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Revista Brasileira de Educação Médica

versão impressa ISSN 0100-5502versão On-line ISSN 1981-5271

Rev. Bras. Educ. Med. vol.43 no.4 Rio de Janeiro out./dez 2019  Epub 12-Set-2019

https://doi.org/10.1590/1981-52712015v43n4rb20180116 

Artigo Original

Identificação do Nível de Conhecimento em Cuidados Paliativos na Formação Médica em uma Escola de Medicina de Goiás

Identifying the Level of Knowledge in Palliative Care among Medical Students in Goiás

Erika Aguiar Lara PereiraI 
http://orcid.org/0000-0002-3190-2440

Adriana Belle RangelI 

Julia Calixto Guimarães GiffoniI 

IPontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil.


RESUMO

Introdução

O atual panorama mundial e, mais recentemente, brasileiro, nos permite afirmar que os cursos de Medicina carecem de disciplinas que abordem os temas de morte, luto e comunicação de más notícias, geralmente inseridos no contexto dos Cuidados Paliativos, embora não somente em disciplinas que conduzam os futuros profissionais médicos para além do conhecimento técnico-científico, tendo em vista a necessidade dos pacientes e familiares de serem cuidados também nos âmbitos psicossocial e espiritual1. Sabemos que existem barreiras para a aplicação de técnicas de cuidados paliativos no Brasil. Entre elas, podemos destacar a falta de formação em Cuidados Paliativos da equipe de saúde, especificamente, neste estudo, dos profissionais médicos.

Objetivos

Identificar o nível de conhecimento em Cuidados Paliativos (CP) na formação médica dos acadêmicos de Medicina do sexto ano de uma escola de Medicina do Estado de Goiás, compreender a percepção dos acadêmicos quanto à aprendizagem referente aos CP durante a sua formação médica e discutir a inclusão de CP na formação médica da instituição do estudo e no Brasil.

Método

Um questionário com nove questões foi aplicado para avaliar o nível de conhecimento em Cuidados Paliativos dos acadêmicos do sexto ano de Medicina de uma escola médica do Estado de Goiás. A população do estudo foi constituída de 81 indivíduos, de ambos os sexos, maiores de 18 anos.

Resultados

Foi observado que 73,84% dos entrevistados souberam definir ortotanásia, 43,07% acertaram a definição de distanásia e 58,73% assinalaram corretamente sobre eutanásia. Temos ainda que 36,92% dos alunos não se consideram preparados para lidar com a terminalidade, e a maioria dos acadêmicos (74,3%) referiu déficit quanto à abordagem do tema na graduação.

Conclusão

Embora os acadêmicos avaliados conheçam alguns princípios dos CP, estes não são suficientes. Os alunos alegam carência na abordagem do tema, enfatizando a necessidade de implementação dos Cuidados Paliativos como disciplina obrigatória na grade curricular brasileira.

Palavras-Chave: Formação Médica; Cuidados Paliativos; Nível de Conhecimento Acadêmico

ABSTRACT

Introduction

The current global, and more recently Brazilian, state-of-affairs, indicate that Medicine courses are lacking in disciplines that address the issues of death, grief and communicating bad news. These are themes generally inserted in the context of palliative care, although not exclusively in subjects that instruct future medical professionals beyond technical-scientific knowledge, bearing in mind the need of patients and relatives to be cared for in psychosocial and spiritual terms1. There are known barriers for the application of palliative care methods in Brazil. These include a lack of training in palliative care among health care staff, and specifically in this study, medical professionals.

Objectives

To identify the level of knowledge in Palliative Care among sixth-year medical students at a Medicine school in the state of Goiás, Brazil, understand their view of training in Palliative Care during the undergraduate medical course and, finally, discuss the inclusion of Palliative Care in the medical training offered at their school and throughout Brazil

Method

A questionnaire containing 9 questions was applied to assess the level of knowledge about Palliative Care among sixth-year medical students from a Medicine school in the state of Goiás, Brazil. The study population was formed by 81 individuals, of both sexes, all of whom were at least 18 years of age.

Results

It was found that 73.84% of the interviewees were able to define orthothanasia, 43.07% gave a correct definition of dysthanasia and 58.73% correctly described euthanasia. Nonetheless, 36.92% of the students did not deem themselves fit to deal with terminality, and 74.3% cited a lack of attention given to the theme during undergraduate training.

