de liderança, tomada de decisões, comunicação, resolução de conflitos, autoconhecimento, cooperação, corresponsabilidade e compromisso. Em consonância com essa orientação, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os Cursos de Graduação em Medicina afirmam que o estudante deve ser capaz de assumir liderança nas relações interpessoais, com comprometimento, responsabilidade, empatia, habilidade para tomada de decisões, comunicação e desempenho de ações efetivas, mediada pela interação, participação e diálogo, objetivando o bem-estar da comunidade. Uma estratégia para a produção de equipes e o desenvolvimento de competências do trabalho em equipe é o Myers-Briggs Type Indicator (MBTI), amplamente utilizado nos setores de recursos humanos, de gerenciamento e administração na construção de equipes, com o propósito de autoconhecimento e autodesenvolvimento, desenvolvimento organizacional, treinamento gerencial e desenvolvimento curricular acadêmico e profissional. Assim, o MBTI foi incorporado ao planejamento e à execução de um componente curricular de Saúde Coletiva, no sétimo semestre de um curso de Medicina de uma universidade federal brasileira, como estratégia para a divisão das equipes de trabalho durante o período. Dessa forma, o objetivo deste artigo é relatar a experiência vivenciada e realizar análises quantitativa e qualitativa dessa experiência por meio de respostas discentes obtidas em questionários. Após a realização do MBTI pelos estudantes, para a formação das equipes foi aplicado o agrupamento por temperamento, que consiste em reunir os 16 tipos psicológicos em quatro temperamentos: SJ (guardiães), SP (artesãos), NF (idealistas) e NT (racionais). As equipes de trabalho foram formadas de modo que cada uma fosse composta por pelo menos um representante de cada temperamento. A análise quantitativa demonstrou que a intervenção foi estatisticamente significativa. A análise qualitativa das respostas às questões abertas foi obtida inicialmente pela categorização das informações, seguida pelo agrupamento em categorias amplas, por meio da análise de conteúdo. As categorias “formação de equipes satisfatória”, “oportunidade de autoconhecimento e conhecimento dos pares pelo MBTI” e “discordância da divisão segundo MBTI” elucidaram a percepção discente sobre as potencialidades e desafios do uso do MBTI na formação de equipes na educação médica. Com essa experiência, percebemos que somar habilidades individuais é possível e importante não apenas para a construção de produtos finais de qualidade, mas para que o processo de trabalho seja valorizado e permita autoconhecimento e o desenvolvimento de habilidades de relação interpessoal. Fica evidente a importância de que, enquanto estudantes e professores, profissionais de saúde e pessoas, nós nos permitamos ser afetados pelo potencial transformador do processo educacional para que, então, sejamos capazes de agir também como agentes promotores da mudança.

Palavras-Chave: Saúde Pública; Educação Médica; Aprendizagem; Personalidade; Grupo Social

ABSTRACT

Health care has become increasingly complex and new needs demand that people readjust their work processes towards the construction of multi-professional teams that assure users comprehensive, effective, high quality care. The Association of American Medical Colleges has recommended that medical curricula seek strategies for collaborative development, shared responsibility, and high-performance teams characterized by leadership, decision-making, communication, conflict resolution, self-knowledge, cooperativity, co-responsibility, and commitment. Accordingly, the National Curriculum Guidelines for Medical Undergraduate Courses states that the student must be able to take leadership in interpersonal relationships with commitment, responsibility, empathy, ability to make decisions, communication and perform effective actions, mediated by interaction, participation and dialogue, aiming at the community’s well-being. One strategy to produce teams and develop teamwork skills is the Myers-Briggs Type Indicator (MBTI), widely used in the human resources, management and administration sectors in team building, with the purpose of self-knowledge and self-development, organizational development, managerial training, and academic and professional curriculum development. Thus, the MBTI was incorporated into the planning and execution of a Public Health discipline, in the seventh semester of a Medicine course of a Brazilian Federal University, as a strategy for the division of working teams during the academic period. The objective of the present article, therefore, is to report the experience and to perform a quantitative and qualitative analysis based on student answers obtained in questionnaires. Following application of the MBTI test, teams were formed according to the students’ temperament, with the sixteen psychological types divided into four large groups of temperaments: SJ (guardians), SP (craftsmen), NF (idealists), NT (rational). The teams were created so that they each had at least one representative of each temperament. The quantitative analysis shows that the intervention was statistically significant. Qualitative analysis of the answers to the open-ended questions was obtained initially by categorization of the information, followed by grouping into broad categories, through content analysis. The categories “satisfactory team formation”, “opportunity for self-knowledge and peer knowledge by the MBTI”, and “disagreement with the MBTI division” elucidated the students’ perceptions about the potentialities and challenges of using the MBTI for team division in medical training. The experience taught us that adding individual skills is possible and important, not only for the construction of quality end products, but for the work process to be valued, allowing self-knowledge and the development of interpersonal skills. It is evident that we, as students and teachers, health professionals and people, should allow ourselves to be affected by the transformative potential of the educational process in order to enable us to act as agents that promote change.

Key words: Public Health; Medical Education; Learning; Personality; Social Group

INTRODUÇÃO

O aumento de doenças crônicas em detrimento das infectocontagiosas criou um novo paradigma de atenção à saúde. Tornou-se necessário substituir o modelo biomédico, centrado na cura, por uma nova abordagem em busca do cuidado integral da pessoa. Além disso, a produção e o acesso ao conhecimento se ampliam e surgem novas tecnologias. Assim, a assistência à saúde torna-se cada vez mais complexa, e as novas demandas exigem que os profissionais readaptem seus processos de trabalho em direção à construção de uma equipe multiprofissional que assegure integralidade, qualidade e efetividade no cuidado, sendo para isso necessário formar equipes coesas e reduzir a fragmentação do trabalho1.

Diante disso, a Association of American Medical Colleges, em 2009, recomendou que os currículos médicos buscassem estratégias para o desenvolvimento de colaboração, responsabilidade compartilhada e equipes de alto desempenho, caracterizadas pelas habilidades de liderança, tomada de decisões, comunicação, resolução de conflitos, autoconhecimento, cooperação, corresponsabilidade e compromisso2. Em consonância com essa orientação, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os Cursos de Graduação em Medicina3 de 2014 afirmam que o estudante deve ser capaz de assumir liderança nas relações interpessoais, com comprometimento, responsabilidade, empatia, habilidade para tomada de decisões, comunicação e desempenho de ações efetivas, mediada pela interação, participação e diálogo, objetivando o bem-estar da comunidade. Dessa forma, o trabalho em equipe deve permear a formação médica a fim de que os estudantes desenvolvam as competências necessárias à formação de equipes de alto desempenho4.

Ao buscar na literatura metodologias para a produção dessas equipes e o desenvolvimento de competências do trabalho em equipe, é possível encontrar a utilização do Myers-Briggs Type Indicator (MBTI). O MBTI é amplamente utilizado nos setores de recursos humanos, de gerenciamento e administração na construção de equipes, com os propósitos de autoconhecimento e autodesenvolvimento, desenvolvimento organizacional, treinamento gerencial e desenvolvimento curricular acadêmico e profissional5.

Trata-se de um questionário de autoavaliação criado por Katharine Cook Briggs (1875–1968) e sua filha Isabel Briggs Myers (1897–1980), com base na Teoria dos Tipos Psicológicos. Tal teoria foi desenvolvida por Jung para explicar as diferenças comportamentais entre os indivíduos, que, segundo ele, resultam de preferências inatas que orientam as ações individuais e produzem comportamentos característicos que podem ser agrupados em padrões de personalidades6.

O MBTI organiza essas preferências segundo quatro funções mentais, cada qual composta por duas preferências dicotômicas que são representadas por letras (Figura 1), sendo elas: foco da motivação (extroversão (E) e introversão (I)), percepção (sensação (S) e intuição (N)), tomada de decisões (pensamento (T) e sentimento (F)) e estilo de vida (julgamento (J) ou percepção (P)). Conforme as respostas dadas, o MBTI atribui uma letra a cada função mental, resultando numa sequência de quatro letras que se combinam em 16 tipos psicológicos (Figura 2). Para cada tipo psicológico foram descritas características de personalidade, relações interpessoais e processo de trabalho6. A partir disso, a literatura propõe divisões de trabalho segundo os tipos psicológicos de modo a tornar o processo mais produtivo, potencializado e harmônico5.

Fonte: Figura de domínio público disponível em: <http://www.p8desenvolvimento.com.br/ 2014/04/voce-sabe-o-que-e-mbti-p8-desenvolvimento-oferece-analise-de-perfil-mbti/>.

FIGURA 1 Discriminação das preferências dicotômicas: extroversão (E) e introversão (I); sensação (S) e intuição (N); pensamento (T) e sentimento (F); julgamento (J) ou percepção (P), das quatro funções mentais presentes no MBTI (onde você concentra sua atenção – motivação; a forma como capta informações – percepção; a forma de tomar decisões – tomada de decisões; como você lida com o mundo exterior – estilo de vida) 

Fonte: Autores, adaptada do programa Faimer® Brasil.

FIGURA 2 Discriminação dos 16 tipos psicológicos do MBTI e algumas das principais preferências de cada tipologia 

Diante de tais intencionalidades do MBTI e da necessidade de desenvolver as competências requeridas para o trabalho em equipe e potencializar os trabalhos desenvolvidos durante a graduação, aventou-se a possibilidade de utilizar o MBTI na graduação de profissionais de saúde. Dessa forma, o MBTI foi incorporado ao planejamento e à execução de um componente curricular de Saúde Coletiva no sétimo período de um curso de Medicina de uma universidade federal pública brasileira, como estratégia para a divisão das equipes de trabalho para um semestre letivo. Assim, o objetivo do presente artigo é compartilhar a experiência vivenciada e realizar uma análise quantitativa e qualitativa dessa experiência.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Esta pesquisa, que combina métodos qualitativos e quantitativos, desenvolvida entre os anos de 2016 e 2018, foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos sob o Parecer no 1.823.925 e CAAE: 59415316.2.0000.5152.

Amostra

Foram convidados 43 participantes de uma turma que concluiu o sétimo semestre do curso de Medicina de uma universidade pública brasileira.

Procedimentos

Inicialmente, os estudantes foram convidados a responder voluntariamente à versão gratuita do MBTI disponível em uma página eletrônica de fácil acesso7, utilizada por diversas empresas e pesquisas científicas8-11. Tal versão é baseada no MBTI original de acesso pago e se diferencia por ser composta por um número reduzido de questões e permitir acesso a uma versão objetiva dos resultados. No final, o estudante obtinha uma sequência de quatro letras, que representava sua preferência dentro de cada função mental. A sequência de cada estudante foi repassada aos docentes. Cada estudante poderia, ao longo de todo o processo, questionar e até mesmo refutar a sua sequência de quatro letras.