Conclusion

Although the assessed students knew some principles of palliative are, these are insufficient. The students allege a lack of attention given to the theme, emphasising the need to implement Palliative Care as a mandatory discipline in the Brazilian curriculum.

Key words: Undergraduate Medical Training; Palliative Care; Level of Academic Knowledge

INTRODUÇÃO

O termo Cuidado Paliativo (CP) é utilizado para designar a atuação de uma equipe multiprofissional junto a pacientes fora de possibilidades terapêuticas de cura. A palavra “paliativo” é originada do latim pallium, que significa manto, proteção, ou seja, oferecer acolhimento à pessoa em sofrimento, seja qual for o estágio em que a doença se encontre2.

Assim, torna-se claro que o objetivo do CP é dar aos pacientes e seus entes queridos a melhor qualidade de vida possível, a despeito do estágio de uma doença. Além disso, são empregados outros tratamentos, como, por exemplo, recursos não farmacológicos: psicoterapia, acupuntura, musicoterapia, terapia ocupacional, fisioterapia e assistência espiritual3,4.

Adicionalmente, o processo de transição demográfica e epidemiológica é fator de grande influência para a indicação de uma abordagem paliativista. Ele é caracterizado por forte queda na fecundidade e aumento da longevidade, que impulsionaram o envelhecimento acelerado da população brasileira. Com isso, houve um aumento significativo da prevalência de doenças crônico-degenerativas – enfermidades cardiovasculares, como insuficiência cardíaca classe funcional IV, neoplasias e, em número crescente na atualidade, as doenças neurológicas, como as demências – e, consequentemente, um aumento do número de pacientes que não se curam. Destaca-se, portanto, a necessidade de assistência em saúde em cuidados paliativos não só nos momentos finais de vida, como também nos estágios ainda precoces de doenças ameaçadoras à vida5.

De acordo com os registros da Organização Mundial da Saúde (OMS), dos 58 milhões de mortes no mundo em 2015, 40 milhões são por doenças crônico-degenerativas incapacitantes e incuráveis, ou seja, são mortes anunciadas. Especificamente em relação ao Brasil, temos que o País assiste a cerca de um milhão de óbitos por ano, dos quais 650 mil por doenças crônicas6. Esse dado demonstra que ainda necessitamos de melhor planejamento e respaldo técnico para alcançar um modelo de assistência à saúde mais amplo e melhorar a avaliação no ranking sobre a “qualidade de morte”7,8.

Este ranking de “qualidade de morte” é um índice divulgado pela Economist Intelligence Unit, que classifica países segundo a atuação dos cuidados paliativos oferecidos à população. Avaliam-se critérios como: ambiente de saúde e cuidados paliativos, dose per capita de opioides no controle da dor, recursos humanos, formação de profissionais capacitados na área, qualidade de cuidado e engajamento da comunidade. Dos 80 países avaliados em 2015, o Brasil ficou na 42a posição. O índice divulgado em 2010 colocava o Brasil na 38aposição numa lista de 40 países avaliados8. Apesar da aparente melhora, observamos que aos 80 países avaliados foram acrescentados países como Iraque e Irã, em que ocorrem mortes constantes decorrentes de guerras civis e ataques terroristas, não demonstrando que essa ascensão seja de fato vista na realidade do panorama de cuidados paliativos no modelo de assistência à saúde brasileiro8.

Um dos critérios analisados por essa consultoria é a formação e capacitação de profissionais da área da saúde para lidar com pacientes portadores de doenças ameaçadoras à vida. Este é apenas um dos obstáculos enfrentados pelo Brasil, porém fundamental à implementação ampla da prática dos cuidados paliativos nos diversos níveis de assistência à saúde8.

Em busca de estreitar essa lacuna na assistência à saúde de forma integral, é imprescindível iniciar o processo de esino-aprendizagem em Cuidados Paliativos a partir da base, isto é, da graduação dos cursos das áreas de saúde – especificamente observado neste trabalho o curso de Medicina –, para que tenhamos profissionais aptos para lidar com os temas de finitude da vida.

OBJETIVOS

Esta pesquisa teve como principal objetivo identificar o nível de conhecimento em Cuidados Paliativos na formação médica dos acadêmicos de Medicina do sexto ano de uma escola de Medicina do Estado de Goiás.