Com base nesse banco de dados, foi aplicado o agrupamento por temperamento para a formação das equipes, por conveniência dos autores. Esse tipo de agrupamento reúne os 16 tipos psicológicos em quatro grandes temperamentos: SJ (guardiães), SP (artesãos), NF (idealistas) e NT (racionais), reunindo-se, assim, indivíduos com temperamentos semelhantes. As equipes foram criadas de modo que tivessem em sua composição pelo menos um representante de cada temperamento.

Para contextualizar a análise dos dados e permitir a replicação dessa experiência, foi construída inicialmente a descrição dessa experiência, com as devidas reflexões e diálogos com a literatura. A descrição, feita de forma retrospectiva, busca narrar fatos, sentimentos e percepções do processo vivenciado, bem como construir uma análise crítica e reflexiva do método utilizado, apontando pontos positivos e de aprimoramento para que a experiência possa ser multiplicada em outros componentes curriculares da formação médica e em saúde e onde mais ela estiver de acordo com as competências esperadas para aquele momento da formação.

Além disso, para compreender a efetividade do uso do MBTI, na percepção dos discentes, foi feita uma análise quantitativa por meio da aplicação de um questionário estruturado com nove questões fechadas (Quadro 1), respondidas numa escala Likert de sete pontos, sendo que, quanto maior a pontuação da resposta, mais positiva era a percepção dos estudantes sobre cada afirmativa. Além disso, o questionário continha um campo com três perguntas abertas para que os estudantes abordassem os pontos positivos, negativos e sugestões da experiência vivida. Esse questionário buscava avaliar o MBTI como ferramenta de aprimoramento de autoconhecimento, processo de trabalho em equipe, habilidades de liderança, habilidades de comunicação, habilidades de tomada de decisões, profissionalismo, habilidades de gestão de conflitos e a prática profissional em saúde. Os estudantes que concordaram em participar livremente da pesquisa foram devidamente esclarecidos sobre os procedimentos e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias de igual teor, tendo uma via ficado com cada estudante e a outra com os pesquisadores responsáveis.

QUADRO 1 Descrição dos itens presentes no questionário aplicado aos discentes acerca das habilidades desenvolvidas por meio do uso do MBTI 

1.O uso do MBTI aprimorou meu autoconhecimento.
2.O uso do MBTI aprimorou meu processo de trabalho em equipe.
3.O uso do MBTI aprimorou meu relacionamento com outros colegas.
4.O uso do MBTI aprimorou minhas habilidades de liderança.
5.O uso do MBTI aprimorou minhas habilidades de comunicação.
6.O uso do MBTI aprimorou minhas habilidades de tomada de decisão.
7.O uso do MBTI aprimorou meu profissionalismo.
8.O uso do MBTI aprimorou minhas habilidades de gestão de conflitos.
9.O uso do MBTI aprimorou minha prática profissional em saúde.

Fonte: Autores.

Análise de dados

A análise qualitativa foi feita com base nas respostas abertas obtidas, por meio da análise de conteúdo, utilizando-se a técnica de análise de relações. Segundo Bardin apud Minayo12, a análise de conteúdo busca processar dados qualitativos e sistematizá-los a fim de permitir inferências. Inicialmente, foram analisadas as principais ideias contidas em cada resposta aberta. Logo após, utilizou-se a técnica de análise de relações, pela qual se buscaram nas respostas abertas elementos que estabelecessem relações entre si. Em seguida, mediante a identificação de relações ou similaridades, tais ideias foram agrupadas em categorias amplas12.

Na análise estatística das respostas foi utilizado o software SPSS® versão 21.0 e G*Power versão 3.1.9.27. Para caracterização da amostra, foi calculada a média de idade dos participantes e a porcentagem de estudantes de cada sexo e gênero. Posteriormente, fez-se uma análise descritiva das respostas, com cálculo dos valores mínimo e máximo, amplitude, média, desvio padrão e intervalo de confiança de 95% para as variáveis de interesse deste estudo. Para comparação da média de cada questão, utilizou-se o valor médio da escala (valor de referência = 4), aplicando-se o teste t de Student para uma amostra, a fim de determinar se a intervenção foi estatisticamente significativa13,14. Finalmente, determinou-se o tamanho de efeito (d de Cohen) das diferenças encontradas15,16 e adotou-se o nível de significância de 5%.

RELATO, RESULTADOS E DISCUSSÃO

A abertura ao aprendizado a partir do eu e do outro em interação

Estávamos acostumados com a comodidade dos grupos autosselecionados segundo critérios de afinidade ou pela aleatoriedade dos sorteios. Porém, antes mesmo do primeiro dia de aula, recebemos o convite para responder ao Myers-Briggs Type Indicator (MBTI), que atribuiria a cada um de nós uma sequência de letras que seria utilizada pelos professores a fim de organizarem a divisão das equipes de trabalho para o semestre letivo.