Como objetivos específicos, buscou-se compreender a percepção dos acadêmicos de Medicina do sexto ano de uma escola de Medicina do Estado de Goiás quanto à aprendizagem referente aos CP durante a formação médica e discutir a inclusão de CP na formação médica na instituição estudada e no Brasil.

MÉTODO

Este estudo se caracteriza como Pesquisa Aplicada, pois objetivou gerar conhecimentos para aplicação prática, dirigida à solução de problemas específicos, envolvendo verdades e interesses locais.

O estudo é de natureza quanti-qualitativa. A parte quantitativa revelou os dados, traduzindo em números as percepções, opiniões e informações, as quais foram classificadas e analisadas em nossos resultados. O caráter qualitativo possibilitou interpretar os fenômenos e atribuir significados identificados na aplicação do instrumento de pesquisa.

A população do estudo foi constituída de 81 indivíduos, de ambos os sexos, maiores de 18 anos, que cursavam o sexto ano de Medicina numa universidade do Estado de Goiás, referentes às turmas “XIV” e “XV” do ano de 2017/2. Foram excluídos da pesquisa os acadêmicos que não estavam devidamente matriculados ou não frequentavam o curso regularmente.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUC-GO, sob o número de protocolo 0981/05.

Antes da entrevista, todos os profissionais incluídos na pesquisa fizeram a leitura da Carta de Informação e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A escolha do questionário como instrumento de coleta de dados é uma ferramenta desejável quando o propósito é coletar informações, quando existe um conjunto finito de questões a serem feitas e o pesquisador pode ser convencido da clareza e especificidade dos questionamentos, sendo escolhido um questionário previamente validado.

A análise e a interpretação dos significados apreendidos nos depoimentos escritos e nas questões objetivas se mostraram suficientes para a compreensão do fenômeno deste estudo.

Os dados quantitativos do questionário foram organizados no programa Excel 2010 e apresentados em forma de tabelas.

RESULTADOS

Os questionários respondidos foram analisados conforme os seguintes aspectos: formação técnica para lidar com a morte, percepção dos conhecimentos sobre ortotanásia, distanásia e eutanásia e sobre a formação de uma equipe multidisciplinar associada aos Cuidados Paliativos.

Nas Questões 1, 2, 3, em que apenas uma alternativa estava correta, a maioria das pessoas (73,84%) respondeu à Questão 1 corretamente no que diz respeito à ortotanásia. Em relação à Questão 2, referente ao tema distanásia, 43,07% responderam corretamente, tendo escolhido a alternativa B. Na Questão 3, que aborda o tema eutanásia, 58,73% dos alunos escolheram a alternativa C, considerada a correta (Figura 1 e Tabela 1).

FIGURA 1 Respostas dadas às Questões 1, 2 e 3 do questionário 

TABELA 1 Questões do questionário 

Questões N %
1. O que é ortotanásia? 65 100
a. É a abordagem adequada diante de um paciente que está morrendo, prestando-lhe os cuidados paliativos adequados nos momentos finais de sua vida. 48 73,84
b. Morte lenta, ansiosa e com muito sofrimento. 2 3,07
c. É a prática pela qual se abrevia a vida de um enfermo incurável de maneira controlada e assistida por um especialista. 15 23,07
2. O que é distanásia? 65 100
a. Tratamento que presta os cuidados paliativos adequados aos pacientes nos momentos finais de suas vidas, com respaldo jurídico. 19 29,23
b. Morte lenta, ansiosa e com muito sofrimento. 28 43,07
c. Tratamento com medicações que causam sedação profunda e não causam sofrimento ao paciente. 18 27,69
3. O que é eutanásia? 63 100
a. É a abordagem adequada diante de um paciente que está morrendo, prestando-lhe os cuidados paliativos adequados nos momentos finais de sua vida. 11 17,46
b. Tratamento que decide a sobrevivência do paciente junto da opinião dos familiares. 15 23,8
c. É a prática pela qual se abrevia a vida de um enfermo incurável de maneira controlada e assistida por um especialista. 37 58,73
4. Você acha importante um paciente em estado terminal morrer em sua própria casa, junto aos seus familiares? 65 100
a. Sim, pois o paciente que está no fim de sua vida merece passar o tempo que lhe resta junto aos seus familiares. 14 21,53
b. Não, pois morrer em casa significa que o paciente não teve a assistência médica necessária. 0 0
c. Ele deve escolher o local onde quer morrer. 13 20
d. As alternativas A e C estão corretas. 38 58,46
e. Nenhuma das alternativas anteriores. 0 0
5. Você se considera preparado para lidar com a morte de um paciente? 65 100
a. Sim, encaro a morte como um processo natural da vida. 35 53,84
b. Não, associo a morte com derrota, perda e frustração. 6 9,23
c. Não, mas não associo a morte com derrota, perda e frustração. 24 36,92

Nas Questões 4, 5, 7, 8 e 9, não havia alternativa certa ou errada; o aluno deveria assinalar a alternativa que se aproximasse mais de sua opinião pessoal. Os resultados obtidos diante da maioria analisada foram: Questão 4, 58,46% escolheram a alternativa D, enfatizando que se deve respeitar a autonomia do paciente e oferecer como opção a morte em casa junto a familiares; Questão 5, 53,84% assinalaram a alternativa A porque se consideravam preparados para lidar com a morte por entendê-la como um processo natural da vida (Figura 2 e Tabela 1).

FIGURA 2 Respostas dadas à Questão 5 do questionário 

A partir da Questão 7, o entrevistado deveria responder às perguntas referentes a um caso clínico hipotético apresentado, opinando sobre as condutas: um paciente idoso, 68 anos, consciente, diagnosticado com quadro irreversível e sobrevida média de 30 dias foi afastado da tomada de decisões sobre seu caso por decisão da equipe médica e de seus familiares, que optaram por deixá-lo sedado com o intuito de reduzir seu sofrimento. A maior parte dos entrevistados (82,53%) considerou inadequada essa conduta médica, uma vez que feria o direito de autonomia do paciente, o que se faz presente na alternativa B.

Quanto à Questão 8, 52,38% indicaram, por meio da alternativa A, que o vínculo entre médico e equipe multidisciplinar poderia, por vezes, mudar o desfecho do caso clinico, visto que haveria melhor acolhimento e melhor relação de confiança entre paciente, familiares e equipe.

Ainda sobre o caso, na Questão 9, questionamos como deveria ser o preparo de uma equipe de Cuidados Paliativos. Praticamente todos (96,82%) escolheram a alternativa B, em que a equipe ideal deveria ser treinada pautada na interdisciplinaridade e na humanização do atendimento, respeitando o bem-estar físico, emocional e espiritual do enfermo. É válido lembrar que apenas 2 (3,17%) responderam à alternativa D, considerando que os familiares não poderiam fazer parte dessa equipe, e outros 2 entrevistados não responderam à questão (Tabela 2).