Como a maioria de nós desconhecia o MBTI, houve diferentes reações: desde aqueles que o encararam com desconfiança e resistência, até os que, movidos pela curiosidade, buscaram se aprofundar na compreensão de seu funcionamento. Concomitantemente, foi proposta a leitura de referenciais teóricos acerca do MBTI e explicada sua intencionalidade como instrumento de potencialização do trabalho em equipe, objetivando desenvolver equipes de alto desempenho em nosso processo de ensino-aprendizagem e em nossa formação como profissionais de saúde.

Após a leitura da teoria, era chegada a hora de nos apropriar do significado de nosso próprio tipo psicológico e de compreender o impacto do uso do MBTI na prática. Para isto, foi realizada uma oficina, baseada na experiência dos autores no curso de especialização em educação para profissões da saúde promovido pelo Instituto Regional Faimer® Brasil, com quatro atividades. Essas atividades, de autoria do Instituto Regional Faimer® Brasil, foram adaptadas ao nosso contexto. Cada uma delas propunha determinada divisão de grupos (que, ainda não sabíamos naquele momento, já tinha relação com os perfis de MBTI de cada um) e trabalhava uma das funções avaliadas pelo MBTI. No final de cada atividade, os grupos compartilhavam com o restante da sala uma síntese do que discutiram e, a partir disso, entendíamos as diferenças de perspectiva de cada preferência, validando o MBTI online que havíamos feito anteriormente.

A primeira atividade consistia em descrever livremente uma imagem (Figura 3). Alguns grupos se concentraram em descrever de forma pontual, objetiva e quantitativa o castelo e todos os seus detalhes, desde o formato da construção até a aparência da areia. Para outros, descrever o castelo como “um castelo” foi suficiente, pois era necessário mencionar as pessoas ao redor, especular sobre quem o havia construído, além de discutir acerca dos sentimentos despertados pela imagem e possíveis metáforas que poderiam ser elaboradas. Diante disso, a sala foi inundada por um sentimento de surpresa, pois, afinal, os grupos haviam focado aspectos diferentes. Ficou nítida a diferença entre aqueles que coletam informações por meio da sensação (S) ao buscarem dados realistas e detalhados, e os denominados intuitivos (N), que priorizam uma visão ampliada e imaginativa, criando teorias e abstrações. Implicitamente, compreendíamos que a intencionalidade da divisão dos grupos foi realizada com base nos intuitivos (N) e naqueles que coletam informações por meio da sensação (S), a fim de que começássemos a compreender essas diferenças presentes em cada preferência dos tipos psicológicos do MBTI.

Fonte: Figura de domínio público disponibilizada pelo programa Faimer® Brasil.

FIGURA 3 Figura utilizada na primeira atividade da oficina 

Logo em seguida, fomos reorganizados em novos grupos para avaliar as estratégias de tomadas de decisão. Não sabíamos ainda, mas, nesse momento, os grupos foram divididos entre aqueles que decidem baseando-se no pensamento (T) e aqueles que orientam a tomada de decisões pelo sentimento (S). Nessa atividade, cada grupo deveria se posicionar diante da seguinte situação: seu filho faz parte de um time de futebol que fez uma boa temporada e irá participar de uma competição nacional, mas o time é composto por 22 jogadores e somente 16 poderão participar. Parte dos estudantes foi categórica: devem ser convocados os melhores jogadores do time, independentemente do desempenho de seu filho, caracterizando os que decidem baseando-se no pensamento (T), guiados pela lógica, objetividade e justiça. Do outro lado estavam aqueles que orientam a tomada de decisões pelo sentimento (S), que buscam compreender os sentimentos envolvidos e a manutenção da harmonia; assim, preocupados com os sentimentos do filho e das outras crianças, planejavam formas para que todos fossem ao campeonato. Para isso, poder-se-ia, por exemplo, alugar um meio de transporte para que todos estivessem presentes nos jogos, buscar alternativas junto à organização do campeonato ou revezar os jogadores para que todos tivessem oportunidade de participar.

A terceira atividade propunha que parte da turma observasse a atividade sugerida naquele momento, enquanto os outros estudantes formavam dois grupos: um contendo aqueles que sabidamente buscam energia na companhia de outras pessoas e outro com aqueles que se energizam sozinhos. A tarefa para os grupos era a seguinte: Tem sido uma longa semana e você está exausto. Então, lhe anunciam que você terá o dia de folga. Como você prefere passar o dia? Aos que observavam, a discrepância estava escancarada. De um lado havia sido formada uma roda e combinavam passar o dia juntos. Entusiasmadas demais, as pessoas ali presentes atropelavam as falas umas das outras, avidamente exclamavam suas ideias e sugestões: Que tal um churrasco? Passeio na cachoeira? Dia de festa? Do outro, pairava o silêncio. Reflexivos e quietos. Individualmente contemplavam suas possibilidades. Os planos eram variados: ler um livro, assistir a um filme, descansar. Estavam ali presentes os extrovertidos (E) e os introvertidos (I), respectivamente.

Por fim, a última atividade, com uma nova divisão da turma, perguntava: Como você agiria diante de férias marcadas para daqui a quatro meses? Manifestaram-se duas formas de se relacionar com o mundo exterior: aqueles que planejam e organizam tudo antecipadamente, orientando-se assim pelo julgamento (J), e que iniciaram a confecção de uma lista de preparativos que precisavam ser resolvidos o quanto antes; e aqueles que se orientam pela percepção (P), que preferem permanecer abertos a novas experiências e surpresas. Estes, ao se depararem com tal pergunta, não viram sentido nela. Para eles, não era possível planejar com tanta antecedência e resolveram deixar o planejamento para um período mais próximo da viagem.

As quatro atividades da oficina foram de suma importância para que os estudantes daquele componente curricular compreendessem, na prática, diferentes formas de pensar e agir diante de uma mesma situação. Assim, por meio da percepção dessas diferenças, entendiam o próprio MBTI e o significado de cada letra atribuída a cada um. Após esse momento inicial da oficina, já compreendendo os conceitos utilizados pelo MBTI para a discriminação dos tipos psicológicos, foi apresentada a divisão final das equipes com as quais iríamos trabalhar ao longo de todo o semestre letivo no módulo de Saúde Coletiva.

No final da dinâmica, houve um momento em que cada estudante recebeu uma descrição completa do significado do seu perfil com base na literatura, e as equipes puderam compartilhar entre si esse material. A tarefa era identificar como as características de cada um contribuíam ou poderiam ser aperfeiçoadas no convívio em cada equipe. Ainda que cada estudante pudesse, ao longo de todo o processo, questionar e até mesmo refutar a sua sequência de quatro letras, isso não ocorreu.

No decorrer do semestre, as equipes participaram de diferentes métodos de ensino-aprendizagem utilizando essa divisão de equipes pelo MBTI, tais como Aprendizagem Baseada em Equipes (ABE) e Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP).

A ABE tem sua fundamentação teórica baseada no construtivismo, em que o professor se torna um facilitador da aprendizagem num ambiente despido de autoritarismo e que privilegia a igualdade. As experiências e os conhecimentos prévios dos alunos devem ser evocados na busca da aprendizagem significativa. Neste sentido, a resolução de problemas é parte importante neste processo. Além disso, a vivência da aprendizagem e a consciência de seu processo (metacognição) são privilegiadas. Outra característica importante do construtivismo é a aprendizagem baseada no diálogo e na interação entre os alunos, o que contempla as habilidades de comunicação e trabalho colaborativo em equipes, que serão necessárias ao futuro profissional e respondem às Diretrizes Curriculares Nacionais brasileiras. Finalmente, a ABE permite a reflexão do aluno sobre si e sobre a prática, o que leva à mudança de raciocínios prévios17.

Neste contexto, a ABE deu início às discussões do módulo, sensibilizando os estudantes para o tema e as discussões posteriores, iniciando a convivência em equipe. O uso do MBTI para compor as equipes de trabalho nessa etapa do componente curricular aliou-se à intencionalidade desse método de ensino-aprendizagem de criar oportunidades e obter os benefícios do trabalho em equipes. Nessa etapa, os estudantes, por meio dessas equipes, entraram em contato com o tema do componente curricular em questão – Gênero, Sexualidade e Saúde Coletiva para a Medicina –, identificando onde essas questões atravessavam eles próprios, sua formação e a de seus pares e sua futura prática profissional. Percebemos que o MBTI foi uma ferramenta fundamental para permitir, no convívio com as diferenças, a sensibilização necessária para trabalhar com temática tão complexa para a formação e a prática médicas.

A Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP) constitui uma metodologia ativa de ensino-aprendizagem em que estudantes são confrontados com questões e problemas do mundo real que consideram significativos, determinando de forma ativa como abordá-los e, então, agindo cooperativamente em busca de solução. A ABP é caracterizada pela utilização de projetos autênticos, realistas, baseados numa questão, tarefa ou problema altamente motivadores e envolventes, inseridos no trabalho em equipes de forma cooperativa, sendo por isso recomendada como uma estratégia de ensino-aprendizagem do século XXI18.

Na ABP, cada equipe ficou responsável por identificar em uma das políticas públicas que seriam discutidas nesse componente curricular – Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Homens, Mulheres, Adolescentes e População LGBT –, na interface com seus cenários de prática, pontos de fragilidade e potenciais de aprimoramento para que, no final do semestre, apresentasse um produto final que pudesse ser utilizado na formação e/ou prática médicas e em saúde. Esse produto deveria estar bem embasado na literatura, que seria sistematizada numa linha de cuidados e divulgado aos pares mediante uma produção audiovisual criativa e inovadora. Mais uma vez, as equipes formadas pelo MBTI originaram uma diversidade de pontos de vista, saberes, opiniões e disposições que, em interação, conseguiram identificar esses aspectos e gerar produtos originais, bem embasados e com potencial para aperfeiçoar as políticas públicas e o cuidado em saúde.

A abertura ao aprendizado a partir dos dados e da literatura em interação

Foi solicitado aos estudantes que participaram da experiência que, de forma voluntária, respondessem a um questionário, avaliando diferentes pontos do componente curricular. Esse questionário continha nove questões acerca da efetividade do uso do MBTI para o desenvolvimento das habilidades necessárias ao trabalho em equipe (Quadro 1) e três questões discursivas que indagavam os pontos positivos, negativos e sugestões acerca do uso do MBTI.

Foram obtidas respostas de 73,17% dos questionários aplicados. A amostra de estudantes que responderam ao questionário tem média de idade de 22,30 ± 2,34 anos, sendo composta por 50% de mulheres e 50% de homens (Tabela 1).

TABELA 1 Descrição da amostra dos participantes da pesquisa 

Total 30 (73,17%)
Idade média 22,20 ± 2,34
Gênero  
Feminino 15 (50%)
Masculino 15 (50%)

Fonte: Autores.