TABELA 2 Questões relativas ao caso clínico do questionário 

Caso clínico:    
“Um paciente de 68 anos foi internado numa UTI com grave insuficiência respiratória, necessitando de respirador. Ele estava plenamente consciente e era capaz de opinar sobre os procedimentos que estavam sendo realizados. Seus filhos e sua esposa prestaram forte apoio afetivo. A equipe médica, no dia seguinte, fez o diagnóstico de que ele tinha um quadro irreversível e que seu prognóstico de sobrevida era não superior a 30 dias. A família foi informada deste diagnóstico, mas o paciente não. Os filhos solicitaram que esta informação não fosse revelada ao paciente, pois não sabiam como ele lidaria com esta situação. A equipe médica atendeu a esta solicitação. Da mesma forma, discutiram com a equipe sobre quais medidas poderiam ser tomadas com o objetivo de reduzir o sofrimento do paciente. O médico responsável pelo atendimento, que não tinha vínculo anterior nem com o paciente nem com os familiares, sugeriu sedar o paciente, pois assim o desconforto no respirador seria menor. Os filhos e noras aceitaram a sugestão, e o paciente foi sedado.”
Questões N %
7. Em relação ao caso clínico anterior, você considera correta a atitude dos familiares do paciente junto ao médico responsável? 63 100
a. Sim. Dessa maneira o paciente seria poupado do sofrimento de saber que lhe restam apenas 30 dias de vida, além de obter o tratamento com medicações que causam sedação profunda, sem sofrimento para o paciente. 8 12,69
b. Não. O paciente tem o direito de saber o que se passa com ele, escolher o que deseja fazer no tempo que lhe resta e obter o tratamento paliativo já usado no Brasil. 52 82,53
c. Não acho que o médico deve interferir na decisão da família. 3 4,76
8. Você acha que, se o médico responsável pelo atendimento desse paciente tivesse um vínculo anterior com a família, essa situação seria diferente? 63 100
a. Sim, pois o médico já teria conhecimento prévio do caso e com isso auxiliaria a família a procurar os cuidados paliativos, deixaria o paciente informado sobre sua atual situação. 33 52,38
b. Não, quase todo o caso de pacientes terminais, ao final de sua vida, se dá em um hospital sem que tenha os cuidados paliativos. A maioria das pessoas morre sem saber que eles existem. O vínculo do médico com a família não mudaria essa situação. 5 7,93
c. Não é necessário ser o médico, mas qualquer integrante acolhedor da equipe já teria conhecimento prévio do caso e com isso auxiliaria a família a procurar os cuidados paliativos, deixando o paciente informado e confortado sobre sua situação. 19 30,15
d. Neste caso, o paciente não tem o direito de opinar sobre sua saúde. 0 0
e. Nenhuma das anteriores. 6 9,52
9. Uma equipe de Cuidados Paliativos é uma equipe interdisciplinar formada por profissionais que cuidam para que o paciente em estado terminal tenha uma morte sem dor, junto de seus familiares e em casa (se o paciente preferir). Eles orientam a família do enfermo, fazendo com que ela esteja preparada e para saber como agir na hora em que o paciente morrer. Como deve ser o preparo dessa equipe? 63 100
a. Ela não precisa ser preparada. 0 0
b. A equipe ideal deve ser de caráter interdisciplinar e seguir os eixos da humanização, do bem-estar físico, emocional e espiritual do enfermo. 61 96,82
c. Todos os integrantes devem ter curso superior. 0 0
d. Nenhum integrante da família pode fazer parte desta equipe. 2 3,17
e. Nenhuma das anteriores. 0 0

A Questão 6, única questão discursiva, abordou a concepção individual do estudante em relação ao curso de Medicina ter ou não lhe proporcionado o preparo adequado para assistir o paciente e sua família na hora da morte. Uma parcela representada por 10,76% dos entrevistados optou por deixar a questão em branco, não respondendo ao que lhes foi perguntado. Já 25,86% relataram que o seu curso de Medicina os preparou adequadamente para assistir o paciente e sua família na hora da morte. Inclusive, tivemos um relato de que isso se deveu ao fato de se tratar de uma faculdade com visão holística do paciente: “Não faltou nada para o preparo adequado no meu curso de Medicina, em que desde o início tivemos contato com os pacientes e seus familiares no seu aspecto biopsicossocial”. Todavia, a maioria dos entrevistados discordou dessa opinião, uma vez que 74,13% relataram ter sentido falta de mais contato com a disciplina Cuidados Paliativos e com a sua vivência na prática médica diante de pacientes que necessitam dessa técnica para ter uma melhora da qualidade de vida: “Senti falta de contato mais próximo com o tema, principalmente nos estágios de geriatria e oncologia”; “Faltou mais prática sobre o assunto nas discussões de enfermaria” (Tabela 3).

TABELA 3 Questão discursiva 

Questão 6 N %
Na sua concepção, o que faltou no seu curso de Medicina para lhe proporcionar o preparo adequado para assistir o paciente e sua família na hora da morte? 58 100
a. Não faltou nada. 15 25,86
b. Faltou mais contato com a disciplina e vivência na prática médica. 43 74,13

* Os resultados mostrados nesta tabela foram agrupados, levando em consideração a semelhança das respostas.

DISCUSSÃO

Os resultados encontrados em nosso trabalho apontam que a maioria dos estudantes entrevistados define adequadamente os conceitos de ortotanásia e eutanásia. Entretanto, menos da metade soube definir corretamente distanásia, dado algo preocupante devido à importância ética desse conceito. Com isso, foi percebido que os alunos tiveram acesso durante a graduação aos conceitos primordiais, porém ainda de forma insuficiente. Contudo, é válido lembrar que este déficit não diz respeito somente aos entrevistados do nosso estudo, mas também a várias outras escolas de Medicina, como já demonstrado em estudos anteriores9-12.