Com relação à análise estatística das respostas às questões, observa-se que o uso do MBTI proporcionou ganho das competências de trabalho em equipe em todos os itens do questionário. Todas as questões obtiveram médias superiores à média da escala (4), sendo que a maior média (5,60 ± 1,71) foi obtida na questão 1, que se referia ao aprimoramento de autoconhecimento, enquanto a menor média (4,57 ± 2,00) foi obtida na questão 4, referente ao aprimoramento das habilidades de liderança. Das nove questões que compunham o questionário, todas tiveram significância estatística (p < 0,050), exceto a questão 4 (p = 0,131), e grande tamanho de efeito – ou seja, o impacto dessa intervenção pode ser considerado grande, uma vez que em todas as diferenças temporais de cada item o efeito d de Cohen foi maior que 0,8, o que significa que essa intervenção pode gerar esses resultados em mais de 78,8% dos sujeitos19 (Tabela 2).

TABELA 2 Descrição das respostas dos estudantes para cada questão do questionário, com cálculo da média e desvio padrão, discriminação do p-value obtido a partir do teste t de Student e o valor de d de Cohen para análise do tamanho do efeito 

  Média Desvio padrão p-value d de Cohen
1. 5,60 1,714 0,000 0,93
2. 5,00 1,838 0,006 0,54
3. 4,90 1,807 0,011 0,50
4. 4,57 1,995 0,131 0,29
5. 4,93 1,574 0,003 0,59
6. 5,17 1,315 0,000 0,89
7. 5,37 1,245 0,000 1,10
8. 5,03 1,712 0,003 0,60
9. 5,53 1,456 0,000 1,05

Fonte: Autores.

Com relação às questões discursivas por meio da análise de conteúdo8 (Quadro 2), a primeira categoria formada foi “formação de equipes satisfatória”, na qual os estudantes aprovaram o uso do MBTI para a formação das equipes, referindo que o método contribuiu para os objetivos e intencionalidade das estratégias pedagógicas propostas, bem como para o desenvolvimento e aperfeiçoamento das dinâmicas efetivas do trabalho em equipe. Tal percepção pode ser expressa pelo trecho: “o MBTI contribuiu bastante e tornou mais efetivas as dinâmicas utilizadas”. A partir disso, ao retomarmos a proposta de utilização da ABP, segundo Bender18, enquanto metodologia que busca o desenvolvimento da cooperação e as intencionalidades da utilização do MBTI, e, segundo Hirsh & Kummeron6, como ferramenta para o desenvolvimento de equipes de alto desempenho e aquisição de competências necessárias ao trabalho em equipe, percebemos que a associação de tais metodologias se potencializou na prática e que tal fato foi reconhecido pelos estudantes.

QUADRO 2 Categorias da análise qualitativa e seus exemplos 

Categorias amplas Exemplos
Formação de equipes satisfatória “O MBTI contribuiu bastante e tornou mais efetivas as dinâmicas utilizadas.”
Oportunidade de autoconhecimento e conhecimento dos pares pelo MBTI “Autoconhecimento a partir do MBTI.” “Conhecimento das personalidades dos meus pares para melhor saber lidar com diferenças de opiniões.”
Discordância da divisão segundo MBTI “Não formar grupos usando MBTI.” “Sobrecarga/não cumprimento de atividades por alguns integrantes.” “A formação do grupo não foi esclarecida.”

Fonte: Autores.

A segunda categoria criada foi “oportunidade de autoconhecimento e conhecimento dos pares pelo MBTI” e se refere principalmente ao crescimento pessoal que o MBTI proporcionou. Nessa categoria, os estudantes expressaram que se descobriram, descobriram o outro e ajudaram na descoberta de cada um, exaltando os pontos fortes e potencialidades de cada indivíduo, o que permitiu uma cooperação para o crescimento coletivo da equipe. Tal categoria pode ser ilustrada pelas seguintes falas de participantes, quando questionados sobre as estratégias utilizadas durante o módulo de Saúde Coletiva: “autoconhecimento a partir do MBTI”, “conhecimento das personalidades dos meus pares para melhor saber lidar com diferenças de opiniões.”

Tais trechos corroboram as intencionalidades iniciais da proposta de incorporar o MBTI como estratégia de formação de equipes na graduação de estudantes da área da saúde, a exemplo dos objetivos de sua utilização em outros setores, pois despertou os estudantes para os desafios do trabalho em equipe ao colocá-los em situações em que era necessário compartilhar e conciliar opiniões para a tomada de decisões. Isso permitiu um intenso intercâmbio de ideias e propiciou que os diferenciais de cada um fossem apreciados, reconhecidos e valorizados pela equipe. Assim, foram acolhidos no processo de trabalho, somando e potencializando o desempenho das equipes, contribuindo para que desenvolvessem habilidades importantes para futuros profissionais da área da saúde, conforme apontado pelas DCN para os Cursos de Graduação em Medicina3, tais como habilidades de comunicação, liderança, gestão de conflitos e empatia, necessárias ao cuidado em saúde.

O MBTI pôde também ser utilizado como uma estratégia de autoconhecimento ao viabilizar o diálogo entre as características de cada tipo psicológico com a autopercepção de cada um, possibilitando a compreensão ampliada de cada um de nós e dos nossos processos de trabalho, o que favoreceu ações mais conscientes, direcionadas e produtivas ao longo do semestre letivo. Também foi possível visualizar aspectos de nossas personalidades com potencial de aprimoramento, para os quais deveríamos atentar a fim de alcançar melhor desempenho. Foi proporcionado, então, um processo de aperfeiçoamento e desenvolvimento pessoal para potencializar o trabalho individual e em equipe.