Neste contexto, a maioria dos acadêmicos deste estudo afirmava não se sentir preparada para lidar com a morte. Destaca-se, aqui, a dificuldade de lidar com os aspectos gerais da terminalidade, como a própria finitude da vida, aceitação da não cura, e falhas na comunicação, especialmente quando envolve más notícias. Apesar de afirmarem que compreendiam a morte como um processo natural e inerente à vida de todo ser vivo, muitos ainda não conseguiam superar a perda de seus pacientes.

Assim como observado nos estudos1,10,11, tal situação pode ser explicada pelo déficit na abordagem prática do tema, pouca visibilidade nos campos de estágios que os alunos frequentavam, além de escassez de modelos de professores que pudessem servir como referência sobre o assunto.

Normalmente, a maioria dos pacientes que necessitam de cuidados paliativos se encontra em tratamento em ambulatórios, enfermarias, unidades de terapia intensiva, bem como em serviços de home care, o que demonstra a possibilidade de ampliar o ensino teórico-prático nesses campos, que são cenários ideais para se iniciar e aprofundar a vivência em CP12.

Neste estudo, por meio do questionário aplicado, identificamos que os alunos entrevistados prezam o cuidado à vida e enxergam o paciente como um ser biopsicossocial em suas multidimensões. Além disso, possuem conhecimentos gerais teóricos sobre CP e consideram importante a implementação prática dos seus princípios na grade curricular da escola médica em questão, uma vez que referiram sentir necessidade de discussões mais amplas sobre a temática, bem como campos de estágios que adotem essa abordagem com seus pacientes4,11.

Tal análise é igualmente observada nos estudos disponíveis na literatura, que demonstram que a questão educacional é imperativa na conscientização da comunidade e na reformulação das políticas públicas e dos currículos dos cursos voltados à formação de profissionais da saúde, constatando-se também que ainda são poucas as universidades que oferecem essa formação em nível de graduação1,13. Prova disso é um estudo realizado pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), ainda não divulgado, que constatou que, das cerca de 303 faculdades de Medicina do Brasil, apenas 13 apresentavam em seus currículos acadêmicos a disciplina de Cuidados Paliativos, o que representa menos de 5% do total das faculdades de Medicina do Brasil, sendo uma taxa muito distante da ideal1,11,13,14.

CONCLUSÃO

Tomando-se por base a perspectiva das metodologias ativas de ensino-aprendizagem, a graduação em saúde precisa alcançar estratégias que possibilitem a construção coletiva dos conhecimentos e a permanente integração entre teoria e prática referenciada na realidade15. Essa realidade teórico-prática em nível de cuidados paliativos precisa se aprimorar em diversos aspectos a fim de proporcionar ao paciente, familiares e amigos uma assistência biopsicossocial em consonância com os próprios princípios do tema1,11,15. Tais aspectos incluem a formação dos profissionais de saúde do Brasil e, em especial, o enfoque deste estudo: a formação médica de uma escola de Medicina no Estado de Goiás.

Fica claro, portanto, que, embora os acadêmicos avaliados conheçam alguns princípios dos CP, estes, por si só, não são suficientes. Os alunos alegam carência na abordagem do tema, enfatizando a necessidade de implementar os Cuidados Paliativos como disciplina obrigatória na grade curricular brasileira, além de uma atuação prática em campos de estágios onde possam vivenciar uma abordagem paliativista de qualidade para os pacientes e seus familiares enlutados.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 14 de Novembro de 2018; Aceito: 1 de Abril de 2019

ENDEREÇO DE CORRESPONDÊNCIA. Escola de Ciências Médicas, Farmacêuticas e Biomédicas – PUC Goiás Rua R. 235, 15 - Setor Leste Universitário, Goiânia - GO, 74605-050

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Erika Aguiar Lara Pereira - Médica de Família e Comunidade; Professora adjunta do curso de medicina da Pontifícia Universidade Católica de Goiás;

Adriana Belle Rangel – graduanda em medicina da Pontifícia Universidade Católica de Goiás

Júlia Calixto Guimarães Giffoni – graduanda em medicina da Pontífica universidade Católica de Goiás

CONFLITO DE INTERESSES

Declaramos que não possuimos conflito de interesse de ordem financeira, política, comercial, acadêmica ou pessoal.

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