Outra categoria estabelecida foi denominada “discordância da divisão segundo MBTI”, expressando que alguns estudantes discordaram ou ficaram insatisfeitos com a utilização do MBTI. Eles argumentaram que a equipe foi um limitador tanto do processo de trabalho como do resultado final, uma vez que os interesses dos integrantes não eram compartilhados e muitas vezes apareciam em direções opostas, e também o fato de alguns integrantes se demonstrarem mais engajados na proposta do que outros. Para exemplificar tal categoria, trazemos: “não formar grupos usando MBTI”, “sobrecarga/não cumprimento de atividades por alguns integrantes”.

Ao nos depararmos com essa realidade, podemos levantar a hipótese de que determinados indivíduos podem ser indiferentes à importância de determinada competência para a própria formação. Entretanto, é importante resgatar Paulo Freire20, com a compreensão de que personalidades distintas são sensibilizadas de maneiras distintas, assim como a concepção de que conhecimentos significativos e úteis são diferentes de pessoa para pessoa. Em outras palavras, o processo educativo e seus fracassos não podem ser atribuídos apenas ao estudante quando se propõe uma metodologia única para uma turma composta por pessoas distintas.

Além disso, podemos atribuir tais situações à tendência equivocada de utilizar o MBTI como um rótulo. Esse movimento pode gerar o sentimento de inadequação às expectativas geradas pelo tipo psicológico, bem como a utilização de características pessoais como justificativa para omissões em atividades ou levar a grupos disfuncionais, com especialização, fragmentação do trabalho e sobrecarga de alguns componentes. Apontamos também que os professores se mantiveram atentos e dispostos a acolher as dúvidas e angústias e facilitar o processo de trabalho com cada equipe ao longo de todo o semestre letivo, inclusive disponibilizando horários específicos para atendimentos individuais e em equipe dos estudantes, o que consideraram fundamental para alcançar os bons resultados desta proposta.

Assim, propomos como estratégia, em situações semelhantes, o resgate constante da compreensão proposta por Hirsh & Kummeron6 de que os tipos psicológicos não são absolutos e inflexíveis e de que as características variam dentro de um espectro, não sendo uniformemente desenvolvidas em todos os indivíduos. Por isso, o MBTI não deve ser compreendido como determinante do nosso comportamento, mas como uma propensão natural de nossas ações, que podem ser constantemente trabalhadas e desenvolvidas. É importante ressaltar também que o MBTI não deve ser jamais utilizado como forma de ranquear, estigmatizar, avaliar ou julgar as pessoas.

Além disso, é importante relembrar as potencialidades do feedback construtivo para facilitar e aperfeiçoar a metodologia de trabalho em equipe. Ele possibilita a aquisição de maturidade e de habilidades de comunicação que fortalecem a expressão individual acerca do próximo, além do acolhimento de críticas que nos auxiliam a aprimorar nossas ações e nossa relação com os pares.

Os professores do referido componente curricular apontam o desafio cotidiano de propor atividades em equipes, especialmente em turmas que estão em fase avançada no curso. Nesses momentos, muitas vezes, os conflitos e diferenças reconhecidos e vividos ao longo dos últimos semestres letivos dificultam uma divisão aleatória da turma para potencializar a convivência e o aprendizado.

O uso do MBTI conquistou aceitação no ambiente acadêmico pelo discurso das evidências e cientificidade agregadas de forma inédita para aqueles estudantes à proposta de formação de equipes. Assim, apesar da estranheza inicial na aleatoriedade da composição, o uso do MBTI foi aceito pelos estudantes, que compreenderam seu uso, intencionalidade e potencialidade.

Com o andamento do semestre, identificamos alguns conflitos numa equipe em especial, e a fala de que “mesmo nas afinidades, há diferenças de personalidades e que, portanto, o MBTI poderia agrupar pessoas afins em equipes de composição heterogênea”. Essa fala, motivada pela diferença na dedicação dos componentes dessa equipe na execução das tarefas propostas, permitiu também que seus componentes refletissem sobre suas personalidades, as de seus pares na equipe e as de seus pares na turma, reiterando, ainda assim, a eficácia de se conhecer, conhecer o outro e desenvolver suas potencialidades no trabalho em equipe. Ou seja, a composição da equipe em si estava em questionamento, e as possibilidades do MBTI ainda assim foram acionadas para propor novas formas de composição de equipes.

Além disso, identificamos as angústias geradas por atividades educacionais que propõem a autonomia e a corresponsabilização dos estudantes, como aconteceu com a ABP, principal método de ensino-aprendizagem utilizado neste componente curricular. Os produtos finais de cada equipe demonstraram como o convívio com a diversidade de personalidades, propiciado pelo MBTI, permitiu que cada estudante superasse esse desafio inicial e, junto com seus pares, aprendesse de forma efetiva e afetiva.

Portanto, os professores desse componente consideraram que os estudantes observaram que a utilização do MBTI teve impacto positivo no desenvolvimento das habilidades para a formação de equipes de alto desempenho. Assim, foi possível reconhecer as ideias e habilidades do outro como complementares, somando-as na construção de um produto final compartilhado e com o qual os diferentes integrantes das equipes se identificavam.

Além disso, o resultado final foi de produtos de excelente qualidade, que demonstraram o engajamento dos membros no planejamento e na execução do trabalho, bem como o comprometimento com o desempenho da equipe e a integração entre seus membros. Uma dessas produções, apresentada no Congresso Brasileiro de Educação Médica de 2017, foi certificada com o primeiro lugar dos trabalhos apresentados naquele ano, evidenciando a importância da cooperação e do compromisso mútuo de todos os membros com os projetos propostos para um resultado de qualidade.

De acordo com a nossa experiência, observamos que o momento da formação para utilizar o MBTI como ferramenta de formação de equipes varia de acordo com a intencionalidade da proposta pedagógica e das competências que devem ser desenvolvidas em determinado componente curricular. Com base nesta experiência, verificamos que o uso do MBTI poderia ser potencializado em associação com o desenvolvimento de outras competências fundamentais ao trabalho em equipe, como gestão de conflitos, liderança apreciativa, avaliação por pares e feedback. Nessa perspectiva, o feedback possibilita encorajar ideias e comportamentos assertivos e valiosos, e aprimorar atitudes que requerem dedicação pessoal para superar e reinventar em direção à melhor atuação possível em ambientes de trabalho em equipe21.

A avaliação de outras turmas submetidas à mesma intervenção tanto no âmbito do ensino de Saúde Coletiva quanto em outros componentes curriculares, bem como a avaliação prospectiva dos estudantes que participaram podem ser feitas para reiterar a eficácia a longo prazo das competências desenvolvidas, bem como aprimorar a intervenção na formação e prática profissional. Além do mais, identificamos como uma necessidade a análise de outras formas de agrupamento do MBTI para compreendermos, em profundidade, as potencialidades e limitações de cada uma delas.

CONCLUSAO

O trabalho em equipes é uma das competências que a educação médica atual busca para desenvolver as potencialidades individuais e formar médicos capazes de atuar em conjunto com profissionais de outras áreas a fim de alcançar o desenvolvimento de um sistema de saúde que assegure assistência de qualidade e cuidado integral às pessoas.

A experiência de usar o MBTI para a formação de equipes de alto desempenho permitiu vivenciar as potencialidades e os desafios do trabalho em equipe. Percebemos que compartilhar habilidades individuais é possível e importante não apenas para a construção de produtos finais de qualidade, mas para que o processo de trabalho seja valorizado e permita autoconhecimento e o desenvolvimento de habilidades de relação interpessoal.

O desafio do custo do MBTI estimulou nossa criatividade em buscar uma versão gratuita, objetiva e confiável na internet, o que a torna uma estratégia de baixo custo, acessível e com grande potencial na execução de um componente curricular ou mesmo em outros ambientes de trabalho em equipe, para além da graduação.

A compreensão do MBTI em si, seu funcionamento, intencionalidade e interpretação é fundamental para que não se (re)produzam estereótipos, sofrimentos e rupturas desnecessários entre as pessoas envolvidas no processo. O acompanhamento dos estudantes pelos professores ao longo do semestre letivo deve ser constante, garantindo que a intervenção tenha efetividade e não produza angústias desnecessárias, buscando o apoio requerido e promovendo o cuidado dos discentes a todo instante.

Por fim, ressaltamos que, para que o MBTI seja efetivo como ferramenta de formação de equipes de trabalho e para que se alcancem equipes de alto desempenho, é necessário que os estudantes e professores estejam dispostos a se expor ao processo de afetação22. Ou seja, que ocupem o lugar que existe dentro dessa experiência, dentro de cada tarefa, decisão e objetivo da equipe, de modo que ultrapassem o limite do observar e mergulhem no participar, permitindo-se ser afetados pelo outro, pelo processo, e afetando-os mutuamente.

Fica evidente a importância de que, enquanto estudantes e professores, profissionais de saúde e pessoas, nos permitamos ser afetados pelo potencial transformador do processo educacional. Dessa forma, então, poderemos ser capazes de atuar também como agentes promotores da mudança.

AGRADECIMENTOS

Ao Programa FAIMER® Brasil, pela formação propiciada aos docentes de nossa Instituição e que tornou possível o desenvolvimento dessa experiência. À Direção da Faculdade de Medicina, à Coordenação do Curso de Medicina e ao Departamento de Saúde Coletiva (DESCO) da Faculdade de Medicina (FAMED) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), pelo apoio à qualificação docente no âmbito do Programa FAIMER® Brasil e ao desenvolvimento de atividades inovadoras, como a aqui relatada, no curso de Medicina dessa Instituição.

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Recebido: 2 de Março de 2019; Aceito: 30 de Março de 2019

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA. Gustavo Antonio Raimondi – Universidade Federal de Uberlândia, Faculdade de Medicina, Departamento de Saúde Coletiva, Avenida Pará 1720, Campus Umuarama, Bloco 2U, Sala 8, Umuarama, 38405-320, Uberlândia, Minas Gerais, Brasil. Mestre em Ciências da Saúde. gustavo.raimondi@gmail.com

CONTRIBUIÇÃO DOS(AS) AUTORES(AS)

Todos(as) os(as) autores(as) participaram da idealização e confecção do projeto; da coleta e análise dos dados; e da redação e revisão do manuscrito.

CONFLITO DE INTERESSES

Declaramos não haver conflito de interesses.

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